49 Cenário Evolutivo de Moléculas Pré-Bióticas X Salão de Iniciação Científica PUCRS Guy Barros Barcellos1, Rafael Andrade Caceres1,2, Walter Filgueira de Azevedo Jr.1,2 (orientador) 1 2 Faculdade de Biociências, PUCRS PPG de Medicina e Ciências da Saúde, PUCRS Resumo O arcano fenômeno que originou a vida foi, em parte, elucidado por Stanley Miller e Harold Urey em 1953. Neste experimento clássico foi demonstrado que compostos simples, como CH4, NH3, H2, N2, CO2 e H2O, submetidos a descargas elétricas em uma simulação de uma atmosfera redutora, como se supunha na época, seriam capazes de formar aminoácidos. Este notável experimento pavimentou as vias para o desenvolvimento de pesquisas acerca de moléculas da vida primeva. Através de simulações de dinâmica molecular considerando condições vulcânicas, analisamos a estabilidade estrutural de peptídeos constituídos por resíduos de aminoácidos hidrofóbicos e carregados comuns na terra pré-biótica e seus variantes gerados a partir de mutações sítio-específicas. O resultado de tais análises propicia o estabelecimento de possíveis cenários para a emergência das moléculas orgânicas e suas funções biológicas. Introdução Charles Darwin teve um insight acertado sobre as origens da vida, como demonstrado pelo seguinte trecho de uma carta enviada a um amigo: “Se pudermos conceber que em alguma poça d’água morna, com toda sorte de sais de amônia e fósforo, luz, calor e eletricidade, um composto protéico foi quimicamente formado, apto a passar por processos ainda mais complexos, hoje em dia, tal matéria seria instantaneamente devorada e absorvida, o que não teria sido o caso antes das criaturas vivas terem se formado.” Neste parágrafo profético, é notável como Darwin ensaia a evolução química, que precedeu a própria evolução biológica. O experimento de Miller-Urey corrobora a proposição de Darwin, sugerindo que a X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 50 “poça d’água morna” possa ser um cenário plausível para a gênese da vida (Johnson et al, 2008), seja ela como for. Sob o ponto de vista químico, a vida pode ser definida como um sistema aberto capaz de auto-replicação, que pode estar submetido a um processo de evolução darwiniana (Clancy et al, 2005). Em analogia com as moléculas orgânicas atuais, já que a vida terrestre é a única referência que possuímos, acredita-se que as moléculas primordiais eram esqueletos de C flanqueados por átomos de H, O, N e S, difusos em um meio líquido. Visto que o registro fóssil destes acontecimentos foi apagado pelo tectonismo, a verdadeira natureza destas moléculas é desconhecida. Possivelmente, aminoácidos estavam presentes na terra primeva, produzidos sob condições atmosféricas primitivas em orifícios hidrotermais ou, até mesmo, vindos de asteróides (Brack, 2007). O objetivo deste trabalho consiste em avaliar a estabilidade de peptídeos pré-bióticos, através de ferramentas de bioinformática estrutural. Caracterizando as condições ambientais e as possíveis funções biológicas dos peptídeos primitivos, poderemos compreender parte da evolução química que culminou na emergência da vida. Metodologia Há uma escola de pesquisadores que utiliza modelos computacionais (simulação in silico) para estudos sobre as origens da vida (Kauffman, 1993). Para avaliarmos o comportamento dinâmico dos peptídeos em solução, utilizaremos o método de simulação por dinâmica molecular, implementado no pacote de programas GROMACS versão 3.3.1 (Berendsen et al., 1995; Lindahl et al., 2001), disponível como freeware sob licença GNU (General Public License). As simulações dos peptídeos serão realizadas em água (modelo SPC/E), utilizando-se as estruturas geradas através do programa PEPBUILD (Canutescu et al, 2003) como modelos iniciais. Os peptídeos serão centrados em uma caixa cúbica com uma distância mínima de 10 Å em relação as suas faces e, posteriormente, solvatados e submetidos a uma minimização de energia inicial através de um algoritmo de gradiente conjugado. Objetivando acomodar as moléculas do solvente nas reentrâncias do peptídeo, será realizada uma pequena dinâmica molecular com restrição de todos os átomos. O sistema será lentamente aquecido até que se atinja a temperatura de 300 K. Simulações da ordem de 10ns (10. 10-9s), com passos de 2fs (2. 10-15 s), serão aplicadas a todos os sistemas. X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 51 Resultados e Discussão Na terra pré-biótica, aminoácidos carregados e hidrofóbicos, provavelmente, estavam disponíveis (Miller, 1953; Mattheus & Moser, 1967) e as maiores fontes de energia eram radiação UV, descargas elétricas e aquecimento vulcânico (Kobayashi et al, 2001). Nesse ambiente, aminoácidos formados em ilhas vulcânicas podem ter-se acumulado em regiões de maré onde seriam polimerizados por sulfeto de carbonila (um gás vulcânico) (Leman et al, 2004). López de la Osa e colaboradores (2007) determinaram a estrutura e estabilidade do peptídeo KIA7, um peptídeo de 20 resíduos de aminoácidos formado majoritariamente por Lys (K), Ile (I) e Ala (A), a fim de responder se proteínas poderiam ser formadas a partir de um grupo limitado de aminoácidos. A estrutura do KIA7 e suas variantes possuem um arranjo helicoidal. Partindo dos dados obtidos no estudo acima referido, peptídeos KIA (figura 1) foram desenhados através de mutações em resíduos específicos, levando-se em consideração o experimento Miller-Urey alternativo, que simula condições vulcânicas, injetando vapor na centelha, (Johnson et al, 2008) e uma atmosfera menos redutora do que o experimento original. Somente os resíduos encontrados no experimento Miller-Urey vulcânico em uma taxa molar mínima de 10-4 moles foram considerados. No estudo de dinâmica molecular, a estabilidade destes peptídeos será avaliada, de forma a podermos sugerir quais teriam sido as condições ambientais determinantes para a conversão de moléculas inorgânicas em orgânicas e, posteriormente, sua evolução para biomoléculas ativas. X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 52 Figura 1 Representação gráfica da estrutura terciária e da superfície de contato do peptídeo KIA7 vulcânico. Referências JOHNSON, A.P., CLEAVES, H.J., DWORKIN, J.P., GLAVIN, D.P., LAZCANO, A., BADA, J.L. The Miller Volcanic Spark Discharge Experiment. Science, Vol. 322, (2008), p. 404. CLANCY, P., BRACK, A. and HORNECK, G. Looking for Life: Searching the Solar System. New York: Cambridge University Press. 2005. BRACK, A. From Interstellar amino acids to Prebiotic Catalytic Peptides: A Review. 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