Luís Ferreira | Investigador do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança - IPRIS
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica
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Introdução O lento processo de evolução do direito dos cursos de água internacionais está
profundamente associado aos diferentes contextos políticos e económicos das épocas que atravessou.
No século XIX, o controlo dos Estados sobre os rios internacionais foi confrontado com os princípios universais da liberdade de navegação e do comércio,
sendo a sua abertura operada principalmente através de tratados de paz. Essa abertura deparou-se na Europa com o princípio sacrossanto da soberania dos Estados,
mas desenvolveu-se de uma forma mais cooperativa nas colónias, onde as vantagens
económicas prevaleciam sobre quaisquer outras considerações, territoriais ou políticas.
O século XX demarcou-se, no domínio das águas internacionais, pela multiplicação dos seus usos para fins económicos múltiplos. Tal multiplicação, associada
à crescente industrialização, ao forte crescimento e pressão demográficas, à desagregação dos impérios e às sucessivas vagas de descolonização, contribuiu para que
os usos das águas internacionais fossem cada vez mais factor de controvérsia.
Não obstante os esforços de organizações internacionais e de organizações não
governamentais, como a Sociedade das Nações ou a Associação de Direito Internacional, a prática dos tratados tem-se mantido largamente impregnada pelas relações
de força entre os Estados e consideravelmente dependente de regimes de financiamento internacionais.
A abertura de negociações no seio das Nações Unidas para a codificação do
direito dos cursos de água internacionais para fins diferentes da navegação é fruto
dessa consciência, mas também de um imperativo de segurança. Com efeito, dos
263 rios internacionais actualmente existentes (conjunto das águas de superfície e
subterrâneas que alimentam um rio internacional), cobrindo 47% da superfície
terrestre e abarcando mais de 40% da população mundial, apenas pouco mais de
1/4 são abrangidos pelos cerca de 500 tratados presentemente em vigor, sendo que
mais de metade destes tratados não prevêem quaisquer mecanismos de resolução de
conflitos.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
no contexto da segurança regional
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
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A Convenção das Nações Unidas sobre o direito dos cursos de água internacionais para fins diferentes da navegação surge, na década de 70, como tentativa
de resolução política dos usos das águas internacionais. As negociações conduzidas,
numa primeira fase, pela Comissão de Direito Internacional (CDI), prolongaram-se
por vinte anos (1974-1994), tendo sido o respectivo documento de trabalho, numa
segunda fase, objecto de negociações intergovernamentais em duas sessões do Grupo de Trabalho Plenário (GTP), uma em 1996 e outra em 1997.
Aprovada em 1997 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Convenção das
Nações Unidas sobre o direito dos cursos de água internacionais para fins diferentes
da navegação (adiante designada por Convenção de 1997) apenas recolheu, até
2003, doze ratificações, incluindo a de Portugal, das 35 necessárias para a sua entrada em vigor.
Neste Ano Internacional da Água Doce, em que a Assembleia Geral das Nações
Unidas, através da Resolução 55/96, apelou para a tomada de consciência da utilização, gestão e protecção duradoura dos recursos hídricos, importa retroceder um
pouco no tempo e reflectir sobre as razões pelas quais esta Convenção não preenche
to-talmente a sua função de instrumento pacificador dos conflitos inerentes às águas
internacionais.
O potencial de conflito da água A abundância de água no planeta é manifesta: repartindo-
-se por 71% da superfície terrestre, para um volume de 1.400 milhões de quilómetros cúbicos, sendo que 98% desse volume tem um teor em sal demasiado elevado para consumo humano, até mesmo para a maior parte dos usos industriais1.
Os 2% utilizáveis são, na sua maioria, reservas de água doce retidas nas calotes glaciares dos pólos, nos glaciares e águas subterrâneas. Já as águas superficiais dos rios
e dos lagos representam apenas 0.014% desse conjunto2.
O caudal das águas continentais, oriundo das águas superficiais e subterrâneas,
é de longe a fonte mais importante de água para consumo humano, representando
44.500 quilómetros cúbicos3. Esta disponibilidade é contudo muito variável nas
diferentes regiões do mundo. Com efeito, os maiores volumes de água concentram-
1
Sironneau, Jacques, L'eau. Nouvel enjeu stratégique mondial, coll. Poche Geopolitique, Economica, n.º6, Paris,
1996.
2
ibidem.
3
Wallensteen, Peter/ Swain, Ashok, Comprehensive assessment of the freshwater ressources of the world, Stockholm
Environment Institute, Stockholm, 1997.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
4
ibidem.
ibidem.
6
Margat, Jean, Que savons nous aujourd'hui des ressources en eau?, in Margat, Jean et Tiercelin, Jean Robert (et al.),
L'eau en questions, Romillat, Paris, 1998.
7
Sironneau, Jacques, L'eau. Nouvel enjeu stratégique mondial, coll. Poche Geopolitique, Economica, n.º6, Paris,
1996.
5
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-se nas zonas temperadas e regiões equatoriais, zonas de menor concentração populacional. No caso da Europa, por exemplo, o volume de água per capita representa
metade da média mundial do volume de água total per capita4. Mas, a maior parte do
continente está na zona temperada e muitos rios mantêm um débito constante,
situação que já não se verifica noutras regiões. É o caso das regiões tropicais e áridas,
onde os limitados recursos hídricos se encontram desigualmente repartidos, confrontando essas regiões com a rarefacção desse recurso vital. Assim, o caudal do rio
Amazonas representa 80% do caudal médio das águas da América do Sul; a bacia do
rio Congo é responsável por 30% das águas do continente africano5. Além do mais,
nas grandes bacias transclimáticas e internacionais, como a dos rios Nilo, Senegal,
Níger, Tigre, Eufrates, Indo e Mekong, os recursos em água formam-se essencialmente nas zonas a montante, “produtoras”, com clima húmido, que contrastam
com as zonas a jusante, “consumidoras”, de clima mais árido, o que acentua ainda
mais a partilha desigual das águas6. Os débitos dos rios das regiões áridas e tropicais
são submetidos a fortes flutuações sazonais, fazendo com que a maior disponibilidade em água ocorra durante períodos de uma curta e intensa estação de chuvas.
A estas desigualdades naturais juntam-se as pressões da procura para fins de
desenvolvimento económico e social, principais factores da diminuição das disponibilidades e do acréscimo da vulnerabilidade do recurso em água. À semelhança da
distribuição, também os usos da água têm a sua geografia.
Assim, verifica-se que as regiões que mais sofrem da desigual distribuição geográfica dos recursos hídricos – nomeadamente o norte, o leste e o sul de África, o
Próximo e o Médio Oriente, e o sul da Ásia – são aquelas onde a procura é mais
importante. A irrigação continua a ser, no mundo, a principal utilização do recurso
em água, com 70% do volume global, seguida da indústria e da energia, muito à
frente do abastecimento das colectividades locais. Os países em vias de desenvolvimento são os principais consumidores de água para fins agrícolas, mas também os
que mais a desperdiçam. Com efeito, calcula-se que sejam utilizados, nesses países,
duas vezes mais água por hectare do que nos países industrializados para uma produção agrícola três vezes menos elevada7. Também o acesso à agua potável e as dis-
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ponibilidades deste recurso atingem actualmente limites que penalizam fortemente
as opções de desenvolvimento daqueles países, limites esses a que as elevadas taxas
de crescimento populacional em nada contribuem para a sua segurança alimentar e
hídrica – segundo o Banco Mundial mais de 95% do crescimento da população
mundial terá lugar nos países menos desenvolvidos dos continentes africano, asiático e sul-americano8. Em 2015, cerca de 3 biliões de pessoas viverão em países com
dificuldades em mobilizar água suficiente para satisfazer as necessidades alimentares, industriais ou domésticas dos seus cidadãos9. Essa vulnerabilidade é acrescida
se tivermos em conta que para responder às exigências internas, os recursos em
água não provêm exclusivamente do interior das fronteiras, mas são partilhados e
dependentes de outros Estados.
O mandato de 8 de Dezembro de
1970 da Assembleia Geral das Nações Unidas recomendava à CDI o estudo do direito
dos cursos de água internacionais para fins diferentes dos da navegação, com vista
ao seu desenvolvimento progressivo e à sua codificação. Nesse sentido, os objectivos
do mandato da Assembleia Geral eram claros: a CDI deveria distinguir os desenvolvimentos a longo prazo das noções transitórias, identificar os problemas emergentes
a que o direito teria que responder e redigir normas claras relativamente aos usos
das águas internacionais. Todavia, na apresentação do primeiro relatório, em 1974,
os membros da CDI cedo se aperceberam de que as divergências de fundo, entre os
Estados e no seio da Comissão, eram consideráveis, tanto no que diz respeito à codificação dos princípios gerais como quanto ao alcance da futura convenção. A controvérsia prolongou-se por mais vinte anos.
O consenso obtido em 1997 na Assembleia Geral em torno do texto apresentado obedece à lógica dos interesses geopolíticos dos Estados. Esses interesses introduziram elementos de resistência importantes nas negociações, aumentando a
sua complexidade. Os fortes obstáculos políticos na CDI impediram a aplicação de
uma visão funcionalista e de princípios universalmente reconhecidos às águas dos
rios internacionais. As negociações encetadas no Grupo de Trabalho, em 1996 (quadro
1), foram difíceis e a discussão sobre os projectos de artigos mais controversos
sistematicamente adiada. O consenso obtido na segunda sessão de trabalho, em 1997
As negociações da água e a resistência dos Estados
8
Wallensteen, Peter/ Swain, Ashok, Comprehensive assessment of the freshwater ressources of the world, Stockholm
Environment Institute, Stockholm, 1997.
9
Postel, Sandra/Wolf, Aaron, “Dehydrating conflict”, Foreign Policy, n.º 126, Set.-Out. 2001.
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QUADRO
1 – Resultados da votação sobre o projecto de Convenção (GTP, 1996)
A FAVOR
CONTRA
ABSTENÇÕES
África do Sul, Alemanha, Argélia, Áustria,
China, França, Turquia
Argentina, Bolívia,
Bangladesh, Bélgica, Brasil, Camboja,
Bulgária, Colômbia,
Canadá, Chile, Dinamarca, Estados
Egipto, Equador,
Unidos da América, Etiópia, Finlândia,
Eslováquia, Espanha,
Grécia, Hungria, Irão, Itália, Jordânia,
Índia, Israel, Japão,
Liechtenstein, Macedónia, Malásia,
Lesoto, Líbano, Mali,
Malawi, México, Moçambique, Namíbia,
Paquistão, Ruanda,
Nigéria, Noruega, Países Baixos, Portugal,
Rússia, Tanzânia
Reino Unido, República Checa, Roménia,
Síria, Suíça, Tailândia, Tunísia, Vaticano,
Venezuela, Vietname, Zimbabwe
Fonte: Documents officiels de l'Assemblée générale, Sixième Commission, 51ème session, 1997, UNDOC. A/C.6/51/SR.62/
Add.1, parag. 2.
10
Wouters, Patricia/Vinogradov, Sergei, Current developments in the law relating to international watercourses: implications for Portugal, Nação e Defesa, 2.ª edição, n.º 86, verão 1998, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa.
11
Entrevista com Patricia Wouters, 31 de Agosto de 1999.
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Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
(quadro 2), foi qualificado de “insuficiente” e de “imaturo”, não contribuindo para
a resolução dos diferendos existentes entre Estados ribeirinhos. Essas deficiências em
torno do projecto de convenção projectaram-se inexoravelmente sobre o resultado
das votações na Assembleia Geral, onde a maior parte dos votos contra e das abstenções provinham de países em vias de desenvolvimento ou de países inseridos
num contexto regional de marcada insegurança hídrica.
Patricia Wouters descreveu o compromisso a que tinha chegado o GTP como
sendo aceitável para a maioria dos Estados10. Esta especialista lembra-nos que se
pudéssemos ter acompanhado a posição dos Estados ao longo das negociações,
aperceber-nos-íamos que alguns deles mantiveram posições inflexíveis, acrescentando que esta situação se encontra todavia diluída na votação final de 1997, na
medida em que podemos facilmente constatar que uma maioria de Estados de
montante e de jusante votaram a favor desta convenção, demonstrando a sua convicção na importância deste instrumento para todos os ribeirinhos11.
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Na verdade, esta análise deve ser mitigada. Se é certo que uma maioria de Estados se pronunciou a favor da adopção desta convenção nas diferentes etapas da sua
elaboração, não é menos certo que foram constantemente os Estados das mesmas
bacias hidrográficas internacionais que se lhe opuseram. É assim legítimo questionar a pretensa universalidade desta convenção, não pela maioria dos países que a
aceita mas pela grande minoria dos que a rejeitam.
Com efeito, os interesses defendidos pelos Estados nas negociações desta convenção são antagónicos e importantes, fazendo com que seja problemática, nalgumas regiões do globo, a aceitação das disposições fundamentais desta convenção e
da sua universalidade. Encontram-se nesta situação países do Médio Oriente (Jordânia, Líbano e Israel), do Próximo Oriente (Turquia, Síria e Iraque), de África
(Egipto, Etiópia, Sudão, Burundi, Ruanda, Tanzânia, Quénia e Mali), da Ásia Central
e do Sul (Índia, Paquistão, Bangladesh e China), da América Latina (Argentina, Paraguai, Colômbia, Bolívia, Equador e Peru), da Europa central (Eslováquia e Bulgária); da Europa do Sul (Espanha), e, finalmente, dos Estados emergentes da desagregação da URSS (Usbequistão e Azerbaijão).
O ponto comum a estas regiões é que a exploração das suas águas internacionais constitui, para cada uma delas, e por razões diferentes, um factor fundamental
para o desenvolvimento dos países que as integram. Para a maioria desses países a
Convenção de 1997 não enuncia de forma clara nem equilibrada os direitos dos
países ribeirinhos quanto à utilização das suas águas internacionais, sendo certo que
os conflitos decorrentes de utilizações contestadas não assumirão proporções idênticas nas regiões identificadas. Com efeito, o grau de cooperação e a existência de
mecanismos de integração regional, outros que não os enunciados pela Convenção
de 1997, fazem com que os problemas inerentes ao desenvolvimento das utilizações
dos recursos internacionais partilhados sejam enquadrados de forma diferente.
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QUADRO 2 – Resultados da votação sobre o projecto de Convenção (Assembleia Geral das
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Nações Unidas, 1997)
A FAVOR
CONTRA
ABSTENÇÕES
África do Sul, Albânia, Alemanha, Angola,
Burundi, China,
Turquia
Andorra, Argentina,
Arzebaijão, Bolívia,
Arménia, Austrália, Bahrein, Bangladesh,
Bulgária, Colômbia,
Bélgica, Bielorrússia, Botswana, Brasil, Brunei,
Cuba, Egipto, Equador,
Burkina Faso, Camarões, Camboja, Canadá,
Espanha, Etiópia, França,
Quatar, Cazaquistão, Chile, Chipre, Costa do
Gana, Guatemala, Índia,
Marfim, Costa Rica, Croácia, Dinamarca,
Israel, Mali, Mongólia,
Djibuti, Emirados Árabes Unidos, Eslováquia,
Panamá, Paquistão,
Eslovénia, Estados Unidos da América,
Paraguai, Peru, Ruanda
Estónia, Federação Russa, Filipinas, Finlândia,
Gabão, Geórgia, Grécia, Gronelândia, Guiana,
Haiti, Honduras, Hungria, Iémen, Ilhas Marshall,
Indonésia, Irão, Irlanda, Itália, Jamaica, Japão,
Jordânia, Kuwait, Laos, Letónia, Liechtenstein,
Lituânia, Luxemburgo, Madagáscar, Malásia,
Malawi, Maldivas, Malta, Marrocos, Maurícias,
México, Micronésia, Moçambique, Namíbia,
Nepal, Noruega, Nova Guiné, Nova Zelândia,
Omã, Países Baixos, Polónia, Portugal, Quénia,
Reino Unido, República Checa, República da
Coreia, Roménia, Samoa, São Marino, Serra
Leoa, Singapura, Síria, Sudão, Suécia, Suriname,
Tailândia, Trindade e Tobago, Tunísia, Ucrânia,
Uruguai, Venezuela, Vietname, Zâmbia
Fonte: Wouters, Patricia/Vinogradov, Sergei, “Current developments in the law relating to international watercourses: implications
for Portugal”, Nação e Defesa, 2.ª édition, n.º 86, verão 1998, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa.
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Antígua e Barbuda, Arábia Saudita, Argélia,
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Constata-se assim que nas regiões do Médio Oriente, Próximo Oriente, norte de
África e Ásia central e do sul, a inexistência ou a fraca adesão a instrumentos de
cooperação internacional agravará os contenciosos existentes relativos à exploração
de águas internacionais comuns. Nessas regiões e no decurso das negociações, os
Estados defenderam constantemente o seu direito ao desenvolvimento, tendo sido
as orientações de voto inevitavelmente influenciadas pelas suas posições relativas
nos cursos de água internacionais. As divergências constatadas não são desprovidas
de sentido. Um rio internacional não é explorado indiferenciadamente pelos Estados
que atravessa. É geralmente reconhecido que os países de jusante, pela sua topografia, prestam-se mais rapidamente ao desenvolvimento do sector agrícola, recorrendo a uma utilização intensiva das águas internacionais. Exemplos dessa situação
são o caso do Iraque, em relação à Turquia, e do Egipto, em relação à Etiópia e aos
principais contribuintes das águas do Nilo.
Os planos e os esforços de desenvolvimento mais tardio dos países de montante
levantam grandes objecções pelos ribeirinhos de jusante. Esta postura foi uma constante no decurso das negociações, na medida em que esses Estados reivindicaram
quer direitos históricos ou primeiros sobre a utilização das águas, quer a preservação desses direitos face a um potencial prejuízo significativo, inerente ao desenvolvimento dos países de montante. Por seu turno, os países de montante sempre
defenderam o seu direito a uma participação e utilização equitativa das águas internacionais, sendo que o seu desenvolvimento tardio não poderia ser submetido a
critérios concorrentes e demasiado estritos (utilização razoável e equitativa, e interdição de prejuízo significativo), na medida em que estes se poderiam traduzir
num obstáculo ao seu progresso, e que, consequentemente, a noção de prejuízo
significativo deve ser vista nos dois sentidos, a montante e a jusante. Como o refere
McCaffrey, estas controvérsias resolvem-se normalmente (i) se os ribeirinhos mantiverem relações de boa vizinhança; (ii) quando um dos Estados é mais poderoso
que o(s) outro(s) ribeirinho(s) e pretende resolver o litígio; (iii) quando o interesse mútuo é superior à manutenção da disputa12.
A conciliação desses interesses, nem sempre convergentes, é uma das principais
lacunas da Convenção de 1997, na medida em que esta não conseguiu acomodar os
seus objectivos de codificação e de inovação do direito às necessidades emergentes
12
Mccaffrey, Stephen, “Water, politics and international law”, in Gleick, Peter H., Water in crisis: a guide to the world's
fresh water resources, Oxford University Press, Oxford, 1993.
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13
O princípio da precaução vem enunciado, por exemplo, na Declaração do Rio de 1992 sobre o ambiente e o desenvolvimento (UNDOC. A/CONF.151/26 (vol.I)), que estipula no seu Princípio 15 que
«pour protéger l'environnement, des mesures de précaution doivent être largement appliquées par les Etats selon leurs capacités.
En cas de risque de dommage grave ou irréversible, l'absence de certitude scientifique absolue ne doit pas servir de prétexte pour
remettre à plus tard l'adoption de mesures effectives visant à prévenir la dégradation de l'environnement».
14
Se bem que não exista uma definição estrita de desenvolvimento sustentável, este principio vem referido
em numerosos documentos internacionais, nomeadamente Declaração do Rio de 1992, que o enquadra no seu Princípio 3 da seguinte forma: «Le droit au développement doit être réalisé de façon à satisfaire
équitablement les besoins relatifs au développement et à l'environnement des générations présentes et futures», e no Princípio
4: «Pour parvenir à un développement durable, la protection de l'environnement doit faire partie intégrante du processus de
développement et ne peut être considérée isolément».
15
Para todos os países citados, ver Documents officiels de l'Assemblée générale, Sixième Commission, 51ème session,
1996, UNDOC. A/C.6/51/SR.15, parag. 8, 12, 16,19, 20, e 39, respectivamente.
16
Documents officiels de l'Assemblée générale, Sixième Commission, 51ème session, 1996, UNDOC. A/C.6/51/SR.62/
Add.1, parag. 6.
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das regiões onde este recurso é vital e os mecanismos de cooperação incipientes.
Para essas regiões, a Convenção de 1997 representa mais uma limitação do que um
acesso ao desenvolvimento. São representativos dessas limitações os princípios ambientais, defendidos essencialmente pelos países desenvolvidos, relativos à protecção
dos ecossistemas, o princípio da precaução13 ou ainda o do desenvolvimento sustentável14. A defesa destes princípios, ligados aos problemas inerentes à industrialização e à poluição transfronteiriça, suscitou veementes declarações por parte da
Turquia, Índia, Etiópia, Líbano, Síria ou ainda do Quénia15. A Índia explicou a sua
abstenção pelo facto de «nada ter contra o facto de se acordar a considerações ecológicas a atenção que merecem (...) mas, como qualquer outra questão de ambiente,
essas considerações não devem ser isoladas do desenvolvimento, das transferências
de recursos técnicos e da valorização das competências em todos os Estados, sobretudo nos países em desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável, a protecção, a salvaguarda e o ordenamento do território são princípios directores fundamentais que não podem ser considerados regras internacionais concretas de
aplicação directa16».
Para além das limitações acima enunciadas, a Convenção de 1997 é ainda susceptível de abrir mais contenciosos do que aqueles que efectivamente pretende
resolver. Esta percepção baseia-se no facto de ali virem enunciados mais princípios
concorrentes e ambíguos, não sendo clarificados aqueles que devem reger as utilizações das águas internacionais. Com efeito, é nesse contexto que se instalou a
controvérsia em torno dos artigos relativos ao uso equitativo e razoável e à inter-
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dição de prejuízo significativo, mas também dos relativos ao dever de partilha de
informação dos países ribeirinhos e às relações existentes entre os diferentes tipos
de usos. É nesse sentido que se deve entender a posição do Egipto quando refere que
esses princípios não podem «nem anular nem substituir as regras estabelecidas pelo
direito consuetudinário»17 e que «a convenção-quadro não pode esvaziar o valor
jurídico de costumes que sempre existiram e que existirão sempre, e que são reflexo
de regras internacionais estabelecidas. Ela não pode também substituir os acordos
bilaterais, multilaterais e internacionais dos cursos de água internacionais, porque
esses acordos respondem às normas gerais das convenções internacionais e porque
se assim fosse traduzir-se-ia por incalculáveis prejuízos nalgumas regiões»18. No
outro extremo, a posição da Etiópia que, se bem que tenha votado a favor, formulou
reservas, na expectativa de que «as doutrinas ambíguas a que se referiram alguns
Estados em matéria de utilização das águas internacionais não sejam tomadas em
consideração», sublinhando que «nenhum Estado pode reivindicar um direito exclusivo alegando princípios caducos e estabelecidos unilateralmente no seu interesse
próprio»19.
Em caso de conflito de princípios, a resolução dos diferendos deverá ter em
especial atenção as necessidades básicas do Homem. Mais uma vez, como distinguir
essa prioridade em regiões onde as águas internacionais são indispensáveis à auto-suficiência de países de montante – como o defenderam as delegações etíope e turca – e, simultaneamente, vitais ao abastecimento das populações dos países de
jusante – como o sustentaram as delegações egípcia, síria e israelita?
A universalidade a que Patricia Wouters aludia é, se não duvidosa, pelo menos
relativa. Ela não afectará – como o sublinha Aaron Wolf – os Estados que mantêm
relações cordiais, se bem que se possam referir ao texto da Convenção de 1997 em
tratados futuros, nem os Estados que mantêm entre eles relações frias, que continuarão a evitar qualquer negociação ou as restringirão no âmbito e no alcance20.
Acresce que a entrada em vigor desta Convenção depende de um número mínimo
de 35 assinaturas. Este número, largamente discutido e contestado, também põe em
17
Documents officiels de l'Assemblée générale, Sixième Commission, 51ème session, 1997, UNDOC. A/C.6/51/
SR.62/Add.1, parag. 10
18
Documents officiels de l'Assemblée générale, Sixième Commission, 51ème session, 1997, UNDOC. A/C.6/51/
SR.62/Add.1, parag. 9.
19
Ibidem, parag. 32.
20
Entrevista com Aaron Wolf, 31 de Agosto de 1999.
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Os complexos de segurança hidropolíticos As negociações sobre o direito dos usos das
águas internacionais para fins diferentes da navegação tiveram como objectivo principal a codificação de princípios gerais universalmente aceitáveis e a criação de um
instrumento de referência para os tratados futuros entre ribeirinhos, independentemente da sua localização geográfica e dos contextos sócio-económicos e políticos
dos Estados. Essa codificação respondia a uma necessidade fundamental: a ausência
de regras e de mecanismos de resolução internacionais dos diferendos neste domínio. Pretendia, em última análise, preencher o vazio de segurança existente, incitando os países ribeirinhos à institucionalização de mecanismos de gestão e de
regulação, designadamente através da criação de comissões internacionais de bacia.
Esse desiderato fracassou manifestamente dado que a maioria dos Estados para os
quais as águas internacionais são essenciais ao desenvolvimento das suas economias,
e onde uma gestão internacional concertada dos usos é a única via de prevenção de
conflitos, emitiram sérias reservas às disposições fundamentais fixadas pela convenção.
Se bem que orientada pela universalidade, a Convenção de 1997 não conseguiu
impor-se nas regiões onde os usos das águas internacionais não relevam unicamente
de uma questão de direito mas também de segurança. Nesse sentido, veio corroborar a existência de complexos de segurança hidropolíticos, alguns de grande instabilidade, e, consequentemente, a sua inaptidão universal a esses casos particulares.
Uma das conclusões possíveis da análise das negociações da Convenção de 1997
é a de que a existir uma dialéctica entre universalidade e casos particulares no domínio dos usos das águas internacionais, ela segue antes de mais uma lógica regional. Essa conclusão é tanto mais importante quanto nos permite perceber que as
divergências não assentam numa concepção diferente de valores, como os da equidade ou da igualdade de acesso ao desenvolvimento, mas sim sobre interesses nacionais distintos. Uma comunidade de segurança deve ser contudo precedida de uma
comunidade de valores, minimamente partilhados. Essa abordagem é, desde há muito,
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causa aquela universalidade. Em primeiro lugar, por não se afigurar suficiente para
ser largamente aceite na comunidade internacional – estando, aliás, em contradição
com o alcance do mandato da CDI de 1970. Em segundo lugar, e como já o sublinhámos, para se impor como uma referência, terá que ser aceite por um número
minimamente expressivo de ribeirinhos, o que equivale dizer pelos mais poderosos,
e esse não é o caso.
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regional, e é promovida pela própria Carta das Nações Unidas como factor primordial para a segurança internacional. Foi também essa a abordagem seguida pela
União Europeia, onde a interdependência crescente dos Estados, inicialmente económica, conduziu a uma comunidade de valores mais abrangente e, consequentemente, a uma comunidade de segurança. Nessa concepção está implícita a ideia de
que alguns países se encontram, independentemente da sua vontade, interligados
num complexo de segurança regional21.
As negociações da Convenção de 1997 revelam claramente as regiões para as
quais a segurança hídrica é matéria de segurança nacional, em que a importância
relativa das águas internacionais partilhadas para a segurança nacional dos Estados
ribeirinhos influencia consideravelmente, e até decisivamente, o conjunto das relações entre os países do complexo, levando a que a segurança nacional de uns não
possa ser considerada separadamente da dos outros. Como o refere Günther Bächler,
aquela importância relativa é tanto maior quanto menores forem os mecanismos de
integração e de cooperação internacional ou de regulação dos diferendos nessas regiões, em que as partes retiram vantagens do recurso à ameaça da utilização da força22.
Disso são exemplo os complexos de segurança hidropolíticos das regiões do
Médio Oriente (Jordão, Tigre-Eufrates), de África (Nilo, Senegal) da Ásia Central
(Amu Darya e Syr Darya) ou ainda da Ásia do Sul (Ganges-Bramaputra, Indo). Nessas regiões, e ao contrário dos complexos de segurança hidropolíticos estáveis, a
grande inimizade entre os países do complexo ou a inexistência de instrumentos de
cooperação regional, conjugadas com interesses antagónicos entre países ribeirinhos de montante e de jusante, contribuem para a instabilidade relativa, e por vezes
desmesurada, das relações de segurança do conjunto do complexo regional. Disso
mesmo é paradigmático o caso da bacia hidrográfica internacional do Nilo.
O complexo de segurança hidropolítico do Nilo O Nilo percorre mais de 6.800 km do la-
go Vitória ao Mediterrâneo e atravessa, na sua área hidrográfica, o território de dez
países: Tanzânia, Burundi, Ruanda, República Democrática do Congo (RDC), Quénia, Uganda, Etiópia, Eritreia, Sudão e Egipto, ou seja, mais de três milhões de km2,
21
Buzan, Barry, People, States & Fear : an agenda for international security studies in the post-Cold War era, 2.ª ed., Harvester
Wheatsheaf, London, 1991.
22
Bachler, Gunther, “The anthropogenic transformation of the environment : a source of war? Historical background, typology
and conclusions”, in Spillmann, Kurt R./Gunther, Bachler (eds.), Environmental crisis: regional conflicts and ways
of co-operation, occasional paper, n.º 14, Setembro 1995, Environment and Conflicts Project (ENCOP) Center for Security
Studies and Conflict Research, Zurich.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
TABELA
1: Principais contributos para o caudal do rio Nilo
VALORES EM PERCENTAGEM DO CAUDAL TOTAL
ANUAL
PERÍODO DE INUNDAÇÕES
59%
68%
Sobat
14%
5%
Atbara
13%
22%
Origem na Etiópia
86%
95%
14%
5%
Nilo Azul
Nilo Branco
Fonte: Waterbury, J., The Nile Basin: National Determinants of Collective Action, New Haven and London,Yale University Press,
2002.
Para o Egipto, cujo território é ocupado em 98% por deserto, o Nilo é, no sentido literal, fonte de vida. Potência económica e militar incontestada na região, o Egipto
revela-se, contudo, do ponto de vista hídrico, o mais vulnerável. Não detendo qualquer controlo sobre as nascentes deste rio internacional, depende daquelas águas para
o abastecimento de uma população em forte crescimento demográfico e para o desenvolvimento económico de um país que irriga a totalidade da agricultura que pratica.
Essa vulnerabilidade, com consequências da maior relevância para a política
regional, tende a agravar-se, por um lado, pela progressiva diminuição das disponibilidades em água, não só no Egipto mas também na Tanzânia, Burundi, Quénia e
Etiópia, e, por outro lado, pela intransigência crescente dos restantes países da bacia,
metade dos quais se encontram entre os vinte países menos desenvolvidos do mundo, em aceitar um regime hídrico que estimam ser um direito de veto inaceitável ao
seu desenvolvimento e à sua segurança.
Anwar al-Sadat referia, em 1979, que a única questão que poderia levar o
Egipto a outra guerra seria a água. Boutros-Boutros Ghali, ex-Secretário-Geral das
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
51
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
o equivalente a 1/10 da superfície do continente africano. Os dois mais importantes
afluentes do Nilo – o Nilo Branco e o Nilo Azul – confluem em Cartum, no Sudão,
e definem as fronteiras subsistémicas deste complexo hidrológico. O Nilo Branco,
responsável por cerca de 15% do caudal anual do Nilo, nasce na Tanzânia e inclui na
sua bacia de drenagem todos os países ribeirinhos à excepção do Egipto. O Nilo
Azul, abrangendo os territórios do Egipto, Sudão, Etiópia e Eritreia, tem origem nas
terras altas da Etiópia e contribui com cerca de 85% para o caudal anual do Nilo
(tabela 1).
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
52
Nações Unidas, reiterando o anátema que lançou nos anos oitenta, salientava
recentemente as dificuldades que envolvem a distribuição equitativa das águas do
Nilo pelos Estados ribeirinhos e o facto de a consequente competição pelo controlo
deste recurso poder gerar situações dramáticas em que a confrontação armada será
inevitável23.
Para além da retórica política, o tom destes discursos é revelador dos receios, se
bem que excessivos, de planos de diversão das águas do Nilo pelos países a montante, mas também da postura intransigente do Egipto quanto à alteração do status
quo do regime hídrico na bacia.
Ao contrário da maior parte das bacias internacionais, a posição dominante é
exercida por países a jusante, que defendem direitos históricos e adquiridos sobre
as águas do Nilo. A situação actual, reflexo das políticas sustentadas na época colonial e durante a Guerra-Fria, evidencia a urgência na promoção de uma acção
colectiva na gestão global dos recursos hídricos desta região.
Em 1959, foi assinado entre os dois países o Tratado para a Plena Utilização das
Águas do Nilo. Este tratado, ainda em vigor, redefiniu e reforçou os direitos egípcios
e sudaneses relativamente às quotas estabelecidas em 1929. O tratado de 1929 tinha
deixado de fora cerca de 30 biliões de metros cúbicos de água (bm3), resultante da
época das cheias, agora plenamente aproveitada pelos dois países. Do débito estimado de 84 bm3 de água medidos na barragem do Assuão, 55.5 bm3 (75%) revertem para o Egipto, 18.5 bm3 (25%) para o Sudão. Os restantes 10 bm3 são perdidos
na barragem por evaporação de superfície. Ou seja, em relação a 1929 houve um
ganho líquido de 7.5 bm3 para o Egipto e de 14.5 bm3 para o Sudão24.
Mais equitativo, e favorável para o Sudão, o tratado de 1959, apesar dos esforços
da Grã-Bretanha, não teve em conta, novamente, os interesses dos restantes países
ribeirinhos. Antecipando futuras reivindicações dos países nilóticos a montante,
Egipto e Sudão estabeleceram ainda que, nesse caso, as negociações seriam conjuntas e de acordo com uma posição comum. Qualquer afectação de águas do Nilo a
um dos países ribeirinhos seria, nos termos do tratado, deduzida das quotas de
ambos os países, em partes iguais. Nenhum dos Estados do Alto Nilo foi consultado.
Se o que esteve em causa nas negociações que conduziram ao tratado de 1929 foi o
favorecimento dos interesses ingleses no Egipto e no Sudão, já no tratado de 1959,
23
24
Entrevista com Boutros-Boutros Ghali feita por Francesca de Châtel, em 13/03/2003, no jornal Islamonline.
Waterbury, J., The Nile Basin: National Determinants of Collective Action, New Haven and London, Yale University
Press, 2002.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
25
Hultin, J., The Nile: Source of Life, Source of Conflict, in Leif Ohlsson (ed.), Hydropolitics. Conflicts over Water as a
Development Constraint, London & New Jersey, University Press Ltd, 1995.
26
Dados do US Comittee for Refugees, 2003.
27
Dados das Nações Unidas, 2003.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
53
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
para além da apropriação total das águas do Nilo, está em causa, não só o aumento
mas a consolidação das quotas de 1929, ou seja, a transformação de cerca de 52
bm3 (48 bm3 para o Egipto; 4 bm3 para o Sudão) em direitos adquiridos, que não
poderão ser reivindicadas por outros países em futuras negociações de partilha. É
neste contexto que surgem as tomadas de posição, em diferentes ocasiões, de governos do Alto Nilo que estiveram sob administração inglesa e da Etiópia, de não
reconhecimento dos tratados de 1929 e de 1959, por não aceitarem as obrigações
dos tratados celebrados pela administração colonial e, sobretudo, por nenhum desses tratados envolver a generalidade dos ribeirinhos25.
Com a vaga de independências dos anos sessenta, os países a montante do Nilo
alinharam com uma das superpotências, cujo apoio a regimes despóticos e assistência militar massiva contribuiu de forma dramática para prolongadas e devastadoras guerras civis, agravadas pela ingerência frequente dos países vizinhos.
A instabilidade regional e a volatilidade política interna constituíram, no período da Guerra-Fria, o principal obstáculo à emergência de uma acção colectiva na
gestão internacional das águas do Nilo.
Actualmente, persistem conflitos armados nos territórios do Ruanda, Burundi,
Uganda, Etiópia, Sudão e República Democrática do Congo (RDC). No conjunto
destes países mais de 7 milhões de pessoas foram deslocadas internamente, vítimas
desses conflitos, de perseguição ou da violência generalizada, ou seja, 70% dos deslocados internos do continente africano encontram-se na bacia do Nilo26. Esta
situação é agravada pelo facto de o Burundi, o Egipto, o Quénia e o Ruanda se encontrarem em situação de penúria hídrica (menos de 1000 m3 de água por pessoa
e por ano). Três outros – a Eritreia, a Etiópia e o Sudão – estão em situação de stress
hídrico (<1700m3/pessoa/ano) ou de pré-stress hídrico (1700-2000 m3/pessoa/
ano)27.
O deficiente acesso à água, a distribuição e o crescimento da população nos
países da região acentua ainda mais a competição por este recurso escasso. Nos
países a montante do Egipto e do Sudão uma pessoa em cada duas não tem acesso
à água. Também é no Alto Nilo que se concentram 2/3 da população da bacia (tabela
2), prevendo-se um aumento populacional, na totalidade dos países nilóticos, de
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
54
120 milhões de pessoas nos próximos quinze anos e uma duplicação da população
nos próximos 25 anos.
Segundo dados das Nações Unidas, entre 1990 e 2001, 75% da população desta
região viveu com menos de dois euros por dia. A agricultura, designadamente a de
subsistência, grande consumidora de água, é pois a principal actividade económica
(90% da população activa) dos países da bacia do Nilo, todos eles importadores
líquidos de bens alimentares. As obras hidráulicas no Nilo permitiram ao Egipto e
ao Sudão aumentar a sua capacidade de irrigação, fazer face às necessidades das suas
populações e até exportar bens agrícolas, como o algodão. Contudo, o controlo do
Nilo trouxe consequências nefastas para os solos, nomeadamente o recurso indiscriminado aos químicos agrícolas e a salinização dos solos aráveis, tornando esta
actividade cada vez mais insustentável.
TABELA
IDH
2: População e recursos hídricos dos países do Nilo
PAÍS
POPULAÇÃO
ÁREA DO
ACESSO
DISPONIBILIDADE
DEPENDÊNCIA
(EM MILHÕES)
2001 2015
PAÍS NA
À ÁGUA
EM ÁGUA
(m3/CAPITA/ANO)
EXTERNA
BACIA
(%)
(%)
(%)
120
Egipto
69,1
90,0
32,6
97
859
97
138
Sudão
32,2
41,4
79,0
75
2074
77
169
Etiópia
67,3
93,8
33,2
24
1749
0
171
Burundi
6,4
9,8
47,6
78
566
0
155
Eritreia
3,8
5,9
20,4
46
1722
56
146
Quénia
31,1
36,9
8,0
57
985
33
167
RDC
49,8
74,2
0,9
45
25183
30
158
Ruanda
8,1
10,6
75,5
41
683
0
160
Tanzânia
35,6
45,9
8,9
68
2591
10
147
Uganda
24,2
39,3
98,1
52
2833
41
Fonte: FAO/ONU, 2003.
Os desafios são portanto enormes. Muitos destes países não dispõem de capacidade económica suficiente para subverter o ciclo de subdesenvolvimento endémico
em que se encontram. Esse ciclo é, para alguns, vicioso, porquanto se encontra intimamente ligado à incapacidade de estabilização política das suas sociedades, reduzindo
de forma dramática as possibilidades de angariação de financiamentos internacionais.
Esta realidade verifica-se na generalidade dos países ribeirinhos do Nilo, mas é
gritante no Sudão, Etiópia, Uganda, Ruanda e Burundi, países com uma percentagem importante do território no interior da bacia hidrográfica.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
55
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
O Sudão é o maior país africano. O norte e o centro desérticos e semi-desérticos
contrastam com o terço meridional, onde se estendem pantanais (Sudd) irrigados
pelo Nilo Branco. É no Sul do Sudão que se concentra o actual conflito que opõe,
desde 1958, islâmicos de Cartum a movimentos rebeldes laicos do sul (Aliança
Democrática Nacional e Movimento de Libertação do Povo Sudanês), apoiados pelo
Uganda, Etiópia e Eritreia. O fracasso do acordo de Addis Abeba de 1972, que concedera autonomia a esta região do país, reacendeu o conflito que, desde 1980, já fez
mais de 1,5 milhões de mortos.
É também no Sul do Sudão que se encontram os recursos hídricos e o petróleo,
que fazem desta região um eixo vital para o futuro desenvolvimento do país. É ainda
dali que parte um importante transvase destinado a abastecer o norte desértico e a
fornecer água ao Egipto: o canal de Jonglei.
Inicialmente concebido por um britânico, num tempo em que a Grã-Bretanha
exercia um controlo efectivo sobre o Egipto e o Sudão, o canal de Jonglei destinava-se a drenar as águas dos pântanos no Sul do Sudão, à irrigação e à produção de
energia hidroeléctrica para ambos os países. A construção deste canal de 360 km só
começou em 1978, depois de longas negociações bilaterais, mais uma vez sem
consulta dos restantes ribeirinhos. Cinco anos depois do início da sua construção,
os trabalhos foram interrompidos devido à acuidade do conflito no Sul do Sudão. A
sua finalização está hoje sujeita à manutenção da integridade territorial do Sudão, à
cessação das hostilidades no sul do país, bem como à aceitação deste projecto pelo
Quénia,Tanzânia e Uganda, países directa e ambientalmente afectados pelo projecto.
Depois do golpe militar de 1974, que depôs Haile Selassie, e com a subida ao
poder de Mengistu em 1977, apoiado pela então URSS, a Etiópia confronta-se com
uma guerra civil, de cariz étnico e religioso, que só abrandou com o declínio da
ajuda soviética nos anos oitenta. A par da guerra civil, os etíopes confrontam-se,
desde os anos setenta, com períodos de seca e de fome, alguns deles determinantes
na queda de sucessivos regimes políticos. A política de transferência populacional
forçada dos anos oitenta, criticada pela comunidade internacional, revelou-se um
fracasso. No fim dos anos noventa, quebras na produção, induzidas pela seca, colocaram as vidas de 8 milhões de etíopes em risco. A segurança alimentar é assim um
objectivo de segurança nacional. Actualmente, dos 90.000 hectares de terras irrigadas, a maior parte encontra-se na bacia do Nilo Azul. Contudo, esta bacia representa somente 25% da área total potencialmente irrigável no país, e o seu desenvolvimento é muito limitado. Refira-se que a Etiópia, principal contribuinte das águas
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
56
do Nilo, utiliza menos de 1% dessas águas, as quais constituem, de acordo com um
relatório do Banco Mundial, o melhor “activo” natural contra o aumento da pobreza
e da grave penúria energética e de alimentos que enfrenta, representando simultaneamente a base de qualquer futura estratégia de exportação28.
O Uganda, considerado como uma das pérolas do império britânico, encontra-se mergulhado no caos das guerras tribais desde 1967. Para além dos problemas
internos, também está directamente afectado pelas crises internas nos vizinhos Ruanda, Burundi e RDC, tendo firmado com este último um acordo de paz em 2002.
No plano dos recursos hídricos, o Uganda é sem sombra de dúvida um país da
bacia do Nilo, porquanto a totalidade do seu território está inserido naquela bacia
de drenagem. Os problemas do Uganda, relativamente à utilização dessas águas, são,
à imagem da Etiópia, sobretudo hidroeléctricos. Embora mantenha em funcionamento a barragem de Owen Falls, que, desde 1964, serve um duplo propósito –
regular o caudal do Nilo e gerar electricidade –, as necessidades hidroeléctricas do
Uganda são maiores e o seu potencial é grande. Exemplo disso mesmo é o potencial
de produção hidroeléctrica de pelo menos 2000 megawatts, fruto dos mais de 500
metros de declive do Lago Vitória ao Lago Alberto (gráfico 1), muito acima da capacidade actual instalada de apenas 400 megawatts.
GRÁFICO
2100
1: Desnível do rio Nilo
Nascente Kagera
Nilo Azul
Lago Tana
1800
1500
L. Vitória
L. Kioga
1200
900
Rosenis
L. Alberto
Nimule
Bor
600
Sennar
Cartum
Merowe
L. Nasser
300
Malakal
0
1000
Kagera
2000
3000
Nilo Branco
4000
5000
Assuão
Cairo Roseta
6000
7000
Nilo
Fonte: Waterbury, J., The Nile Basin: National Determinants of Collective Action, New Haven and London,Yale University Press,
2002.
28
Erlich, H., The Cross and the River: Ethiopia, Egypt, and the Nile, London, Lynne Rienner Publishers, 2002.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
29
Carius, A., “A crise global da água: do conflito à cooperação”, in Viriato Soromenho-Marques (et al), O desafio da
água no século XXI: entre o conflito e a cooperação, Editorial Notícias (no prelo).
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
57
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
O Ruanda e o Burundi são dois países profundamente marcados pelo conflito
armado, pela violência étnica e pelo genocídio, que geraram grandes fluxos de
refugiados e de deslocados, implicando países vizinhos como a RDC, Uganda e
Tanzânia no conflito entre hutus e tutsis. Como refere Alexander Carius, a manutenção do actual conflito, associada aos problemas do rápido crescimento demográfico, da pobreza, dos movimentos forçados de população, da instabilidade política e
das tensões étnicas, conduz à crescente degradação ambiental e à escassez dos recursos hídricos, ambas causa e efeito desses problemas socio-económicos29.
Todos os indicadores económicos, políticos e sociais da região apontam para a
manutenção de relações conflituais na bacia do Nilo, exacerbados se tivermos em
conta os índices de vulnerabilidade hídrica, como sejam o rácio oferta/procura da
água, a sua disponibilidade per capita, as dependências externas e hidroeléctricas
(Gleick:1998). Nenhum destes indicadores abona em favor da cooperação regional,
e muito menos ao nível das águas, já que o único regime vigente impõe um status
quo há quatro décadas, impedindo oito ribeirinhos de quaisquer intervenções no
Nilo.
A visão de unidade da bacia do Nilo, na época colonial, deu lugar, com a vaga
de independências, à efectiva soberania territorial sobre os recursos. Aquela unidade
era possível por não existirem, na lógica colonial, interesses territoriais mas sim, e
essencialmente, critérios económicos, o que facilitou a abordagem multilateral e a
gestão dos recursos para aqueles fins.
Após as independências, privilegiaram-se os grandes projectos, pretendendo-se
responder rapidamente e de forma duradoura às necessidades nacionais de desenvolvimento e de segurança alimentar. Estes projectos contendiam e afectavam o
principal país a jusante, o Egipto, que tinha vindo a adquirir grande competência
técnica internacional no domínio hidropolítico, recorrendo à larga influência de
que dispunha junto das instituições internacionais, como o Banco Mundial, para inviabilizar projectos de grande dimensão nos países a montante.
Para evitar qualquer veleidade, o Egipto tem vindo a apoiar financeiramente, desde os anos oitenta, os países ribeirinhos do Nilo, incluindo a Etiópia. Foi também
nessa década que o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Boutros-Boutros
Ghali, decidiu repor o problema da gestão da água ao nível da unidade da bacia
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
58
hidrográfica, única promotora de uma acção colectiva e da instituição de uma
verdadeira comunidade de ribeirinhos. Ghali acreditava que a segurança do Egipto
dependia do seu relacionamento com o sul (Sudão e Etiópia) e não com o leste
(Israel). Nesse sentido patrocinou, sem sucesso, a criação do grupo de Undugu (termo que em swahili significa “irmandade”), em 1983, com vista à criação de uma
rede de barragens que possibilitariam a produção de energia hidroeléctrica nos países da região e até para exportação.
Com o fim da Guerra-Fria, e o fim da presença russa no Corno de África, os
países da região voltam-se para o investimento directo internacional e para o Banco
Mundial. As instituições que foram criadas no pós-Guerra-Fria, ao nível político e
científico, para a elaboração de um quadro multilateral que permitisse o estabelecimento de um diálogo permanente entre os países ribeirinhos, constituíam um
fórum importante e uma porta para a comunidade internacional.
O estabelecimento de uma Comissão de Cooperação Técnica para a Promoção
do Desenvolvimento e da Protecção Ambiental da Bacia do Nilo (Tecconile), em
1992, essencialmente liderada por técnicos egípcios, foi vista com grande desconfiança pelos etíopes, já que visava essencialmente a recolha de dados e a monitorização dos recursos nacionais. Em 1997, o Tecconile foi substituído pela Iniciativa
da Bacia do Nilo (IBN), cujo objectivo foi o de implementar uma comissão multilateral para a gestão comum das águas do Nilo. Apoiada pelo Banco Mundial e pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), esta plataforma, à
qual aderiu formalmente a Etiópia, em 1999, visa o desenvolvimento socio-económico sustentável através do uso equitativo dos recursos do Nilo. Tal como a sua predecessora, o grupo de Undugu, a IBN confronta-se com a desconfiança e a suspeição
entre os ribeirinhos. Até agora, as iniciativas limitam-se a medidas de confiança e ao
estudo de projectos que podem beneficiar a totalidade dos ribeirinhos, não respondendo, por enquanto, às questões de fundo que implicam o inevitável confronto de
interesses entre os países do Nilo.
A água é um bem essencial ao desenvolvimento de qualquer sociedade. No
Nilo, esta realidade é acompanhada pela exigência inadiável dos países a montante
de quebrar o ciclo de desenvolvimento endémico em que se encontram. Essa exigência, exacerbada pelos conflitos que grassam na região e pela degradação das condições socio-económicas dos países em conflito, agravam a competição por este
recurso escasso.
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
Conclusão A Convenção das Nações Unidas sobre o direito dos cursos de água internacio-
nais para fins diferentes da navegação teve que superar obstáculos consideráveis, ao
longo de 27 anos de negociações, sendo que o compromisso político possível não
permite afirmar que este instrumento internacional contribuirá de forma decisiva
para a segurança internacional.
Essa realidade vem demonstrar que a oposição entre princípios universais e interesses particulares sempre dominou os usos das águas internacionais e está hoje
presente nas regiões onde a ligação entre a segurança e o desenvolvimento é mais
instável, atingindo níveis preocupantes em alguns complexos de segurança hidropolíticos. Essa dialéctica é tanto mais forte quanto se inscreve nos interesses antinómicos dos Estados de montante e de jusante, onde o domínio exercido sobre a hidropolítica é simultaneamente atributo e símbolo de poder regional.
A Convenção das Nações Unidas sobre o direito dos cursos de água internacionais para fins diferentes da navegação não instituiu mecanismos que permitissem
às regiões mais instáveis atenuar ou resolver os conflitos sobre as águas que partilham. Na verdade, ela exclui-as duplamente. Em primeiro lugar, porque coloca em
pé de igualdade os princípios da utilização equitativa e da interdição de prejuízo
significativo, o que é susceptível de criar mais contenciosos do que resolver utilizações contestadas. Mesmo se aquela igualdade fosse superada, os usos existentes não
seriam tidos em conta na contabilidade hídrica da partilha entre os países ribeirinhos, o que equivaleria a dar uma vantagem significativa aos países de jusante, normalmente mais desenvolvidos nesse domínio, institucionalizando o princípio, que
se considera actualmente caduco, da integridade territorial.
Em segundo lugar, a Convenção de 1997 institui obstáculos importantes para
os países em vias de desenvolvimento. Com efeito, os apelos ao desenvolvimento
Negócios Estrangeiros . N.º 6 Dezembro de 2003
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Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
A partilha total das águas do Nilo pelo Egipto e pelo Sudão dura há quatro
décadas. O regime estabelecido está desadequado face às profundas transformações
na estrutura económica das sociedades desde então, hoje mais industriais do que
agrícolas.
O grau de cooperação a instituir na bacia do Nilo dependerá sempre da flexibilidade dos países a jusante em aceitar uma redefinição dos seus interesses estratégicos e assumir a responsabilidade no desenvolvimento dos países do Alto Nilo, o
que implica projectos com um elevado grau de interdependência, com um propósito comum.
Ano Internacional da Água Doce: repensar a hidropolítica no contexto da segurança regional
60
sustentável, ao princípio da precaução ou à defesa dos ecossistemas são indispensáveis à preservação do ambiente e dos recursos ambientais para as gerações futuras,
reforçando a ideia de que as estratégias de desenvolvimento convencionais devam
adaptar-se às necessidades das regiões mais desfavorecidas hidricamente, sem pôr
em causa os pilares do seu desenvolvimento. Esses apelos equivalem a uma limitação
do consumo global dos recursos, quando estes são a matéria-prima daqueles países
para a sua segurança económica. Esta contradição não foi resolvida pela Convenção
de 1997, na medida em que esta, optando pela defesa intransigente do ambiente,
não forneceu nenhum instrumento que permitisse aos países mais instáveis no plano hídrico fazer face aos riscos das interdependências espaciais, ambientais, económicas e políticas e, por consequência, de segurança, subjacentes à gestão das suas
bacias hidrográficas partilhadas.NE
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