AVALIAÇÃO DE MAUS ODORES EM UMA REGIÃO HIDROGRÁFICA PILOTO COM ALTA DENSIDADE DE SUÍNOS NO SUL DO BRASIL Paulo Belli Filho* Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Universidade Federal de Santa Catarina Mauricio Luiz Sens Prof. Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Universidade Federal de Santa Catarina Ramon Dalssasso Doutorando em Engenharia Ambiental. Universidade Federal de Santa Catarina Rejane Helena Ribeiro da Costa Professora Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Universidade Federal de Santa Catarina Glades Pinheiro da Silva Professora da Escola Agrotécnica Federal de Concórdia Endereço* : Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. CEP: 88.040-970. Telefone: (48)3319597. E-mail : [email protected] ; [email protected] RESUMO A poluição proveniente de maus odores vem tornando – se um problema preocupante em diversos segmento públicos, privados e da sociedade em geral, haja vista a sua relação direta com a perda de conforto ambiental em diversas situações. A intensa produção de suínos e o manejo de seus dejetos tem proporcionado este tipo de incômodos. Os odores necessitam de uma análise sistematizada para fornecer informações de apoio ao planejamento ambiental deste setor em bacias hidrográficas. Diante desta necessidade foi aplicado uma metodologia de avaliação da percepção ambiental da população rural da Bacia Hidrográfica do Rio Fragosos, no sul do Brasil. Como parâmetro de referência para a percepção adotou – se os odores relacionados com a suinocultura. A base de dados para o trabalho foi proveniente da aplicação de questionário desenvolvido para este estudo. Foram entrevistados 102 habitantes de diferentes locais da bacia, no período de abril a agosto de 2001. Através de uma escala de referência de desconforto, foi obtido índice de incômodo na população rural com odor ofensivo (coeficiente de 72,3). O índice de 80,6 (muito ofensivo) foi obtido entre os não-produtores de suínos e de 69,3 (ofensivo) entre os produtores de suínos. O resultado indica que a percepção do ambiente para os habitantes da região rural estudada, independente da situação social na bacia, mostra um grau de insatisfação de conforto relacionado com a suinocultura, afetando a saúde coletiva. A avaliação dos incômodos causados pelos odores, através desta metodologia torna - se uma ferramenta importante no monitoramento da qualidade do ar e dos impactos ambientais, complementando projetos de planejamento ambiental. Palavras-chave: odor, suínos, olfatometria. INTRODUÇÃO A crescente deterioração do meio ambiente, um dos problemas cruciais para toda a civilização, vem adquirindo uma dimensão imensurável que envolve a organização das sociedades a partir da produção, pela permanente transformação da natureza em produtos e bens para o homem. Assim, o meio ambiente continua sendo devastado em nome do “crescimento econômico” e do “progresso” para satisfazer as necessidades humanas no atual estilo de vida. Há séculos, as sociedades são reféns do mito do progresso e do crescimento ininterrupto e ilimitado, necessitando ostentar crescimento na produção de bens e serviços. Estas tecnologias estão a serviço e inseridas num modelo de desenvolvimento no qual o crescimento econômico não é um meio e sim um fim, produção/destruição do 1 solo da água e do ar. Esse sistema de desenvolvimento visa apenas ao lucro final, não atendendo ao projeto sustentável, pois não atende às necessidades sociais renegando a qualidade de vida das populações. Durante longo tempo os odores emitidos dos processos produtivos eram tolerados por serem considerados como o preço do progresso tecnológico e do crescimento econômico. Hoje, eles são cada vez menos suportados pela população que quer proteger o ambiente e a sua qualidade de vida. Schiffman et al.(1995) verificaram as pessoas que residem próximo a propriedades que criam animais, além de considerarem os odores desagradáveis também apresentavam, entre outros sintomas, alterações no humor. Cita a conclusão de Miner (1970): as sensações desprazerosas aos odores podem afetar o bem-estar das pessoas por concluir que ”as sensações de desprazer apontam para possíveis reflexos prejudiciais, modificando a função olfativa e outras reações fisiológicas”. O conceito da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre saúde envolve além da ausência de saúde o bem-estar físico e neste contexto os odores emitidos pelas propriedades que criam suínos de forma intensiva são causadores de doença. Classen et al.(1996), classificaram o olfato como poderoso, afetando-nos em nível físico, psicológico e social. No caso do cheiro ele é tolerável para os que estão habituados a ele e podem vê-lo transformado em lucro. Para aqueles que não estão inseridos neste contexto pode ser insuportável. Conforme Healy (1996), as aversões aos compostos odorantes são mais persistentes que a tolerância. Porém, as preferências variam. O cheiro característico do suíno foi atribuído aos resíduos do metabolismo do enxofre, presente na alimentação. Os odores são de natureza volátil e se destroem a 100ºC, mas eles se fixam, preferencialmente, sobre a poeira do ambiente, lã, cabelos e borracha. As reclamações sobre maus odores foram durante longo tempo desconsideradas, mas elas vêm aumentando consideravelmente nas últimas décadas. No Brasil a expansão da suinocultura ou seja o sistema de criar animais de forma confinada e intensiva iniciou-se a partir da década de 70. A alta densidade de animais por área é uma exigência do mercado que demanda por proteína de origem animal e também da pressão dos grupos agroindustriais e das cooperativas por maior produtividade. O maior rebanho de suínos encontra-se na região sul do Brasil, e Santa Catarina é o Estado com maior produção destes animais, predominado 80% de seu rebanho na região oeste. O crescimento da suinocultura tem sido forçado pelas empresas que querem maior produtividade através do emprego de tecnologia (quase sempre com alto custo). Os melhores índices de produtividade alcançados são resultado de grandes investimentos, por parte dos produtores, em genética, alimentação e sanidade, porém investimentos de mesma dimensão não são empregados para tratamento dos resíduos gerados pela produção. Com o passar dos anos e a inserção cada vez maior dos grupos agroindustriais e cooperativas transformadoras de carnes na organização da produção visando atender ao mercado interno e externo de carne suína e derivados, os problemas ambientais têm se agravado (Chiuchetta, 2000). As emissões de gases odorantes para a atmosfera conforme Moffatt, et al. (2000), são também conseqüências do modo de vida “moderno”, pois representam um risco à saúde das pessoas, aos vegetais, aos animais. As indústrias, nosso estilo de vida competitivo e a agricultura contribuem para a degradação ambiental (Donham, 2000). No quadro de poluição atmosférica, um dos problemas mais complexos está ligado aos incômodos olfativos causados pelos maus odores originados das atividades agrícolas. A percepção humana sobre os odores depende de aspectos fisiológicos e psicológicos individuais. A subjetividade envolve características sociais, econômicas e culturais. Sendo assim a avaliação dos incômodos olfativos bastante complexa, não existe nenhum método empregado universalmente apenas o consenso que o nariz humano é o melhor sensor para as avaliações. A pouca pesquisa sobre as conseqüências das emissões odorantes se devem a complexidade do próprio tema, à falta de maior conhecimento científico sobre metodologias de avaliação quantitativa e qualitativa, à subjetividade das sensações odoríferas e também ao estilo de vida hoje adotado que prioriza o crescimento da industrialização, aumentos na produtividade e aumento da produção, responsáveis pelo aumento considerável das emissões gasosas. A literatura internacional apresenta trabalhos científicos que relatam a problemática da poluição do ar por emissões odorantes, baseados na ocorrência de numerosas reclamações notificadas nos últimos anos em comunidades vizinhas às propriedades que criam animais em grande escala (Jacobson, 2000 e Lemay, 2001). Estudos realizados na Bretagne, indicaram que a aplicação dos dejetos de suínos em solos como destino final, é a principal fonte de emissão de odor proveniente da suinocultura, Belli Fo (1995). Falta ainda uma metodologia que seja utilizada mundialmente para avaliar os incômodos olfativos. Esta lacuna tem sido justificada pela natureza complexa dos 2 odores, segundo Danuser (2000) e Best (2002) os incômodos dependem do estado fisiológico, psicológico e fatores sociais. Lim et al.(2000) verificaram que os odores das instalações dos animais e o transporte dos dejetos são motivos de reclamações por causarem incômodos. Um fenômeno comum é conhecido por adaptação aos odores , sendo definida por Dalton (2000) como o declínio na resposta aos estímulos repetitivos. A adaptação sensorial é importante pois permite aos organismos preservarem o equilíbrio no comportamento com o meio ambiente e responder apropriadamente às mudanças de estímulo. Exposições prolongadas ou repetitivas a um odor provocam redução no estímulo específico à sensibilidade olfatória, mas após alguns minutos de ausência do odor ocorre a recuperação da sensibilidade. Considerando a importância de conhecer – se a percepção da populacional de uma região piloto, com alta produtividade de suínos, foi realizado este trabalho para avaliar o índice de incômodo na Bacia Hidrográfica do Rio dos Fragosos, no município de Concórdia/SC, no sul do Brasil. METODOLOGIA O trabalho foi realizado na Bacia Hidrográfica dos Fragosos, no município de Concórdia, com superfície da ordem de 90 km2, conforme Silva (2000). Esta bacia apresenta características que a tornam representativa da região oeste catarinense, estando constituída de pequenas propriedades, tendo como base a suinocultura, a avicultura de corte, a bovinocultura de leite e a produção de milho. Ela tem sido usada como unidade piloto de estudos, planejamento, propostas de gestão e intervenções, visando o desenvolvimento sustentável da própria bacia. Os dados obtidos junto à área rural, na bacia hidrográfica do Rio dos Fragosos foram através de entrevistas com 102 pessoas, o que corresponde a 102 propriedades rurais das 197 existentes na bacia. Dos entrevistados, 27 não eram produtores de suínos. A escolha dos residentes na área rural obedeceu à seqüência lógica das residências ao longo da estrada principal e nas estradas vicinais de acesso a esta. A abordagem em todas as residências em uma única vez e sem notificação prévia. Foram registradas as propriedades que não tinham criação de suínos. Questionário Aplicado O questionário, do tipo fechado, permite a escolha pelos entrevistados, entre as respostas prontas e as de melhor correspondência à sua vivência com relação à percepção dos odores. O questionário foi aplicado por um único entrevistador durante os meses de abril a agosto de 2001. O questionário foi uma adaptação daquele apresentado pela CGIR (Comission Internationale du Génie Rural /1994), constante no capítulo Aerial Environment in Animal Housing. Este foi sugerido por Koller e Schmidlin (1988) para avaliar os incômodos causados pelas criações de animais, observando o VDI (Verein Deutscher Ingenieure) 3883, Part 2 (1993), que descreve a investigação. A norma VDI 3883, parte 2 (1993) orienta que os incômodos não podem ser calculados por métodos fisiológicos ou físico-químicos, pois não há uma relação simples entre causa-efeito e entre a emissão de uma substância, percepção de um odor e o incômodo que este odor causa. Por esta razão, é indicado o método do questionário para determinar, numa área, uma situação de incômodo. De acordo com CGIR (1994), esse método do questionário tem sido usado com sucesso. O questionário do tipo cartão-resposta (figura 1) apresenta figuras representativas das mímicas faciais frente aos odores. Esse cartão-resposta foi utilizado por Perrin et al (1994) no Estudo dos incômodos olfativos das populações ribeirinhas das zonas industriais do estuário do rio Sena, e também por Zurita et al. (1999) para avaliar os odores gerados por fonte estacionária, através da implantação de uma rede de monitoramento de incidência de odores. O método do questionário foi adaptado por Straul et al. (1986), e usado para avaliar os incômodos causados pelas emissões odorantes das propriedades que criam animais. A partir dele é possível calcular um índice de incômodo. 3 Sem Incômodo Incômodo pequeno Incomoda muito Incomoda Extremamente incômodo Figura 1: Figuração questionada sobre odores O índice de incômodo O índice de incômodo (I) foi avaliado pela equação 1, como sugere VDI 3883 Part 2 (1993). A tabela 1 apresenta os valores para número de respostas da categoria i (Ni) e o coeficiente de respostas da categoria i (Wi), conforme as informações obtidas. I = 1 N .∑i =0 Wi .N i 5 (1) N: número total de observadores i: categoria da resposta Wi: coeficiente da categoria i Ni: número de respostas da categoria i O valor do índice de desconforto olfativo é zero para as pessoas que se declaram não incomodadas com os odores e igual a 100 para aquelas em que todos os participantes ficam extremamente incomodados. Tabela 1 –Categorias de incômodos e pesos dos fatores Despostas Sem odor Odor sem ofensividade Odor pouco ofensivo Odor ofensivo Odor muito ofensivo Odor extremamente ofensivo I Wi 0 1 2 3 4 5 0 0 25 50 75 100 RESULTADOS Os resultados encontrados como índice de incômodo no meio rural, entre os produtores de suínos e não-produtores estão apresentados na tabela 2 e na figura 2. O índice de incômodo foi calculado utilizando-se a equação (1) conforme recomenda o VDI 3883, parte 2 (1993). A amostragem entre a população rural, entre os produtores e nãoprodutores de suínos está na tabela 2. Na área rural, para 102 entrevistados, o índice de incômodo é de 72,3. Comparando entre os produtores e os não produtores, verifica-se que o índice de incômodo de 69,3 para os produtores representa incômodo de moderado a forte. O índice de 80,56 detectado para os não-produtores tem valor superior ao considerado forte. Este resultado 4 confirma as conclusões de Donham (2000) de que para os produtores de suínos, os dejetos podem “parecer cheiro de dinheiro”; mas, para os vizinhos, “os cheiros parecem de suínos”. Os odores e a produção de suínos também representam um incômodo para quem mora em locais com maus cheiros, podendo gerar conflitos com outros setores econômicos, tais como os de lazer e de turismo, Belli Fo (1998). Tabela 2– Índice de incômodo no meio rural, entre produtores e não-produtores de suínos Índice de Incômodo N (tamanho da amostra) I (Índice de incômodo) 102 72,3 75 69,3 27 80,6 Níveis de fatores Meio Rural Produtor Não-produtor Na área rural, para 102 entrevistados, o índice de incômodo é de 72,3. Comparando entre os produtores e os não produtores, verifica-se que o índice de incômodo de 69,3 para os produtores representa incômodo de moderado a forte. O índice de 80,56 detectado para os não-produtores tem valor superior ao considerado forte. Este resultado confirma as conclusões de Donham (2000) de que para os produtores de suínos, os dejetos podem “parecer cheiro de dinheiro”; mas, para os vizinhos, “os cheiros parecem de suínos”. Os odores e a produção de suínos também representam um incômodo para quem mora em locais com maus cheiros, podendo gerar conflitos com outros setores econômicos, tais como os de lazer e de turismo, Belli Fo (2001). Quanto os resultados do grau de desagradabilidade no meio rural, os entrevistados consideraram os odores como extremamente desagradáveis (39,2%) enquanto para um pouco desagradável foi 12,7%. As reações das pessoas aos odores estão na tabela 3 Tabela 3 - Desagradabilidade dos odores. Entrevistados Nada Um pouco Desagradável Muito desagradável Extremanente desagradável Total 0 12,7 24,5 23,5 39,2 Produtor 0 13,3 28 26,7 32 Não Produtor 0 11,1 14,8 14,8 59,3 A metodologia de avaliação de incômodos através do questionário utilizado mostrou ser uma ferramenta possível para ser utilizada nas avaliações de impacto ambiental de um ambiente antes e após a instalação de uma indústria ou de uma criação de animais, bem como uma ferramenta para monitorar uma fonte emissora estacionária ou móvel. O mesmo questionário pode ser adotado para avaliar a eficiência de uma tecnologia de remoção de odores. Permite avaliar o desempenho de um programa de redução de poluição implementado por uma empresa ou outro órgão. Os odores são um forte indicador dos incômodos e dos conflitos entre os responsáveis pela fonte emissora e os vizinhos. Para tratar dessas questões de forma padronizada é importante que os órgãos ligados à saúde pública e ao meio ambiente reconheçam a importância da avaliação olfatométrica dos odores como uma ferramenta complementar aos projetos de gestão ambiental. A metodologia do questionário é objetiva, pois a pessoa sente ou não os odores, tendo a vantagem de obter as respostas através da percepção humana sensorial, que é extremamente rápida. Apesar da complexidade das substâncias odorantes e da subjetividade humana, o questionário obtém respostas do mundo real onde interagem as pessoas e o ambiente. A metodologia empregada neste trabalho poderá servir como instrumento de gestão e planejamento de bacias hidrográficas e de setores produtivos. 5 BIBLIOGRAFIA BELLI F.,P.(1995) Stockage et odeur des dejections animales – cas du lisier de porc. Tese de doutorado. Universite de Rennes. 210p. BELLI F., P.; SOARES, S. R.; CASTILHOS JR.,A. B.; COSTA, R. H. R. (1998) Gestão ambiental dos sistemas de produção de suínos para o sul do Brasil. Gerenciamento de Resíduos – Certificação Ambiental. Ed. PUCRG. . 280 - 291 BEST, P.R., LUNNEY, K E, WATSON, C B, WELCHMAN, J S, KILLIP, C A (2001) Statistical Elements of Predicting the Impact of a variety of Odour Source. http://www.katestone.com.au/odour.htm . Em 05/12/2001 CAVALINI, P.M. (1994) Industrial Odorants:The Relationship between Modeled Exposure Concentrations and Annoyance. Archives of Environmental Health. The Netherlands, vol 49, 5, 344-351. 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