Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185
Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 671-675
IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014
ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X
Águas minerais da ilha de São Miguel (Açores): monitorização
hidrogeoquímica entre 1992 e 2013
Mineral waters in São Miguel island (Azores): hydrogeochemical
monitoring between1992 and 2013
J. V. Cruz1*, P. Freire1, C. Andrade1, R. Coutinho1
Artigo Curto
Short Article
.
© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP
Resumo: A origem vulcânica do arquipélago dos Açores explica a
existência de importantes recursos hidrominerais, que apresentam
uma variabilidade de tipos químicos e de magnitude de
mineralização. As emergências encontram-se disseminadas em sete
das nove ilhas do arquipélago, e em particular na ilha de São Miguel
onde apresentam como fácies predominantes os tipos bicarbonatada
sódica e cloretada sódica.
O Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos
desenvolveu um sistema de monitorização sismovulcânica para os
Açores, que inclui a monitorização hidrogeoquímica, para apoiar as
ações de proteção civil. Deste modo, monitorizam-se atualmente 12
pontos de água mineral nos Vulcões do Fogo e das Furnas, ambos na
ilha de São Miguel. Para todas as emergências referidas
anteriormente, e com uma periodicidade quinzenal, são registados a
temperatura, o pH, a condutividade elétrica, o CO2 livre, a
alcalinidade, o cloreto e o sulfato.
Dos vários parâmetros estudados, com a exceção de algumas
variações acentuadas em poucos pontos de água, resultante da
mistura com águas meteóricas, os resultados obtidos no período entre
1992 e 2013 evidenciam uma grande estabilidade, validando a
metodologia utilizada para efeitos de vigilância da atividade
vulcânica na medida que é possível considerar a linha de base do
sistema.
Palavras-chave: Águas minerais,
hidrogeoquímica, Atividade vulcânica.
Açores,
Monitorização
Abstract: The volcanic nature of the Azores archipelago explains
the occurrence of hydromineral resources, with a large range of
chemical types and magnitude of mineralization. The mineral water
discharges are located in seven of the nine islands of the archipelago,
mainly in São Miguel, where the main water types are Na-HCO3 and
Na-Cl.
The Centre of Volcanology and Geological Hazards Assessment
developed a volcanic monitoring system in the Azores, including
hydrogeochemical surveillance, that supports the civil protection
authorities. In such system, nowadays 12 mineral water discharges
are quarterly sampled in São Miguel island, including the
measurement of the temperature, pH, electrical conductivity,
dissolved CO2, alkalinity, chloride and sulfate.
The several parameters depict between years 1992 and 2013 a rather
stability trend, with some changes due to mixture with meteoric
waters. This trend suggests that the water chemistry can be useful for
volcanic surveillance scheme, as is possible to draw the system
baseline.
Keywords: Mineral waters, Azores, Hidrogeochemical monitoring,
Volcanic activity.
1
CVARG - Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos,
Departamento de Geociências, Universidade dos Açores, Apartado 1422,
9501-801 Ponta Delgada, Portugal.
*
Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]
1. Introdução
O arquipélago dos Açores localiza-se no Oceano Atlântico
Norte, entre as latitudes 36º 45’ a 39º 43’ Norte, e as
longitudes 24º45’ a 31º 7’ Oeste de Greenwich, e é
constituído por nove ilhas e diversos ilhéus, que se
estendem por uma faixa com cerca de 600 km, com uma
direção aproximada NW-SE.
A origem vulcânica dos Açores explica a ocorrência de
numerosas
nascentes
de
águas
minerais,
predominantemente gasocarbónicas e/ou termais, que
denotam uma elevada variabilidade de tipos químicos e de
magnitude de mineralização, em particular na ilha de São
Miguel, mas também nas ilhas Terceira, Graciosa, São
Jorge, Faial, Pico e Flores.
As águas minerais dos Açores agrupam-se em 4 grupos
(Cruz & França, 2006): os grupos 1 e 2, emergentes a partir
de aquíferos de altitude, englobam águas frias, termais e
hipertermais, estas últimas relacionadas com fumarolas, em
que o pH é básico; o grupo 3 compreende águas de
fumarolas, de composição aniónica dominada pelo SO42- e
um carácter fortemente ácido; o grupo 4 agrega amostras
frias e termais, emergentes a partir de aquíferos de base,
junto ao mar, muito mineralizadas e em que o quimismo é
influenciado por mistura com sais marinhos, que se traduz
pela fácies cloretada sódica (Fig. 1).
Os recursos hidrominerais são passíveis de numerosas
utilizações, desde fins terapêuticos, aproveitamentos
industriais para engarrafamento, no decurso da prospeção
de recursos geotérmicos com o estudo das características
destes fluidos, ou até no âmbito de programas de
monitorização da atividade vulcânica com a realização de
observações periódicas, entre outras.
672
No presente trabalho discutem-se alguns resultados
obtidos no decurso da monitorização hidrogeoquímica
efetuada há mais de duas décadas na ilha de São Miguel,
com algumas interrupções na primeira metade deste
período de tempo.
A ilha de São Miguel localiza-se no Grupo Oriental dos
J. V. Cruz et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 671-675
Açores, entre 37º55´N e 37º04´N de latitude, e 25º52´W a
25º08´W de longitude. Com uma área igual a 744 km2 e
137699 habitantes (2011), São Miguel é a maior ilha do
arquipélago, e aquela em que ocorrem 73% do total dos
116 pontos de água mineral inventariados (Cruz et al.,
2010; Freire et al., 2014).
Fig. 1. Composição relativa em iões principais das águas minerais ocorrentes no arquipélago dos Açores representada de acordo com um diagrama de Piper.
Fig. 1. Major-ion relative composition represented by means of a Piper-type diagram for the mineral waters in the Azores archipelago.
2. Monitorização hidrogeoquímica na ilha de São
Miguel
Na medida que o arquipélago dos Açores é uma região
vulcânica ativa, um dos principais enfoques do Centro de
Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos (CVARG)
é o desenvolvimento e a operacionalização de uma rede de
vigilância vulcânica multidisciplinar, que inclui a
monitorização hidrogeoquímica.
No âmbito desta rede, o CVARG monitoriza
quinzenalmente na ilha de São Miguel doze pontos de água
mineral, sendo seis pertencentes à massa de água
subterrânea Água de Pau, cujos limites coincidem com o
Vulcão do Fogo, e seis pertencentes à massa de Água
Furnas – Povoação, que se encontram circunscritos às
formações geológicas pertencentes aos Vulcões das Furnas e
da Povoação.
Os seis pontos de água mineral sujeitos à monitorização
na região do Vulcão do Fogo são os seguintes: Lombadas,
Lombadas “doce” e Lombadas furo I, Caldeira da Ribeira
Grande Férrea ou “Pocinha”, Caldeira Velha Fumarola e
Caldeira Velha Nascente. As outras seis emergências, na
área de influência dos Vulcões das Furnas e da Povoação
são as emergências Água Azeda, Caldeira Grande, Caldeira
da Lagoa das Furnas Caldeirão, Quenturas I e Torno.
Relativamente à emergência Lombadas "doce" a
monitorização periódica foi interrompida entre agosto de
2007 e outubro de 2008, em virtude de um movimento de
vertente verificado em julho de 2007 ter limitado a
acessibilidade ao ponto de água. No caso do ponto de água
Lombadas furo I a amostragem foi cessada em junho de
2008 por vandalização do mesmo.
Para todas as emergências referidas anteriormente, os
parâmetros físico-químicos analisados in situ como a
temperatura, o pH e a condutividade elétrica são registados
utilizando aparelhos portáteis digitais e o CO2 livre e a
alcalinidade são determinados por titulação. Em laboratório,
as concentrações dos iões sulfato e cloreto são determinadas
recorrendo à técnica da cromatografia iónica ou à titulação,
enquanto que para os catiões se recorre técnica da
espetrometria de absorção atómica.
3. Enquadramento geológico e hidrogeológico
3.1. Enquadramento geológico
A geologia de São Miguel é dominada por três vulcões
centrais ativos, de natureza traquítica, nomeadamente os
Vulcões das Sete Cidades, Fogo e Furnas. A atividade dos
três vulcões centrais é demonstrada pelas 57 erupções que
Águas minerais da ilha de São Miguel: monitorização entre 1992 e 2013
tiveram lugar nos últimos 5000 anos, a que corresponde um
volume de lava emitido da ordem de 4.6 km3 (Booth et al.,
1978). Além destes três vulcões, outras quatro unidades
geológicas são cartografadas na ilha (Pacheco et al., 2013):
os Vulcões da Povoação e do Nordeste, assim como os
Sistemas Vulcânicos Fissurais dos Picos e do Congro.
O Vulcão do Fogo, apresenta um aparelho vulcânico
central com uma caldeira no topo, cujas paredes apresentam
cerca de 300 m de altura. Nos flancos do vulcão central
observam-se cones de escórias, domos traquíticos, maars e
espessas coberturas de depósitos piroclásticos (Wallenstein,
1999).
O Vulcão das Furnas, localizado entre o Vulcão da
Povoação, a este, e o Sistema Vulcânico Fissural do Congro,
a oeste, corresponde a um vulcão central e está representado
por produtos traquíticos resultantes de atividade vulcânica
essencialmente explosiva, bem como por domos e escoadas
lávicas muito espessas. No topo do vulcão existe um
complexo de caldeiras, resultante de importantes episódios
de colapso; a caldeira mais antiga apresenta cerca de 7 km
de comprimento por 5 km de largura e no interior desta, um
episódio de subsidência mais recente, levou à formação de
outra caldeira, aproximadamente semi-circular, com 5 km
de diâmetro médio (Guest et al., 1999).
3.2. Enquadramento hidrogeológico
Em São Miguel foram delimitadas seis massas de água
(Achada, Nordeste – Faial da Terra, Ponta Delgada – Fenais
da Luz, Água de Pau, Furnas – Povoação, Sete Cidades), e
cartografadas 1100 nascentes (1,48 nascentes/km2) e 26
furos (0,03 furos/km2).
O caudal específico na ilha de São Miguel varia entre
0,49 e 100 L/sm (mediana=1,11 L/sm) e a transmissividade
entre 5,98x10-4 e 1,22x10-1 m2/s (mediana=1,35x10-3 m2/s).
As estimativas de condutividade hidráulica apresentam
valores médios mais elevados na massa de água Ponta
Delgada – Fenais da Luz (3,69x10-3 m/s), enquanto na
massa de água Água de Pau esses valores são da ordem de
10-5 m/s a 10-7 m/s.
As fácies dominantes são cloretada sódica e
bicarbonatada sódica, embora se observem alguns tipos de
água cuja classificação se pode considerar intermédia (Cruz,
2004). A condutividade elétrica varia entre 25,5 e 9670
μS/cm, e as temperaturas observadas correspondem a águas
frias a ortotermais, apresentando um valor de mediana igual
a 15ºC. A influência do ambiente vulcânico ativo denota-se
pela ocorrência de um elevado número de águas minerais,
muitas delas termais, em especial nas massas de água Furnas
- Povoação, Água de Pau e Sete Cidades, cujas fácies
predominantes são a bicarbonatada sódica e a cloretada
sódica.
673
4. Apresentação e discussão de resultados
As projeções gráficas das séries temporais (1992-2013)
relativas às observações dos valores de temperatura (°C),
de pH e de condutividade elétrica (µS/cm) no decurso da
monitorização efetuada nos Vulcões do Fogo e das Furnas
encontra-se representada nas figuras 2 e 3.
No que diz respeito à monitorização hidrogeoquímica
realizada para o Vulcão do Fogo é evidente uma propensão
geral para a estabilidade dos valores registados entre 1992
e 2013. As inconstâncias observadas verificaram-se,
principalmente no ponto de água Caldeira Velha fumarola,
devido à mistura com água meteórica.
Quanto à monitorização hidrogeoquímica efetuada para
o Vulcão das Furnas no período de estudo referido
anteriormente, constata-se que os valores registados
mostram uma tendência de estabilidade dos mesmos, com
exceção de alguns valores observados para o ponto de
água Caldeira da Lagoa das Furnas. As modificações
detetadas nos parâmetros observados neste último ponto
podem ser, igualmente, justificadas como resultantes da
mistura com águas meteóricas, nomeadamente de
superfície.
Assim, a robustez dos valores obtidos salienta não só o
equilíbrio do sistema hidrotermal associado quer ao
Vulcão do Fogo, quer ao Vulcão das Furnas, como
também mostra a validade da utilização da monitorização
hidrogeoquímica na vigilância da atividade vulcânica dos
Açores.
5. Conclusões
A ocorrência de numerosas emergências de águas minerais no
arquipélago dos Açores constitui uma oportunidade para
utilizar a composição hidrogeoquímica daquelas águas no
âmbito das atividades de vigilância vulcânica.
Deste modo na ilha de São Miguel, são monitorizados 12
pontos de água mineral, sendo seis pertencentes ao Vulcão do
Fogo e seis ao Vulcão das Furnas. Para todas as emergências
são registados quinzenalmente a temperatura, o pH, a
condutividade elétrica, o CO2 livre, a alcalinidade, o
bicarbonato, o cloreto e o sulfato.
Dos diversos parâmetros estudados, com a exceção de
algumas variações nos pontos de água Caldeira Velha
fumarola e Caldeira da Lagoa das Furnas, resultantes da
mistura com águas frias, do escoamento de superfície, os
resultados obtidos no período entre 1992 e 2013 patenteiam
uma grande estabilidade. Esta estabilidade permite validar a
metodologia utilizada, e possibilita a consideração de linhas
de base da composição das águas em causa, passíveis de
interpretar qualquer modificação no futuro como decorrentes
do funcionamento dos sistemas vulcânicos sobre vigilância.
674
J. V. Cruz et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 671-675
Fig. 2. Série temporal relativa aos pontos de água mineral Caldeira Velha Fumarola, Caldeira Velha Nascente, Lombadas, Lombadas "doce", Lombadas
Furo I e Pocinha, no período 1992 e 2013 (A - temperatura (°C); B - pH; C - condutividade elétrica (µS/cm).
Fig. 2. Time series for the Caldeira Velha Fumarola, Caldeira Velha Nascente, Lombadas, Lombadas "doce", Lombadas Furo I and Pocinha discharges
from 1992 to 2013 (A - temperature (°C); B - pH; C - electrical conductivity (µS/cm).
Fig. 3. Série temporal relativa aos pontos de água mineral Azeda, Caldeira Grande, Caldeira da Lagoa das Furnas, Caldeirão, Quenturas I e Torno, no
período 1992 e 2013 (A - temperatura (°C); B - pH; C - condutividade elétrica (µS/cm).
Fig. 3. Time series for the Azeda, Caldeira Grande, Caldeira da Lagoa das Furnas, Caldeirão, Quenturas I and Torno discharges from 1992 to 2013 (A temperature (°C); B - pH; C - electrical conductivity (µS/cm).
Águas minerais da ilha de São Miguel: monitorização entre 1992 e 2013
Referências
Booth, B., Croasdale, R., Walker, G.P.L., 1978. A quantitative study of
five thousand years of volcanism on São Miguel, Azores.
Philosophical Transactions of the Royal Society of London, 288,
271-319.
Cruz, J.V., 2004. Ensaio sobre a água subterrânea nos Açores. História,
ocorrência e qualidade. SRA, Ponta Delgada, 288 p.
Cruz, J.V., França, Z., 2006. Hydrogeochemistry of thermal and mineral
springs of the Azores archipelago (Portugal). Journal of Volcanology
and Geothermal Research, 151, 382-398.
Cruz, J.V., Freire, P., Costa, A., 2010. Mineral waters
characterization in the Azores archipelago (Portugal). Journal of
Volcanology and Geothermal Research, 190, 353–364.
Freire, P., Andrade, C., Viveiros, F., Silva, C., Coutinho, R., Cruz, J.V.,
2014. Mineral water occurrence and geochemistry in the Azores
675
archipelago (Portugal): insight from an extended database on water
chemistry. Environmental Earth Sciences, ISSN 1866-6280 (doi:
10.1007/s12665-014-3157-1).
Guest, J.E., Gaspar, J.L., Cole, P.D., Queiroz, G., Duncan, A.M.,
Wallenstein, N., Ferreira, T., Pacheco, J.M., 1999. Volcanic geology
of Furnas volcano, São Miguel, Azores. Journal of Volcanology and
Geothermal Research, 92, 1-29.
Pacheco, J.M., Ferreira, T., Queiroz, G., Wallenstein, N., Coutinho, R.,
Cruz, J.V., Pimentel, A., Silva, R., Gaspar, J.L., Goulart, C., 2013.
Notas sobre a Geologia do arquipélago dos Açores. In: R. Dias, A.
Araújo, P. Terrinha, J.C. Kullberg, (Eds). Geologia de Portugal,
Escolar Editora, Lisboa, 595-690.
Wallenstein, N., 1999. Estudo da história recente e do comportamento
eruptivo do vulcão do Fogo (S. Miguel, Açores). Avaliação preliminar
do hazard. Tese de doutoramento, Universidade dos Açores (não
publicada), 266 p.
Download

Águas minerais da ilha de São Miguel (Açores