Quem é quem na posse das terras na capitania de Mato Grosso1 Vanda da SILVA (Doutoranda-UFGD/Arquivo Público de Mato Grosso) [email protected] A presente comunicação tem por objetivo traçar um perfil dos proprietários de terra da capitania de Mato Grosso, a partir dos processos de concessão de sesmaria. O levantamento das fontes foi realizado no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e nos CDs do Projeto Regaste. Este conjunto documental permitiu analisar diferentes aspectos da estrutura fundiária implantada na capitania de Mato Grosso e seus respectivos termos, durante a segunda metade século XVIII e início do século XIX. A capitania de Mato Grosso foi criada em 1748, desmembrada da capitania de São Paulo. A posição estratégica da capitania permitia aos portugueses conter as tentativas de avanço espanhol e, ampliar a sua ocupação territorial2.“Mato Grosso, como capitania constituída, assegurava e consolidava os princípios do uti possidetis”3. Deste modo, a instalação efetiva do poder metropolitano nesta região se deve a duas características peculiares da capitania de Mato Grosso que agregava o espaço de fronteira e áreas de mineração, portanto uma capitania fronteira-mineira.4 A partir de 1752 a capitania foi dividida em duas repartições5: do Cuiabá e do Mato Grosso. Cada repartição possuía uma vila conseqüentemente duas câmaras municipais. A repartição do Cuiabá era formada pela Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá , tendo 1 Essa discussão faz parte da dissertação: SILVA. Vanda. Administração das terras: a concessão de sesmarias na capitania de Mato Grosso (1748 -1823). Dissertação de Mestrado. PPGH, Cuiabá: UFMT, 2008. 2 VOLPATO, Luiza. A conquista da terra no universo da pobreza: formação da fronteira oeste do Brasil, 17191819. São Paulo, HUCITEC; Brasília, INL, 1987. pp. 32-39 3 BELLOTO, Heloisa Liberalli. Autoridade no Brasil colonial: o governo no Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775) 2º ed. São Paulo: Alameda, 2007. p. 310. 4 ROSA, Carlos Alberto. A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (vida urbana em Mato Grosso no século XVIII: 1722-1808). Síntese Instrumental da Tese de Doutorado. Cuiabá, 1998; JESUS, Nauk Maria. Na trama dos conflitos: a administração na fronteira oeste da América portuguesa (1719-1778). Tese de Doutorado em História. PPGH: CGE, UFF, NITERÓI, 2006. 5 ROSA, Carlos Alberto e JESUS, Nauk Maria de Jesus (org.) A terra da conquista- História de Mato Grosso colonial. Cuiabá: Adriana. 2003; Ver também: FERNANDES, Suelme Evangelista. O Forte do Príncipe da Beira e a Fronteira Noroeste da América Portuguesa (1776-1796). Dissertação de Mestrado. PPGH, UFMT,2003. Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1 Vanda da Silva “Aricá, Médico a noroeste, Araés e Ínsua a sudoeste, Nossa Senhora do Livramento/Cocais, Vila Maria, São Pedro Del Rey/Poconé, Tapanhoacanga, Sapateiro a oeste, Albuquerque, Coimbra e Miranda no sudoeste e Diamantino , ao norte.6 A repartição do Mato Grosso era composto por Vila Bela (criada para ser capital), Jauru e Lavrinha ao leste, os antigos arraiais (São Francisco Xavier, Nossa Senhora do Pilar São Vicente Ferreira e Santana) a norte, Palmelas, Lamego,Leomil, Conceição/Bragança, Balsemão, Príncipe da Beira, Guarajus e Nossa Senhora da |Boa Viagem ao noroeste e Santa Bárbara e Casalvasco a sudoeste.7 A instalação da primeira câmara municipal na capitania foi em 1727 na vila do Cuiabá e a segunda em Vila Bela, 1752. As duas câmaras eram formadas por pessoas eleitas entre os homens bons que habitavam a capitania, estes “pertencentes às principais famílias da vila”8. No entanto, as tentativas de organização do espaço rural da capitania de Mato Grosso já vinham sendo realizadas desde a primeira metade do século XVIII, através das concessões de sesmarias feitas pelo governador da capitania de São Paulo Rodrigo César de Meneses nas minas do Cuiabá entre os anos de 1726 e 1728. Ao chegar às minas do Cuiabá uma das primeiras iniciativas do governador e capitão-general foi “despachar vários requerimentos de cartas de sesmarias, oficializando posses e incentivando novas apropriações da terra da conquista, visando à produção agrícola e criatória, eventualmente a agro-manufatura”9. A fixação de pessoas nesta região era de extrema importância para a Coroa portuguesa preocupada em garantir as posses das terras nesta parte ocidental da América portuguesa. “A agricultura foi cultivada desde os primeiros anos de exploração do ouro, em pequena escala, mas sempre aumentando o número de plantações. As fazendas de gado tiveram um rápido crescimento a partir de 1736, assim houve a formação de pequeno complexo econômico”10. Apesar das tentativas de ordenação,em 1740, o provedor e intendente da fazenda real das minas do Cuiabá, Manoel Rodrigues Torres, em consulta ao rei reclama do desgoverno sobre as terras nestas minas, uma vez que, cada um toma para si as terras que lhe parece, sem que peça sesmaria, que lhe sirva de título, para justamente as possuir, e como agora se principiam nelas a fazer fazendas de gado há dúvidas entre os fundadores 6 ROSA, Carlos Alberto. A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá ... p. 03. Idem p.03 8 JESUS, Nauk Maria. Na trama dos conflitos... p. 251-253. 9 ROSA, Carlos Alberto. A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá... p.66. 10 Arruda, Elmar Figueiredo. Formação do Mercado Interno em Mato Grosso... p.58 7 2 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 Quem é quem na posse das terras na capitania de Mato Grosso delas, porque cada um quer ser senhor de meio mundo para trazer os seus gados e não dá lugar para que se faça mais fazendas.11. E, pede providências, pois como o governador se acha tão distante, a quem pertence dar as ditas sesmarias, informando do provedor da fazenda, ouvindo a câmara, e pela longitude faz grande incomodo aos moradores recorrer a ele, deve vossa majestade mandar ordem a quem deve, por ausência do governador, passar as cartas de sesmarias.12 Em resposta a esta consulta o Conselho Ultramarino, em 1741, ordenou ao provedor e intendente da real fazenda deve mandar declarar a estes povos, que devem pedir e tirar [as sesmarias] na forma das ordens de vossa majestade, com a comunicação de que não o fazendo, se lhe tiram as terras por devolutas, e não entende que a faculdade de as conceder se deve estender as outras pessoas que não sejam os governadores ou capitães-mores como se acha determinado.13. Na consulta feita pelo provedor e intendente da real fazenda, há indicativos da dificuldade de cumprir a legislação existente e conseqüentemente em manter o controle administrativo da ocupação das terras nesta região de fronteira. Não podemos esquecer que neste momento havia uma desavença entre as autoridades régias que se encontravam nesta região, o provedor Manoel Rodrigues Torres se encontrava preso no momento desta denúncia. A sua prisão e dos demais oficiais de intendência do ouro foi comandada pelo ouvidor João Gonçalves Pereira, sob a acusação de desvio de ouro.14 Por outro lado, não podemos esquecer que a implantação do sistema sesmarial na América portuguesa foi marcada por uma série de adaptações das Ordenações e gerou um conjunto de leis esparsas que procuravam atender as necessidades que foram surgindo durante o processo de colonização, “conforme aos interesses da metrópole e, muitas vezes em confronto como os colonos aqui estabelecidos”15. 11 CARTA do intendente e provedor Manoel Rodrigues Torres ao Rei Dom João. 01/03/1740. AHU_ACL_CU_010, cx. 02, doc. 133. 12 Idem. 13 Consulta do Conselho Ultramarino ao rei Dom João. 09/02/1741. AHU_ACL_CU_010, cx. 03, doc. 153. 14 Ver: JESUS, Nauk Maria. Na trama dos conflitos... pp.192-200. 15 OSÓRIO, Helen. Apropriação da terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço Platino. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 1990.p.27. Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 3 Vanda da Silva A ocupação das terras No que diz respeito às áreas ocupadas pelos sesmeiros, a legislação previa que cada morador poderia requerer até três léguas em quadra nos espaços considerados sertões, enquanto nos caminhos de minas deveriam conceder apenas meia légua de terra em quadra 16·. Mesmo previsto na legislação que as concessões de terra não deveriam ultrapassar três léguas em quadra (13.068 he),encontramos muitos sesmeiros que possuíam mais terras do que as estipuladas pela lei. Dos 845 sesmeiros por nós listados a partir da documentação cotejada, 53% possuíam apenas uma sesmaria, enquanto 47% mais de uma sesmaria. Os que possuíam, mais de uma sesmaria em geral possuíam uma para agricultura normalmente de meia légua em quadra e outra sesmaria que variou entre uma légua de frente e três de fundo a três léguas em quadra para criação de gado vacum e cavalar totalizando áreas em torno de 14.157 hectares. Ao reagruparmos dados de acordo com a quantidade de sesmarias que possuíam os 47% dos sesmeiros, nos deparamos com os seguintes dados: 32% dos proprietários possuíam de duas a quatro sesmarias, 9% possuíam de cinco a sete sesmarias e 6% possuíam mais de oito sesmarias. Os dados demonstram que havia um processo de acúmulo de terras e, provavelmente os sesmeiros utilizavam-se de subterfúgios para obter mais terras do o previsto em lei. Nossa proposição é que, quando os proprietários de terras já possuíam uma grande quantidade de terras em seu nome e estavam impedidas legalmente de fazê-lo em seu nome, utilizava-se desse artifício, que não era ilegal ante legislação. Por outro lado, temos que considerar outras formas de acesso a terra, como a herança, posse, compra. “Herdeiros de sesmarias concedidas em outros tempos também buscaram assegurar o seu patrimônio” 17 .Assim, o acúmulo de terras poderia se constituir também,uma tática para ao acúmulo de terras nas mãos de um indivíduo ou uma família. 16 PROVISÃO do Rei Dom João ao governador e capitão-general da Capitania de São Paulo. 15 /04/ 1744. Folha 121. Livro de Registro da Capitania. C-01. APMT. 17 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Direito à terra no Brasil: Gestação do conflito 1795-1824.São Paulo : Alameda ,2009.p.168 4 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 Quem é quem na posse das terras na capitania de Mato Grosso Os proprietários Traçar um perfil sócio econômico dos sesmeiros não se constitui uma tarefa fácil. Conhecer quem eram esses homens e mulheres que ocuparam e desenharam as paisagens rurais desta capitania é uma tarefa árdua em função da limitação das fontes utilizadas. Os processos de concessão de sesmarias18 e as cartas de sesmaria propriamente ditas nem sempre revelam as relações cotidianas desses personagens. Ângelo Carrara afirma que “os requerimentos são perenes e, em muitos momentos podem não dar conta de expressar a realidade, pois as informações contidas poderiam não ser verídicas ou em muitos momentos omitidas pelo requerente” 19 . Dificuldade também, apontada por Mônica Ribeiro de Oliveira ao afirmar que não só os requerimentos, mas as cartas de concessão de sesmarias “aparecem com dados pouco precisos em relação à data de ocupação, que poderiam ser bem distantes da data de ocupação” 20. Mesmo diante da possível limitação destas fontes, Francisco Eduardo Pinto assegura que tomadas num conjunto maior podem “desenhar a ocupação do território, o perfil dos sesmeiros, os momentos de maior ou menor distribuição das terras”21. Por outro lado, acreditamos que as fontes históricas estão sujeitas às limitações e à complementaridade de outras fontes. Para uma maior compreensão recorremos ao auxilio da história quantitativa, pois, a “análise estatística contribui para definir o universo dos possíveis”22, isto é , nos ajudam na construção de categorias de análise que nos permite a reconstrução do tecido social de um período. Das 1225 sesmarias encontradas temos 845 sesmeiros e 76 sesmeiras ocupando estas terras. Infelizmente, nem todos os processos de concessão contêm todas as informações exigidas, não apenas pelos clichês da forma de estrutura do documento, mas temos que considerar o pouco domínio ou nenhum domínio da escrita de muitos destes homens e mulheres, que muitas vezes dependiam de outra pessoa que dominava mesmo que rudemente 18 Os processos de concessão de sesmarias encontrados são compostos de: requerimentos, oficio da Câmara, pareceres do Provedor da Fazenda do Procurador da Fazenda e em alguns casos do Juiz Ordinário, em alguns casos a carta de sesmaria até 1803, após esta data encontramos também um edital e cartas do confinantes. 19 CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais (1674 1807). Juiz de Fora: Editora UFJF, 2006. pp.58-59. 20 OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Negócios de Família: mercado, terra e poder na formação da cafeicultura mineira (1780-1870). Bauru: EDUSC; Juiz de Fora, MG:Funalfa,2005. p.100. 21 PINTO, Francisco Eduardo. As Sesmarias da Comarca do Rio das Mortes nas nascentes do São Francisco. XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA/ 2007. Apnh2007.Disponível em <Anpuh.org/resources/content/anais/Francisco %20Eduardo%20Pinto.pdf> Acesso em 12/12/2007. 22 GRENIER, Jean-Yves. A História quantitativa. Ainda é necessária?.In: BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (org.) Passados Recompostos: Campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/ Editora FGV, 1998. p.192. Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 5 Vanda da Silva a escrita para realizar os pedidos. Neste momento trataremos apenas dos homens proprietários de terra23. No trabalho com a documentação levantamos dados como: o estado civil, a sua condição jurídica, as atividades econômicas, o número de escravos e outras funções que exerciam dentro da capitania. Diante destas informações realizamos o cruzamento com dados contidos em outras fontes documentais como: caderno juramento dos mineiros da Vila do Cuiabá, Diamantino e São Pedro Del Rey, ambos do ano de 1814; listas nominativas da População do Rio Abaixo, São Pedro Del Rey e Lavras das Traíras e outras localidades todas do ano de 1795, Memória dos engenhos de fazer açúcar, rapaduras e melados S/D, relação do sorteio das datas minerais do descoberto de Santo Antonio do Guarajus, relação dos que tinham plantas e tear de algodão em 177124,relação das pessoas para quem se repartiu as terras minerais, anais da vila do Cuiabá e anais de Vila Bela. Sabemos que são dados de momentos específicos da capitania, mas nos permitem compor o perfil destes sesmeiros. Por fim obtivemos pelo menos uma informação de 395 sesmeiros, o que representa em torno de 46 % do universo de sesmeiros encontrados. Dentro das categorias levantadas para recompor o perfil destes homens a primeira questão a ser considerada é o fato destes homens estarem ligados a diversas atividades dentro da capitania. Estas atividades iam desde outras atividades econômicas como mineração, comércio, engenho até cargos militares e administrativos. Este pode ser um indicativo de poder e prestígio social que os proprietários de terra possuíam, pois o “acesso a cargos na administração era forma de participar do poder, de partilhar da honra inerente a tais funções, de fazer parte da pequena elite colonial”25. Para um melhor entendimento das atividades exercidas pelos proprietários de terra dividimos em três grupos: os que desenvolviam outras atividades econômicas além daquelas propostas nos requerimentos, os exerciam atividades administrativas, militares e religiosas, e 23 Sobre as mulheres proprietárias de terra ver: SILVA. Vanda. Administração das terras... MEMÓRIA dos engenhos de fazer açúcar, rapaduras e melados. nº 65 Lata 1796 –A Fundo GovernadoriaAPMT;REQUERIMENTO dos mineiros São Pedro Del Rei 28 de outubro de 1798. nº 13. Caixa de 1798. Fundo: Governadoria- APMT; CADERNO de juramento dos mineiros: da vila do Cuiabá. 1814. Caixa de 1814. Fundo: Governadoria-APMT; CADERNO de juramento dos mineiros do Julgado de São Pedro Del Rey. 1814. Caixa de 1814. Fundo: Governadoria-APMT; CADERNO de Juramento dos Mineiros da Vila do Diamantino. 1814. Caixa de 1814. Fundo: Governadoria-APMT; RELAÇÃO das Pessoas que poderiam estabelecer com teares e cultivarem algodão. Folha 43 V e 44 F e V Livro de Registro da Capitania C-17 - APMT; RELAÇÃO do estado da população do Julgado de São Pedro Del Rei e mais estabelecimentos até Vila Maria.29/004/1795.n º 65 Caixa 1794;Fundo:Governadoria –APMT;RELAÇÃO do estado da população do distrito do Rio Cuiabá Abaixo.19/04/1795. nº. 66. Caixa 1795. Fundo: Governadoria-APMT; RELAÇÃO do estado da população Lavras de Trairás até o Quilombo. 02/05/1795. nº 67. Caixa 1795. Fundo: Defesa-APMT. 25 COSTA, Ana Paula Pereira. Política, Administração e Autoridade nas Conquistas: uma análise dos oficiais de Ordenanças no contexto do Império Português .Disponível em:<www.cpdoc.fgv.br/projetos/cfa21/arqs/ anpuh2005/ana_paula_pereira_costa.pdf -> p. 4. Acesso em 15/08/2007 p.4 24 6 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 Quem é quem na posse das terras na capitania de Mato Grosso os que possuíam outras atividades econômicas e também funções administrativas, militares e religiosas. Obtivemos assim os seguintes quadros: Quadro 01 Atividades econômicas dos proprietários de terra Nº. % Engenho 29 9,0 Mineração 48 15,0 Negócios 02 0,7 Total 79 24,7 Fonte: Acervos: Fundo: Sesmaria / APMT, ACBM/IPDAC e AHU Quadro 02 Atividades administrativas, militares e religiosas dos proprietários de terra Nº. % Militar 98 30,7 Funções administrativas 26 05 1,5 Padre 11 3,4 Vereador 05 1,5 Mestre Barbeiro 01 0,3 Professor de Gramática 01 0,3 Total 121 37,7 Fonte: Acervos: Fundo: Sesmaria / APMT, ACBM/IPDAC e AHU. Quadro 03 Atividades econômicas, administrativas, militares e religiosas dos proprietários de terra. Nº. % Engenho/mineração 04 1,2 Engenho/Vereador 03 0,9 Funções Administrativas/Mineração 04 1,2 Militar /Engenho 23 7,2 Militar /Engenho /Vereador/Negócios 01 0,3 26 Ensaiador do Ouro da Intendência, Procurador da Câmara, 2º Fundidor da Real Casa de Fundição, Administrador da Fazenda Camapuã. Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 7 Vanda da Silva Militar /Engenho/Função Administrativa 02 0,7 Militar /Engenho/Mineração /Vereador 04 1,2 Militar /Vereador/Engenho 04 1,2 Militar/Engenho /Negócios 01 0,3 Militar/Engenho/Mineração 08 2,5 Militar/Função Administrativo 05 1,5 Militar/Mineração 24 7,5 Militar/Mineração/Função Administrativa 01 0,3 Militar/Mineração/Negócios 02 0,7 Militar/Negócios 05 1,5 Militar/Vereador 16 5,0 Militar/Vereador/mineração 03 0,9 Militar/Vereador/Mineração/ Negócios 03 0,9 Mineração/Negócios 02 0,7 Padre/Mineração 02 0,7 Vereador/Negócios 02 0,7 Total 119 37,3 Fonte: Acervos: Fundo: Sesmaria / APMT, ACBM/IPDAC e AHU. A primeira questão a ser colocada a partir destas informações indicadas nos quadros é a diversificação das atividades exercidas pelos proprietários de terra. Segundo Luiza Volpato, era muito comum neste período “criar gado, promover lavoura ou mineração, manter tropas, ter negócios e ocupar cargos burocrático estar sob o comando de uma só pessoa”. 27 No entendimento de Marco Antonio Domingues Teixeira, o acúmulo destas diferentes atividades indicavam estratégias utilizadas por um determinado grupo de pessoas que detinham certo poder aquisitivo para aumentar suas fortunas, em detrimento das camadas populares.E segue, ocupações políticas como integrar a Câmara do Senado era uma oportunidade dos habitantes locais aproximarem com as elites portuguesas no exercício do poder, conferia prestígio e nobrezas possibilitavam a ascensão social 28. 27 VOLPATO, Luzia Rios Ricci. A conquista da terra no universo da pobreza....p.103. TEIXEIRA, Marco Antonio Domingues. Dos campos do Ouro à cidade das Ruínas e a decadência do colonialismo no vale do Guaporé XVII –XIX Recife. Dissertação de Mestrado. FFLCH/Mestrado em História. UFPE, 1997.p. 92. 28 8 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 Quem é quem na posse das terras na capitania de Mato Grosso Nauk Maria de Jesus29ao analisar a composição dos oficiais das câmaras existentes na capitania de Mato Grosso e Otávio Canavarros ao analisar a implantação da administração colonial nesta capitania já demonstraram que estes homens ascendiam socialmente quando ocupavam cargos na administração. “Apesar de não serem muitos provenientes de famílias nobres, esses indivíduos conseguiam ascender social e economicamente, tornando-se gradativamente os principais da terra”30. Além da câmara, ocupavam espaços também na secretaria do governo, provedoria, e ouvidoria, ou seja, estavam ligados a diferentes instâncias de poder. Segundo Ana Paula Pereira, O acesso a cargos na administração, em qualquer uma das instâncias citadas conferia a seus ocupantes dignidade, e definia seu lugar social perante os habitantes locais. Na caracterização das elites coloniais, a nobilitação e o exercício de um cargo ou função pública aparecem como elementos fundamentais, principalmente para a aquisição e exercício de autoridade31. Somando a estas atividades ainda muitos eram proprietários de engenho, donos de lavras de mineração, negócios e exerciam atividades religiosas. No que diz respeito às atividades militares não tivemos a preocupação neste momento, em identificar se as patentes militares pertenciam às tropas pagas ou não pagas. Acreditamos que quanto aos postos militares independente de ocuparem posto em tropas pagas ou não, a recomendação para um posto era indício de certo prestígio social ou, poderia lhe garantir um determinado privilegio no local em que habitavam. Temos que considerar que estamos falando de uma capitania de fronteira, onde as tropas militares eram importantes na manutenção das fronteiras e os cargos militares representavam prestígio. Segundo André Figueiredo, “as patentes para o posto das tropas auxiliares eram na maior parte honorífica e de conveniência. O governo ganhava apoio e simpatia dos beneficiados que por sua vez se sentiam lisonjeados e engrandecidos perante a comunidade”32. Assim, os “títulos militares funcionavam como fontes para o poder local e de privilégios. Por isso mesmo, os postos de oficiais poderiam, às vezes, ser motivo de disputas entre os grandes de cada localidade”33. 29 JESUS, Nauk Maria. Na trama dos conflitos... pp. 177-179 JESUS, Nauk Maria. Na trama dos conflitos....p.264. 31 COSTA, Ana Paula Pereira. A Atuação dos poderes locais no Império Lusitano...p. 65. 32 RODRIGUES, André Figueiredo. Um potentado na Mantiqueira: José Aires Gomes e a ocupação da terra na Borda da Mantiqueira. Dissertação de Mestrado. FFLCH-USP, 2002.p.201. 33 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens Ricos nas Minas Coloniais. IN: BICALHO. Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de Governar: idéias e práticas no Império Português séculos XVI e XIX. São Paulo: Alameda, 2005.p.380. 30 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 9 Vanda da Silva Quanto à condição jurídica dos declarantes, encontramos 11 proprietários que declaram ser forros e um que declarou ser pardo, representado 1,5 % dos proprietários de terras dentro do universo pesquisado. Apesar de não ser um número tão expressivo os dados oferecem alguns indícios interessantes. No ano de 1785, Vicente Fernandes dos Reis, crioulo forro, requereu junto ao governador e capitão - general Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, uma sesmaria de meia légua em uma paragem entre o ribeirão Ponte Alta e o rio da Casca para agricultura. Em resposta às informações pedidas pelo governador e capitão-general, a câmara da vila do Cuiabá, informou que o requerente não possui condições necessárias para o que propunham além de ser um crioulo forro que ainda estava vivendo a sombra de Valentin Martins da Cruz, portanto não tendo lugar o requerimento34. Segundo Hebe Maria Matos “para ser escravo ou homem livre era preciso reconhecer-se e ser reconhecido como tal.Sem o consenso social requerido para vivenciar ambas as condições, os títulos e documentos faziam-se necessários, bom como a arbitragem jurídica da Coroa”35. Cinco anos depois encontramos um novo requerimento de sesmaria de Vicente Fernandes dos Reis, desta vez endereçado ao governador e capitão-general João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, solicitando meia légua de testada e uma légua de fundo em uma paragem no rio da Casca também para agricultura, que foi concedida sem nenhuma ressalva pela câmara, apesar de não citar no seu requerimento que possuía dois escravos que haviam declarado no requerimento anterior. 36 Em 1815, Francisco dos Santos Coimbra, também alforriado, dono de um rebanho de mais de 200 cabeças de gado vacum e cavalar, pedia em seu requerimento providências, pois já havia feito a solicitação de uma sesmaria de uma légua de testada e três de fundo na região dos campos do Pará, entre um morro e o ribeirão do Pari, para formar fazenda de gado vacum e cavalar, e não havia recebido resposta. Estes requerimentos demonstram as dificuldades enfrentadas pelos forros para obter o domínio legal das terras, mesmo tendo o requisito necessário, segundo a legislação sesmarial para obter a terras, ou seja, condições de cultivo. Nos casos apresentados ambos possuíam escravos e o segundo ainda possuía gado vacum e cavalar. 34 REQUERIMENTO de Vicente Fernandes dos Reis ao governador e capitão-general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Vila Bela, 14 de julho de 1785. BR APMT. SG. SES, caixa 03 doc. 209. 35 MATOS, Hebe Maria. A escravidão moderna nos quadros do Império Português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa ( século XVI – XVIII).Rio de Janeiro : Civilização Brasileira,2001.p.160. 36 REQUERIMENTO de Vicente Fernandes dos Reis ao governador e capitão-general João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Vila Bela, 10 de maio de 1790. BR APMT. SG. SES, caixa 04 doc. 284. 10 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 Quem é quem na posse das terras na capitania de Mato Grosso No que diz respeito ao estado civil, 227 sesmeiros declararam esta condição, distribuídos da seguinte forma: Quadro 04 Estado civil dos proprietários de terra Nº. Casado 156 Com família 34 Noivo 01 Solteiro 29 Viúvo 07 Fonte: Acervos: Fundo: Sesmaria / APMT, ACBM/IPDAC e AHU. Ao observar o quadro podemos notar que 85,9% dos declarantes possuíam famílias, considerando as categorias: casados, com família e viúvos. Ao declarar que se tem família pode representar dois indicativos, primeiro apresentar família pode significar o interesse em ocupar as terras requeridas. Em 1796 Domingos Rodrigues Villares requereu uma sesmaria de três léguas de comprimento e uma de fundo no morro da Boa Vista, disse possuir por volta de 300 cabeças de gado vacum e 11 éguas, e tem sobre sua responsabilidade de filhos, genros e netos. A câmara da vila do Cuiabá respondeu que o governador deveria atender ao pedido por ser um homem de família, tem dois genros na sua costa e ainda filhos e netos solteiros37. Segundo, o sesmeiro tinha necessidade da terra para tirar o seu sustento seja para agricultura, ou para a criação de gado vacum e cavalar. No ano de 1813, Antonio Pinto de Souza e Francisco Bueno, requereu uma sesmaria de meia légua de terra para agricultura entre o córrego do Barranco e o rio Coxipó acima ao governador e capitão-general João Carlos Augusto d' Oeynhausen e Granvemberg. Em seu pedido indicavam que possuir 10 escravos, além disso, tinham 15 filhos38. Quanto às atividades econômicas a serem desenvolvidas nas propriedades requeridas apenas 24,8% não declaram que tipo de atividades que iriam desenvolver nas sesmarias requeridas, os demais 75,2% dos proprietários declararam as que seriam desenvolvidas conforme quadro abaixo. 37 REQUERIMENTO de Domingos Roiz. Vilares ao governador e capitão-general João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Vila Bela, 27 de março de 1792. BR APMT. SG. SES, caixa 04 doc. 310. 38 EDITAL da câmara vila do Cuiabá informando sobre o requerimento de Antonio Pinto de Souza e Francisco Xavier Bueno ao governador e capitão-general João Carlos Augusto D’Oeynhausen e Granvemberg.Vila do Cuiabá, 25 de setembro de 1813. BR APMT. SG. SES, caixa 08, doc. 517. Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 11 Vanda da Silva Vale lembrar que muitos já ocupavam e já desenvolviam estas atividades econômicas, nas terras solicitadas. Em 1753 Bernardo de Oliveira Leitão, requereu junto ao governador e capitão-general Antonio Rolim de Moura, uma sesmaria de meia légua de terra, próximo ao arraial do Pilar, local em que há dois anos encontra-se cultivando sem titulo e por isso pede a posse legal39.Esta justificativa também foi encontrada no requerimento de Francisco Xavier do Prado, no ano de 1783, quando solicitou ao governador e capitão- general Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, duas léguas de terra entre o rio Alegre e as minas da serra da Pedreira, onde já estava situado há cinco anos, com família, além disso, possuía perto de 100 cabeças de gado e pretendia formar uma fazenda no local. 40 Quadro 05 Atividades Econômicas rurais N.º (%) Agricultura 272 35,5 Agricultura e Fazenda de gado vacum e cavalar 17 2,3 Fazenda de gado vacum 60 7,9 Fazenda de gado vacum e agricultura 16 2,0 Fazenda de gado vacum e cavalar e agricultura 81 10,5 Fazenda de gado vacum e cavalar 132 17,3 Fonte: Acervos: Fundo: Sesmaria / APMT, ACBM/IPDAC e AHU. Como já foi visto anteriormente muitos se ocupavam de outras atividades, o que demonstra uma diversificação das atividades econômicas, pois declaravam em seus requerimentos possuírem engenhos de açúcar,aguardente, engenho de farinha, lavras ou fábricas de mineração, bem como atividades administrativas e postos militares. A posse de engenho era um elemento de prestígio para os proprietários em Mato Grosso41·. Quanto à produção agro-criatória destas sesmarias não foi possível realizar a partir da documentação pesquisada dados específicos, pois os requerentes apenas indicavam a sua pretensão de fazer “roças” ou “criação de gado vacum e cavalar”. Um trabalho aprofundado pode será realizado futuramente a partir de dados existentes nos inventários e testamentos. No que diz respeito a posses de escravos temos a declaração de 234 sesmeiros. Porém, não declarar escravos não significava que os proprietários de terra não os possuíam. 39 RELAÇÃO das sesmarias que me foram apresentadas pelos seus possuidores em observância ao Bando. Fundo ACBM-IPDAC. Pasta 70 nº 1762. 40 REQUERIMENTO de Francisco Xavier do Prado ao governador e capitão-general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Vila Bela, 06 de setembro de 1783. BR APMT. SG. SES, caixa 02 doc. 172. 41 VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do Sertão...p 110. 12 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 Quem é quem na posse das terras na capitania de Mato Grosso Maria Beatriz Nizza da Silva ao estudar os patrimônios familiares no Brasil Colonial, percebeu que uma das características das fazendas de gado era “a necessidade de pouca mãode-obra, não havendo necessidade de aplicar capitais na compra de escravos, e ao mesmo tempo exigiam vastas extensões de terra para os pastos”42. Além disso, a obrigatoriedade de declarar escravos nos requerimentos passou a ser uma prerrogativa a partir de 1803. Mas durante o processo de concessão foi possível perceber que ter posses era um dos requisitos para obter terras, pois em praticamente todas as averiguações feitas pelas câmaras houve o informe de que os requerentes tinham ou não possibilidades para o cultivo das terras solicitadas. Dos requerimentos que apresentavam a quantidade de escravos nem sempre apresentava números exatos por isso dividimos o plantel da seguinte forma: Quadro 06 A quantidade de escravos declarada pelos proprietários de terra Nº. (%) 01- 10 65 27,7 11- 20 31 14,9 21- 30 12 5,0 31- 40 07 3,4 41-50 02 1,1 Mais de 50 06 2,7 Perto ou mais de 100 02 1,1 Com escravos 74 31,7 Com grande escravatura 35 15,4 Fonte: Acervos: Fundo: Sesmaria / APMT, ACBM/IPDAC e AHU. Muitos proprietários de terra além de escravos também declaravam ter agregados e camaradas. Ou seja, além do trabalho compulsório, utilizavam-se do trabalhador livre para demonstrar sua capacidade de cultivo. O capitão Manoel Dias Gonçalves em 1814 requereu uma légua de terra de testada e duas de fundo para fundar fazenda de gado vacum e agricultura nas proximidades do ribeirão Francisco Xavier e ribeirão Santa Ana, informou que possuía escravos que trabalhavam na mineração e camaradas43. 42 SILVA, Maria Beatriz Nizza. História da Família no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.p. 68. 43 REQUERIMENTO de Manoel Dias Gonçalves ao governador e capitão-general João Carlos Augusto D’Oeynhausen e Granvemberg. Vila do Cuiabá, 02 de outubro de 1814. BR APMT. SG. SES, caixa 08,doc.566 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 13 Vanda da Silva Acreditamos, que diante mesmo diante do perfil parcial apresentado, os proprietários de terras estavam envolvidos em vários setores da economia e da administração da capitania de Mato Grosso, e não se ocupavam apenas da produção de suas propriedades. Neste sentido, obter terra era uma das formas de ter privilégios na sociedade em que estavam inseridas. E, ainda podemos conjecturar que a concessão de sesmarias juntamente como outras forma de acesso a terra contribuíram para a formação de uma possível elite agrária da capitania. 14 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011