VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E HOMOSSEXUALIDADE: UM ESTUDO EM CAPITAIS BRASILEIRAS Autoria: Renata de Almeida Bicalho, Ana Paula Rodrigues Diniz RESUMO Este artigo se destina a analisar as violências simbólicas vivencias por homossexuais masculinos em seus ambientes de trabalho. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa nas capitais brasileiras Aracajú, Belo Horizonte, Brasília, Vitória, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. O método utilizado foi a história de vida e para a apreciação do corpus das entrevistas foram empregadas algumas categorias da análise do discurso. Por meio das ponderações do empírico, observamos que as violências simbólicas mais recorrentes envolvem a depreciação do homossexual. Essas se valem não só de ofensas não direcionadas e/ou sutis, mas também das formas de desprezo; da exclusão dos sujeitos não-heterossexuais de determinados ciclos sociais, com ênfase para as organizações formais; e da pressão para o ajustamento dos mesmos aos padrões heteronormativos. Constatamos que as referidas violências, em muitos casos, são introjetadas pelos sujeitos, desencadeando a perda da autoconfiança e a descrença nas próprias potencialidades pessoais e profissionais; a vivência de ambiguidades e consequentes crises identitárias; e o sentimento de exclusão ou de não-pertença aliado a demonstrações de revolta com o status quo, sensação de prejuízos constantes e descrença na possibilidade de mudança da realidade. Arrolada à internalização, tem-se a reprodução das violências em outrem, em especial, naqueles não-heterossexuais que se distanciam, em outros aspectos, do modelo hegemônico. Nesse processo, a associação ao feminino mostrou-se fundamental, uma vez que, quanto mais próximos da postura feminina, maior o risco de serem preteridos socialmente. Findamos este trabalho, enfatizando a importância de desenvolvimento de novos estudos na área. 1. INTRODUÇÃO Devemos lutar pela igualdade quando as diferenças nos inferiorizam e pela diferença quando a igualdade nos homogeneíza (PRADO; MACHADO, 2008, p. 27) A questão da sexualidade nas organizações sempre foi cercada de tabus e, deste modo, evitada. Durante grande parte do século XX, a racionalidade capitalista difundia a idéia de que as relações sexualizadas precisavam ser controladas para que os trabalhadores canalizassem toda a sua energia para aquilo que interessava à organização, à produção e aos seus resultados. Assim, o namoro e o casamento entre funcionários eram proibidos, sendo punido com a demissão de um dos envolvidos o casal que tivesse sua relação descoberta (BANOV, 2008). Tais sanções aos casais de amantes, possivelmente, se intensificavam quando se tratava de uma relação homossexual, dado a remissão à discriminação socialmente instituída pela sociedade heteronormativa. A partir da década 90, a postura organizacional relativa à sexualidade modificou-se. O envolvimento amoroso entre os funcionários passou então a ser permitido, uma vez que a formação de famílias em torno da organização parecia benéfica, possibilitando o maior envolvimento do sujeito com o trabalho, dada a menor distância consequente entre sua vidas pessoal e profissional (BANOV, 2008). A mudança de posicionamento com relação à sexualidade não se limitou às organizações, repercutindo no questionamento das bases da moralidade instituída. A transformação dos discursos sobre a sexualidade, associados a uma série de transformações sociais [...] tornou possível uma ressignificação da sexualidade humana, na medida em que estes discursos contribuíram lentamente para a desessencialização ou desnaturalização da sexualidade. Assim, os elementos fundamentais da sustentação do preconceito social e da legitimação de uma 1 subcidadania para mulheres e não-heterossexuais passaram a sofrer questionamento (PRADO; MACHADO, 2008, pp. 39-40). Lentamente, sujeitos até então completamente excluídos das preocupações da sociedade capitalista conservadora passaram a ser seu alvo de interesse, uma vez que se mostraram potenciais consumidores e trabalhadores com o perfil desejado. “Os valores que incidem sobre a sexualidade se antagonizam paulatinamente através do relativismo moral oferecido pelo mercado” (PRADO; MACHADO, 2008, p. 42). Enfatizamos este papel exercido pelo mercado, o qual cumpre a função que se esperava do Estado, de inclusão dos homossexuais na sociedade, denotando não uma cidadania conquistada politicamente, mas economicamente, atrelada ao desempenho profissional e financeiro dos sujeitos; seguindo os preceitos econômicos, não interessa a sexualidade do indivíduo, mas o quão bem sucedido ele é. “Talvez possamos nos arriscar a dizer que a inclusão de homossexuais via mercado pode ser uma forma perversa de manter no sistema social de produção, homossexuais capitalizados, de classes mais altas, ao mesmo tempo em que dispersa e desvia os possíveis antagonismos que aí se produziriam” (idem, pp. 64-65). As relações homoeróticas tornam-se, então, exóticas aos olhos de parte da sociedade, sendo até mesmo incorporadas em campanhas de merchandising. “A diferença nesses casos, é instigadora, é merchandising: é o diferente exibido como curiosidade, como exceção, o que de fato serve para reforçar a norma” (NAVARRO-SWAIN, 2000, p. 65), mas não nos enganemos, arautos da bissexualidade como Madonna aparecem como provocadores, pois sua homossexualidade é ocasional, não interfere na divisão binária, na ordem sexuada do mundo; já a afirmação de lesbianismo convicto como o de Ângela Ro-Ro faz dela um espetáculo à parte, envolta em um halo de deboche e derrisão, marcado pela diferença (idem). De acordo com Carvalho (1995), a homossexualidade passa ao mesmo tempo a não expressar mais um critério determinante para exclusão social do ponto de vista do consumo. Uma parcela dos sujeitos cuja orientação sexual não se enquadra nos preceitos dominantes, parcela composta por aqueles com maior poder aquisitivo, torna-se alvo de campanhas publicitárias e muitas empresas passam, inclusive, a trabalhar para este nicho, graças, principalmente, aos grandes montantes despendidos por tais indivíduos, que no geral não possuem filhos-herdeiros e tendem a desempenhar funções com a dedicação acima da média – esta última constatação se refere à busca por igual reconhecimento atrelada ao preterimento em relação aos heterossexuais. Aliás, conforme apregoado por Carrieri (2008), em decorrência deste empenho superior, associado à maior flexibilidade de horários de tais sujeitos e à possibilidade de realocação deles entre as sedes da empresa, por não possuírem vínculos matrimoniais e filhos como limitadores, a inserção de sujeitos não-heterossexuais no ambiente de negócios tem sido interpretada como desejável por um número crescente de gestores. A implementação de políticas de diversidade nas empresas públicas e privadas também indica um caminho para a inclusão destes sujeitos no âmbito organizacional, já que não preterir indivíduos em decorrência de sua sexualidade é uma pauta da política de diversidade sexual, uma das esferas dos programas de responsabilidade social, que tem sido largamente difundido e valorizado no mercado global. No entanto, conforme apregoam Galeão-Silva e Alves (2002), esta política de diversidade que tinha como intuito combater o preconceito sexual dentro das organizações, não se efetivou em plenitude, porquanto a discriminação encontra-se enraizada no “campo das idéias” e se expressa mesmo quando se fita extinguí-la, entendendo que esta será eliminada somente com a suplantação da ideologia que a fundamenta. Irigaray (2007, p. 13) corrobora a conclusão dos autores por meio da análise de um estudo de caso, do qual conclui que “a diversidade, assim, existe nos discursos e não nas práticas empresariais”, visto que 2 os discursos empresariais, embora se apresentem formalmente estruturados na forma de políticas organizacionais claras, encontram dificuldades de serem praticados efetivamente devido a processos arraigados de preconceito por parte dos próprios empregados, de certo nível de permissividade gerencial e pela ausência de senso coletivo de diversidade (idem). Destarte, neste contexto organizacional maculado pela intolerância às diferenças, o sujeito não-heterossexual é estigmatizado e sofre discriminações e atos preconceituosos, velados ou explícitos, ao tentar se inserir no mercado de trabalho e quando já se encontra empregado. Um fator agravante para tais humilhações é a explicitação da homossexualidade (SIQUEIRA et al., 2008), o que no caso das lésbicas e dos gays pode ser uma opção – “sair ou não do armário” –, mas não o é para os transgêneros (travestis e transexuais), dado os caracteres femininos evidentes, como seios, cabelos, contornos do corpo, etc. Segundo a avaliação de Warken (2008), nos últimos dez anos, mais de 2.500 brasileiros sofreram com o ódio e a repugnância socialmente difundida contra os nãoheterossexuais, manifesta por meio da homofobia, a qual é caracterizada por atos de violência interpessoal de várias espécies: discursiva, física, institucionais, etc., e que se amparam na naturalização de violências simbólicas, ordinalmente associadas à discriminação. Destacamos que muitas destas violências circunscreviam organizações formais ou se relacionavam, direta ou indiretamente, ao trabalho dos sujeitos. As violências arroladas ao trabalho dos sujeitos não-heterossexuais foram estudadas por Ferreira (2007), que descreve as punições e sanções atreladas à orientação sexual das vítimas, sendo estas analisadas com base na discussão de assédio moral e da negação de direitos. A autora realça os possíveis obstáculos com os quais um homossexual pode se deparar na organização, tais como distintos e inferiores direitos, oportunidades e tratamentos em relação aos heterossexuais, e a dificuldade de percebê-los dado a sua vigência se dar de maneira velada. Alinhado ao estudo da ocorrência de tais violências, encontra-se o objetivo do presente artigo, que se destina a analisar as violências simbólicas vividas pelos homossexuais em seus ambientes de trabalho. Ressaltamos que tal objetivo está circunscrito, porém não limitado, à esfera do trabalho, uma vez que as vivências no ambiente de trabalho não se encontram desconectadas da realidade social em que os sujeitos se inserem e que muitas vezes as violências localizadas neste espaço têm suas raízes no social e na ordem estabelecida. Os fundamentos desta empreitada encontram-se no compartilhamento da seguinte leitura a respeito do trabalho acadêmico: “Esta seria a tarefa da ciência: desvirtuar as evidências, tirar delas a inocência da convicção e da certeza para se embrenhar na floresta de sentidos que criaram a condição humana e que fizeram de práticas socioculturais modelos definitivos de ser” (NAVARRO-SWAIN, 2000, p. 15). O artigo será então desenvolvido, em ordem, a partir da apresentação de uma discussão teórica acerca das fundamentações das violências simbólicas vivenciadas pelos sujeitos não-heterossexuais, da metodologia de pesquisa, da análise dos dados empíricos e da conclusão do trabalho. 2. NÃO-HETEROSSEXUAL COMO ALVO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA Os sujeitos não interpretam aquilo que vivenciam como decorrente de um processo de construção sócio-histórico e, deste modo, passível de transcendência, mas como uma organização imprescindível para a reprodução da sociedade, assim legitimam e reproduzem a ordem da distinção (PRADO; MACHADO, 2008). O preconceito é uma das marcas da sociedade da distinção, o qual exerce papel importante na manutenção da hierarquia entre os grupos sociais ao legitimar a valorização dos atributos da classe dominante e a inferiorização daqueles que não se enquadram no padrão de 3 excelência. Destacamos que em decorrência das desigualdades instituídas podem se consolidar o ódio e a violência entre as classes (PRADO; MACHADO, 2008). O senso da distinção, discretio que leva a separar e reunir o que deve ser separado e reunido, a excluir todas as alianças desiguais e todas as uniões contra natureza, ou seja, contrárias à classificação comum, à diacrisis que se encontra na origem da identidade coletiva e individual, suscita um horror visceral e assassino, uma aversão absoluta, um furor metafísico por tudo o que ocupa o terreno bastardo de Platão, tudo o que vai além do entendimento, ou seja, a classificação incorporada e que, ao questionar os princípios da ordem social feita corpo e, em particular, os princípios socialmente constituídos da divisão sexual do trabalho e da divisão do trabalho sexual, ameaça a ordem mental, a título de desafio ao senso comum, de escândalo (BOURDIEU, 2007, p. 440, destaques no original). O preconceito que caracteriza a exclusão daqueles que se distanciam do “padrão de normalidade” social é talvez a manifestação mais insidiosa da violência simbólica e fundamenta-se no paradoxo que define tal violência: “nos impede de ‘ver’ que ‘não vemos’”, ou seja, impossibilita ao sujeito identificar os limites de sua própria percepção da realidade, “atua ocultando razões que justificam determinadas formas de interiorizações históricas, naturalizadas por seus mecanismos” (PRADO; MACHADO, 2008, p. 67). Para caracterizar, sinteticamente, a violência simbólica tomaremos como base o trabalho de Rosa (2007, p. 40), segundo o qual A violência simbólica representa uma forma de violência invisível que se impõe numa relação do tipo subjugação-submissão, cujo reconhecimento e a cumplicidade fazem dela uma violência silenciosa que se manifesta sutilmente nas relações sociais e resulta de uma dominação cuja inscrição é produzida num estado dóxico das coisas, em que a realidade e algumas de suas nuanças são vividas como naturais e evidentes. Por depender da cumplicidade de quem a sofre, sugere-se que o dominado conspira e confere uma traição a si mesmo. Entre as inúmeras formas de violência simbólica assinaladas pelo preconceito que verificamos no mundo social enfatizamos, para fins deste trabalho, o direcionado à homossexualidade, tendo em vista que tal preconceito é fruto de um “poder de violência simbólica” reproduzido sócio-historicamente e marcado pela distinção. Conforme indica Bourdieu (2003, p. 102): “a própria heterossexualidade construída socialmente e socialmente constituída como padrão universal de toda prática sexual ‘normal’, isto é, distanciada da ignomínia da ‘contranatureza’”. A distinção entre heterossexualidade e homossexualidade é recente e foi claramente demarcada na qualificação da identidade dos sujeitos em geral após a Segunda Guerra Mundial (BOURDIEU, 2003). A heteronormatividade foi instituída e legitimada como preceito regulador das relações sociais por meio da difusão de idéias pejorativas de atribuição social acerca das práticas não-heterossexuais, que associavam estas às noções de doença e perversão, naturalizando e obliterando a difusão de práticas homofóbicas em decorrência do imaginário constituído. Em decorrência do estabelecimento de tal distinção sexual, os sujeitos assumidamente homossexuais passaram a ser enquadrados em esferas inferiores da hierarquia social e a ser alvos de discriminações e inferiorizações, realidade de opressão invisibilizada como natural às relações de subordinação (PRADO; MACHADO, 2008). Assim desenvolveuse a forma particular de dominação simbólica de que são vítimas os homossexuais, marcados por um estigma que, à diferença da cor da pele ou da feminilidade, pode ser ocultado (ou exibido), impõese através de atos coletivos de categorização que dão margem a diferenças significativas, negativamente marcadas, e com isso a grupos ou categorias sociais estigmatizadas. Como em certos tipos de racismo, ela assume, no caso, a forma de uma negação da sua existência pública, visível. A opressão como forma de ‘invisibilização’ traduz uma recusa à existência legítima, pública, isto é, conhecida e reconhecida, sobretudo pelo Direito, e por uma estigmatização que só aparece de forma realmente declarada quando o movimento reivindica a visibilidade. Alega-se, então, explicitamente, a ‘discrição’ ou a dissimulação que ele é ordinariamente obrigado a se 4 impor (BOURDIEU, 2003, pp. 143-144, destaques nossos). Para não ser excluído dos demais grupos de identificação aos quais se associa nem das instituições em que participa o sujeito pode optar, a princípio, por três caminhos: aderir aos padrões da divisão sexual do trabalho, obter um desempenho superior ou esconder sua identidade sexual. O primeiro caminho, como no caso de gays, travestis e transexuais femininos, leva o sujeito a limitar sua escolha profissional a trabalhos desenvolvidos tipicamente por mulheres ou mesmo por outros não-heterossexuais, ou seja, em “posições oferecidas às mulheres pela estrutura, ainda fortemente sexuada, da divisão de trabalho, que as disposições ditas ‘femininas’, inculcadas pela família e por toda a ordem social, podem se realizar” (BOURDIEU, 2003, p. 72). Outro caminho possível é a obtenção de reconhecimento e respeito por meio de um desempenho superior ao “normal” no desenvolvimento de suas atividades, o que resulta de maior esforço ou habilidade. Seguindo esta segunda opção, o sujeito esforça-se constantemente para atender às demandas adicionais que lhe são imputadas, no intento de suprimir qualquer conotação sexual que possa preterí-lo (idem). A escolha do terceiro caminho baseia-se, normalmente, no entendimento da dissimulação e da negação da identidade sexual como imperativas para se conservar no grupo dominante. Segundo Leonini (2004), a postura da sociedade brasileira com relação à sexualidade expressa uma convivência democrática entre hetero e homossexuais, sem qualquer preconceito oficial. No entanto, corriqueiramente a discriminação se expressa, mesmo de forma sutil e ardilosa, em imagens, textos, comportamentos e na intensificação das violências direcionadas ao homossexual. Destarte, para evitar qualquer represália social, os sujeitos entendem como sua sina o enquadramento na heterossexualidade ou a encenação de tal enquadramento, tendo em vista que a ordem social apresenta-se como intransponível e que o preconceito velado dificulta a articulação dos vitimizados. Dominado simbolicamente, o homossexual tende a assumir a respeito de si mesmo o ponto de vista dominante: através, principalmente, do efeito de destino que a categorização estigmatizante produz, e em particular do insulto, real ou potencial, ele pode ser assim levado a aplicar a si mesmo e a aceitar, constrangido e forçado, as categorias de percepção direitas (straight, em oposição a crooked, tortas), e a viver envergonhadamente a experiência sexual que, do ponto de vista das categorias dominantes, o define, equilibrando-se entre o medo de ser visto, desmascarado, e o desejo de ser reconhecido pelos demais homossexuais (BOURDIEU, 2003, p. 144). A pesquisa realizada por Carvalho (1995, p. 168) com um grupo de lésbicas ilustra bem esta condição ambígua, como podemos verificar na seguinte passagem: Em várias entrevistas foi ressaltada a vontade de lidar com o homoerotismo com ‘abertura’, sem, no entanto, se sentirem obrigada a ‘levantar bandeira’. Esta postura tem duas implicações: [...], segundo, o interesse de serem discretas, em alguns seguimentos das redes sociais em que estão inseridas, levando em consideração, que ‘(...) em Belo Horizonte todo mundo julga todo mundo’. A escolha por assumir socialmente uma identidade lesbiana, tida como estigmatizadora, raramente se efetiva, cabendo às lésbicas conciliar uma vida pública heterossexual e outra privada homossexual, sendo que “no mundo heterossexual, necessitam ‘passar por héteros’ ou pelo menos ‘desenvolver uma representação que as defina como fêmeas’”. Isso, tendo em vista que “em uma sociedade heterocentrista, qualquer atitude que afaste um ser humano nascido com o sexo feminino de seu papel de gênero de mulher é vigiada e cobrada” (GOMIDE, 2007, p. 407) e, nesse sentido, “os sujeitos que decidem adotar uma identidade diferenciada são obrigados a lidar com a discriminação da heterossexualidade normativa” (idem, pp. 410-411). A condição lesbiana é ainda mais desfavorável se comparada com as outras formas de homossexualidade, tendo em vista que as lésbicas “são duplamente dominadas, mesmo dentro de um movimento que comporta 90% de gays e 10% de lésbicas e é ainda marcado por uma 5 forte tradição masculinista” (BOURDIEU, 2003, p. 148). Socialmente, “num mundo dividido entre homens e mulheres, os pederastas pretendem um lugar no mundo dominante dos homens, ao qual pertencem. Seus problemas de inserção e aceitação social não integram a realidade vivida pelas mulheres lesbianas, duplamente discriminadas” (NAVARRO-SWAIN, 2000, pp. 67-68). Do mesmo modo, os gays vivenciam a problemática associada à necessidade de obliterar socialmente a sua identidade sexual, como podemos perceber pela pesquisa realizada por Carrieri (2008, p. 159) com sujeitos homossexuais masculinos. Os enunciadores relataram que em meio à dominante visão dicotômica da sexualidade, a qual determina um enquadramento no papel socialmente construído do homem ou da mulher, eles se sentem em um não-lugar. O ponto de vista do dominante torna-se baliza para as análises que o sujeito é capaz de estabelecer, uma vez que ele fora educado a partir de preceitos heterossexuais (BOURDIEU, 2003), tanto com relação à si mesmo e à sua relação com o mundo, quanto com referência aos demais oprimidos. Deste modo, a particularidade desta relação de dominação simbólica é que ela não está ligada aos signos sexuais visíveis, e sim à prática sexual. A definição dominante da forma legítima desta prática, vista como relação de dominação do princípio masculino (ativo, penetrante) sobre o princípio feminino (passivo, penetrado) implica o tabu da feminilização, sacrilégio do masculino, isto é, do princípio dominante, que está inscrito na relação homossexual. Comprovando a universalidade do reconhecimento concedido à mitologia androcêntrica, os próprios homossexuais, embora sejam disso (tal como as mulheres) as primeiras vítimas, aplicam a si mesmos muitas vezes os princípios dominantes: tal como as lésbicas, eles não raro reproduzem, nos casais que formam, uma divisão dos papéis masculino e feminino (inadequada a aproximá-los das feministas, sempre prontas a suspeitar de sua cumplicidade com o gênero masculino a que pertencem, mesmo se este os oprime) e levam por vezes a extremos a afirmação da virilidade em sua forma mais comum, sem dúvida em reação contra o estilo ‘efeminado’ antes dominante (idem, p. 144, destaques nossos). Os caracteres socialmente tidos como de excelência são assimilados pelos homossexuais em seus julgamentos, o que constrange o sujeito a se tolher de quaisquer atos ou gestos que possam denotar feminilidade e a avaliar como inferiores aqueles que são incapazes ou não desejam manter uma constante vigília, o que permite que a heterossexualidade compulsória seja assimilada e torne-se regra geral na sociedade (GOMIDE, 2007). Ademais, os homossexuais colaboram para reprodução da distinção social, conforme podemos apreender do estudo realizado por Leonini (2004), que expõe e interpreta o conteúdo de várias cartas redigidas, em sua maioria, por jovens homossexuais de classe média. Nestas, a autora observa manifestações de hierarquias envolvendo classe e condição social, faixa etária, expressão e vivência da homossexualidade. A discriminação se instaura mesmo entre aqueles que são mais vulneráveis e que, possivelmente, já foram violentados de algum modo, como por exemplo em: “vêem com muito preconceito não só a ‘bicha pobre’ ou ‘barra pesada’, mas também, as ‘tias’, a ‘bicha pintosa’ e o travesti. Mesmo os territórios desenhados pelas deambulações, desejos, afetos e encontros homossexuais apresentam demarcações de fronteiras bem nítidas, que separam e segmentam, construindo espécies de subgrupos” (idem, pp. 143-144). Em outro momento, a autora apresenta a relação dos homossexuais dominantes com os homossexuais marginalizados, retornando à distinção de classes por meio da percepção dos dominantes: Emergem então figuras de sujeitos, relatos de práticas e de vivências cotidianas do homoerotismo absolutamente marginais, desprezados tanto pelos discursos hostis aos homossexuais quanto por aqueles que se dizem seus representantes e defensores. Uns e outros vêem os sujeitos em questão como indivíduos errantes, fragmentados, destoantes inclusive no que toca à expressão de sua sexualidade, indivíduos desterritorializados em seus desejos, cujas práticas e experiências não se submetem ao discurso e ao modelo dominantes quanto à identidade homossexual, ambos em 6 construção. Eles ganham visibilidade apenas quando, literalmente dilacerados por seus parceiros, aparecem nas manchetes de jornais. Os crimes por eles sofridos, estampados na imprensa, pesam como uma ameaça e como uma lição a ser seguida por todos aqueles que teimam em burlar normas, inclusive aquelas ditadas pelos porta-vozes da militância homossexual (LEONINI, 2004, p. 148). Os travestis e transexuais, conforme se observou pela pesquisa de Leonini (2004), são vistos, tanto pelo senso comum quanto pela academia, como seres anormais, invertidos sexualmente ou afligidos por alguma psicopatologia. O espaço social por eles ocupado reflete o preconceito e a exclusão de que são vítimas, marginalizados como um grupo exótico e geralmente associado à prostituição e à criminalidade pela população e pelas instituições em geral. Há ainda aqueles que consideram a vida destes sujeitos como “fácil”, não percebendo o contexto real de violências a que se encontram sujeitos (BENEDETTI, 2005). A descrição de violências explícitas sofridas pelos transgêneros, conforme Benedetti (2005), engloba uma rotina de carências materiais básicas, como fome e desabrigo; a exposição às doenças sexualmente transmissíveis e às doenças decorrentes de sua rotina de trabalho, como pela exposição do corpo ao frio da noite de inverno, dada a necessidade de arranjar clientes; a vivência de situações de exclusão e estigmatização cotidianas, comumente atreladas às agressões físicas ou verbais; entre outras. As marcas destas violências são expostas pelas transexuais e travestis como troféus, uma forma de banalizar e de se defender da dor e da loucura, sendo exemplos destas cicatrizes de automutilações, necessárias para garantir a condução ao hospital ao invés da prisão, sabendo que a cadeia é um local em que são agredidas fisicamente e estupradas com frequência; marcas e feridas de cirurgias plásticas e injeções de silicone mal sucedidas, as quais foram executadas visando a formatação do corpo com formas afeminadas; e sinais de brigas com outras travestis ou transexuais, com clientes ou indivíduos homofóbicos. Esta é apenas uma parcela da realidade vivida por elas, que passam a se acostumar com o medo que é descrito como um sentimento onipresente, servindo até mesmo de guia para muitas pessoas que habitam o universo dos transgêneros. A ruptura com a discriminação contra a homossexualidade, de hetero ou homossexuais, é, notadamente, uma meta do movimento LGBTs (movimento em defesa das lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), contudo, há fortes divergências quanto ao percurso a ser adotado: percepções discordantes sobre os meios a serem empregados na conquista da visibilidade e do respeito desejados. Alguns defendem a afirmação de uma radical diferença por parte dos homossexuais e a demarcação de fronteiras nítidas separando-os dos heterossexuais. [...] Outros parecem militar no sentido de obter uma aceitação por parte da sociedade e dos heterossexuais. Nesse caso, o caminho seria marcado por compromissos, pela incorporação de algumas regras como a da discrição, da sobriedade e do recato. O resultado seria, segundo os defensores de tais posturas, o acesso menos conflituoso à igualdade de direitos e ao respeito por opções diferenciadas (LEONINI, 2004, p. 146). A primeira proposta nega a subserviência dos homossexuais aos ditames da heteronormatividade, buscando a mudança nas relações, de modo que essa reflita na aceitação da identidade homossexual ou na ruptura destes grupos e no estabelecimento de fronteiras claras. Ressalta-se certo “amor ao gueto” demarcando esta posição mais radical, como se a solução estivesse em isolar o grupo discriminado, o que possivelmente intensifica a exclusão por meio do assentimento tácito com as pressões sociais. Já a proposta conciliadora visa à igualdade de direitos para os cidadãos independentemente de sua identidade sexual. O próprio conceito de igualdade contido nesta segunda proposta merece um questionamento: que tipo de igualdade baseia-se no desprendimento de apenas uma das partes, visando o consenso mútuo? Seguindo esta propositiva, “tudo se passa, de fato, como se os homossexuais, que tiveram que lutar para passar da invisibilidade para a visibilidade, para deixarem de ser excluídos e invisibilizados, visassem a voltar a ser invisíveis, e de certo modo neutros e neutralizados, 7 pela submissão à norma dominante” (BOURDIEU, 2003, p. 146). Destarte, esta proposta também se mostra insuficiente, porquanto o preço a ser pago para ‘retornar à ordem’ e obter o direito à visibilidade invisível do bom soldado, do bom cidadão ou do bom cônjuge, e, no mesmo ato, de uma parte mínima dos direitos normalmente concedidos a todos os membros da parte inteira, que é a comunidade (tais como os direitos de sucessão), dificilmente possam justificar totalmente, para inúmeros homossexuais, as concessões à ordem simbólica que um tal contrato implica (BOURDIEU, 2003, p. 147, grifos do autor). A questão permanece: como será possível instaurar uma convivência entre hetero e homossexuais isenta de violências interpessoais e simbólicas? Infelizmente, não será este trabalho capaz de oferecer uma resposta que viabilize todos os interesses envolvidos, mas o mesmo se propõe a “iluminar” algumas violências vivenciadas por alguns homossexuais que são, geralmente, pouco perceptíveis, dado as névoas do pensamento dóxico que povoam a vida na organização e na sociedade como um todo. 3. METODOLOGIA O presente artigo é fruto de um projeto maior envolvendo a vivência do homossexual masculino em seu ambiente de trabalho. O recorte estabelecido propiciou o objetivo que apresentamos na introdução e, para o alcance deste objetivo, optamos pela abordagem qualitativa. Pela singularidade e delicadeza da temática estudada, mostrou-se necessário a utilização dessa perspectiva enquanto metodologia, pois ela “fornece uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social face à configuração das estruturas societais”. Ademais, “os métodos qualitativos enfatizam as especificidades de um fenômeno em termos de origem e de razão de ser” (HAGUETTE, 2003, p. 63), “além de permitir desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares” (MINAYO, 2008, p. 57). Atrelado à pesquisa qualitativa, empregamos o método história de vida. Esse se mostrou apropriado, por permitir a reconstrução das experiências vivenciadas e relações estabelecidas, das quais emergem as violências simbólicas enfocadas. Associado a isso, entende-se que este método permite desvendar “algo relativo a relações de poder, dominação, subordinação, cuja desigualdade impregna, penetra ou se irradia na convivência dos homens, comunicando ou se opondo entre si” (MARRE, 1991, p. 199). É importante ressaltar que ao adotar as histórias de vida recorreu-se à idéia de “mosaico” de Becker (1994), a qual propõe que cada narrativa atua como uma peça de um “quebra-cabeça”, contribuindo, assim, para a compreensão do todo. A coleta dos dados se deu por meio de entrevistas de roteiro semi-estruturado, as quais foram realizadas com trabalhadores homossexuais masculinos. Nesse sentido, os roteiros foram estabelecidos apenas como uma base, garantindo flexibilidade na inclusão de questões pertinentes e enriquecendo as discussões. O universo para a coleta das narrativas foi composto por homossexuais residentes nas seguintes capitais brasileiras: Aracajú, Belo Horizonte, Brasília, Vitória, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao final da fase de campo, levantou-se 66 relatos, os quais foram gravados e transcritos a fim de garantir a integridade dos dados. Para fins deste artigo, trabalhamos com 12 entrevistas, em especial. Para a apreciação das narrativas, utilizamos, como técnica, alguns elementos da análise do discurso. A análise do discurso, conforme Maingueneau (1998), possibilita que a interpretação dos relatos extrapole o explícito, adentrando no não-dito ou nas ideologias implícitas no discurso, o que comunga com as peculiaridades do poder e da violência simbólicos. Ademais, a técnica adotada se mostra relevante, na medida em que propicia a ordenação da totalidade do material lingüístico coletado e o interrelacionamento das histórias 8 de vida, imprescindível para a formação do “mosaico” mencionado (BECKER, 1994) e a compreensão do todo a partir das singularidades. A análise do discurso foi realizada por trechos das entrevistas e os enunciadores foram identificados pela sequência de E1 a E12. Nessa, alguns elementos foram detalhados, a saber: (1) seleções lexicais; (2) relações entre explícitos e implícitos, com destaque para os implícitos pressupostos e subentendido; (3) delineamento de personagens; e (4) silenciados (FARIA; LINHARES, 1993). As categorias apontadas foram empregadas com o objetivo de compreender o sentido dos discursos, a fim de, então, apreender as violências simbólicas sofridas e/ou exercidas pelos sujeitos de pesquisa. Isso porque, conforme aponta Bakhtin (1975), todo símbolo é ideológico e então reflete e refrata as ideologias do enunciador. Os discursos, com propõe Fiorin (2003, p. 11), são entendidos como “as combinações de elementos linguísticos (frases ou conjuntos constituídos de muitas frases), usadas pelos falantes com o propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre o mundo”, os quais não se constituem sozinhos, mas na interação e articulação com outros discursos. (FARIA, 2001). 4. ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS O presente tópico destina-se à análise da vivência profissional de trabalhadores homossexuais masculinos, com base em ponderações sobre o empírico, que visam a desobliterar as relações de dominação socialmente instituídas e, tantas vezes, marcadas pelo preconceito e pela discriminação. Especificamente, apreciaremos neste tópico as violências simbólicas vivenciadas ou exercidas/reproduzidas pelos sujeitos de pesquisa, relacionadas à discriminação do sujeito no mercado de trabalho e em seu ambiente laborativo, à autoviolação e à reprodução da violência pelos indivíduos não-heterossexuais. Destacamos, desde já, que tais violências podem ter sido relatadas explicitamente pelos entrevistados ou interpretadas analiticamente como tal. Isso tendo em vista que a violência simbólica se estabelece “por meio de um ato de cognição e de mau reconhecimento que fica além – ou aquém – do controle da consciência e da vontade, nas trevas dos esquemas de habitus que são ao mesmo tempo generados e generantes” (BOURDIEU, 1998, p. 22-23, destaques no original). As situações vexatórias envolvendo a vida profissional do sujeito não-heterossexual encetam logo nos processos seletivos em que ele se envolve, visando ao ingresso no mercado de trabalho, como podemos perceber no relato subsequente. Fiz um teste para trabalhar na maior universidade particular daqui, fiz eu e mais dois colegas meus. E de currículo eu fiquei na frente e de prova didática eu fiquei na frente de todos os dois, e saiu a classificação eu fiquei em primeiro lugar. Foi então para o filho do dono da instituição, ele não me quis. [O que ele alegou?] Porque ele disse que eu vinha de um movimento de homossexual (E1). Embora portador das condições formalmente estabelecidas para ingressar numa organização, no caso uma universidade particular, a entrada de E1 é vetada por decisão arbitrária e centrada no preconceito: “Foi então para o filho do dono da instituição, ele não me quis.” A personagem discursiva “filho do dono” se aproveita de uma barreira socialmente legitimada e, destarte, por poucos questionada, o fato do sujeito se vincular ao movimento homossexual, para justificar tal injustiça. O mesmo entrevistado relata, então, outra oportunidade em que se sentiu violentado. Bom, você acredita que eu posso dizer a você que eu, eu desempenhei todas as funções de um coordenador pedagógico, fiz todas as tarefas necessárias, implementei o projeto. Mas eu não assumi o cargo [...] ele necessitava [um superior na hierarquia da prefeitura] dos meus serviços, sabia que eu era a pessoa mais capacitada para agir naquele momento, para aquele tipo de construção, que eu... Me desculpe, mas a questão desse modelo de capacitação, já possuía há bastante tempo, sabia como tudo deveria ser feito, fiz toda a implementação, e antes de completar doze meses, me exonerou. [...] A pessoa que ficou com o cargo, ela sempre dizia assim: ‘oh, E1 cuidado com a sua sexualidade, que é uma das coisas que o secretário mais tem medo’ (E1). 9 A violência simbólica aparece no discurso de E1, em primeiro lugar, na não-admissão por um superior a um cargo para o qual ninguém estaria perceptivelmente mais habilitado que o próprio. Em seguida, pela exoneração sem motivo claro, mesmo depois de ele ter sido o principal responsável pela execução de atividades. Isso o leva a supor que a causa de tal demissão seja o preconceito contra sua homossexualidade, sustentado, aliás, por um diálogo que relata haver tido com a mesma pessoa a quem foi dado o cargo: “oh, E1 cuidado com a sua sexualidade, que é uma das coisas que o secretário mais tem medo”. O preterimento profissional certas vezes alia-se ao descaso e a marginalização do o homossexual no ambiente de trabalho. Se você for afeminado, se tiver trejeitos, ou seja, se a pessoa possa perceber mais facilmente que a pessoa é gay, com certeza as pessoas riem dela e, com certeza, ela pode ficar esquecida em um canto para não aparecer muito. Uma pessoa dessa, por exemplo, numa reunião, não seria bem vista. Eu creio que, eu ainda acho que no banco é assim, seja assim. Por isso que eu sou discreto, por um pouco de medo de isso acontecer. (E2) O entrevistado E2 nos conta que, ciente da homofobia na organização em que trabalha, prefere ser “discreto”. A discrição mencionada é aqui entendida como “travestir-se” de heterossexual, ocultar quaisquer traços de feminilidade, mesmo que desejados, para atender às expectativas. Interessante notarmos que a afeminação anormal do gay é colocada como algo repudiado. Esse argumento permite-nos discutir a existência de uma palavra de ordem que determina punições para aqueles que transpareçam sua homossexualidade por meio de atitudes. Tal “norma” não só constitui uma ameaça marcada por possibilidades de punição, como o deboche e a exclusão presentes no depoimento; como também insere no sujeito um controle, que o agride no sentido de atentar contra suas próprias vontades. As minudências dos convívios, normalmente despercebidos pela maioria, são o canal mais efetivo para a perpetração de violências. Quando em vim para Brasília, no primeiro momento, eu trabalhava na área ligada ao comércio exterior. Era uma área mais retrogradazinha, o pessoal, eu sentia muito assim pelas piadas. Muito... [Que tipo de piadas?] Sempre aquela coisa assim, piadas da bichinha, talvez, aqui, eu tenha notado. Eu até estranhei muito quando eu vim pra Brasília, porque eu não tinha vivido isso no Rio, nunca no ambiente de trabalho, é uma vigilância pelos seus gestos, pelas suas atitudes. Embora ninguém nunca destratasse, nunca ninguém me destratou diretamente, por conta da minha orientação sexual. Porém, o clima, digamos assim, eu sentia no ambiente, no ambiente do trabalho, que não podia chegar e falar. Certamente, sabiam os hábitos, sabiam tudo, mas não falavam comigo a respeito, abertamente. Mas eu sentia, assim, parece que era uma cultura à parte. A maioria sendo heterossexual, tinha uma cultura entre eles de fazer muita piadinha, soltar piadas, contar piadas que envolvesse um aspecto ou coisa da sexualidade, e sempre brincar entre eles. É engraçado, porque nesse ambiente, tem sempre isso. Entre os heterossexuais, sempre havia uma brincadeira, uma piadinha. Se você fizesse, alguém fizesse um gesto ou falasse de uma maneira que eles considerassem um comportamento de um perfil homossexual, ficava aquela brincadeirinha: “ih, ah olha só. Está desmunhecando”. (E3). Nesse trecho, o preconceito é entendido como inconsistente com os tempos modernos. Esse é revelado por meio das piadas feitas com os homossexuais e fazem com que o enunciador internalize um controle, de modo a policiar seus gestos e atitudes para não demonstrar e nem dar a entender sua homossexualidade. Tal fato pode pode ser entendido como uma violência simbólica, na medida em que não só o destrata indiretamente como também não o permite revelar sua identidade. Note que o preconceito é também associado à cultura de cada lugar, uma vez que é vivido em Brasília e não no Rio de Janeiro. A expressão “nunca no ambiente de trabalho” permite implicitamente pressupor que, na segunda capital, sofria preconceitos fora do ambiente de trabalho, levando a subentender que a cultura mencionada é compartilhada pelos membros de grupos específicos. Segundo ele, o preconceito é característico da cultura da maioria dos heterossexuais. Interessante destacar o 10 lexema “à parte”, o qual reforça tanto a idéia de que a cultura discutida era de um grupo como a de que o preconceito está à parte daquilo que é referenciado na modernidade, sendo, portanto, retrógrado. A marginalização do homossexual por preconceito pode impossibilitar até mesmo a manutenção do sujeito na organização, pois ele passa a ser malquisto de maneira generalizada e assim não consegue manter trabalho algum, sendo descartado em cada seção. [o dia-a-dia do trabalho] era desgastante. Desgastante porque eu ficava sempre sendo transferido de uma unidade para a outra. [Mas por que tanta rotatividade?] Porque cada comando que chegava, recebia uma informação minha e diziam: ‘Não quero ele na minha tropa’, mais ou menos assim. Teve uma criatura que falou assim: ‘Olha, se tiver alcoólatra, homossexual ou bandido na minha tropa, vai até meu gabinete e pede pra ser transferido, que são três classes que eu não admito’. (E4). A constante transferência de uma unidade para outra, devido a não aceitação dos colegas e do superior hierárquico caracteriza o processo de exclusão discriminatória descrito por E4. Além dessas violências simbólicas vivenciadas pelo entrevistado, notamos também violências interpessoais nesse trecho, como a fala da personagem discursiva “criatura” que, mesmo não sendo direcionada ao enunciador, o agrediu. É interessante notar que, no discurso preconceituoso desse membro, o homossexual é comparado aos bandidos e criminosos, opositores e alvos de perseguição dos membros da categoria policial. Destaca-se ainda o lexema “desgastante”, utilizado para qualificar toda a experiência, o que nos indica os reflexos danosos física e psiquicamente para o sujeito em questão. As discriminações dirigidas aos sujeitos nas organizações em que desenvolvem suas carreiras são por eles, recorrentemente, interiorizadas e reproduzidas. [ Você já se apresentou para o seu trabalho assim? Não foi ninguém no seu trabalho que disse: ‘Você tem que se ficar vestido de homem’?] Isso. [ Seu chefe nunca disse isso? Ou já?] Já. A diretora também. [ Ela determinou que fosse vestido de homem para o trabalho?] Isso. Eu também aceitei porque, eu acho que o ambiente de trabalho já é um ambiente mais sério. Que eu trabalho com pessoas, trabalho com crianças menor de idade. Tem que levar bons exemplos. Não tem que levar maus exemplos. Eu tenho que trabalhar como profissional de saúde. (E5). O entrevistado expõe o caso em que a sua chefa, a personagem discursiva “diretora”, determinou que ele se vestisse como homem, isto é, de modo diverso ao que habitualmente usava para se vestir. E que ele aceitou tal mando, porque julgava ser mais apropriado para o ambiente de trabalho (“mais sério”), porquanto trabalha com crianças e “tem que levar bons exemplos”. Silencia os porquês dessas considerações, bem como o porquê da associação implícita entre vestir-se como homem (não como mulher, que era sua vestimenta habitual) com a seriedade e os bons exemplos. Do mesmo modo, não esclarece porque considera que não pode se vestir de mulher frente às crianças, devendo se vestir de homem. Ora, E5 estaria disposto a assumir, então, que ao contrário da mulher e do homem heterossexual, o nãoheterossexual precisaria aparentar o que não é? Constitui isto uma forma de autonegação e de desqualificação de parte do que caracteriza a sua identidade – a sexualidade – o que configura uma violência simbólica, que é exercida com a cumplicidade do sujeito. Como percebemos no relato anterior, a encucação dos dogmas vigentes na coletividade inviabiliza a percepção pelo sujeito de qualquer possibilidade de romper com a realidade que lhe violenta. O mesmo caracteriza a fala de E6. [E a carreira? O futuro?] Meu futuro é esse. Vou fazer faculdade, mas sei que não vou subir muito, nem aqui, nem em nenhuma empresa. [Por quê?] Você já viu bicha pobre subir? Só se for de elevador. [Tem esse tipo de preconceito?] Lógico, mas não importo. [...] Bicha aqui morre no chão, como eu. Você acha que vão fazer carreira? Bicha só vira estrela no palco. Bicha pobre e preta. (E6). Percebe-se nesta fala a exclusão social manifestada, a impossibilidade de vigorar qualquer meritocracia, pois os privilegiados sempre serão daqueles que se enquadram no 11 padrão de normalidade. Ademais, muitos dos que não se enquadram nesse padrão e, por conseguinte, são excluídos, nada fazem para mudar tal situação, como é o caso do entrevistado, que tem consciência de tal realidade, mas a considera intransponível. Outro realce na fala de E6 situa-se na sobreposição de caracteres que intensificam a discriminação, como a raça e a classe social. A distinção social além de se refletir nas relações e realidades imersas no cotidiano organizacional, marcadas pela violência simbólica, também incide na delimitação daqueles que podem ou não exercer determinada profissão, independentemente de vocação ou competência. Isso impossibilita iguais oportunidades de escolha formativa e laborativa para os diversos indivíduos. Enfatizamos a este respeito que as profissões de maior prestígio e remuneração são normalmente associadas ao sujeito enquadrado no padrão dominante: homem, heterossexual, branco, rico, sem deficiências físicas ou psíquicas. Um bom exemplo é o relato de E7: Sempre foi meu sonho. Eu sonhava em ser presidente da [empresa], daí eu não podia me assumir gay . Uma coisa é ser comissário de bordo, mas a empresa era muito homofóbica. Eu era da área comercial, tinha que manter a linha. Acho que o mesmo vale para os pilotos. O único que era assumidamente gay era motivo de chacota: “Tigrinho para cá, tigrinho para lá”. (E7). O relato aponta que determinados cargos na empresa aérea em questão eram acessíveis aos homossexuais tipicamente femininos, como é o caso dos comissários de bordo. No entanto, outros exigiam uma postura de macho (viril, dominador, ativo), e somente aqueles que a possuíam ou a interpretavam poderiam aspirar tais posições (presidente, piloto, agente da área comercial...). Aqueles gays afeminados que conseguiam ser alocados nestes cargos tipicamente masculinos eram alvos de chacota, quem sabe para servirem de exemplo. Já não bastasse o autoflagelo, o sujeito replica a violência simbólica em outrem. Tantas vezes, ao invés de confrontar os ditames sociais que impõe a distinção, impossibilitando iguais condições de tratamento e direitos, estes sujeitos compactuam com tal dominação por meio da reprodução de violências discriminatórias, seja esta dirigida a outros homossexuais ou a diversos outros alvos de preconceito. Destacamos tratamentos que abrangem referências aos mesmos como anormais ou indignos de serem considerados iguais ou com os mesmos direito e valor. Os principais alvos de preconceito por parte dos entrevistados são os homossexuais masculinos com traços afeminados. Inúmeras falas tratavam desta questão, selecionamos algumas, as quais apresentaremos em conjunto. Eu tinha e tenho [preconceito]. Aos 53 anos eu acho que o que você faz na cama é uma situação o que você mostra para os outros é outra. Eu realmente sou homossexual assumido para os meus amigos e para quem mais quiser saber, mas eu tenho pavor daquelas bichinhas que saem pelo meio da rua gritando. Fazendo escândalo ou como já cansei de ver hoje, na praia, aqui em Itaparica se beijando ali na beira do asfalto, na calçada. Eu acho que cada coisa no seu devido lugar e eu não digo isso para bichinha não, eu digo isso para qualquer ser humano [...] Eu não vou chegar, aiaiaiaia, aquela coisa que eu tenho vontade de dar uma porrada. Se eu que sou homossexual tenho vontade de dar uma porrada, eu imagino o que os heteros têm vontade de fazer. (E8). Eu achava – acho ainda, não posso dizer que não – eu acho que eles [gays assumidos], por exemplo, estas afetações, essas bichonas, esses travestis, essas coisas, eles são responsáveis, eles atraem, desenvolvem a raiva, o incômodo. Eu me sinto incomodado com eles também. Eles dificultam que pessoas normais como eu, porque eu me auto-intitulo normal, sejam melhor aceitos socialmente. Se eles não fossem tão afetados, se eles talvez tivessem tido a mesma preocupação que eu tive em se conter, talvez seria mais fácil a gente se aceitar, digo, ser aceito, ser reconhecido. (E9). Em síntese, as justificativas ou as “reclamações” utilizadas como referência para o entendimento do preconceito dos entrevistados são o comportamento, os hábitos e a maneira de se vestir dos homossexuais afeminados, o que eles consideram torná-los anormais e dignos 12 de serem fisicamente violentados. Trataremos dois pontos em especial, as afirmações de E8 de que “eu que sou homossexual tenho vontade de dar uma porrada” e de E9 de que “eles atraem, desenvolvem a raiva, o incômodo”. Interpretamos que a colocação de E8 possui claros indícios de homofobia, denotados pela sua alusão à violência física que deseja praticar e que a enunciação de E9 habilita interpretações de que os próprios homossexuais afeminados são os responsáveis pelas várias formas de violência de que possam ser vítimas, além de prejulgar que seu sentimento seja compartilhado por todos. Viado são essas frutinhas, que rebolam, desmunhecam, só querem usar cueca Calvin Klein, ir para raves. Só falam de homens, não podem ser levados a sério. [Seus amigos são assim?] Alguns. Acho até graça, mas não sairia com eles fora de algum lugar que não tivesse só gays. [São várias tribos de gays, então?] Sim, ursos, EMOS, drags, mas tudo sem a menor noção. Um bando de bobo da corte, motivo de chacota para o resto da sociedade. [Acho que você está sendo radical] Não, claro que não. Viado para sobreviver neste mundo tem que fingir que não é viado. [Então se você fingiu, você também é viado, certo?] Não [irritado], eu não sou afeminado. Eu digo que mesmo os afeminados, que você olha e sabe que é bicha, têm que fingir para sobreviver. Pelo menos no mundo corporativo. (E10). O entrevistado parece dar maior importância à forma como a homossexualidade é vista socialmente do que à sua real essência. Ademais, ele mostra ter problemas quanto à aceitação de sua sexualidade, dizendo ser macho e deplorando a idéia de ser considerado “viado” ou afeminado. Ele denigre a imagem do gay afeminado, como se o maior valor estivesse em saber se disfarçar de macho, ou seja, se travestir e diz envergonhar-se deles. Ridiculariza e caracteriza como “sem noção” aqueles que possuem uma clara e declarada identidade associada a sua homossexualidade e defende a farsa como socialmente necessária para que se possa ser aceito na sociedade, com ênfase para o mundo corporativo. Este sujeito, mesmo parte do grupo que discrimina, reforça e se resigna amedrontado as doxas, aos ditames sociais que exigem o enquadramento, mesmo que fantasioso, das pessoas aos padrões sexuais e estéticos estabelecidos. Do mesmo jeito que eu não concordo com transexual, não acho bacana. [...] Não acho bacana porque, o que adianta você cortar cabelo, você botar peito, você se vestir de mulher. Você vai ver todas essas coisas. [...] Você assumir uma identidade para o mundo de uma coisa que você não é. Você nunca vai ser mulher. Nunca. [...] Os transexuais, que ninguém pode dar emprego para uma pessoa, emprego formal para uma pessoa que chega lá com o cabelo no meio das costas e com peito de silicone industrial. [...] Mais afetadas, a drags queens, a transexual, que eu não acho legal. Não adianta você quer ser uma coisa que você nunca vai ser. Acho absolutamente desnecessário. Acho que você torna as coisas mais difíceis para você. (E11). O entrevistado E11 diz discordar e julgar desnecessária a adoção da figura feminina pelos transexuais, entendendo que estes buscam o que não efetivarão, serem mulheres. Ele também reforça a exclusão dos transexuais do mercado de trabalho embasado na maneira de se vestir e na forma corpórea e expressa serem os próprios transexuais as fontes de empecilhos para si mesmos. Independente de ser lésbica ou não, elas [as mulheres] se impõem. Inclusive, os cursos de tiro, as melhores notas, as melhores colocações. Normalmente, eu não sei hoje, porque eu tenho quatro anos, mas era o público feminino que estava em evidência. Em 1° lugar de tiro, em 1° lugar de desempenho em notas, muitas coisas. Porque elas tinham e ainda têm que mostrar que são tão capazes quanto nós. (E12). O entrevistado, em outros momentos de sua entrevista diz pertencer ao grupo dos assediados e dos oprimidos, e também defende que as lésbicas são mais adequadas ao trabalho do policial. Entretanto, E12 se contradiz, adotando a mesma postura do opressor de quem diz ele ser vítima – entendendo por opressor o discurso machista, perpetuador da dominação masculina –, o que pode ser percebido na expressão “elas tinham e ainda têm que mostrar que são tão capazes quanto nós”. Entendemos que tal colocação deixa subentendido que as 13 mulheres, lésbicas no caso em questão, precisam demonstrar igual capacidade, pois esta igualdade ele julga questionável. Depreendemos, sinteticamente, da análise empreendida que a violência simbólica é dirigida aos não-heterossexuais em suas relações profissionais em decorrência direta da discriminação social. Em adição, os princípios que fundamentam os padrões de normalidade socialmente instituídos são internalizados pelos homossexuais, que passam, então, a se autoflagelar, bem como a reproduzir a violência a eles dirigida contra outros grupos. 5. CONCLUSÃO Observamos, por meio da análise dos dados empíricos, que as violências simbólicas mais recorrentes envolvem a depreciação do homossexual. Essa se vale não só de ofensas não direcionadas e/ou sutis, mas também das formas de desprezo que refletem um juízo partilhado de que o homossexual está em condição inferior aos heterossexuais, e que, portanto, é preterido. Essa questão é, geralmente, acompanhada da exclusão dos sujeitos nãoheterossexuais de determinados ciclos sociais, com ênfase para a admissão e manutenção deles nas organizações formais. Tal exclusão leva a uma série de privações decorrentes de uma separação simbólica, socialmente construída, entre espaços que podem ser frequentados e muitas vezes são até destinados ao homossexual e outros dos quais ele deve se afastar. Isso se repercute também nas profissões, sendo, muitas vezes, apenas as ocupações associadas ao feminino e menos valorizadas socialmente acessíveis aos homossexuais. Ressaltamos que a violência que caracteriza essa distinção não finda em sua mera constatação; ela também acarreta a perda de oportunidades, vinculada à perda de chances de promoção e à dificuldade de inserção em determinados cargos ou até mesmo no mercado de trabalho. Consideramos que a pressão para o ajustamento dos indivíduos aos ditames de normalidade instaurados constitui a manifestação de violência simbólica mais insidiosa, precisamente, pela sua condição dóxica. É notória a angústia de muitos entrevistados frente à pressão para se enquadrarem no padrão heteronormativo, negando para isso, tantas vezes, a sua identidade. Entendemos que essa violência simbólica se sustenta em um instrumento pedagógico, que intenta, ao menos, encobrir qualquer desvio do padrão de normalidade, assim como eliminar ou excluir os desviantes, no caso o não-heterossexual, (re)introduzindo os sujeitos no modelo instituído. Percebemos também que, em alguns casos, quando a conformidade não é atingida, o sujeito mesmo se pune, tamanho é o poder da norma encucada. Enfatizamos ainda que as referidas violências simbólicas, em muitos casos, além de introjetadas são reproduzidas pelos sujeitos, em si ou em outrem. Nas ponderações do empírico, foi possível perceber que os sujeitos internalizam determinados controles, passando à autovigilância, incutindo-lhes a necessidade de ocultação da identidade sexual para contornar o preconceito. Constatamos ainda que esses sujeitos, tendo internalizado os padrões heteronormativos, passam a reproduzir as violências sofridas, contribuindo para a exclusão dos não-heterossexuais que se distanciam, em outros aspectos, do modelo hegemônico. Nesse processo, a associação ao feminino é fundamental, visto que, quanto mais próximos da postura feminina, maior o risco de serem preteridos socialmente, com destaque para a exclusão dos transgêneros. Conforme esperado, as violências relacionadas desdobram-se em sofrimentos e traumas. Subjugados, esses indivíduos passam a depositar em si as razões para tal preconceito, colocando-se como inferiores. Diante dessa inferioridade, a autoconfiança fica inviabilizada, implicando em descrença nas próprias potencialidades pessoais e profissionais. Associado a isso, temos a vivência de ambiguidades, que acarreta crises identitárias e o desenvolvimento de um sentimento de exclusão ou de não-pertença, aliado a demonstrações 14 de revolta com o status quo, sensação de prejuízos constantes e descrença na possibilidade de mudança da realidade. Finalizamos nossas conclusões salientando a necessidade do desenvolvimento de novos estudos na área. Pesquisas quantitativas que trabalhem a questão da homofobia parecem-nos muito relevantes. Assim como pesquisas que tratem das violências vivenciadas por lésbicas, que realcem os aspectos significativos de ser mulher e homossexual, e pelos transexuais e travestis, tratando das dificuldades em se inserir e manter no mercado de trabalho formal também se mostram importantes e interessantes para a construção de possíveis diálogos com o trabalho que desenvolvemos. Todos estes caminhos podem ser trilhados na busca dos objetivos deste campo de estudo, sejam eles: gerar conhecimento e esperança de melhoria nas relações de trabalho e nas relações sociais. Vislumbramos que essa é uma maneira de a Universidade e os diversos grupos de pesquisa trabalharem em sinergia com o Governo Federal, de modo a fundamentar o planejamento de suas ações embasadas no empírico; e, no mesmo esteio, atuar em conjunto com as outras organizações e instituições. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 9 ed. São Paulo: Hucitec, 1975. p. 9-47 e p.110-127. BANOV, M. R. Psicologia no gerenciamento de pessoas. São Paulo: Atlas, 2008. BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1994. BENEDETTI, M. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007a. BOURDIEU, P. A dominação masculina. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. BOURDIEU, P. Conferência do Prêmio Goffman: a dominação masculina revisitada. In: LINS, D. A dominação masculina revisitada. Campinas: Papirus, 1998. CARRIERI, A. de P. Formas de assédio moral na trajetória profissional de trabalhadores homossexuais masculinos: um estudo em capitais do Brasil. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2008. (Relatório de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq, Edital MCT-CNPq/MS-SCTIE-DECIT – nº 26/2006). CARVALHO, T. T. de. Caminhos do desejo: uma abordagem antropológica das relações homoeróticas femininas em Belo Horizonte. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1995. FARIA, A. A. M. de. Interdiscurso e intradiscurso: da teoria à metodologia. In: MENDES, E. A. de M.; OLIVEIRA, P. M.; BENN-IBLER, V. (Org.). O novo milênio: interfaces lingüíticas e literárias. Belo Horizonte: UFMG/FALE, 2001. p. 31-37. FARIA, A. A. M. de; LINHARES, P. de T. F. S. O preço da passagem no discurso de uma empresa de ônibus. Cadernos de Pesquisa, Belo Horizonte, v. 10, p. 32- 38, 1993. FERREIRA, R. C. O gay no ambiente de trabalho: análise dos efeitos de ser gay nas organizações contemporâneas. Brasília: Dissertação de Mestrado, FACE, 2007. Disponível 15 em: http://www.unb.br/face/ppga/arquivos/dissertacoes/O_Gay_no_Ambiente_de_Trabalho_.pdf. Acessado em: 14 de agosto de 2008. FIORIN, J. L. Linguagem e Ideologia. 7 ed. São Paulo: Ática, 2003. 87 p. GALEÃO-SILVA, L. G.; ALVES, M. A. A Crítica do Conceito de Diversidade nas Organizações. In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, 2., 2002, Recife. Anais... Recife: Observatório da Realidade Organizacional: PROPAD/UFPE : ANPAD, 2002. GOMIDE, S. Formação da identidade lésbica: do silêncio ao queer. In: GROSSI, M.; UZIEL, A. P.; MELLO, L. Conjugalidades, parientalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2003. IRIGARAY, H. A. R. Políticas de Diversidade nas Organizações: Uma Questão de Discurso? In: Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração, 31, 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ENANPAD: ANPAD, 2007. LEONINI, L. Os clientes das prostitutas: algumas reflexões a respeito de uma pesquisa sobre prostituição em Milão. In: SCHPUN, M. R. Masculinidades. São Paulo: Boitempo editorial; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. MAINGUENEAU, D. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. MARRE, J. L. História de vida e método biográfico. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 3, n. 3, p. 89-141, jan./jul. 1991. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2008. NAVARRO-SWAIN, T. O que é lesbianismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. PRADO, M. A. M.; MACHADO, F. V. Preconceito contra homossexualidades: a hierarquia da invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008. ROSA, A. R.; MENDONÇA, S.; LOURENÇO, C. D. da S. Os sentidos da violência na organização de saúde: uma análise construcionista da história de vida de uma profissional de enfermagem. In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, 04, 2006, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: ANPAD, 2006. SIQUEIRA, M. V. S.; CARRIERI, A. de P.; LIMA, H. K. B. de; ANDRADE, A. J. de A. Homofobia: Violência Moral e Constrangimentos no Ambiente de Trabalho. In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS DA ANPAD, 5, 2008, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ANPAD, 2008. WARKEN, R. Diversidade na diversidade. PHP-NUKE, MGM - Portal Gay de Minas: Artigos, 2008. Disponível em: http://www.mgm.org.br/portal/modules.php?name=News&file=article&sid=157. Acessado em 20 de outubro de 2008. 16