Jurisprudência
Boletim
ANO V – Nº
36
Mercado de Capitais
Confira nesta edição como o Colegiado da CVM decidiu sobre: voto de controlador
em conflito de interesses; prestação de informações por fundos de investimento;
e diligência de administradores na publicação de fato relevante
CVM modifica entendimento sobre
conflito de interesses
A Tractebel Energia S.A. (“Tractebel”) consultou
a CVM para confirmar seu entendimento de que sua
acionista controladora, GDF Suez Energy Latin America
Participações Ltda. (“GDF”), não estaria impedida de votar em assembleia geral que deliberou sobre a celebração
de contrato de aquisição, pela Tractebel, da totalidade
das ações de emissão da Suez Energia Renovável S.A.
detidas pela GDF.
A área técnica opinou pela impossibilidade de voto
da GDF em razão do artigo 115 da Lei das S.A., que proíbe
o voto do acionista em conflito de interesse. A Tractebel, em
resposta, solicitou a revisão desse entendimento, e propôs,
na forma do Parecer de Orientação nº 35, a criação de um
comitê para negociar a operação em seu nome. Segundo a
Tractebel, o comitê seria composto exclusivamente de seus
administradores, em sua maioria independentes.
O diretor relator, Alexsandro Broedel, destacou que a
questão envolve a antiga discussão doutrinária sobre o “conflito material” e o “conflito formal”. De um lado, estão os que
entendem que o conflito de interesses seria de ordem formal,
de modo que a regra do impedimento de voto, do artigo 115,
§1º, da Lei das S.A., deveria ser posta em prática previamente
à deliberação, sendo desnecessária a verificação do mérito do
voto. De outro, estão os que entendem que o conflito é material
e que só há conflito de interesses quando o acionista vota
em benefício próprio, devendo o voto ser avaliado conforme
as circunstâncias, a posteriori. Esta última posição passou
a ser majoritária na CVM a partir do julgamento do caso
envolvendo a Previ em novembro de 2002.
Para o relator, a lei é clara em seu artigo 115, §1º,
quanto à proibição de voto de acionista em conflito de
interesse. Segundo ele, o conflito pode ser verificado
tanto a priori, nos casos em que possa ser facilmente
evidenciado, quanto a posteriori, nas situações em que
não transpareça. No caso de contrato entre a companhia
e um acionista há uma situação de conflito natural da
relação entre contratantes. Mas se o acionista, por algum
mecanismo de governança corporativa, fizer prova de que
agirá de acordo com o interesse da companhia, seu voto
será possível. No entanto, o relator entendeu que o comitê
criado pela companhia, formado por administradores,
não seria suficiente para superar o conflito, pois ainda
estaria vinculado ao seu poder de controle. Sendo assim,
estaria a acionista controladora impedida de votar.
A presidente Maria Helena Santana e o diretor
Marcos Pinto acompanharam o voto do relator, mas
ressaltaram que o contrato entre a companhia e o acionista representa benefício particular, na forma do artigo
115, §1º. O diretor Otávio Yazbek acompanhou o relator,
porém divergiu quanto ao benefício particular, uma vez
que, para ele, este decorre do rompimento da relação
de igualdade dos acionistas enquanto tais, o que não
seria o caso. O diretor Eli Loria, em sentido contrário,
entendeu que o conflito de interesse deveria ser analisado posteriormente à deliberação, pois, caso a operação
se realize de acordo com as práticas do mercado, não
haveria motivos para anulação do voto. O Colegiado,
vencido o diretor Eli Loria, decidiu pelo impedimento
de voto da GDF. (Processo RJ 2009/13179)
CVM deixa claro em que ocasiões
gestores de fundos podem ocultar seus ativos
A Superintendência de Investidores Institucionais
(SIN) solicitou ao colegiado da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) manifestação sobre a adequação das
justificativas apresentadas por administradores para postergarem a divulgação da composição das carteiras dos
fundos de investimento administrados, à luz do disposto
no art. 68, § 1º, da Instrução 409/04. Conforme o artigo, a
regra geral de divulgação em até dez dias após o encerra-
mento de cada mês pode ser excepcionada caso o fundo
possua posições ou operações em curso que possam vir
a ser prejudicadas com a divulgação. Nesse caso, podem
ser omitidas a identificação e a quantidade de posições e
ativos, registrando-se somente o valor e sua porcentagem
sobre o total da carteira.
A SIN editou ofício-circular determinando que os
administradores apresentassem a fundamentação para
a ocultação e, com base no conjunto de justificativas recebidas, formulou consulta ao colegiado para confirmar
quais delas estariam de acordo com o art. 68, § 1º.
O colegiado deliberou que seriam legítimas as
justificativas baseadas: 1) na iliquidez dos ativos que
compõem a carteira do fundo, desde que apoiadas em
critérios objetivos; 2) no fato de o fundo ser exclusivo ou
destinado somente a investidores qualificados obrigados
pelo regulamento a realizar investimento mínimo de R$ 1
milhão, e que, adicionalmente, as cotas do fundo tenham
sido distribuídas por meio de oferta pública de esforços
restritos; e 3) na existência de posições de aluguel de ações
pouco negociadas.
Não atenderiam à regra, segundo o colegiado, as
justificativas baseadas na alegação: 1) genérica de iliquidez de títulos públicos federais; 2) de que a divulgação
da posição do fundo em depósitos a prazo com garantia
especial (DPGE) poderia impactar o preço de mercado
desses instrumentos financeiros; 3) de que a divulgação
da posição do fundo em determinado título que teve seu
“rating” rebaixado poderia resultar em prejuízos aos cotistas; e 4) de que a divulgação da composição permitiria
que administradores concorrentes copiassem a estratégia
adotada pelo fundo.(Processo RJ2010/10391)
Análise de fato relevante acaba em
dúvidas sobre a diligência do administrador
A Socimel Empreendimentos Imobiliários S.A.
(“Socimel”) apresentou reclamação à CVM a respeito
de fato relevante divulgado pela Agra Empreendimentos
Imobiliários S.A., (“Agra”), que, segundo a Socimel, conteria informações não verdadeiras. O fato relevante teria
divulgado a realização de acordo operacional entre a Agra
e a BKO Engenharia e Comércio Ltda. (“BKO”) para o
desenvolvimento conjunto de empreendimentos imobi-
liários. No entanto, não teria informado que alguns dos
empreendimentos têm por objeto bens imóveis da Socimel
ou de seus controladores.
Na reclamação, a Socimel informa que havia celebrado com a BKO um consórcio segundo o qual a BKO
seria responsável somente pela execução das obras necessárias à implantação de loteamento em imóvel da Socimel.
Assim, Agra e BKO estariam promovendo propaganda
de imóveis da Socimel que jamais teriam sido objeto de
transmissão de direitos, fato que, inclusive, teria levado
a Socimel a realizar a rescisão do consórcio por meio de
notificação extrajudicial.
A CVM enviou ofício para a Agra solicitando esclarecimentos. A companhia negou que a assinatura do
acordo com a BKO tenha implicado qualquer forma de
transmissão de direitos do consórcio entre Socimel e BKO
e que os terrenos negociados com a BKO não tinham sido
especificados no fato relevante. A área técnica entendeu
que a violação do acordo pela BKO já estava sendo tratada
no Judiciário, não cabendo à CVM se manifestar sobre
a quebra de contrato, mas apenas zelar para que a Agra
divulgasse ao mercado a existência da disputa judicial e
suas consequências. A Agra publicou, então, comunicado
ao mercado com essas informações.
A Socimel apresentou recurso contra decisão da
área técnica, alegando que a Agra não teria enfrentado a
inveracidade do fato relevante e que continuava a propagandear empreendimentos envolvendo patrimônio da Socimel. Além disso, a Socimel encaminhou cópia de sentença
judicial envolvendo a quebra contratual do consórcio, na
qual o juiz decidiu que a celebração do acordo entre BKO
e Agra violou as disposições contratuais do consórcio.
O relator Otávio Yazbek concluiu não haver indício
de irregularidade no fato relevante, mas questionou o cumprimento do dever de diligência pelos administradores da
Agra. Isso porque o acordo da Agra com a BKO previa a
realização prévia de auditoria imobiliária para confirmar
a propriedade dos imóveis. Porém, o pagamento do preço,
de R$ 16 milhões, foi feito pela Agra aparentemente antes
da verificação.
Assim, acompanhando o voto do relator, o colegiado
deliberou negar o recurso apresentado pela Socimel e determinou que a área técnica avalie se seus administradores
cumpriram seu dever de diligência, adotando, se for o caso,
as medidas cabíveis. (Processo SP 2007/0259)
Jurisprudência Mercado de Capitais é um informativo bimestral produzido por Motta, Fernandes Rocha Advogados e veiculado
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