A Parada do Orgulho LGBT: Carnaval fora de época ou uma grande festa política?
Por Dário Neto
O que é esse fenômeno que tem tomado o Brasil há anos e se construído na Avenida Paulista
como a maior concentração de pessoas com direito a inclusão no Guiness Book? Alguns
acham que é um carnaval fora de época, outros acham que é um desrespeito à família, mas
há os que vêem nela um grande ato político. Eu afirmo: As Paradas do Orgulho LGBT são uma
grande festa política.
A Parada é sim uma grande festa, mas isso não a faz perder seu caráter político. É um dos
poucos movimentos que evidencia um grave problema social da cultura capitalista nos centros
urbanos: o isolamento das pessoas e a eliminação do espaço público como espaço de
convivência. A rua, que até a era pré-vitoriana era o espaço das grandes feiras, recreações
infantis, de encontros sociais, das práticas sexuais gratuitas, tornou-se o espaço de indivíduos
isolados, trancafiados em suas casas, em suas angústias, afundando-se em suas depressões e
remédios e tornando cada vez mais o espaço público em terra de ninguém. A Parada traz para
o centro do Capitalismo os excluídos, os párias, as "aberrações" que insultam a moral
católica, traz a noite marginal dos grandes centros para brilharem com todo glamour e
fechação a dura realidade da violência que vivenciam no dia-a-dia. A rua, que, de espaço de
convivência e confraternização social na era pré-vitoriana, tornou-se o fora da família
burguesa, passou a ser tratada como a margem onde tudo o que sobra da casa burguesa,
todo o lixo é depositado nela. Tomarmos a rua é ressiginificar o próprio sentido desse espaço.
Nossa linguagem política é completamente diferente do que se acostumou a esquerda ainda
presa ao merchandising capitalista. Nosso discurso não é a palavra verbal, a palavra verdade
herdeira do pensamento iluminista. Nosso discurso é uma semiótica da perversão: da travesti
que mostra sua feminilidade com seus peitos siliconados de fora; do homem que inverte sua
condição de sujeito sexual, tornando-se objeto de prazer para outros homens; das mulheres
que rompem a lógica da feminilidade machista para desenharem em seu corpo como donas
do prazer provocando desejos em outras mulheres; da “pintosa” de periferia que dá seus
closes em plena luz do dia e mostra sua jeito livre de ser feliz. Como afronta à hipocrisia
cristã que oprime diariamente toda a sociedade, os sujeitos políticos que se manifestam na
Parada operam uma estética da perversão, carregando na forma o seu mais valioso conteúdo
político como enfrentamento às normas que nos oprimem. Em cada forma e em cada estética
manifesta vê-se o grito de que somos sujeitos do nosso corpo e queremos o nosso direito à
felicidade. Entrar nesse espaço e encontrar seus iguais nesse mundo de diversidade é sentirse pertencer, é se empoderar como sujeito social, até mesmo nas pegações mais intensas ou
menos intensas que acontecem durante o percurso da parada. Nesse contexto, a política que
mais se pratica é a da desconstrução da moral hipócrita, do questionamento do que se define
como certo ou errado, da implosão dos valores sociais que nos oprime diariamente. Somos A
Banda de Chico Buarque que sacudimos, mesmo que por algumas horas, as vidas
encasuladas da sociedade.
A Parada do Orgulho LGBT de São Paulo deve ser entendida em um contexto mais amplo que
o da Avenida Paulista. Este ano a Parada superou seu recorde, trazendo quatro milhões de
pessoas, apesar da chuva e do frio. Essa mobilização numérica alimenta e incentiva o
acontecimento das outras duzentas e cinquenta paradas que ocorrem ao longo do ano e
também se sustenta nelas em uma relação de interdependência recíproca. Para além da
principal avenida de São Paulo, as Paradas formam um único corpo espalhadas por todo o
Brasil. Essa movimentação de Paradas no Brasil e no mundo é o dinamus político que
incentiva e fortalece a realização de ações em outros países que não permitem quaisquer
manifestações em defesa desse tema. Na Rússia, no dia 28 de maio, militantes LGBT, apesar
de o Prefeito de Moscou ter proibido a realização da Parada, se concentraram na Praça
Vermelha. Em nome de uma “moral social”, religiosos e skinheads foram lá rechaçar qualquer
manifestação dessas militantes. Certamente, a coragem dessa militância de enfrentar a
opressão institucional e de grupos conservadores e reacionários tem sido alimentada e
fortalecida pelas Paradas que ocorrem em outros locais do mundo, entre elas, a maior de
todas – a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. E certamente, em países que criminalizam a
homossexualidade, se levantarão outras e outros militantes, movidos pelo efeito que nossa
Parada exerce sobre eles, para encampar a luta contra a homofobia.
O tema da Parada de São Paulo este ano foi: “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia”.
Como uma sociedade cristã prega tanto o amor, mas autorizam a morte de travestis? Ou
autorizam que jovens sejam gratuitamente agredidos na Avenida Paulista? Ou autorizam a
exclusão de crianças das escolas motivada pelo bulliyng homofóbico? Ou proíbem o
casamento legal de LGBT e a não adoção de crianças por casais homoafetivos? Se há amor,
deve haver respeito. E para haver respeito é fundamental que nenhum direito seja violado. Se
há amor deve garantir direitos iguais: nem menos, nem mais. O clamor que se ouve nas
Paradas LGBT em São Paulo, no Brasil e no mundo pode ser traduzido pela famosa frase de
Rosa Luxemburgo: Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes
e totalmente livres.
Dário Neto é membro do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual de São Paulo e
doutorando em Literatura Brasileira pela USP
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