1 CAPÍTULO Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a Realização dos Exames Bioquímicos de Rotina Regina Helena Saramago Peralta Introdução Conceito de Coleta A coleta de um material para exame bioquímico não se restringe ao simples ato de coletar, isto é, ao exato momento em que a amostra a ser examinada é obtida. Trata-se de processo muito mais abrangente, que perpassa vários fatores anteriores à coleta propriamente dita, como, por exemplo, o uso de medicamentos, o estado emocional do paciente etc., passando pelo momento de obtenção da amostra e levando-se em conta o tempo e todas as alterações possíveis de ocorrer na amostra obtida até o momento em que ela será processada, isto é, quando o exame for realizado. Preenchimento Correto de Requisições O médico, ao solicitar exames, deve preen cher a requisição deles de modo completo (nome, sexo, idade do paciente etc.) e, inclusive, fornecer ao laboratório dados que permitam ao mesmo avaliar os resultados obtidos. De posse de tais informações, o laboratório poderá até julgar a necessidade de repetir o exame ou prosseguir com a investigação, apro- veitando o material já colhido para não impor posteriores sacrifícios ao paciente. De modo ideal, deve haver perfeita integração clinicolaboratorial, e esta deve ser cultivada já nos períodos de internato e residência dentro de um hospital universitário. Coleta de Sangue Aspectos a Serem Considerados Antes da Coleta Relativos ao Preparo do Paciente Uso de medicamentos O uso de medicamentos pode modificar o verdadeiro resultado de um exame bioquímico realizado no sangue. Algumas drogas elevam e outras diminuem o valor real do exame. Distinguem-se duas modalidades de atuação dos medicamentos em relação ao referido anteriormente: n a. Atuação in vivo Trata-se de medicamentos que alteram os valores dos exames por influenciarem o metabolismo do paciente que os está usando. 2 Bioquímica Clínica Exemplo clássico é o efeito hiperglicemiante dos glicocorticoides – indivíduos em uso desses hormônios apresentam concentrações de glicose no sangue superiores as que teriam caso não os estivessem usando. b. Atuação in vitro Neste caso, os medicamentos exercem influência, já fora do organismo, durante a realização do exame. O sangue de um indivíduo em uso de uma droga, obviamente, contém a droga ou um metabólico dela, e esta ou estas substâncias “estranhas” ao sangue podem, por exemplo, reagir igualmente à substância que está sendo analisada. A título de exemplo, o uso de acido ascórbico (vitamina C), por possuir propriedade redutora, interfere nos métodos que usam a referida propriedade para dosar glicose. No caso, o resultado estaria fal samente elevado. Há medicamentos cuja ação leva a resultados falsamente baixos. É claro que a magnitude do efeito de medicamentos é dose-dependente e varia também com a velocidade de excreção dos mesmos; as duas variáveis são determinantes da concentração da droga na circulação. De modo ideal, os exames laboratoriais deveriam ser executados em indivíduos que não estivessem fazendo uso de qualquer medicação, e como, na maioria das vezes, isso não é viável e por ser grande o número de medicamentos, cabe ao médico inteirar-se não só da possível interferência dos fármacos por ele receitados sobre os exames de laboratório, mas também da ordem de grandeza dessa interferência. Dieta prévia A ingestão predominante de certos alimentos influi nos resultados de exames de laboratório. Exemplificando: indivíduos com dieta rica em proteínas apresentam concentrações maiores de ureia no sangue. Pessoas obesas, ao fazerem dieta hipocalórica, podem reduzir a concentração de triglicerídios no soro em até 40%. Depreende-se que ao interpretar certos exames é necessário ter conhecimento da dieta prévia a que vinha se submetendo o indivíduo n em questão, e até, em certos casos, imprescindível é modificar ou padronizar a dieta ante riormente à solicitação do exame. Caso típico é o da realização do TOTG (teste oral de tolerância à glicose), também conhecido como curva glicêmica. Para ser submetido a ele, o paciente deve, nos três dias que antecedem a prova, ingerir dieta contendo 150 g de glicídeos. Jejum Toda vez que um exame bioquímico de sangue for solicitado em caráter de não ur gência, digamos que quando for programado, é bastante aconselhável e muitas vezes indispensável que o paciente faça jejum, isto é, que suspenda totalmente a ingestão de todo e qualquer tipo de alimento por um determinado período de tempo, cerca de 12 a 14 horas, durante o qual não há, em geral, necessidade de restrição de água. As razões para o jejum prendem-se a motivos diferentes: n a. Possibilidade de comparação Os resultados encontrados nos exames podem ser comparados com os dos valores de referência (previamente denominados valores normais); a possibilidade de comparação decorre do fato de que os valores de referência existentes foram estabelecidos em jejum. Por valores de referência entendemos uma faixa de valores de concentração abrangendo 95% da população se ± 2 sd, que vai da menor para a maior concentração encontrada na população não doente quando, na referida população, uma substância é dosada. É claro que o método empregado para avaliar o parâmetro em causa, na população citada, tem que ser o mesmo, e a quantidade de indivíduos da população ter significado estatístico. b. Obtenção de soro ou plasma límpidos Tecnicamente, é imprescindível no trabalho laboratorial operar com soro ou plasma límpidos, e a falta de jejum leva com intensidade maior ou menor a soros ou plasmas turvos. Esse inconveniente é devido ao fato da permanência de quilomícrons (triglicerídios exóge- capítulo 1 n Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a Realização dos Exames Bioquímicos de Rotina nos) no sangue de indivíduos que não fizeram um jejum adequado. n Horário a. Padronização em relação ao ritmo circadiano Sabe-se que a secreção de certos hormônios não é contínua, mas obedece a um ritmo que varia nas 24 horas (ritmo circadiano). Decorrentemente, produzem-se alterações metabólicas que influenciam as concentrações de substâncias analisadas no laboratório de bioquímica. As coletas de sangue realizadas na parte de manhã, após o jejum (este é, em sua maior parte, noturno), introduzem uma certa padronização em relação ao ritmo circadiano. b. Padronização em relação à atividade física Uma outra vantagem seria ainda a de estabelecer de algum modo uma padronização relativa à atividade física (adiante este tópico será abordado). Coletas efetuadas matinalmente seguemse a uma noite de repouso (excetuando-se, obviamente, os que para chegar ao local de coleta tenham que enfrentar grandes distâncias). Estado emocional Pacientes submetidos ao estresse irão, certamente, ter os resultados de certos exames modificados em função de secreção hormonal alterada, e até de variação da ventilação pulmonar. O estado emocional deve ser levado em conta quando há solicitação de certos exames pelo facultativo, sendo que o pedido de alguns exames deve até ser adiado para ocasião mais apropriada. Exemplos de exames invalidados por estresse: • TOTG (curva glicêmica) – o resultado desse exame com o paciente estressado não permitirá firmar o diagnóstico de diabetes mellitus; portanto, esse exame não deverá ser pedido; • gasometria arterial em uma criança cho rando – haverá hiperventilação que levará a resultados não fidedignos. n 3 A propósito, é bom lembrar que, em geral, a pessoa que vai fazer um exame laboratorial já está preocupada com o próprio estado de saúde e, além disso, temerosa quanto à coleta de sangue, sem contar o incômodo jejum. Portanto, é de boa prática que tanto o médico que fez a requisição quanto o pessoal do setor de coleta do laboratório tentem tranquilizar o paciente. Postura do paciente Há relatos antigos que descrevem, para diferentes posturas do paciente (deitado, em pé), diferentes concentrações das mesmas substâncias no sangue. O fato é devido ao fenômeno da passagem de água e de pequenos solutos do líquido intravascular para o líquido intersticial quando o indivíduo muda sua posição de decúbito para o ortostatismo (posição em pé), em decorrência de variações na pressão hidrostática. Já que as dosagens bioquímicas de que se está tratando neste capítulo são realizadas no líquido vascular, qualquer saída de água, dele para o interstício, acarretará elevação da concentração das macromoléculas (proteínas) que não seguem a água, e as substâncias de peso molecular baixo (pequenos solutos) terão uma diminuição da concentração. O médico deve ter conhecimento disso como mais uma fonte de variação de resultados, e caberia aos laboratórios tentar padronizar a posição para as coletas. Para ter-se idéia da ordem de grandeza das variações que podem ocorrer com as mudanças de postura do paciente, citam-se as observadas nas dosagens de proteínas e de lipídios (colesterol e triglicerídios), que são em torno de 10%. n Relativos à Amostra a Ser Obtida Material para a punção (tubos a vácuo, seringas etc.) Há alguns anos, a coleta de sangue era rea lizada com seringas de vidro e, naturalmente, agulhas. Essa prática exigia que o sangue obtido durante a coleta fosse transferido para n 4 Bioquímica Clínica outro recipiente. Posteriormente, houve a introdução de tubos providos de vácuo e vedados com rolhas de borracha. A coleta de sangue com um tubo a vácuo processa-se pelo acoplamento do tubo a um dispositivo provido de duas agulhas. Esse dispositivo assemelha-se ao mandril (parte externa) de uma seringa comum, portanto é oco, e as duas agulhas estão fixadas em direções opostas na parte que corresponde à extremidade da seringa (“bico” da seringa). No momento da coleta, uma das agulhas é introduzida na veia que vai ser puncionada e a outra perfura a tampa de borracha do tubo provido de vácuo e que funciona como se fosse o êmbolo da seringa. Com o vácuo, o sangue, uma vez puncionada a veia, fluirá para dentro do tubo. Atualmente, a maior parte das coletas de sangue é feita com os tubos descritos, porque apresentam as seguintes vantagens: • dispensam a preparação de seringas e de recipientes para a coleta (já existem prontos à venda no comércio); eles funcionam simultaneamente como seringa e recipiente para receber o sangue. A eliminação da etapa de preparação referida representa um alívio da sobrecarga de trabalho para o laboratório; • ao ser evitada a transferência do sangue de uma seringa para outro recipiente, são reduzidas as possibilidades de hemólise e de contaminação do operador quando este manipula o material sem luvas. um líquido límpido de cor amarela característica que se denomina soro. O soro não contém as proteínas da coagulação que ficaram retidas no coágulo; menciona-se sempre que o soro não tem fibrinogênio. b. Obtenção de sangue total e de plasma O sangue colhido com uma substância que impeça sua coagulação, um anticoagulante, permanece líquido e recebe o nome de sangue total (células + parte líquida). Se o sangue total for centrifugado, as células sedimentarão e aparecerá um líquido sobrenadante que é denominado plasma. Diferentemente do soro, o plasma contém as proteínas da coagulação. Anticoagulantes Os anticoagulantes mais comumente usados na coleta de sangue para exames bioquímicos são: Heparina Tem ação antitrombina. É o melhor anticoagulante para exames bioquímicos por ser o que menos interfere neles. Entretanto, pelo elevado custo, não é empregado rotineiramente. Na coleta de sangue para a determinação da gasometria arterial, a heparina é o único anticoagulante utilizado. Oxalatos São os anticoagulantes mais usados em bioquímica por serem de custo razoável e interferirem pouco nas análises bioquímicas. Recipientes para receber o sangue Antes da coleta, o técnico já sabe, pelos exames solicitados, se vai necessitar obter soro, plasma e/ou sangue total. Citratos e EDTA (etileno diamino tetraacetato) a. Obtenção de soro É obtido a partir de um sangue colhido sem qualquer material que impeça a coagulação, isto é, sem um anticoagulante. Dentro de minutos, a coagulação ocorrerá espontaneamente. Repete-se e, para conseguir soro, basta retirar sangue e deixá-lo coagular. Após determinado tempo (20 a 30 minutos), ocorrerá o fenômeno da retração do coágulo, e deste sairá São os anticoagulantes menos usados na bioquímica do sangue. Têm uso em banco de sangue e em hematologia, respectivamente. A ação anticoagulante dos oxalatos, citrato e EDTA deve-se à retirada do cálcio (fator IV da coagulação); o cálcio é retirado ou porque é precipitado ou por sua quelação. Os tubos a vácuo existentes no comércio são vedados com rolhas de cores diferentes. n capítulo 1 n Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a Realização dos Exames Bioquímicos de Rotina Cada cor indica ou está relacionada ao anticoagulante contido no tubo, isto é, empregado universalmente. Todos os tubos com EDTA têm tampa de cor lilás. O vermelho ficou reservado para indicar a ausência de anticoagulante, isto é, para obtenção de soro. Identificação Correta e Imediata do Material Colhido As estatísticas mostram que mesmo em países desenvolvidos grande parte de erros laboratoriais decorrem da troca de material, pois coletas e exames de vários doentes estão sendo executados na mesma ocasião. Parece ser óbvio, mas é sempre bom lembrar a importância dos cuidados nessa fase. Os recipientes que vão receber as amostras colhidas devem ser identificados com o nome completo do paciente, e devem ser anotadas a data e a hora da coleta. Anotar a hora da coleta é importante, pois o tempo decorrido até a realização do exame propriamente dito pode influir nos resultados. Volume de sangue necessário O volume de sangue a ser colhido dependerá do número de exames a ser executado. Sempre que possível, é de boa prática coletar-se um volume de sangue que até permita repetir o exame, armazenar se necessário. n Aspectos a Serem Considerados Durante a Coleta Escolha do Local a Ser Puncionado: Uso de Sangue Venoso, Capilar ou Arterial Por ser, geralmente, de fácil obtenção, o sangue venoso é o mais comumente empregado para exames bioquímicos. As veias da fossa cubital são de modo geral as melhores para a flebotomia (punção venosa). Outras poderão ser utilizadas em situações especiais. Em pacientes diabéticos (diabetes mellitus) é contraindicada a coleta de sangue em veias do membro inferior. O sangue capilar pode substituir o venoso em certos casos, isto é, em recém-nascidos e 5 crianças pequenas, ou em adultos com veias muito difíceis. É também prática corrente o uso de sangue capilar para a determinação da glicemia no controle de pacientes diabéticos. A composição do sangue capilar é considerada idêntica ao do sangue venoso, exceção feita, na prática, à concentração da glicose, que é superior no sangue capilar. A obtenção do sangue capilar é feita com o auxílio de uma lanceta pelo que atualmente se chama punção de pele. Os locais mais usados, no adulto e em crianças maiores, são a polpa digital e o lobo da orelha. Em recém-nascidos e em crianças menores, o local de escolha é o calcanhar. Neles deve-se ter o cuidado para que a lanceta não atinja o calcâneo (há uma conduta especial para isto); essa precaução evita risco de osteomielite. Na coleta de um sangue capilar, a primeira gota deve ser desprezada, assim como manobras para espremer a pele não devem ser praticadas para evitar a mistura do sangue capilar com o líquido intersticial. O uso de sangue arterial é praticamente reservado à gasometria arterial. A punção da artéria é mais dolorosa e requer pessoal mais habilitado. Realiza-se sem o uso do garrote, e a artéria é identificada pela pulsação e espessura da parede. As artérias preferidas devem ser escolhidas nessa ordem: radial, braquial e femoral. A possibilidade de ocorrer sangramento é maior com a punção da femoral. Após uma punção arterial, deve ser aplicada uma pressão firme no local durante pelo menos 5 minutos para minimizar o sangramento. A coleta de sangue para gasometria arterial não deve ser feita com seringas de plástico. Antissepsia Deve ser feita antes de qualquer coleta de sangue, quer seja venoso, quer seja capilar ou arterial. O operador deve, após ter lavado as mãos, limpar rigorosamente o local a ser puncionado com álcool iodado. No caso de flebotomia, a veia a ser puncionada deve apenas ser palpada antes da assepsia, e o local a ser puncionado deve ficar seco (o álcool deve ter evaporado). 6 Bioquímica Clínica A literatura americana cita o uso de álcool isopropílico a 70% com a mesma finalidade do álcool iodado. Garroteamento Esse tópico foi destacado porque o garroteamento é usado na obtenção de sangue para a maior parte dos exames bioquímicos, uma vez que se trabalha principalmente com sangue venoso e a coleta deste exige o emprego dessa prática, com o objetivo de, ao distender as veias, facilitar ou mesmo possibilitar a punção. O garroteamento não deve ser feito por tempo superior a um minuto. Para garrotear usam-se tubos de borracha, mas já existem garrotes práticos à venda no comércio, que não passam de elásticos adequados e providos de velcro. Causas e Consequências da Hemólise Quando a técnica da coleta de sangue, propriamente dita, não é bem conduzida, pode levar a um inconveniente, o da hemólise, com passagem do conteúdo das hemácias para o líquido extracelular (vascular). A separação do soro ou do plasma de um sangue em que o referido fenômeno tenha ocorrido mostrará o que se chama soro hemo lisado ou plasma hemolisado, visível à simples inspeção da cor do material; esta, que normalmente seria amarela (ausência de hemólise), passa a ser rósea (hemólise moderada), indo até o vermelho (hemólise acentuada). As seguintes precauções devem ser tomadas para impedir hemólise durante a coleta e na obtenção de soro e plasma: • evitar manobras violentas com o sangue, tais como: sacudir vigorosamente o recipiente que contém o sangue para misturá-lo com o anticoagulante; forçar a passagem pela agulha ao transferí-lo da seringa para o recipiente, empurrando fortemente o êmbolo (o correto é retirar a agulha para então proceder à transferência, empurrando o êmbolo da seringa com cuidado) quando a coleta for efetuada com seringa; se for transferir da seringa para o tubo à vácuo, não se recomenda a passagem do sangue pela agulha; a centrifugação do sangue para obter soro ou plasma deve ser feita cuidadosamente. As medidas citadas visam evitar hemólise que, no caso, poderia ser chamada de mecânica; • não deixar que o sangue entre em contato com líquidos. É preciso deixar secar bem o local em que foi feita a antissepsia e não usar material molhado (caso se usem seringas, porque os tubos a vácuo já são fornecidos secos). A hemólise, nesses casos, decorreria da passagem de líquidos para o interior das hemácias e o consequente rompimento delas. Uma vez ocorrida a hemólise, ela vai provocar: • diminuição da concentração de constituintes que existem em menor quantidade nos eritrócitos do que no plasma (ou soro); há diluição deles por saída de água das células; • aumento da concentração das substâncias que são mais abundantes nas hemácias do que no plasma (ou soro); há saída delas do interior das células; • modificação da cor do plasma ou soro por escape da hemoglobina das hemácias; a cor dessa proteína vai interferir com a realização dos métodos colorimétricos empregados. Exemplo clássico de um exame que não pode ser executado em material hemolisado é o da determinação do potássio sérico. Esse íon existe em concentração muito superior dentro das células, e a alteração do resultado em presença de hemólise é grande e imprevisível. Proteção do Operador É um item que está na ordem do dia e não se limita ao técnico que executa a coleta de san- capítulo 1 n Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a Realização dos Exames Bioquímicos de Rotina gue, mas a toda e qualquer pessoa que manipula amostras potencialmente contaminadas. Recomenda-se o uso de luvas não só para a coleta de sangue, mas também para o manuseio dele durante todo o processamento no laboratório. Coleta de Urina Preparação de Paciente Uso de medicamentos Os comentários feitos a propósito da influên cia de medicamentos sobre exames realizados no sangue aplicam-se também aos de urina. n Higiene da genitália externa É importante a higiene da genitália externa com água e sabão neutro. É necessário enxugar a região. Essa medida visa diminuir a passagem de bactérias para a urina. n Coleta de uma Amostra Isolada de Urina É utilizada para a realização de um EAS, isto é, para a pesquisa de elementos anormais e sedimentoscopia. Por elementos anormais entende-se a presença, na urina, de substâncias que não são encontradas em indivíduos normais (exemplos: glicose, proteínas) quando as referidas substâncias são pesquisadas pelos métodos de rotina. Deve-se entender que esse exame só vai informar se essas substâncias estão ou não presentes, sendo uma análise qualitativa e/ou semi-quantitativa, porque não fornece o resultado em massa/volume (concentração). A sedimentoscopia é o exame microscópico do sedimento de uma urina; o sedimento é obtido por centrifugação da amostra e obedece às normas das boas práticas laboratoriais. O exame do sedimento urinário exige urina recentemente emitida. O EAS é mais comumente realizado com a coleta da primeira urina da manhã (esta seria mais concentrada). Pode, entretanto, o EAS ser feito, aleatoriamente, em qualquer amostra de urina durante o dia, desde que haja retenção urinária de aproximadamente 4 horas, se possível. 7 Coleta de Toda a Urina de 24 horas (Nictêmero) Há exames de urina em que se quer determinar a quantidade de uma substância que é excretada (exemplos hormônios, proteínas). Como durante o nictêmero há grandes variações de excreção, é importante executar o exame em uma urina obtida por mistura de todas as urinas de todas as micções das 24 horas. Para essa coleta, o paciente deve ser instruí do a desprezar a primeira urina do dia, anotar a hora e começar a recoletar todo o volume de urina de todas as micções até a mesma hora do dia seguinte. A primeira urina do dia em que se inicia a coleta é uma urina que já está na bexiga e representa uma amostra das 24 horas anteriores, por isto é desprezada. A última urina é coletada. É indispensável colocar na geladeira toda a urina que for sendo recolhida ao longo das 24 horas para preservação do material. Os resultados dos exames realizados em urina de 24 horas são dados em massa/24h. Diferentemente da pesquisa de elementos anormais, é realizada uma dosagem; há uma quantificação, portanto, trata-se de uma análise quantitativa. Recipientes para Colocação da Amostra Os frascos empregados para receber a urina colhida, tanto para um EAS quanto para a urina de 24 horas, devem ser rigorosamente limpos. Identificação do Material Colhido O que foi dito relativamente à identificação de amostras na coleta de sangue aplica-se integralmente à de urina. Aspectos a serem considerados a. Tempo decorrido entre a coleta e a realização do exame: De modo ideal, todos os exames devem ser realizados imediatamente após a co- 8 Bioquímica Clínica leta. Sendo isso impraticável, cabe reconhecer a que variações pode levar a demora na execução de cada exame em particular, bem como as providências indicadas para minorar essa variação. Só para citar: quando o exame microscópico do sedimento urinário não é efetuado imediatamente após a emissão da urina, a amostra deve ser guardada em geladeira. b. Transporte, contaminação e decomposição do material a ser analisado: Muitas amostras têm que ser transportadas do local de coleta até o laboratório, o que deve ser feito em condições recomendadas para cada exame. Exemplificando, o sangue colhido para gasometria arterial deve ser transportado em gelo. A contaminação de uma amostra pode ser bacteriana ou por substância estranha a ela. Convém sempre manter tampados os recipientes que contêm o material a analisar (evita-se também a evaporação) e, muitas vezes, convém mantê-los em geladeira. Essas medidas auxiliam a prevenir contaminação. A decomposição da substância que se está querendo dosar pode ocorrer por uma serie de motivos: exposição ao ar, à luz, a temperaturas inadequadas etc. Todos estes fatores resultarão em valores falsos. Como exemplo podemos citar a decomposição da glicose sanguínea por glicólise; as hemácias contêm enzimas da via glicolítica que continuam a agir in vitro e que vão progressivamente, com o passar do tempo, diminuindo a concentração real de glicose da amostra a dosar. É fundamental separar o mais rapidamente possível o soro ou plasma, isto é, não deixá-los entrar em contato com as hemácias. Como é difícil fazer um bom controle do tempo em que o soro e o plasma são obtidos pós-coleta, mormente, em laboratórios de grande porte, a conduta mais correta é usar um inibidor de via glicilítica, pois a glicólise já pode ter significado clínico com o passar da primeira hora. O inibidor mais corretamente empregado é o fluoreto de sódio. Convém lembrar que ele tem também uma ação anticoagulante, porém fraca, e é utilizado principalmente como inibidor da glicólise, mais particularmente da enolase (enzima dessa via). Bibliografia Consultada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. Burtis CA, Ashwood ER (eds.). Specimem collection and processing: Sources of biological variation. Tietz Textbook of Clinical Chemistry. W.B. Saunders Company, Philadelphia, USA, 1999. 2. Henry JB (ed.). Clinical diagnosis and management by laboratory methods. W.B. Saunders Company, Philadelphia, USA, 2001.