ERA UMA VEZ Comédia musical de Calixto de Inhamuns Atenção: Texto registrado e distribuído em caráter puramente de uso e leitura PESSOAL. Todos os direitos reservados aos detentores legais dos direitos da obra. Para a representação e comercialização legal da peça, entrar em contato com o autor. Calixto de Inhamuns Rua Frei Henrique de Coimbra, 12 (VILA ROMANA) 05043-040 – SÃO PAULO – SP Telefone: (11) 5083-8877 E-mail: [email protected] 2 Algumas palavras Este texto foi escrito a pedido da Nec do Brasil, com o objetivo de de ser apresentado durante a SEMANA INTERNA DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES do ano de 1995. 3 personagens (e seus interpretes): ROMILDA (Cássia) COME-CRU (Norival) PANELA DE PRESSÃO (Kalil) BIRIBA (Anselmo) ZÉ DAS COUVE (Anselmo) ` JOÃO BAFO DE ONÇA (Kalil) TONICO GUARDA (Norival) JOSUEL MOCO (kalil) FARO FINO (Norival) RISOLETA (Cássia) MANUEL BABÁ (Kalil) AFONSO GENTIL (Kalil) SÔNIA LUZ (Cássia) PEDRO ASSESSORA (Anselmo) 4 ABERTURA - O ENCONTRO DOS AMIGOS, OU, O BAR ONDE “ERA UMA VEZ” NÃO É UM PASSADO TÃO DISTANTE (O CENÁRIO É UM BAR ANTIGO. NO LADO ESQUERDO UM BALCÃO, NA DIREITA UMA PORTA ONDE ESTÁ O NOME DO BAR “ERA UMA VEZ”. A PORTA, NA VERDADE, É UM LIVRO QUE AO ABRIR SERVE DE CENÁRIO PARA OUTRAS CENAS. DEPOIS QUE O PÚBLICO ENTRAR, APAGA-SE A LUZ DA PLATÉIA, SOBE LUZ NO PALCO E ENTRA A MÚSICA “CONSELHO DE MULHER”, DE ADONIRAN BARBOSA. ROMILDA, DONA DO BAR, UMA SENHORA QUE NÃO DESGRUDA DO CACHIMBO, ENTRA E COMEÇA A LIMPAR OS COPOS. LOGO DEPOIS HOUVE-SE VOZES E ENTRAM DOIS OPERÁRIOS: JOÃO COME-CRU, UM ITALIANO JÁ COM UMA CERTA IDADE, E PANELA DE PRESSÃO, UM GOIANO QUE PARECE QUE ESTÁ SEMPRE PRONTO PARA EXPLODIR. QUANDO COME-CRU COMEÇA A FALAR A MÚSICA BAIXA.) COME-CRU: Romirda! Bela! Vida mia! Ói nóis aqui tra vez! Diga bela: tem alguma coisa nesse mundão de Deus, mais bonito e mais cheiroso que o papai? ROMILDA: (GROSSA.) Mais bonito qualquer lobisome de sextafeira meia-noite, mais cheiroso qualquer bode velho catingueiro cruzador de fundo de chiqueiro! COME-CRU: (PARA PANELA DE PRESSÃO) Isso me ama! Isso me ama, Panela de Pressão! (PARA ROMILDA.) De bode, bela só tenho o cruzador! O resto é um cheiro só! Um baccio, bela! Um baccio, amore mio! (DISCRETAMENTE, SEM NINGUÉM PERCEBER, ENTRA BIRIBA, UM OPERÁRIO JOVEM COM UM BRAÇO ENFAIXADO. ESTÁ TODO RESSABIADO.) ROMILDA: (PEGANDO UMA GARRAFA.) Vem! I vem! Vem com “baço” pro meu lado, vem! Te dou uma garrafada nos chifre e um chute nas parte baxas que vai vuar “baxios” pra tudo que é lado! 5 PANELA: Isso é mulher! Só não é melhor porque não nasceu em Goiás! (GOZANDO DE COME-CRU.) É pena, Romilda, que os tais “baxios” já tejam estragados, senão, a gente fazia uns salgadinhos pra acompanhar a cerveja! COME-CRU: Estragado por uso! PANELA: É... A culpa é o uso! A falta de uso! Não agüento mais tanto nhenhenhém! Como diz o Come-Cru: “Nós viemos aqui pra comer ou pra conversar?” COME-CRU: Que comer, Panela de Pressão? É beber! Nós viemo aqui pra beber ou pra conversar? PANELA: Meu negócio é comida: eu vim aqui pra comer, não sou alcoólatra! Tô que não me agüento de fome, dá pra comer um boi! Romilda, capricha um bauru, um churrasco com queijo e um queijo quente! ROMILDA: Abri agora, Panela de Pressão! A chapa tá fria! PANELA: Como?... Tô... (QUASE EXPLODINDO.) Tô com fome, Romilda! Ó... Então faz um queijo frio, um sanduba de mortadela e um pão com manteiga! COME-CRU: Vai, Romirda, faz qualquer coisa pra esse boizão! Ele tá em fase de crescimento! Precisa comer! PANELA: (PRONTO PRA EXPLODIR, QUASE BATENDO EM JOÃO.) Não aboia gado alheio, Come-Cru! Fase de crescimento tá tua ignorância! COME-CRU: Calma, Panela! Calma! (PARA ROMILDA.) Faz os sanduíche, Romirda, senão o homem explode! Pelo amor de Dio, faz! (PARA PANELA DE PRESSÃO.) Vai ketchup e mostarda, mestre! PANELA: (AMEAÇADOR.) Ó!... Ó!... Num força, Come, num força! COME-CRU: (AJOELHANDO Romirda! ROMILDA: (DANDO DE OMBRO.) Ele que espere! (COM INTENÇÃO.) Ou então dê um cacete em você, bode AOS PÉS DO BALCÃO.) Faz, 6 velho! (VENDO Machucou, é? BIRIBA.) Que foi isso, filho? COME-CRU: (VIRANDO AS COSTAS PARA BIRIBA, POSSESSO.) Não istraga o dia, Romirda! Não fala com essi estronço! PANELA: (TAMBÉM DANDO AS COSTAS PARA BIRIBA) Ela tá falando com quem, Come-Cru? (FINGE QUE OLHA PARA BIRIBA E NÃO VÊ NADA.) Ó!... Não tô vendo nada! Será... (NÃO SE AGÜENTA E EXPLODE.) Que raiva, não agüento! PEGANDO BIRIBA PELO PESCOÇO.) Te estrangulo, acabo com sua vida! COME-CRU: (PROCURANDO UM LUGAR NO PESCOÇO DE BIRIBA) Maledeto! (RECLAMA COM PANELA.) Deixa um pouco de vida pra mim, Panela! (VOLTANDO AO PESCOÇO.) Imbecile! ROMILDA: (PEGANDO UMA FRIGIDEIRA E BATENDO NOS DOIS.) Larga o menino, animaus! Larga! (OS DOIS LARGAM.) Animaus! (TOSSE, UMA TOSSE DE PULMÃO ESTRAGADO.) PANELA: (PREOCUPADO.) Calma, Romilda! COME-CRU: É o cigarro!... Vai morrer tísica! ROMILDA: (SE RECUPERANDO.) Morrer tisica, vai tua vó! E eu tô pitando cigarro, cretino! Tô é nervosa com vocês, judiando do menino! Não tão vendo que tá machucado? COME-CRU: (IRÔNICO.) É?... Tá machucado? Óia, Panela, o nenê tá machucado! PANELA: (TAMBÉM IRÔNICO.) É... Tá machucado, tadinho!... (EXPLODINDO.) Mas é pouco! (XINGANDO.) Boi do ano! COME-CRU: Boi do ano? Essa num conheço! PANELA: (EXPLICANDO.) É boi capado! Quando é novo e vai servir pro corte, a gente zap! COME-CRU: (COM INTENÇÃO OLHANDO BIRIBA.) É?.. Zap?...(PUXA UM CANIVETE DE CORTAR FUMO.) Quer dizer... É?... (FAZENDO O GESTO.) Zap! 7 PANELA: (PARTINDO PRA CIMA DE BIRIBA) Eu seguro! ROMILDA: (ENTRANDO COM A FRIGIDEIRA NA CABEÇA DE COME-CRU E PANELA.) Para! Larga! (OS DOIS LARGAM.) Animaus! Que foi que o menino fez? COME-CRU: (CHOROSO.) Ah, Romirdinha! O que essi estronço fez? Sabe o que esse excomungado fez, Romirdinha? A gente tava tava! um tempão sem acidente, e esse maledeto mi istraga tudo! ROMILDA: E daí? COME-CRU: Nóis tava batendo um recordi! ROMILDA: E daí? PANELA: Daí o que, Romilda! A empresa a mais de quatro meses sem acidente e acontece com a gente, na nossa seção! COME-CRU: Na nossa seção, onde a mais de um ano não acontecia um... um miserável acidente!... Que acidente? Não acontecia um cortinho, um... mal jeito de pescoço! (DRAMÁTICO PARA BIRIBA.) O que fizeste tu, Imbecile? PANELA: (PARA BIRIBA PATERNAL.) Eu... Tu é como um irmão... Tu... Tu... (PERDENDO AS ESTRIBEIRAS.) Tu vai é apanhar como boi ladrão! (AMEAÇA PARTIR PRA CIMA DE BIRIBA.) ROMILDA: (BATENDO COM A FRIGIDEIRA NO BALCÃO.) Deixa, o menino em paz, raça bovina! Aconteceu um acidente, e daí? PANELA: E dai? E dai? E daí... Vá amolar boi com esse “E daí!”, Romilda! ROMILDA: Vou amolar é essa frigideira na sua cabeça, animau! E daí? Se tinha que acontecer, aconteceu... COME-CRU: (FINGINDO QUE ESTÁ CONFORMADO.) É... Se tinha que acontecer, acontecesse... mas acontecesse na forjaria, na mecânica, na fundição, em qualquer lugar, no... (XINGANDO E AMEAÇANDO BIRIBA.) Não com a gente, na manutenção... filho de padre! (FALANDO 8 COM ROMILDA.) E o pior é que podia ser alguma coisa grande... um acidente desses de fazer história! Por exemplo: fazendo manutenção numa ponte: plof! caia e virava merda! Ou... tá limpando uma fossa, cai... glub, gulb, glub... e ó... confundia tudo, sumia! Ninguém ia saber quem era o Biriba, quem era o resto! (INCONFORMADO.) Não! Tinha que acontecer no sagrado chão de nossa seção. E foi acidente de dar orgulho? Foi acidente de marcar reunião, discussão, estudos? Mesa redonda? Debate na televisão? Nada! Esse bezerro sem pai, esse castrati, caiu de uma cadeira! ROMILDA: Caiu de uma cadeira? PANELA: É! Esse boi de corte caiu de uma cadeira e luxou o braço! COME-CRU: Viu que gracinha, Romirda? Luxação! É!... Ele teve um... luxo! PANELA: (AMEAÇADOR, PARA BIRIBA.) Devia era ter quebrado o chifre! COME-CRU: Ou morrido! Pra dona Biribinha ficar pra gente! ROMILDA: Pra que tu queria a coitada da dona Biriba? Só se fosse pra lavar tuas cueca... que o resto... ó! Dona Biriba ia passar necessidade... (PARA BIRIBA.) Coitado do menino! (MATERNAL.) Devia ser muito alta a cadeira! PANELA: Que cadeira alta, Romilda? Uma cadeira dessas... de sentar...comum... de rodinha!... (DRAMÁTICO E ACUSADOR PARA BIRIBA.) Mais de um ano sem acidentes.. nenhum... uma reles unha roxa, um tropeção na corrida pro restaurante... nada! E foi tudo por água abaixo! ROMILDA: E dai? Tinha prêmio? Tinha bufunfa? PANELA: Que prêmio, Romilda? Tinha orgulho! COME-CRU: Que bufunfa, Romirda? Tinha honra! ROMILDA: (GOZANDO.) Honra? Orgulho? Faz me rir! Ó! Ó! Ó! Vocês? Panela de Pressão e João Come-Cru? Quantas vezes não chegaram aqui, parecendo múmia? Viviam 9 nos acidentes! (PARA COME-CRU.) Deixe de bestera, home! (PARA OS OUTROS.) Já que falaram em corrida pro restaurante, sabem por que ele chama Come-Cru! BIRIBA: Não! COME-CRU: (PARA BIRIBA, DANDO UMA BRONCA.) E tu tem direito de saber alguma coisa, imbecile! PANELA: Mas eu tenho, carcamano! Fala, Romilda! ROMILDA: Quando essa coisa entrou na empresa, nos tempo antigo, só vivia correndo! Corria pra picar cartão, corria pra ir embora, corria pro almoço!... Era o famoso Ventania! Passava correndo pro restaurante, todo mundo gritava: “Oh! João, vai comer cru!” Oh! João, vai comer cru!” Dai ficou: João Come-Cru! O que sofreu de acidente!...Cada “fora”! E os castigo? Atropelou a mulher do treinamento: dois dias de suspensão; corria na seção, atropelou uma empilhadeira: cinco pontos na cabeça e um braço destroncado. Agora, me vem esse bode velho, ficar brabo com o menino!? PANELA: (GOZANDO COME-CRU.) Que folha corrida, heim?, seu João! COME-CRU: (JUSTIFICANDO-SE.) Coisas do passado, da juventude! (ENTRANDO NO ESPÍRITO.) Deixa eu contar uma... bem pior! Graças a Dio, não tava só nessa, tava a raça toda! (COMEÇA A CONTAR.) Sinal do almoço... sai a boiada.... póc! póc! póc!... um trote só!... óia o que acontece! Um desgraçado dum estranja tava visitando a fábrica... Diretoria junto... a maior puxação! O estranja dobra a esquina e vê aquela correria: póc! póc! póc! Coitado! O maledeto pensou que fosse incêndio, terremoto, saiu correndo... Deixou o diretor na mão e saiu correndo... O diretor, que no susto, não sabia o que tava acontecendo, também saiu correndo... O estranja pára pra perguntar o que tá acontecendo...o diretor que vem atrás, atropela o estranja!... Eles caem... São atropelados pelo Tonelada que tava no tropel... O diabo!... Grito!... Confusione!... Comemo sem mistura uma semana! (JUSTIFICANDOSE.) Mas Isso, Romirda, é coisa do passado, da juventude! Coisa de jovem! 10 ROMILDA: Então... O Biriba é jovem... COME-CRU: Dio Cristo, Romirda! Num mi mistura alho com bugalho! Os tempo era outros e não esses.... Num tinha treinamento, orientação, nada! Só labore! Labore! Vê se agora tem nego correndo pro restaurante? Pergunta pra cicrano? (PEGUNTAR PARA ALGUÉM DA PLATÉIA. DEPOIS DRAMÁTICO.) Tempos difíceis! Vocês num imaginam, jovens imberbes! Quantos acidentes, quantas vidas! BIRIBA:` Vidas? (MEIO ASSUSTADO.) É? COME-CRU: Nossa! E quantas! Morria...óia.. (PERCEBE QUE ESTÁ AGRADANDO, EXAGERA.) quatro!... cinco!... (AO VER QUE BIRIBA ESTÁ ACREDITANDO.) Por dia! (FAZ O SINAL DA CRUZ.) PANELA: (MEIO GOZANDO.) Conta ai, João, como era? BIRIBA: (INTERESSADO.) É... Conta! COME-CRU: Pra você num conto nada, maledeto! Conto pros outros! Mas antes, Romirda, dá um refresco pra garganta! ROMILDA: (SERVINDO UM APERITIVO, SAUDOSA.) Bons tempos... Tenho saudades daqueles tempos! BIRIBA: Das mortes? ROMILDA: Que morte? Você acredita nesse bode velho? É que naqueles tempo, os operário, antes do serviço, no almoço, na saída, todos vinham aqui matar o bicho! Hoje não! É proibido beber antes e durante o serviço, maior preju! COME-CRU: Não é que é proibido, Romirda! É consciência, madurecimento! PANELA: Vai lá, Come, conta logo! COME-CRU: Tempos difíceis... (DRAMÁTICO) O patrão era uma vampiro... Não!... Era o rei dos vampiro: o Drácula! O encarregado era... (PROCURA.) filho do carrasco que matou Tiradentes! 11 PANELA: Filho do carrasco que matou Tiradentes? Espera ai!... Quando foi isso! COME-CRU: Não! Tô confundindo as geração... (FAZ UNS CÁLCULOS, RÁPIDOS.) Neto do neto do carrasco que matou Tiradentes! Mas pior! A segurança era a própria Gestapo! Tudo assim... ó... (MOSTRA SINAIS DE INTIMIDADE.) com Hitler! Unha e carne Que sofrimento! BIRIBA: E os operários? COME-CRU: (ELOGIANDO.) Gente boa! Simpática, bonita! (VOLTA AO DRAMALHÃO.) O trabalho era a própria parte ruim da Divina Comédia, de Dante! ROMILDA: (SERVINDO UM GOLE PRA COME-CRU.) Exagerado! (ENQUANTO COME-CRU TOMA O APERITIVO.) Se metade fosse verdade, tu tava morto! COME-CRU: É que tenho pau bom! ROMILDA: (AMEAÇANDO COM A GARRAFA.) Olha o respeito, carcamano, sou uma viúva de respeito! COME-CRU: Também sou viúvo e sou respeitoso, maliciosa! Pau bom! Quer dizer: sou feito de madeira de lei! (MEIO CÚMPLICE.) Mas tu sabe que quem conta um conto aumenta um ponto! (ENTRA MÚSICA. SAUDOSO.) Faz tempo, Romirda, faz tempo! Nós já foi e vortou muitas vezes! (NESSA MOMENTO, COME-CRU, CANTANDO, COMEÇA SUA HISTÓRIA. OS OUTROS MUDAM O CENÁRIO E SAEM.) COME-CRU: (CANTA.) Era uma vez... No tempo que minha vó Amarrava cachorro com lingüiça, E nosso terra era a terra da preguiça, Que naqueles tempos não era pecado capital, E que na casa de todo brasileiro tinha um quintal Um galo garnisé e uma galinha pedrês, E todo gringo, da nossa seleção, era freguês. 12 Vejam vocês E acredite se quiser: Era o tempo em que a gente olhava e sabia Se a pessoa era homem ou era mulher! E no trabalho Se pegava no pesado, Era osso duro de roer: O patrão arrancava o nosso couro, O capataz salgava e botava pra secar E o local de trabalho era sangrento, um matadouro. Preparem o coração que agora eu vou contar Aumentando um pontinho pra história embelezar! . (O CENÁRIO É UMA FÁBRICA SOMBRIA, SUJA. ENTRA UM OPERÁRIO, ZÉ DAS COUVE, UM MINEIRO. TRAZ UM BALCÃO ONDE, DEPOIS, BATE COM UMA BAQUETA EM ALGO DE COURO QUE FAZ MUITO BARULHO. O BALCÃO DEVE SER UM POUCO BAIXO PARA A ALTURA DE ZÉ DAS COUVE E BEM ESCURO. ZÉ DAS COUVE BATE NUM RITMO COMPASSADO. LOGO DEPOIS, ENTRA O ENCARREGADO E ELE AUMENTA O RITMO. O ENCAREGADO É JOÃO BAFO DE ONÇA, UMA FÚRIA.) CENA 1 - NOS TEMPOS DA BRILHANTINA, OU, SE FOSSE VASELINA INCOLOR ERA MELHOR BAFO DE ONÇA: Que é isso, Zé das Couve? Num se trabalha mais? ZÉ DAS COUVE: Que é isso, seu sinhô Bafo de Onça? Tô dando o duro! (AUMENTA O RITMO E O BARULHO.) BAFO DE ONÇA: Olha aqui, Zé!... (O BARULHO NÃO DEIXA ZÉ DAS COUVE OUVIR. BAFO DE ONÇA GRITA.) Zé das Couves! (NADA. AUMENTA O TOM.) Zé das Couves! 13 ZÉ DAS COUVE: (SEM PARAR DE TRABALHAR.) Sinhô?... BAFO DE ONÇA: Para! ZÉ DAS COUVE: Hem? BAFO DE ONÇA: (GESTICULANDO FEITO DOIDO.) Para! Para! ZÉ DAS COUVE: (PARANDO.) I posso?... BAFO DE ONÇA: Pode! Pode! (ADVERTINDO.) Mas só enquanto falo! ZÉ DAS COUVE: Pois, sim sinhô! BAFO DE ONÇA: (DANDO BRONCA.) Tá muito baixo sua produção! (ZÉ DA COUVES VOLTA A TRABALHAR, RÁPIDO E BARULHENTO.) Para! Para! (ELE PARA.) Quando eu terminar você continua a trabalhar! (VOLTANDO A DAR BRONCA.) Tá baixo por que? Porque você tá indo duas vezes ao banheiro! E por que seu Zé das Couves? ZÉ DAS COUVE: Porque? (ENVERGONHADO.) É... é... (OLHA EM VOLTA, FAZENDO SEGREDO.) Porque... fico apertado! BAFO DE ONÇA: (ABISMADO.) O que? Apertado duas vezes no mesmo dia? Quantas vezes o senhor come aqui, na Fábrica! ZÉ DAS COUVE: Uma vez, sim sinhô! BAFO DE ONÇA: Então? Se come uma vez só aqui na fábrica, só pode ficar apertado uma vez! Só somos responsáveis por uma apertura! O que queremos é produção! Trabalho, Zé das Couve! Produção! (ZÉ DAS COUVE VOLTA A TRABALHAR FRENETICAMENTE. QUANDO JOÃO BAFO DE ONÇA VAI SAINDO, ELE BATE COM A BAQUETA NO DEDO.) ZÉ DAS COUVE: (FAZENDO O MAIOR ESCARCÉU.) Ai! Ai! Ai! BAFO DE ONÇA: (VOLTANDO-SE, SEM DAR A MÍNIMA.) Que foi? Que gritaria é essa? ZÉ DAS COUVE: Acho que perdi um dedo! BAFO DE ONÇA: E daí? (PARA A PLATÉIA.) Esse povinho reclama de tudo! (PARA ZÉ DAS COUVE.) Sobraram nove, Zé das 14 Couve! Sem desculpa! Ao trabalho! Produção! (ZÉ DAS COUVE VOLTA AO TRABALHO. JOÃO BAFO DE ONÇA VAI SAINDO, LEMBRA DE ALGUMA COISA E VOLTA.) Ah! Por causa... (ZÉ DAS COUVE NÃO ESCUTA. BAFO DE ONÇA GRITA.) Zé das Couve! (ZÉ DAS COUVE PARA. BAFO DE ONÇA NO MAIOR DESPREZO.) Por causa deste acidente bobo, deste dedinho, lembrei de uma coisa. Inventaram agora uma tal de: SEGURANÇA DO TRABALHO! (AUMENTANDO O DESPREZO.) Uma bobagem... Uma besteira... Na minha opinião não é coisa de macho... Capacete na cabeça!... (FRISSANDO.) Luvinha!... Sei não. O pior é que contrataram um Técnico de Segurança, uma tal de Tonico Sargento, que pensa que é o tal! Esse idiota inventou um EPI diz que por causa do barulho pra esta seção! Tem cabimento, Zé das Couves? (ZÉ DAS COUVE BALANÇA A CABEÇA DIZENDO QUE NÃO.) Você pode usar! (FRISANDO BEM.) Mas não me fique fresco e nem prejudique a produção! Em primeiro lugar a produção ou rua! Pense no seguinte: um operário inutilizado, troca-se! Uma peça não fabricada é prejuízo! Ao trabalho! Produção! (ZÉ DAS COUVE VOLTA AO TRABALHO. JOÃO BAFO DE ONÇA SAI. LOGO DEPOIS HOUVE-SE SIRENE DE POLÍCIA E APITO TIPO GUARDA NOTURNO. ZÉ DAS COUVE AUMENTA O RITMO. ENTRA, APITANDO FEITO UM DOIDO, UM TÉCNICO DE SEGURANÇA, TONICO SARGENTO. TRAJA UM FIGURINO MILITAR: CAPACETE E CACETETE.) SARGENTO: Ordinário! Sentido! (ZÉ DAS COUVE PARA DE TRABALHAR E FICA EM POSIÇÃO DE SENTIDO. TONICO SARGENTO BATE COM O CACETETE NA BARRIGA DE ZÉ DAS COUVE.) Barriga pra dentro! (BATE NAS COSTAS.) Peito estufado! (LENDO UM MANIFESTO, COMO UM MENESTREL.) Conforme Decreto Lei, de hoje em diante, todo trabalhador desta seção, por causa do barulho, uma porrada de decibéis a mais, que pode deixar até um jumento surdo, é obrigado (FRISA BEM.) POR LEI! a usar protetor auricular! Revogam-se todas as disposições em contrário! Entendido? ZÉ DAS COUVE: Entendido, sim sinhô, seu Tonico Sargento! 15 SARGENTO: (IMPONENTE.) Treinamento! (DIDÁTICO. MOSTRA UM PROTETOR.) Tá vendo isso? ZÉ DAS COUVE: Tô, sim sinhô, seu Tonico Sargento! SARGENTO: Pegue! (ZÉ DAS COUVE PEGA.) Agora comigo! (EXPLICANDO COMO SE USA.) Enrola a pontinha! Faz uma rosquinha! Como se faz cigarro de palha, Zé das Couve! Entendeu! (ZÉ DAS COUVE BALANÇA A CABEÇA DIZENDO QUE SIM.) Então?... Faça! (ZÉ DAS COUVE AMASSA A PONTA DO PROTETOR.) Agora... Pegue a extremidade inferior do órgão de audição! ZÉ DAS COUVE: Ór... O que? SARGENTO: A ponta da orelha, do ouvido! (MOSTRANDO.) Aqui! (ZÉ DAS COUVE IMITA.) Puxa... E enfia! (ZÉ DA COUVE FICA DESCONFIADO.) Na orelha! ZÉ DAS COUVE ENFIA.) Agora o outro ouvido! Tudo igual! (REPETEM TUDO NO OUTRO OUVIDO.) Entendeu? ZÉ DAS COUVE: Hem? SARGENTO: (GRITANDO.) Entendeu? ZÉ DAS COUVE: (GRITANDO TAMBÉM.) Entendi! SARGENTO: Não pode deixar de usar! É lei! Entendido? (ZÉ DAS COUVE DIZ QUE SIM COM A CABEÇA.) Ótimo! Sentido! (ZÉ DAS COUVE FICA EM POSIÇÃO DE SENTIDO.) Ao trabalho! (ZÉ DAS COUVE VOLTA AO TRABALHO. TONICO SARGENTO SAI. LOGO EM SEGUIDA ENTRA JOSUEL MOCO, UM NORDESTINO. TEM NOS OUVIDOS O PROTETOR AURICULAR.) JOSUEL MOCO: (FALANDO ALTO.) Zé das Couve! (ZÉ DAS COUVE NÃO ESCUTA. JOSUEL MOCO GRITA.) Zé das Couve! (ZÉ DAS COUVE, SEM PARAR DE BATER, OLHA EM VOLTA, VENDO SE NÃO TEM NINGUÉM. JOSUEL MOCO GRITA MAIS ALTO.) Zé das Couve! ZÉ DAS COUVE: (PARANDO DE TRABALHAR, FALANDO ALTO.) Não precisa gritar, não sou surdo! Que foi? 16 JOSUEL MOCO: Tamo ai num movimento da peste! Futebol! Tamo formando um esquadrão de ouro! Qué entrá? Falaram que tu bate uma bolinha? ZÉ DAS COUVE: É... (FINGINDO HUMILDADE.) Mais o meno! JOSUEL MOCO: Intão?... Contamo com tu! (PARA A PLATÉIA, À PARTE, MAIS BAIXO.) Outro mineiro metido a Tostão? ZÉ DAS COUVE: Num ouvi, home! Essa desgraça não deixa ouvi direito! Fica fazendo tum! tum! tum! na minha cabeça! JOSUEL MOCO: Se faz tum! tum! tum!, num use! ZÉ DAS COUVE: Mas o baruio faz mal a saude, prejudica o ouvido! JOSUEL MOCO: Dizem!... Daqui a dez anos!... Tu tem certeza, tem? (ZÉ DAS COUVE BALANÇA A CABEÇA DIZENDO QUE NÃO.) Se nem é certo, vai ficar sofrendo pru que? ZÉ DAS COUVE: O segurança, o Tunico Sargento... JOSUEL MOCO: Que Tunico Sargento que nada! (PROFESSORAL.) Tapeie ele, Zé das Couve! Isso é fichinha! Onde eu trabalhava antes, há dez anos a gente era obrigado a usar isso e há dez anos eu dava o golpe! (TIRANDO O PROTETOR AURICULAR E MOSTRANDO QUE ELE ESTÁ CORTADO NO MEIO.) Olha aqui, seu besta! (EXPLICANDO.) Ó... a gente corta no meio... depois, coloca só o que sobrou... o égua do segurança passa, vê esse laranja vistoso e pensa que a gente tá usando... nóis engana eles... Há dez anos engano os trouxa! (MORRE DE RIR.) ZÉ DAS COUVE: (TIRANDO OS PROTETORES E FALANDO NORMALMENTE.) Que bom, Josuel Moco! Vou fazer isso! JOSUEL MOCO: Hem? ZÉ DAS COUVE: (FALANDO MAIS ALTO.) Que bom, Josuel Moco! Vou fazer isso! JOSUEL MOCO: Hem? ZÉ DAS COUVE: (GRITANDO.) Que bom, Josuel Moco! Vou fazer isso! 17 JOSUEL MOCO: (NO MESMO TOM.) Bom o quê? Coco com chouriço? ZÉ DAS COUVE: (PERCEBE QUE JOSUEL MOCO NÃO ESCUTA.) Nada! (PARA O PÚBLICO.) O home é mais surdo que uma porta! (BEM DEPRESSA, ENROLA O PROTETOR E COLOCA NOS OUVIDOS. FALA PARA O PÚBLICO.) Antes incomodado com um tum! tum! tum! no ouvido do que incomodar os outros com um hem? hem? hem? (ENTRA MÚSICA OS DOIS SAEM DOS PERSONAGENS. ENQUANTO O ATOR QUE FAZIA JOSUEL MOCO MUDA O CENÁRIO, O OUTRO, TIRA OS PROTETORES E CANTA. O CENÁRIO É AGORA UMA SALA DE TREINAMENTO. A SALA DE TREINAMENTO DEVE LEMBRAR UMA SALA DE INTERROGATÓRIO.) ATOR: (CANTA.) O que disse o passarinho Em seu cantar de ouro Que eu não posso ouvir? O que traz o mar raivoso Joga na areia branca Que eu não posso ver? O que sussurra o vento Ao vagar pelas montanhas Que eu não posso repetir? ` Quero ouvir! Quero ver! Quero falar! Quero todos meus sentidos: Tato, olfato, paladar, Nervos, sangue e coração! Quero pernas, quero braços Pra poder lhe abraçar. Quero é vida, ser inteiro, Ser amado e quero amar! (EM CENA O PATRÃO, FARO FINO, UM HOMEM EDUCADO E REFINADO, E A MULHER DE TREINAMENTO, DONA RISOLETA, UMA SENHORA COM JEITO DE ANTIGA PROFESSORA DE PRIMÁRIO, QUE FAZ ANOTAÇÕES.) 18 CENA 2 - UM DIFÍCIL TREINAMENTO, OU, ONDE SE APRENDE A DIZER “SIM!” E “NÃO!”. FARO FINO: Não, dona Risoleta! Não! Palmatória, não! Os tempos estão mudando! O trabalhador é um ser humano! Não quero saber de pancadas! Quero (FRISANDO BEM.) TREINAMENTO! Pelo amor de Deus, dona Risoleta, quero diminuir o número de acidentes! A imagem da minha empresa tem que ser preservada. A senhora já pensou? Estou no clube, conversando com os amigos, e vem a conversa: “É verdade que no mês corrente houve setenta acidentes com afastamento na sua empresa?” Pega mal, Dona Risoleta! E tem o outro lado também, Dona Risoleta! O meu novo diretor financeiro fez os cálculos e os acidentes dão prejuízos. Você leva anos para formar um bom trabalhador, para ele começar a produzir, conhecer seu trabalho, e em questão de segundos, por causa de um acidente você perde ele! Isso tem que mudar! RISOLETA: E o novo técnico de segurança? FARO FINO: Uma pessoa ótima! Uma cabeça dos novos tempos! O seu lema é: O SEGURANÇA É O PROTETOR DOS TRABALHADORES! Quero treinamento também para os encarregados, eles precisam ajudar o segurança! Quero todos na empresa ajudando o meu homem de segurança! Sabe o que eu sonho, dona Risoleta? É um dia chegar nesta sala e olhar assim (MOSTRA UTILIZANDO O PÚBLICO.) e ver ali, naquele canto, Fulano! Ótima pessoa! Digno! Correto! Trabalhador exemplar! (PODE BRINCAR A VONTADE COM O PÚBLICO. LOGO DEPOIS ENTRA ZÉ DAS COUVE E FICA OLHANDO. FARO FINO PERCEBE ZÉ DAS COUVE E CAI NA REAL) É... Mas vai demorar! Por enquanto é sonho! Ilusão! (VAI ATÉ DONA RISOLETA.) Não se esqueça, Dona Risoleta, novos tempos! (SAI.) 19 RISOLETA: (PARA ZÉ DAS COUVE.) Tá um bom dia, Zé das Couve? ZÉ DAS COUVE: Óia, dona Risoleta.... RISOLETA: (HISTÉRICA.) Que “óia o que”?, Zé das Couve! Sabe qual é o princípio básico do treinamento? (ZÉ DAS COUVE NÃO SABE E FICA COM CARA DE QUEM NÃO SABE.) Não! Não sabe! (À PARTE PARA A PLATÉIA.) Ô povinho! (PARA ZÉ DAS COUVE.) O princípio básico do treinamento é ensinar as pessoas a dizerem: “SIM!” e “NÃO!”. Entendeu? ZÉ DAS COUVE: Entendi. RISOLETA: (BRAVA.) Entendeu coisa nenhuma, Zé das Couve! (VOLTANDO A PERGUNTAR, FRISANDO BEM.) Entendeu? ZÉ DAS COUVE: (PENSANDO BEM ANTES DE RESPONDER RESPONDENDO COM MUITO CUIDADO.) Entendi. RISOLETA: Não! Lesma graduada em lesmera! Não! ZÉ DAS COUVE: (TENTANDO MOSTRAR QUE ENTENDEU.) Não! Não entendi! RISOLETA: Não entendeu o que, Zé das Couve? Você não está aqui para entender! Você está aqui para aprender a dizer “SIM! e “NÃO!”. Para isso precisa esperteza, rapidez mental! Basicamente é preciso concordar com as pessoas de níveis hierarquicamente superiores. Vamos treinar! Sou bonita? ZÉ DAS COUVE: (QUASE NÃO CONSEGUINDO FALAR.) Sim! RISOLETA: Eu não sou feia! ZÉ DAS COUVE: (FAZENDO MUITO FORÇA PARA CONCORDAR.) Não! (ENTRA JOÃO COME-CRU.) RISOLETA: Você é o funcionário novo? COME-CRU: Sim. RISOLETA: você é o João Rigoletto? E 20 COME-CRU: Sim. RISOLETA: Não está um belo dia? COME-CRU: João Rigoletto! RISOLETA: O senhor NÃO é brasileiro? COME-CRU: Não! RISOLETA: Perfeito! É isso que falta ao Brasil! Inteligência! Instrução? Por que o Japão está se desenvolvendo? Por que vai ser uma das nações mais ricas do mundo? Porque o povo japonês, quando você fala alguma coisa ele concorda. (IMITANDO O BALANÇA DE CABEÇA DOS JAPONESES.) É um gesto natural o seu balançar de cabeça dizendo: “SIM!. COME-CRU: Tem um porém, dona! Antes, eu vendia cueca no interior, tecido bom, coisa boa... intão aí chegando, na casa dum japonês, ia intão falando: Bela Cueca, não? Ele: “sim!” Tecido bom! Ele “Sim!” Barato! “Sim!” Coisa de primeira! “Sim!” Falava cinqüenta qualidade da cueca e o maledeto: “Sim! Sim! Sim!” Parecia cuíca: sim! sim! sim! sim! sim! sim! Ai chegava no fatídico: Quer comprar? “No! Arigatô! Seria preferência os contrário: cinqüenta “No!” e um “Sim!” RISOLETA: Senhor Rigoletto, você está aqui para aprender a dizer SIM! e NÃO!... Não está aqui para emitir pareceres sobre geografia humana! Mas começou bem! Parabéns! Antes concordou com tudo o que lhe falei! Você fez algum curso? COME-CRU: Curso? Não! Foi meu pai, o velho Rigoletto! Que Deus o tenha! Ele me ensinou que: “Boi em terra estranha, é vaca!” Chega de mansinho, vai aparpando, põe o pé devagar... na maciota!... se ninguém falar nada, se for macio e se dé pé, entra! RISOLETA: (PARA O PÚBLICO.) Nada é perfeito! (PARA OS DOIS.) Hoje o nosso assunto é segurança! É importante que vocês guardem algumas noções básicas de segurança! Primeiro: é obrigação do segurança zelar pela segurança de vocês; segundo: é obrigação de 21 vocês ajudarem o segurança usando os EPIs. Entendido? OS DOIS: Sim! RISOLETA: O trabalho do Segurança é importantíssimo na prevenção de acidentes e vocês devem ajudar. Entendido? OS DOIS: Sim! RISOLETA: Ótimo! Agora vamos treinar um pouco! Eu sou bonita! (JOÃO RIGOLETTO SEMPRE COM UM GESTO DE CABEÇA DESMENTE O QUE ESTÁ FALANDO.) OS DOIS: Sim! RISOLETA: Eu não sou feia! OS DOIS: Não! RISOLETA: Vocês são feios! OS DOIS: Sim! RISOLETA: Vocês não são bonitos! OS DOIS: Não! RISOLETA: Ótimo! Procurem treinar em casa o SIM! e o NÃO!, ensinem aos seus filhos, aperfeiçoem essa arte milenar, e assim, estarão aptos para a vida! Entendido! OS DOIS: Sim! RISOLETA: Ótimo! Agora fechem a sala de treinamento e voltem ao trabalho! OS DOIS: Sim! (RISOLETA SAI.) COME-CRU: (PARA RISOLETA QUE SAIU.) Saí, inhaca! Cruzamento de cruz-credo com briga de foice! (COMEÇAM A MUDAR O CENÁRIO. ZÉ DAS COUVE DEVAGAR E JOÃO DE UMA FORMA APRESSADA.) Depressa! Rápido! Tá quase na hora do rango! ZÉ DAS COUVE: O amizade faz o que? 22 COME-CRU: Mecânico. Manutenção! CORRENDO.) Precisando! (SAI (O CENÁRIO É A FÁBRICA ANTIGA. ENTRA MANUEL BABÁ, O NOVO TÉCNICO DE SEGURANÇA. ESTÁ VESTIDO DE AMA-SECA E ANJO PROTETOR. COMEÇA A PENDURAR PLACAS NO CENÁRIO. SÃO PLACAS COLORIDAS QUE VÃO MUDANDO O AMBIENTE. PLACAS DE “OBRIGATÓRIO USO DE PROTETOR AURICULAR”, “OBRIGATORIO USO DO CAPACETE”, “É PROIBIDO FUMAR”, ETC. ZÉ DAS COUVE COMEÇA A TRABALHAR E FICA DE RABO DE OLHO, OBSERVANDO. QUANDO MANUEL BABÁ TERMINA DIRIGE-SE A ZÉ DAS COUVE) CENA 3 - A SEGURANÇA É RESPONSABILIDADE DA SEGURANÇA, OU, O TÉCNICO ANJO DA GUARDA, BABÁ OU AMA-SECA MANUEL: (FALANDO ALTO.) O menino sabe o que são estas placas? (ZÉ DAS COUVE CONTINUA TRABALHANDO. GRITA.) Zé das Couve! (ZÉ DAS COUVE PARA.) O menino sabe o que são estas placas? ZÉ DAS COUVE: (COMO TEM DÚVIDA SE DEVE RESPONDER SIM OU NÃO, FAZ UM RÁPIDO MAMÃE MANDOU BATER NESTE DAQUI.) Não! MANUEL: São placas de sinalização! Por exemplo, além do protetor auricular, o menino tem que usar o capacete. ZÉ DAS COUVE: (OLHA PARA CIMA, PROCURANDO ENTENDER O QUE PODE CAIR NA SUA CABEÇA. FAZ UMA FORÇA PARA FUGIR DO “SIM” E DO “NÃO” E NÃO CONSEGUE.) Sim! (JOÃO COME-CRU PASSA CORRENDO.) MANUEL: (GRITANDO NA DIREÇÃO QUE JOÃO PASSOU..) Hei! Hei! É você criança!... É... Venha cá! (COMO SE 23 FALASSE COM UMA CRIANCINHA.) Venha! Vem cá, nenê!... (ENTRA COME-CRU COM UMA CHUPETA NA BOCA.) COME-CRU: Fala, meu anjo da Guarda! MANUEL: O menino não sabe que nesta seção é obrigatório o uso do capacete? COME-CRU: (COME-CRU OLHA PARA CIMA E NÃO VÊ O PORQUE DO USO DO CAPACETE.) Per che? MANUEL: Porque tem uma norma, que foi criada pela alta direção, que diz isso! COME-CRU: Per che? MANUEL: Porque deve ter algum motivo. COME-CRU: Per che? MANUEL: Porque as normas devem ser seguidas. Isto é a base da sua segurança, da sua saúde, Nenê! COME-CRU: Mas io tava só passando. MANUEL: Mas custa usar? O acidente não distingue quem tá trabalhando de quem está só passando. Usa, vai! COME-CRU: Você quer que io use? MANUEL: Quero. COME-CRU: Intão pede. MANUEL: Usa o capacete, Nenezão! COME-CRU: Pede por favor! MANUEL: Usa o capacete, por favor! COME-CRU: Pede assim, ó: Use o capacete, lindão do papai! MANUEL: Use o capacete, lindão do papai! COME-CRU: De joelho! MANUEL: (AJOELHANDO-SE.) Usa o capacete, lindão do papai! 24 COME-CRU: É... Faltou... verdade!... emoção!... Mas tá bom: eu uso! MANUEL: Obrigado! (TOCA A SIRENE DO ALMOÇO.) COME-CRU: O rango! Hora do almoço! (SAI CORRENDO.) MANUEL: (PARA FORA, TODO CARINHOSO.) Não corre, Nenê!... Você pode se machucar! (GRITANDO.) Cuidado! Olha, dona Risoleta! (BARULHO DE TROMBADA FORA. MANUEL LEVA AS MÃOS À CABEÇA E SAI CORRENDO.) RISOLETA: (OFF. NO MAIOR ESCARCÉU.) Ai, socorro! Uma jamanta me pegou! COME-CRU: (OFF.) Adescurpe! RISOLETA: Assassino! Esse tarado me atropelou! (SIRENE DE AMBULÂNCIA. GRITOS.) COME-CRU: (OFF, SOB O BARULHO QUE AUMENTA.) Minha Nossa Senhora Achiropita! Socorro! (AUMENTA O BARULHO. DURANTE A CONFUSÃO ZÉ DAS COUVE, COMO SE FECHASSE UM LIVRO E PEDINDO SILÊNCIO, MUDA O CENÁRIO. EM CENA ROMILDA E COME-CRU. COME-CRU ESTÁ TODO ENFAIXADO E ROMILDA FUMA UM CIGARRO DE PALHA..) CENA 4 - OS TEMPOS MODERNOS, OU, A DOR ENSINA AOS QUE SÓ APRENDEM ATRAVÉS DO SOFRIMENTO ROMILDA: Num é pussível! Num é pussivel! Num faz tempo, tu atropelou a mulher do treinamento, e agora me atropela uma empilhadeira! Quando vai parar de correr e tomar juízo, João Come-Cru? 25 COME-CRU: Fui eu que atropelei a empilhadeira, Romirda? A maledeta corria mais que marido desconfiado vortando pra casa! Io só ia um pouco rápido pro restaurante! ROMILDA: Tá doendo? COME-CRU: Só quando rio, falo ou fico quieto! Ai! (ENTRA PANELA DE PRESSÃO COM A CABEÇA ENFAIXADA E CARA DE POUCO AMIGO.) Goiano! Arresolveste aparecer? (PARA ROMILDA.) Este é o Goiano, cabra macho! Começou com nóis agora no batente. Seu nome é Inardino de Souza! Pode chamar de Boizão, o rei do restaurante! ROMILDA: (TODA ALEGRE, ESTENDENDO A MÃO..) Muito prazer, seu Boizão! PANELA: (MEIO SECO, SEM PEGAR NA MÃO DE ROMILDA.) Desculpe, minha senhora, não gosto de apelido. Meu nome é Inaldino. ROMILDA: (FICANDO SEM GRAÇA.) Me adesculpe o senhor seu... seu... Como é mesmo seu nome? PANELA: (MEIO BRAVO.) Inaldino. ROMILDA: Inardino? (TIRANDO O SARRO, CÚMPLICE COM COME-CRU.) Me adesculpe, um home nasce uma vez só na vida e botam esse nome no coitado? Sem querer ofender seu... seu... como é mesmo? PANELA: (BRAVO.) Inaldino! ROMILDA: Nossa!... Que home brabo!... (TOSSE UMA TOSSE DE PULMÃO PEDINDO ÁGUA.) COME-CRU: Ai, Romirda! Larga essi cigarro maledeto! Tu vai morrer tísica, viciada! ROMILDA: Viciada é tua nona, Carcamano! Tô é nervosa com esse home! Parece panela de pressão... Tá sempre pra explodir! COME-CRU: E explode, Romirda! Explode! Se triscar, sai faísca! (DESCOBRINDO.) Tá aí... Matou a pau, Romirda! 26 Panela de Pressão! Sai Boizão e entra Panela de Pressão! PANELA: (QUERENDO BRIGA.) Panela de Pressão é a mãe, Come-Cru! ROMILDA: Sem briga! Aqui dentro, não! (PANELA PÁRA.) O senhor seu I... I... I não sei o quê... num gosta de apelido e chama o João de Come-Cru? E além do mais, trocar “I não sei o quê” por Boizão ou Panela de Pressão é trocar seis por meia dúzia. Fica Panela de Pressão que é mais fácil! (PREOCUPADA.) Mas que diabo foi isso no cocuruto? (PANELA FICA MEIO SEM GRAÇA.) PANELA: Foi...é... sabe?...uma placa de sinalização! ROMILDA: Bateram com uma placa na sua cabeça? COME-CRU: Não, Romirda! O cabeça dura não obedeceu uma placa de sinalização... PANELA: Não tinha placa! Um desgraçado subiu pela ponte pra trocar uma lâmpada e não colocou sinalização, ComeCru! COME-CRU: Um diz que tinha, o outro que não... ROMILDA: Tinha ou não, a tal placa? PANELA: Tinha... Mas não no lugar, não dava pra ver! COME-CRU: Que importa é que aconteceu o que não devia acontecer... um acidente!... caiu o alicate do eletricista na cabeça dele. ROMILDA: Istragou muito? COME-CRU: O alicate? ROMILDA: Não, ignorante! A cabeça do seu Panela? (PARA PANELA DE PRESSÃO.) Tá cuidando direitinho! PANELA: (SEM GRAÇA.) É... ROMILDA: Melhorou!... Ocês tão indo!...Prometem!... Agora tem até dúvida de quem é o curpado! Nos tempo antigo, era 27 tudo curpa de vocês! E olha, faz tempo que não acontecia um acidente. Todo dia um chegava aqui estropiado! COME-CRU: É o progressio! O mundo progride, nóis vai junto! Tem um pessoal novo da segurança que tem sempre novidade! É treinamento, conversa... Tem o pessoal da CIPA!... Esse acidente do Panela vai ter reunião... Discussão!... A gente vai aprendendo... ROMILDA: E aquela lambisgóia, a tal de Risoleta? COME-CRU: Escafedeu-se, virou pó! Tem uma moça nova no treinamento... uma gracinha.... ROMILDA: Espero que ensine alguma coisa pra essas cabeça dura... COME-CRU: I nós aprende, nós aprende... É o progressio... (CANTA.) “Progressio, progressio, Io sempre iscuitei falar O progressio vem du trabaio Intão amanhã cedo nóis vai trabaiar... ROMILDA: Intão vai trabaiar, seus vagaus, vai trabaiar... PANELA: Até, dona! (SAI.) COME-CRU: Tchau, bela! Um bacio! ROMILDA: (PEGA UM PANELA, SAI DETRÁS DO BALCÃO E AMEAÇA COME-CRU.) Vem, istronço! Vem! (COMECRU SAI. ENTRA MÚSICA. ROMILDA CANTA E AO MESMO TEMPO MUDA O CENÁRIO.) Essa turma da pesada Demorou a aprender Que a vida não vale nada Pra quem não sabe viver Vai meu amigo do peito Segue em frente sem parar Que a vida tem seu jeito Dolorido de ensinar 28 Ai, acende o candeeiro Pro caminho iluminar Ai, acende o candeeiro Homem é feito pra brilhar Com coragem vai em frente Que só depende da gente A nossa vida melhorar (O CENÁRIO É UMA FÁBRICA MODERNA, PORÉM, O BALCÃO CONTINUA O MESMO. EM CENA O ENCARREGADO, AFONSO GENTIL, E ZÉ DAS COUVE.) daCENA 5 - QUANDO AS COISAS MUDAM, OU, NOS NOVOS TEMPOS TUDO É NOVO MAS NASCERAM DO ANTIGO AFONSO: Então... a aposentadoria, Zé das Couve! Vai fazer o que? ZÉ DAS COUVE: Óia, seu Afonso Gentil, parar num posso... Cum pensão do INPS, nem pensar. Vou criar rã! AFONSO: Primeiro: tira esse “seu” da frente do Afonso, Zé das Couve! Mas... diz uma coisa... Rã!? Você entende disso? ZÉ DAS COUVE: É... Vi programa de televisão... adepois, comprei uns livros... Inda bem que estudei na firma, seu Afonso Gentil! AFONSO: Tira o “seu” da frente, Zé! Tira o “seu” da frente, Zé! ZÉ DAS COUVE: Uai, o “MEU”, eu sempre tirei da frente! Agora, o “SEU”, vosmecê deve cuidar! AFONSO: (BRINCANDO.) Olha, aí! Tá ficando engraçadinho! Daqui a pouco vai querer fumar! Vai querer a chave da casa! (COM CARINHO.) Mas, falando sério, vamos sentir sua falta! 29 ZÉ DAS COUVE: Também vô sentir saudade, seu Afonso! Desculpe o “seu”, mas é o costume! Já que to indo, posso falar umas coisa? AFONSO: Claro! Fale! ZÉ DAS COUVE: Esse balcão... Num sei quem vai entrar aqui... se for do meu tamanho ou mais alto... levanta ele um pouquinho!... Óia!... (MOSTRA.) Óia como fico curvo? Tem coluna que agüente? AFONSO: É... Por que não falou isso antes, Zé das Couve? ZÉ DAS COUVE: Com o seu Bafo de Onça? Gritava mais que Araponga, num deixava ninguém falar. Adepois veio o Leôncio Pilatos... Pilatos!... Grande encarregado!... mas... nada era com o homem! (IMITANDO.) “Óia, ajuda é com a assistente social!” “Segurança, Zé? Isso é muito sério! Mas... Segurança é com a Segurança!” (DESCULPASE.) Num tô criticando... gente boa!... mas os tempos!... os tempos eram outros, seu Afonso Gentil! AFONSO: É... Os tempos eram outros!... Que ótimo que mudaram e agora a participação de todos é permitida e mais importante! necessária! Pode colaborar com mais alguma sugestão? ZÉ DAS COUVE: (OLHANDO EM VOLTA E PARA O BALCÃO.) A luz... é escuro!... AFONSO: É... Vou tomar providências... Vou conversar com a Segurança sobre o balcão e pedir para medirem essa luz... ZÉ DAS COUVE: Óia... Esse balcão... pode ser regulável!... sabe?... Dependendo do tamanho do sujeito, sobe ou desce! AFONSO: Ótima idéia! Pena que só agora, você com tantas idéias boas, esteja colaborando! ZÉ DAS COUVE: Num é nossa curpa! Foi os tempos! OS DOIS: (CANTAM.)Ai, acende o candeeiro Pro caminho iluminar Ai, acende o candeeiro Homem é feito pra brilhar 30 Com coragem vai em frente Que só depende da gente A nossa vida melhorar (ENQUANTO CANTAM MUDAM O CENÁRIO. SALA DE TREINAMENTO MODERNA. PELA JANELA UM JARDIM. EM CENA, SÔNIA LUZ, MULHER DE TREINAMENTO E COME-CRU.) CENA 6 - A DIFÍCIL ARTE DE VIVER NOS NOVOS TEMPOS, OU, QUEM TEM CABEÇA É PARA PENSAR COME-CRU: Mas tô certo, ou tô errado, dona Sônia? SÔNIA: Não estou aqui para ensinar o que é certo ou o que é errado, João! COME-CRU: Não? SÔNIA: Não! COME-CRU: A senhora num tá aqui pra me ensinar o certo e o errado? SÔNIA: Não! COME-CRU: Intão, se mal me pergunte, o que a senhora faz aqui! Como vou aprender o que é certo e o que é errado? SÔNIA: Para isso você tem normas, tem regulamentos... A minha função é lhe mostrar a importância delas. A minha função é lhe mostrar a importância da Segurança do Trabalho... COME-CRU: Com isso num se preocupe, sei das minhas obrigações com a segurança... SÔNIA: (CORTANDO.) Está vendo! Está errado! COME-CRU: Tô errado, é? SÔNIA: Está! 31 COME-CRU: Num entendo mais nada, nossa Senhora de Achiropita! A senhora veio pra confundir ou pra iluminar? Num acabou de dizer que num ia falar o que era certo ou errado, cáspita! SÔNIA: É... Falei... Só que agora, o que falei que está errado, é como você se referiu a segurança. Segurança não é uma obrigação do trabalhador! COME-CRU: Adesculpe, aprendi, adepois de muito apanhar, que segurança é obrigação de todos! SÔNIA: É... Mas segurança não é obrigação do trabalhador, é um direito do trabalhador! Não só do trabalhador de todos! Nós temos uma obrigação mas não com (FRISANDO BEM.) A SEGURANÇA, e sim, com o nosso bem estar, com a qualidade de nossa vida! COME-CRU: Ai, Santa Achiropita, ai, São Cosme! Minha cabeça tá dando mais volta que Mãe de Santo pussuida! Todo dia coisa nova! SÔNIA: São os novos tempos! OS DOIS: (CANTAM.) Ai, acende o candeeiro Pro caminho iluminar Ai, acende o candeeiro Homem é feito pra brilhar Com coragem vai em frente Que só depende da gente A nossa vida melhorar (MUDAM DE CENÁRIO. FÁBRICA NOVA. EM CENA AFONSO GENTIL E O TÉCNICO DE SEGURANÇA, PEDRO ASSESSORA, QUE MEDE A LUZ AMBIENTE.) 32 CENA 7 - AS COISAS VÃO MELHORANDO, OU, BASTA POUCO PARA GENTE MELHORAR PEDRO: (DEPOIS DE MEDIR A LUZ.) Não é um problema de luz, Afonso! Aqui tem a mesma intensidade da seção de embalagens. AFONSO: Não é possível, Pedro! É mais escuro! PEDRO: Não! É a cor do balcão. O preto absorve luz. Temos que usar uma cor mais clara neste balcão! AFONSO: Será? PEDRO: Claro! Outra coisa... sei que não podemos eliminar totalmente o barulho da seção, mas podermos melhorar... Quem sabe não podemos substituir o material da base do balcão e o material da baqueta. (ENTRA COME-CRU.) João Come-Cru! Temos um servicinho pra você. AFONSO: (FALANDO COM PEDRO, GOZANDO.) Será que o Come-Cru vai querer fazer ainda alguma coisa? Tá requerendo a aposentadoria, sabia? PEDRO:` O que? Vai deixar a gente! COME-CRU: Vô relaxar o isqueleto! Adepois que fiquei viúvo, os filhos casados, morri! Intão? Num dizem que pobre ruim que morre invés de ir pro inferno, vai pro INPS?. PEDRO: Que é isso, João! Agora é que você tem muita coisa pra dar! COME-CRU: Sai de mim, avião! Num tenho nada pra dá, não! PEDRO: Estou falando de experiência, João. Falar nisso, na reunião de ontem com a CIPA, resolvemos mudar a norma que você sugeriu. AFONSO: Qual norma vai ser mudada? PEDRO: A que obriga o uso do capacete nesta seção. AFONSO: Ótimo! Esta norma pra ser respeitada tenho sempre que ficar chamando a atenção do pessoal! 33 PEDRO: Às vezes a implantação de uma norma de segurança é difícil por que ela não foi entendida ou não está certa. Que adianta você ter uma norma que as pessoas não concordam? Não concordam por que? É importante saber o por que! Às vezes, a norma está errada, não adianta ficar insistindo! COME-CRU: Vero! É como digo: não se perde vela com defunto ruim! PEDRO: Mas que papel, João! Logo agora que todo mundo queria você na CIPA, você quer se aposentar? COME-CRU: Deixo pros jovens! E vem gente boa ai! Então, seu Afonso, o menino vai entrar? AFONSO: Vai! Está tudo certo! Passou nos testes, tudo certo! COME-CRU: É um bambino de ouro! (PARA PEDRO.) É o filho do Zé das Couve.... (EXPLICANDO.) Zé das Couve... que se aposentou! PEDRO: Conheci! Como chama o filho? Zezinho das Couve? COME-CRU: Não! Marcelo! Mas tudo que é gente chama ele de Biriba! AFONSO: Espero que seja como o pai! Olha, João, a gente queria que vocês pintassem este balcão com uma cor clara! COME-CRU: Per che? AFONSO: Por causa da luminosidade. A cor escura absorve mais luz! É um problema de ergonomia! COME-CRU: Ergonomia? Novidade todos os dia! Io pinto, caprichado! (OS DOIS SAEM. COME-CRU FALA COM O PÚBLICO.) O Biribinha vai se dar bem neste mundo de novidades! E bom menino, caprichoso! Graças a Dio, tudo certo! Os tempos passam e tudo muda! (CANTA.) Ai, acende o candeeiro Pro caminho iluminar Ai, acende o candeeiro Homem é feito pra brilhar Com coragem vai em frente 34 Que só depende da gente A nossa vida melhorar (ENTRA PANELA DESESPERADO.) DE PRESSÃO CORRENDO, CENA 8 - OS TEMPOS ANTIGOS NÃO ESTÃO TÃO LONGE, OU, O ACIDENTE SEMPRE FICA A ESPREITA PANELA: João! João! COME-CRU: Que foi, Panela! Num me explode, home! PANELA: (DESOLADO.) Uma desgraça! Uma desgraça! COME-CRU: Num me diz que o Parmera perdeu, Maledeto! PANELA: Que Palmeiras, Come-Cru? Foi o Biriba! Sofreu um acidente! COME-CRU: Biriba? Acidente! brincando? PANELA: Caiu de uma cadeira! COME-CRU: (DESCONFIADO.) Tá tirando sarro da minha cara, Maledeto? PANELA: Acha que vou brincar com uma coisa dessas? Verdade! Quebrou o braço! COME-CRU: Caindo da cadeira, Panela? PANELA: É. Subiu na cadeira pra pegar umas peças na prateleira. A cadeira que tem as rodinhas... Subiu... ela correu... ó... caiu feio! COME-CRU: Dio Cristo, che estúpido! (PREOCUPADO.) Ma como tá ele? Onde tá? PANELA: No ambulatório! COME-CRU: Tá bem?... Mermo? Num é possível, Panela! Tá 35 PANELA: Tá... COME-CRU: Pobre menino! PANELA: Vai ficar uns dias em casa. COME-CRU: (PERCEBENDO O TAMANHO DO ROMBO.) Afastado? Acidente com afastamento? Mato o maledeto! Mato o maledeto! Vou no ambulatório! (ABRE O CENÁRIO DO BAR COMO SE ELE E PANELA ESTIVESSEM INDO PARA O AMBULATÓRIO E VOLTAM NA POSIÇÃO DA PRIMEIRA CENA. EM CENA JÁ ESTÃO ROMILDA E BIRIBA.) CENA 9 - O ENCONTRO DO FUTURO COM O PASSADO, OU, O FUTURO COMEÇA NO PRESENTE COME-CRU: (ACUSADOR.) E foi isto, Bela! Foi isto! Esse filhote de Cruz-Credo, esse corvo sem dente, esse... esse... esse que ensinei tudo no serviço... trai a gente! ROMILDA: Que trai, velho rabugento! Trai por que? COME-CRU: Na véspera de minha aposentadoria, Romirda! PANELA: Quando a empresa tá lançando a Política de Segurança, Romilda! COME-CRU: (LEMBRANDO.) Segurança! ROMILDA: Que diabo de política é essa? COME-CRU: (PARA BIRIBA.) Fala, sabotador, fala pra Romirda o que é essa pulítica! BIRIBA: São princípios que garantem ao trabalhador melhoria das condições ambientais para que possa executar suas atividades de maneira sadia, eficaz e com segurança COME-CRU: (PARA PANELA.) O castrati fala bem! Ai, santo Cristo! A Política de 36 ROMILDA: Que bonito! E quem inventou isso? BIRIBA: Não foi uma pessoa que inventou! Várias pessoas participaram de sua criação. É resultado da conscientização de todos que estão envolvidos e preocupados com uma melhor qualidade de vida para o trabalhador. COME-CRU: (SIMPÁTICO COM BIRIBA.) Che belo! (PARA PANELA.) Essi muleque, promete! Promete! (FICANDO BRAVO NOVAMENTE.) Adianta o mequetrefe conhecer e não praticar, Panela? (PARA BIRIBA.) Maledeto! PANELA: (CONCILIADOR.) É... Vamos dar uma chance... O menino... COME-CRU: (CORTANDO E INDO PARA CIMA DE PANELA.) Tu é o curpado, Panela! PANELA: O que? Vai sobrar pra mim? COME-CRU: A tar da política num diz que todos são responsáveis? Tu num viu? PANELA: O que eu podia fazer? COME-CRU: Desse um bufete no biltre! E tua responsabilidade, boi de canga? Viu uma burrada que traz risco, interrompe, boi sonso! A política diz isto: interrompe! (PARA ROMILDA.) Ai, Romirdinha, não agüento tanto atraso! Dá uma daquelas que matou o guarda! ROMILDA: E me para de beber home! Tá um trapo e fica bebendo? COME-CRU: (PARA PANELA.) Óia! Nem casemo e já começou a policiar! ROMILDA: Casar com um bode velho como tu, João! Só morta! COME-CRU: Intão? Tá quase pronta! Mais duas cachimbada e morre tísica! Io amo essa feiura, Panela! Um bacio, bela! ROMILDA: Um bacio, é? (PEGA A GARRAFA. JOÃO SE AFASTA. ROMILDA OFERECE AS BOCHECHAS.) Aqui, ó! Se sai daqui, leva um garrafada no cocuruto! COME-CRU: (SEM GRAÇA.) I posso?... 37 PANELA: Ela mandou, Come-Cru! Beija! BIRIBA: É, velho! Beija! (COME-CRU RESPEITOSAMENTE E TIMIDAMENTE DÁ UM BEIJO NA FACE DE ROMILDA.) PANELA: Isso vai dar casamento! BIRIBA: São coisas dos velhos tempos! OS DOIS: (CANTAM.) Ai, acende o candeeiro Pro caminho iluminar Ai, acende o candeeiro Homem é feito pra brilhar Com coragem vai em frente Que só depende da gente A nossa vida melhorar (FECHAM O BAR E ABREM A FÁBRICA NOVA. BIRIBA ENQUANTO CANTA TIRA A FAIXA DO BRAÇO E COLOCA UM DISTINTIVO DA CIPA.) CENA 10 - A SAUDADE DOS VELHOS TEMPOS, OU, ONDE ANDARÁ O VELHO AMIGO. PANELA: (FALANDO COMO SE FOSSE UM REENCONTRO.) Biriba, como vai? BIRIBA: Inaldino! PANELA: (PROCURANDO.) Inaldino? Quem é esse? (SIMPÁTICO.) Pode chamar de Panela! Parabéns pela vitória na CIPA. BIRIBA: Foram os amigos! PANELA: Você merece! CIPA é pra quem se preocupa com a melhoria da segurança de todos! Tem é que acabar com neguinho que quer só estabilidade, aparecer... Parabéns! BIRIBA: Obrigado! E o João? 38 PANELA: Se aposentou... viajou pra Itália!... Sei que voltou! Mas ainda não deu notícia! BIRIBA: Pois, é! A Romilda fechou o bar, se aposentou também... É... O tempo vai passando e separando as pessoas. PANELA: Que é isso? O Come-Cru não vai esquecer a gente! Tá colocando a vida em ordem. Vamos até a casa dele? BIRIBA: Quando? PANELA: Agora! (ENQUANTO BIRIBA MUDA O CENÁRIO, FALA COM O PÚBLICO.) Aquele Bode Velho tá aprontando alguma! É como diz o ditado: pau que nasce torto não tem jeito morre torto! (O CENÁRIO É A FRENTE DA CASA DE COME-CRU.) FINAL: TUDO TERMINA BEM QUANDO TERMINA BEM, OU, AQUELES QUE FORAM FEITOS PARA VIVER JUNTOS UM DIA VÃO VIVER JUNTOS PANELA: (CHAMANDO.) João! Ô Come-Cru! (DÁ UM TEMPO.) João Come-Cru! BIRIBA: Acho que não tá em casa! PANELA: Deve tá dormindo! (CHAMA.) João! Ô Come-Cru! ROMILDA: (OFF.) Carma! Já vô! (APARECE ARRUMANDO A BLUSA E OS CABELOS.) Num pode me esperar um pouco, Panela! (CUMPRIMENTANDO.) I como vão? PANELA: (OLHANDO DESCONFIADO E TROCANDO COM OLHARES COM BIRIBA.) É... bem... Que tá fazendo aqui, Romilda! ROMILDA: Visitando o João! 39 PANELA: É... Tô vendo... (COME-CRU APARECE DE PIJAMA. PANELA, COM O MAIOR ENTUSIASMO, ABRAÇA COME-CRU.) Bode Velho! BIRIBA: (TAMBÉM ABRAÇANDO COME-CRU.) Esqueceu os amigos! COME-CRU: Ma che? Acabei de chegar! (CUMPRIMENTANDO E ABRAÇANDO TAMBÉM BIRIBA.) Biriba! BIRIBA: João Rigoletto! PANELA: É... Acabou de chegar mas a Romilda tem preferência! Ela você já... (COM INTENÇÃO.) visitou! ROMILDA: Mente suja!... A gente viajou junto! BIRIBA: Pra Itália? COME-CRU: É... A Romirda tava com os pulmão estragado, levei pra um especialista romano! PANELA: (COM MALÍCIA.) Especialista em fumo, é? ROMILDA: Ô mente suja! Te dou um garrafada nos chifre! BIRIBA: Vocês tão juntos, é? COME-CRU: Antes fiz umas reforma.. Fiz uma meia sola! (ABRAÇANDO ROMILDA.) Ma che acham, miorô? BIRIBA: Tá ótima! PANELA: Pena que não vai ter muito uso... Que você, ComeCru... (FAZENDO SINAL DE SEIS E MEIA.) Ó... COME-CRU: Ma che, imbecile! (CANTA.) Embaixo da cinza fria Sempre existirá o fogo Se fingir que já morreu Também faz parte do jogo PANELA: (CANTA.) Tem cinza que não adianta Nem existe mais calor Tronco podre não levanta Nem com reza, meu senhor 40 ROMILDA: (CANTA.) Pois o meu santo é forte Esse tronco levantou Pouca reza, muito tato E o morto ressuscitou BIRIBA: (CANTA.) Milagres não acontecem Não nasce nada do nada Ninguém traz fogo de volta Se a brasa tá apagada ROMILDA E COME-CRU: (CANTAM.) Mas da cinza veio o fogo Ninguém pode negar isso Quem é morto fica vivo Sangue ruim vira chouriço PANELA E BIRIBA: (CANTAM.) TODOS: A coisa parece séria Vejo com os olhos meus A mulher está contente Isto é milagre de Deus (CANTAM.)A união faz a força A fé montanhas remove Quando todos rezam juntos Até ateu se comove Até outro dia amigo Adeus nós vamos embora Fechamos nossa cortina Mas voltamos qualquer hora! FIM São Paulo, 24 de maio de 1995