O estatuto do Catolicismo contemporâneo para as Ciências Sociais da religião na França
e no Brasil1
Marcelo Ayres Camurça (PPCIR – UFJF)
Resumo
O texto busca realizar uma comparação entre uma produção acadêmica em Ciências
Sociais sobre o catolicismo contemporâneo no Brasil e na França, a fin de detectar suas
continuidades e discontinuidades. Através da literatura examinada, minha hipótese se dirige
para o argumento de que o mesmo processo de secularização e modernização produzirá nas
duas realidades resultados diferentes. No caso francês encontramos un catolicismo en vías de
“exculturação” de sua sociedade (Hervieu-Léger, 2003: 90-98), alcançado por uma crise
corrosiva e diferente de todas as anteriores, pois implica numa “saída cultural” (e não só
política) da sociedade e
das crenças modernas (2003:19-20). Já no Brasil ocorre una
“inculturação” do catolicismo nos estilos de vida moderna pela vía das “fronteiras porosas”
(Pieruci,1997: 249-262) entre o contexto religioso e o contexto profano (Steil, 1998), ao que a
Igreja Católica no país, a seu modo, parece aderir gradualmente (Carranza, 2005; Souza,
2005; Camurça, 2006).
Palavras Chave: Catolicismo, França, Brasil.
O estatuto do Catolicismo contemporâneo para as Ciências Sociais da religião na
França e no Brasil.
Este texto busca estabelecer um cotejo entre uma literatura produzida na França e no
Brasil acerca das transformações experimentadas no catolicismo contemporâneo dentro destas
sociedades, no sentido de detectar continuidades e descontinuidades destas análises entre si.
Para o caso francês, a literatura consultada coloca em relevo a obra de Daniéle
Hervieu-Lèger sobre o catolicismo na modernidade (1993, 1999, 2003). Sirvo-me também
outros textos numa perspectiva sociológica e antropológica, como os de Yves Lambert (1985)
1
Trabalho apresentado na 27ª Reunião Brasileira de Antropologia, na Mesa Redonda: A religião como categoria
social: desafios para antropologia , realizada nos dias 01 a 04 de agosto de 2010, Belém, Pará, Brasil.
Jacques Palard (2006) Céline Béraud (2006; 2007) Phillipe Portier (2001, 2002,2003, 2006)
Denis Pelletier (1997, 2002, 2007), Martine Cohen (1988, 1990) e Olivier Bobineau (2003,
2005, 2006).
Do lado brasileiro, seleciono uma produção sobre o catolicismo oriunda de pesquisas
para dissertações e teses defendidas em instituições reconhecidas da pós-graduação no país e
apresentadas em foruns também reconhecidos das Ciências Sociais brasileiras, como o GT
“Religião e Sociedade” da ANPOCS, e em simpósios na Reunião Brasileira de Antropologia
(RBA), Reunião de Antropologia do Mercosul (RAM) e Jornadas sobre Alternativas
Religiosas na América Latina.
a) Secularizações e Modernidades nas duas realidades: a “exculturação” e a “inculturação”
A literatura dedicada aos estudos sócio-antropológicos do catolicismo contemporâneo
tanto na França quanto no Brasil, apontaram para os efeitos da secularização e laicização
nesta instituição religiosa, que a levou a experimentar no decorrer dos anos um declínio no
seu outrora monopólio de influência na sociedade (Delumeau, 1977; Pelletier, 1997, 2002;
Camargo & Pierucci & Souza, 1995; Giumbelli, 2002).
Este processo acelera-se e radicaliza-se no curso da “ultra-modernidade” (Willaime,
1996) pela “desregulamentação institucional” religiosa, crise das religiões institucionalizadas
e advento da religiosidade do self (Hervieu-Lèger, 1999, 2001; Hervieu-Lèger & Champion,
1990).
No entanto, através da literatura até aqui examinada, minha hipótese se encaminha
para o argumento de que o mesmo processo vai produzir nas duas realidades resultantes
distintas: No caso da França é de um catolicismo em vias de “exculturação” de sua sociedade
(Hervieu-Léger, 2003: 90-98), atingido por uma crise corrosiva e diferente de todas
anteriores, pois implica na sua “saída cultural” (e não só política) da sociedade e crenças
modernas (2003:19-20), ao passo que no Brasil ocorre uma “inculturação” do catolicismo nos
estilos de vida moderna pela via das “fronteiras porosas” (Pieruci,1997: 249-262) entre meio
religioso e meio profano (Steil, 1998), a que a Igreja Católica no país, a seu modo, parece
aderir gradativamente (Carranza, 2005; Souza, 2005 ; Camurça, 2006a).
Com respeito à situação européia e francesa, em um Colóquio realizado em 2008 sobre
o Catolicismo promovido em Paris pela EHESS-CEIRF com colaboração do GSRL, apontouse que “configurações nacionais na Europa (...) historicamente marcadas por um catolicismo
majoritário, hoje [estão] em vias mais ou menos rápida de ‘exculturação’”. Pois este
catolicismo vem sendo confrontado com uma “diversidade de opiniões presentes no espaço
público”, com o “crescimento da indiferença”, com a “redução drástica do número de
clérigos” e “a baixa notável da prática religiosa”, que “assinalam um esgotamento do projeto
católico” e que marca o catolicismo “como um objeto de pesquisa em desuso, sobre o qual as
ciências sociais não teriam grande coisa a dizer” (2008).
Já anteriormente, uma pesquisa de opinião de vulto sobre a identidade religiosa dos
franceses coordenada, entre outros, por Jacques Sutter, constatava que “a população dita
‘católica’ segmenta-se cada vez mais de modo heterogêneo [e] frente a esta heterogeneidade e
ao pluralismo que revela, qual sentido pode se dar à qualidade de católico?” (1991: 215).
Concluía então, apontando para o fato de que a França estaria chegando ao quase
desaparecimento de sua “cultura católica” (1991: 215).
Mas seria a postulação de Hervieu-Léger da “exculturação” representativa das análises
sobre o Catolicismo dentro das Ciências Sociais na França? O que podemos afirmar é que esta
formulação figura como uma referência obrigatória em diversas obras que tratam do tema,
como por exemplo, em Pelletier (2007:04), Bobineau (2006: 104), Béraud (2006: 65) e
Jonveaux (2007).
Por outro lado, este arguto analista das ciências sociais e históricas da religião na
França que é Denis Pelletier, chama atenção para o fato de que ao lado dos que defendem a
radical perda de influência do catolicismo na sociedade francesa, como Hervieu-Léger,
existem “outros autores que colocam em evidência a capacidade mantenedora das religiões, o
catolicismo incluído, de contribuir para a reconstrução de identidades coletivas,
frequentemente feridas pelas fraturas da globalização” (2007:44).
Dentre estes autores podemos citar Philippe Portier que na introdução do livro Le
mouvement catholique français à l’épreuve de la pluralité afirma que “se a Igreja não reúne
mais hoje tantos fiéis como nos anos 1930-1960, ela ainda é capaz, mais que todas as outras
organizações sociais, de suscitar investimentos numerosos, intensos e duráveis (...) em torno
de movimentos [como] grupos carismáticos (...) onde se nota com evidência (...) um
sobressalto sensível de engajamento” (2002: 14-15).
Também Martine Cohen, alguns anos antes do livro de Hervieu-Léger que preconiza
“o fim do mundo católico” (2003), apontava para uma tendência de crescente visibilidade do
catolicismo no espaço público, ao contrário da postura mais recolhida nos anos anteriores: “os
católicos se vêem cada vez mais incitados a mainfestar publicamente sua identidade. A mídia
tem amplificado a visibilidade destes ajuntamentos (...) se passou dos últimos quinze anos de
anonimato a uma reinvindicação e uma afirmação publicas da ‘identidade católica’”
(1990:160)
A1) A formulação da “exculturação” para a França
O “fio diretor” da reflexão de Hervieu-Léger sobre a “exculturação” do catolicismo
face à sociedade francesa encontra-se na hipótese que associa o seu esvaziamento à grande
“mutação cultural” que revolve a sociedade francesa. Esta mutação, que diz respeito “à
reivindicação do direito de cada um a sua própria realização” por sobre qualquer tipo de
constrangimento social e cultural (2003: 86,132), não implica em “fim das crenças”, ao
contrário assiste-se no país cada vez mais a uma “proliferação do crer”, só que estas crenças
eclodem por fora das instituições religiosas (1993, 1996). O que pode ser resumido na
seguinte idéia expressa pela autora: “o fim de um mundo [católico] não é forçosamente o fim
do mundo [das crenças religiosas]” (2003: 325).
A modalidade religiosa em curso na atualidade acompanha, então, esta cultura global
do indivíduo que coloca em primeiro plano o “imperativo da realização de si” por sobre todos
os domínios da vida social como a família, a escola e o trabalho (Dubet, 2002). E a Igreja
Católica não fica imune às conseqüências desse processo. Portanto, a via religiosa mais em
voga entre os franceses é aquela que mais assegura a realização das potencialidades pessoais
de cada um (Hervieu-Léger, 2001).
Desta forma, o que para Hervieu-Léger se encontra em cheque é a reprodução social
de um catolicismo via uma instituição burocratizada que busca disseminar suas predicações e
exortações “de cima para baixo” para uma sociedade de indivíduos que reivindicam cada vez
mais “o direito de cada um a sua própria realização” (2003: 86). Isto levou a uma “defasagem
irremediável entre o universo normativo católico e a cultura contemporânea da autonomia
individual” (2003: 137).
A2) A formulação da “inculturação” para o Brasil
Por sua vez, no Brasil a literatura tem detectado dentro do ambiente católico a
constituição de espaços ágeis conectados em redes - Comunidades de Vida e de Aliança,
Grupos de Oração Universitária, Tocas de Assis, TV Canção Nova - que sem perder a
pertença à instituição total da Igreja nem uma mentalidade conservadora e ascética,
interpenetram-se com esferas profanas dos mass media, da cultura psi, do lazer e consumo
(Steil, 2004: 11-36; Mariz, 2003a: 169-86).
Este rol de ofertas recentemente surgidas dentro da instituição religiosa da Igreja
Católica, através de sua faceta carismática, proporcionam ao indivíduo uma sensação de
“segurança ontológica” (Giddens 1997; Berger & Luckmann, 2004) em relação à falta de
sentido que atravessa a existência do indivíduo moderno.
Pode-se observar neste fenômeno uma forma nova de adesão à tradição católica
através da escolha pessoal, ou seja, um acesso ao dogma e à tradição a partir de uma opção
individual, alternativa à prática milenar de inculcar suas crenças pela imposição e atavismo
(Camurça 2001: 45-56), naquilo que Silveira demonstrou como um encaixe da pequena
narrativa (biográfica) individual na grande narrativa da história e dos símbolos da Igreja
(Silveira, 2000, 2006). Neste processo complexo produz-se uma reestruturação na
personalidade individual, no entanto, dentro da simbólica totalizante da tradição católica.
Como resultante disto parece ocorrer neste indivíduo à constituição de um self sagrado, liberto
dos “pecados” vivenciados de forma psicológica (fobias, culpas, traumas etc.). Esta libertação
é sentida como êxtase, fruição, emoção ao lado do reforço neste mesmo indivíduo de um
ethos católico rígido, de alguém munido de uma ética de disciplinarização de condutas, que se
traduz numa pertença exclusiva ao catolicismo através da freqüência engajada na missa, nos
sacramentos e na condenação das outras religiões (Prandi, 1997).
Dentro desse processo de subjetivação a que a modernidade tem levado as instituições
religiosas milenares verifica-se no seio da Igreja Católica no Brasil, o desenvolvimento de um
rico mimetismo com estilos de vida moderna revestindo-os com a rubrica sagrada (barzinhos
de Jesus, Cristotecas, “aeróbica” de Jesus, shows-missas com seus padres-cantores etc.) como
uma fórmula pela qual o setor carismático da Igreja Católica tem impulsionado a instituição a
readquirir seu prestígio na juventude e entre a população em geral (Carranza, 2005; Souza,
2005; Braga, 2004; Oliveira, 2004).
A3) Certa relativização da tese da “exculturação” e as afinidades do Catolicismo
françês com os estilos de vida moderna.
Por sua vez, as pesquisas sobre o catolicismo na França, embora sublinhem a
tendência atual a sua perda de influência na cultura contemporânea, não deixam também de
apontar que “a idéia de mudança não é estrangeira ao catolicismo”. Pois, nota-se uma
“tentativa de ajustamentos entre o ensino da Igreja e a cultura moderna” em “diversas
recomposições em relação ao território, à autoridade e às outras religiões” como se registrou
na apresentação do Colóquio sobre o Catolicismo da EHESS-CEIRF e GSRL (2008). Numa
grande afinidade com o que eu aponto para pesquisas no Brasil, a apresentação deste
Colóquio propõe como rumo para as pesquisas sobre o catolicismo na ultramodernidade, que
“trata-se de interrogar sobre a dinâmica paradoxal contraditória ‘mudança/manutenção da
tradição’ que prevalece no catolicismo contemporâneo” (2008).
Da mesma forma, a pesquisa de Badouin e Portier (2001), para além do catolicismo,
pensando a religião como um todo no seio da modernidade francesa, revela uma relativização
na opinião dos cidadãos acerca do primado absoluto da laicidade por sobre o interesse
religioso. Em torno da formulação “separation bienveillante” procuram mostrar que a opinião
pública parece desejar mais benevolência do Estado em relação às religiões dentro do modelo
de laicidade. Isto se traduz em indicadores como o surgimento em escala crescente de sinais
exteriores de pertença religiosa na escola pública, no desejo da Igreja Católica de uma maior
visibilidade no espaço público, etc.
Em outro texto mais específico sobre o Catolicismo, Portier assinala a atual
reivindicação da Igreja Católica de querer ser consultada pelo Estado sobre deliberações em
questões como aborto, união homossexual e bioética. Considerando as diretrizes laicas do
Estado insuficientes para normatizar o bem comum social, a Igreja se coloca como portadora
de ‘regras divinamente estabelecidas’ que julga deverem ser incorporadas nas leis e diretrizes
emanadas dos poderes públicos (2008: 1-13).
Numa direção semelhante Jacques Palard constata um “re-investimento do espaço
público por atores religiosos” e uma potencialidade da matriz católica em termos de sua
“utilidade social diante da crise relativa dos modos de regulação das relações sociais pelas
instituições políticas e administrativas” (2006).
Também a pesquisa de Hervieu-Léger, ao lado de apontar a tendência do “fim de um
mundo católico” (2003: 20,325) também considera como parte desse processo a presença
ativa do fluxo da religiosidade da “realização de si” atravessando a Igreja Católica na França e
provocando transformações radicais nos seus esquemas de validação de crença. Para a autora,
assiste-se hoje a uma mudança na adesão dos católicos à Igreja por via de um crescente
abandono de formas programadas e normativas de participação em direção de um “sentido
pessoal de pertença” (2003: 292) e de uma autonomização relativa do católico em relação à
estrutura eclesial. Exemplos eloqüentes figuram em sua obra, como a do seminarista
entrevistado por um programa de televisão sobre as razões de sua vocação sacerdotal que
responde que queria ser padre para “tornar-se plenamente ele mesmo!” (2003: 150). De
maneira semelhante, o texto de Céline Béraud, que analisa a conduta dos padres da nova
geração João Paulo II, sublinha que a forma de defender suas prerrogativas clericais se
encontra marcada por uma “performance da ascese” e à serviço de sua “realização pessoal”,
portanto “ longe se ser um arcaísmo” se encontra “em plena integração com a modernidade”
(Béraud, 2006). Também para os católicos franceses atuais, a Igreja é percebida menos “como
encarnando na majestade de suas estruturas (...), na sua gestão hierárquica da verdade e na sua
prática vertical de autoridade, a transcendência mesma do divino” (2003: 285), e passa a ser o
lugar aonde se vive uma “experiência” de “plena realização da vocação pessoal” (2003: 296297). A relação com as autoridades, como a figura do Papa, é marcada mais pelo “amor” e
menos pela submissão quando o sentimento de pertença à Igreja se inscreve num quadro de
“individualismo expressivo” (2003: 296). A juventude que adere à convocação pelo Papa para
fazer peregrinações pelos lugares que marcam as raízes cristãs-católicas da Europa, como
forma de fixar uma identidade católica diante de uma Europa secularizada, respondem a este
chamamento de modo reflexivo e individualizado. Para estes jovens, a ambiência dos lugares
sagrados e a presença papal servem apenas como pano de fundo para despertar o “progresso
espiritual pessoal” de cada um deles, através de “testemunhos pessoais” e de “contatos
interpessoais” (1996: 22-28).
Nicolas de Bremond D’Ars observa também uma
transformação na estrutura paroquial tradicional da Igreja Católica em função de novos
adeptos que trazem consigo um modo distinto de pertença marcada pela individualização,
mobilidade e reação aos dispositivos de autoridade eclesiástica, criando assim uma
“normalização fragmentada que se impõe a uma socialização coletiva clássica” (2003).
B) Um “catolicismo fragmentado” na França e um “catolicismo orgânico” no Brasil
As novas formas de socialização comunitárias/individuais que emergem no
catolicismo francês, segundo Hervieu-Léger, operam em dois registros. Num primeiro, de tipo
“soft”, à maneira “peregrina” (1999) de compartilhamento mútuo de experiências e percursos
individuais, num reconhecimento intersubjetivo (2003: 286-7; 2001: 04) que se expressam
nos grandes eventos dos Encontros e Jornadas da Juventude; no outro, de tipo “hard”, à moda
“convertida” (1999) que abriga experiências intensas em indivíduos que optam por valores e
normas bem definidas, como ocorre em grupos carismáticos (2003: 286-7).
Se aplicarmos no Brasil esses dois registros distintos da experiência católica francesa,
vamos encontrá-los aqui (mesmo que de forma tensa) conjugados em um só conteúdo, em
estreita complementação e sob a promoção da hierarquia eclesiástica. Esta articulação tem
levado a uma exitosa conciliação entre a tradição conservadora e a reflexividade
individualizante no interior da Igreja no Brasil. Os novos grupos católicos, com suas facetas
hard e soft em conjunção, estão exemplificados nas “comunidades de vida e aliança”, nas
“tocas de Assis”, nas redes “Canção Nova” de TV e Internet, nos “padres-cantores” e nos
“Grupos de Oração Universitários” (Camurça, Carranza e Mariz, 2008). Através destes, a
Igreja promove um processo de porosidade de suas práticas religiosas com estilos e ethos da
vida laica moderna: das técnicas corporais das “aeróbicas de Jesus”, dos “shows-missas”, dos
trio-elétricos de oração, das bandas de rock gospel católicas, dos “barzinhos de Jesus”. Todo
um formato “ultramoderno” envolvendo um conteúdo conservador de oposição aos costumes
mundanos, como: sexo antes do casamento, uso de preservativos, homossexualismo etc. Uma
ênfase de recusa ao “pecado” combinada com uma lógica moderna subjetivista, como: a
proposição “por hoje não vou mais pecar” (PHN) adaptada do lema dos “Alcoólicos
Anônimos”, ou, como nos dizeres em camisetas, bonés e bolsas da juventude católicocarismática, como, por exemplo ”virgindade: uma opção” (Camurça, 2006: 257-70).
Na França, a presença de um “catolicismo plural” de “expressões fragmentadas” que
se “engancha” na instituição (Hervieu-Léger, 2003: 295) leva a uma mutação no regime de
autoridade da Igreja. Esta não pode renunciar à sua missão de ser a depositária da fé, mas não
tem mais o poder de impor a verdade autorizada “de cima para baixo”. Desta forma, a
hierarquia passa a exercer uma conduta pragmática de validação das diversas práticas
religiosas individuais e comunitárias locais que resulta numa “via média” entre uma
afirmação unilateral de sua autoridade e certo consentimento à pulverização das experiências
de sentido de tipo carismático (2003: 288-9). Enfim, a autoridade hierárquica adapta-se a esta
situação através da prática de chancela das iniciativas que emanam da base (2003: 295). E,
por sua vez, estes grupos e redes carismáticas de sociabilidade informal não questionam a
gestão da instituição pela sua hierarquia - como fez a Teologia da Libertação dos anos 70
visando uma democratização da Igreja (2003: 294). Eles não concebem a idéia de contestação
à autoridade de padres e bispos, mas nessa convivência simplesmente exercem a autonomia
prática dos sujeitos que vivem a cultura ultramoderna da autenticidade (2003: 293, 307).
No caso do Brasil, em que pesem algumas tensões destas novas modalidades no
catolicismo com a hierarquia da Igreja, apontadas por Oro, 1996; Carranza, 2000 e
Prandi,1997, no geral estabelece-se um movimento mais “orgânico” da Igreja hierárquica e
clerical integrada com os movimentos carismáticos e emocionais numa ação já chamada de
“reconquista” da influência católica na sociedade brasileira modernizada (Carranza, 2005).
Tudo fazendo parte de uma estratégia traçada dentro da instituição visando seu fortalecimento
através da mobilização de seu pessoal burocrático já formado dentro desse estilo midiático.
Isto se encontra demonstrado nas grandes concentrações dos shows-missa com seus padrescantores nos maiores estádios de futebol brasileiros e na penetração nos modernos meios de
comunicação de massa como a televisão e a internet (Souza, 2005; Carranza, 2005;
Prandi,1997).
Não que para a França não se registre um processo considerável de intenção de adesão
à Igreja Católica como aponta o texto de Nicolas de Bremond d’Ars (2003), nem que a análise
de Hervieu-Léger não tenha registrado iniciativas de reconquista institucional por parte da
Igreja Romana (1996, 16-25) através das célebres viagens do Papa, mas a autora sublinha
sempre os “limites” (1996: 22) e a “precariedade estrutural” deste empreendimento (1996:
28).
B2) O “Catolicismo Frágil” e o “Catolicismo Vigoroso”
Embora ambas as análises, para o caso da França e do Brasil, dêem conta do
reconhecimento pelo catolicismo da irreversibilidade da modernidade e da necessidade de
uma adequação à sua dinâmica, pode-se detectar algumas distinções entre elas.
De um lado, para o caso francês a ênfase da análise está principalmente no imperativo
da (ultra) modernidade impelindo a “um processo de declínio de um regime geral de
institucionalidade” (Hervieu-Lèger, 2003: 312) que atinge todas as instituições reguladoras e
ordenadoras da socialização dos indivíduos, inclusive o modelo de todas elas, a Igreja
Católica.
Por outro lado, os estudos para o Brasil assinalam que a irrupção da subjetividade à
maneira carismático-midiática não leva necessariamente à destradicionalização do
catolicismo no país (Steil 2003: 29-51), mas a uma convivência e negociação entre autonomia
e tradição. Percebe-se aqui, então, uma composição entre subjetividade reflexiva e patrimônio
tradicional que se reflete nas frases estampadas em camisetas e bonés “da cultura pop”
envergados por jovens carismáticos: “Castidade: Deus quer, você consegue!” (Carranza,
2005: 178).
Como ilustração final deste panorama tem-se, para o caso francês, a caracterização que
Hervieu-Lèger traça para o catolicismo como a de um “catolicismo frágil” (2003: 15, 332),
única opção realista ao “movimento irreversível de exculturação” (2003: 332). Estilo frágil
entendido como o reconhecimento pela Igreja Católica da secularidade do mundo e da
autonomia de crença dos indivíduos, assim como da aceitação da diversidade e
individualidade na forma de ser católico, no que diz respeito aos seus membros, aqueles que
continuam, a seu modo, a ter a Igreja como referência. Enfim, da aceitação realista deste novo
curso de institucionalidade marcada mais pelo “propor” do que pelo “impor” (2003: 329).
Isto tudo parece contrastar, de outro lado, com um “Catolicismo Vigoroso” título de
um Fórum de Pesquisa organizado por Mísia Reesink e Marjo de Theije que ocorreu na
Reunião Brasileira de Antropologia (RBA) em Olinda, Pernambuco no ano de 2004. Tal
forum que reuniu sob este sugestivo título diversos pesquisadores do catolicismo no país,
demonstraria na análise destes pesquisadores brasileiros o êxito da estratégia católica na nossa
sociedade ao engajar novos membros e mobilizar antigos em estruturas ágeis e modernas,
sem, contudo, perder o laço indissolúvel com a instituição e seus valores tradicionais.
Estratégia esta que alguns destes pesquisadores reputam como de reconquista da sociedade
brasileira e formação nela de uma Neocristandade (Carranza, 2005).
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O estatuto do Catolicismo contemporâneo para as Ciências