Agronegócios
Biodiversidade às
A utilização da biodiversidade na agricultura é
cada vez mais evidente, porém o emprego
inadequado do controle biológico, seja
convencional ou integrado à planta, pode gerar
pragas resistentes assim como, em outros
sistemas de controle
A
biodiversidade brasileira será
uma das pilastras da competiti
vidade do nosso agronegócio –
basta que a sociedade promova o investimento necessário para conferir utilidade e
valor econômico aos componentes da biodiversidade. A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia é uma das unidades da
Empresa que se dedica a perscrutar as oportunidades contidas na biodiversidade.
Estudos conduzidos pelo núcleo de
Controle Biológico do Cenargen demonstraram que, bactérias encontradas em solos do Brasil, podem ser úteis para o controle biológico de insetos. Os pesquisadores investigaram a diversidade de bactérias do gênero Bacillus, reconhecidas de longa data como inimigos naturais de diversas pragas de plantas cultivadas. Com as
exigências cada vez maiores da sociedade
em relação à proteção do ambiente produtivo e à oferta de alimentos inócuos, as inovações em controle biológico representam
um diferencial de competitividade para o
agronegócio brasileiro.
BIODIVERSIDADE E COMPETITIVIDADE
Durante 15 anos, os cientistas da Embrapa recolheram amostras de solo, das cinco regiões geográficas brasileiras, delas extraindo 2022 estirpes de Bacillus, sendo
217 de B. cereus, uma de B. pumillus, três
de B. subtilis, 21 de B. laterosporus, 402 de
B. sphaericus e 1378 de B. thuringiensis.
As estirpes tóxicas são caracterizadas
quanto ao perfil protéico e quanto à presença dos genes que codificam para as proteínas tóxicas. Os esporos são armazenados em tiras de papel de filtro estéreis à
temperatura ambiente. Após o isolamento
e identificação das estirpes, os cientistas
avaliaram o seu potencial para uso em controle biológico, O número de estirpes que
demonstrou efeito de controle sobre cada
praga indicadora se encontra na Tabela 1.
Esse não é um trabalho isolado, porém
compõe o esforço para organizar um Banco
de Germoplasma de Bacillus spp. para controle biológico. Informações sobre o banco de
dados da coleção estão disponíveis através do
Tabela 1 – Número de estirpes de Bacillus
thuringiensis que demonstrou alta atividade biológica sobre os insetos testados.
Culex
Aedes Anticarsia Spodoptera Tenebrio
quinquefasciatus aegypti gemmatalis frugiperda molitor
50
60
240
99
13
32
Cultivar
www.cultivar.inf.br
endereço www.sicom.cenargen.embrapa.br.
PRAGAS RESISTENTES
O uso de microrganismos que controlam insetos é uma forma de reduzir o consumo de agrotóxicos químicos e, há décadas, eles são pulverizados sobre as plantas,
com essa finalidade. A inovação moderna
consistiu na transferência de genes de Bacillus para cultivos comerciais, produzindo variedades transgênicas que incorporam
o controle biológico em seu genoma. Tanto em um caso como em outro, sempre há
a preocupação do desenvolvimento de raças da praga, que não são suscetíveis à toxina do Bacillus, seja pulverizado ou incorporado na planta.
Os cientistas já identificaram mais de
540 artrópodos resistentes a 310 agrotóxicos ou toxinas de agentes de controle biológico. Em todos os casos, o uso abusivo,
em altas doses, com alta freqüência de aplicação, pulverizações sem necessidade e sem
alternância de agrotóxicos com diferentes
modos de ação, conduziu a essa situação
Junho de 2004
claras
indesejável.
Em se tratando de plantas que incorporam o controle biológico, na presença de
raças resistentes da praga, a planta perde
sua característica, voltando a exigir o uso
de agrotóxicos. Por exemplo, a lagarta rosada (Pectinophora gossypiella) morre ao
alimentar-se da maçã de variedades de algodão Bt, as quais contêm um gene de B.
thuringiensis, que codifica para uma substância tóxica a alguns insetos, embora não
tenha qualquer efeito sobre o homem ou
outros animais. Quando alguns espécimes
do inseto desenvolvem resistência à toxina, elas atacam o algodão sem que sejam
afetados pela mesma.
Recentemente, cientistas da Universidade do Arizona identificaram três genes
da lagarta rosada que quebram a resistência das variedades de algodão Bt. O trabalho inicial dos cientistas consistiu em desenvolver uma metodologia que provou ser
mil vezes mais eficiente para detectar pragas resistentes, comparada aos métodos
tradicionais.
para todos os outros animais, inclusive para
o homem.
Nas alterações genéticas naturais (mutações), a caderina codificada pelo gene r1
estava desfalcada de 23 nucleotídios, provocando a substituição de dois aminoácidos e a omissão de outros oito na sua estrutura. O efeito do gene r2 é mais intenso, pois provoca a deleção de 202 nucleotídios e altera a posição de um aminoácido
essencial da caderina. O gene r3 produz a
caderina com a ausência de 42 aminoácidos. Essas alterações bioquímicas permitem que a caderina cumpra sua função
plástica, porém tornam-na “invisível” para
a toxina do B. thuringiensis.
Quando o receptor (no caso, a caderina) tem sua estrutura alterada, a toxina
não consegue um encaixe, deixando de
GENES E BIOQUÍMICA
Com a nova ferramenta, os cientistas
decifraram a rota da toxina no inseto, verificando que ela atacava uma proteína da
parede do intestino da praga, chamada caderina. Nos espécimes resistentes, mutações alteraram o gene que codifica para a
caderina, produzindo uma proteína com
estrutura diferente, insensível à toxina do
B. thuringiensis.
Os cientistas identificaram três alelos
do gene BtR (r1, r2 e r3), que conferem
resistências ao algodão Bt. Todos os genes
resistentes são recessivos, necessitando um
par deles para o inseto ser resistente.
“TRANSGÊNESE” NATURAL
A ação das toxinas é como ligar um plugue em uma tomada elétrica. Existem diferentes padrões de plugues e tomadas.
Para haver uma conexão bem sucedida, os
plugues e as tomadas devem prover um
encaixe perfeito. O mesmo ocorre na ligação das toxinas com os seus pontos de atuação no organismo, devido à elevada especialização das ações bioquímicas e fisiológicas das substâncias no organismo. Essa é
a razão pela qual as plantas Bt afetam apenas alguns tipos de insetos, sendo inócuos
Junho de 2004
sobre a necessidade de embutir nas práticas agrícolas o manejo da resistência de
pragas a inseticidas ou a plantas transgênicas resistentes a insetos. É importante
garantir que uma parte dos insetos sobreviva, para transferir os genes de suscetibilidade à descendência da praga. Além disso, os inimigos naturais das pragas necessitam de uma população mínima da mesma, para garantir o seu próprio ciclo vital.
O que pode parecer um contra-senso ao
leigo (deixar parte da população da praga
na lavoura) é o que o diferencia de um técnico competente.
MANEJO DA RESISTÊNCIA
Com o crescimento do uso do controle biológico incorporado ao genoma das
plantas cultivadas, a pressão de seleção de
biótipos de insetos resistentes às
cultivares Bt tenderá a crescer.
Com a adoção das técnicas preconizadas pelos entomologistas,
o problema poderá ser convenientemente administrado, sem
maiores impactos para os agricultores.
Para garantir a sustentabilidade do processo, a Agência de
Proteção Ambiental
(EPA) dos EUA está exigindo, por ocasião do registro de OGMs, um plano para o manejo da resistência. Os processos
mais utilizados são a alternância de cultivares ou
variedades resistentes e
não resistentes e a divisão
manifestar sua ação e o inseto torna-se resistente ao controle biológico embutido no código genético da
planta. Essa descoberta é vital para
desenvolver novas estratégias de
manejo da resistência, prolongando
a vida útil das variedades resistentes a pragas.
SUSCETIBILIDADE, UM
PATRIMÔNIO
A suscetibilidade de um inseto a um
inseticida é um patrimônio a ser preservado, mesmo se o inseticida é produzido pela
planta da qual o inseto se alimenta. Por
esse motivo, nunca se deve eliminar 100%
da população de uma praga, um conceito
já incorporado nos programas de manejo
de pragas.
Nós, entomologistas, sempre alertamos
www.cultivar.inf.br
da lavoura, em que uma parte dela é cultivada com material resistente e outra com
material suscetível. Até o momento, a
maior dificuldade tem sido convencer os
agricultores de que eles devem deixar uma
parte do milho ou do algodão para servir
C
de alimento – aos insetos!
Décio Luiz Gazzoni
Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja
www.gazzoni.pop.com.br
Cultivar
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