FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Letras Viviane Aparecida Ramos da Silva A NATUREZA HUMANA PRESENTE NA OBRA O MORRO DOS VENTOS UIVANTES DE EMILY BRONTE Pará de Minas 2013 Viviane Aparecida Ramos da Silva A NATUREZA HUMANA PRESENTE NA OBRA O MORRO DOS VENTOS UIVANTES DE EMILY BRONTE Monografia apresentada à coordenação de Letras da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para a conclusão do curso de Letras. Orientadora: Esp. Tatiana Pires Bini Dutra Pará de Minas 2013 Viviane Aparecida Ramos da Silva A NATUREZA HUMANA PRESENTE NA OBRA O MORRO DOS VENTOS UIVANTES DE EMILY BRONTE Monografia apresentada à coordenação de Letras da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para a conclusão do curso de Letras. Aprovada em __________/__________/__________ ____________________________________________________________ Esp. Tatiana Pires Bini Dutra ____________________________________________________________ (Prof(a) examinador(a) Dedico este trabalho aos meus pais, Geraldo e Marieta, meus professores da escola da vida, ao meu irmão, pela forcinha de sempre. A você Junior, meu amigo, meu companheiro nas horas tristes e alegres. Aos meus eternos e queridos alunos. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por iluminar sempre meu caminho, meus pensamentos, por ter me concebido a graça de concluir esse trabalho, com paz, saúde e alegria. Por ter me amparado por intercessão de Pe. Libério todas as vezes que pensei em fraquejar. Agradeço a minha família, meus pais pelo carinho e incentivo. Meu irmão pela ajuda nos momentos em que realmente precisei. Minha irmã pela compreensão. Agradeço ao meu namorado, pelo carinho, atenção, palavras amigas quando pensei em desistir, pela companhia durante os meus estudos, pela compreensão nos momentos em que não pude dedicar a nossa relação por ter me dedicado a realização deste trabalho. Pelos momentos de alegria em meio a essa vida corrida durante o curso. Agradeço as minhas amigas, Ellen, Leila, Laís, Sandra, Talita, por compartilharem comigo durante esses quatro anos momentos de alegria, de tristeza e de sufoco. À querida Jú por fazer parte desta história desde o início e por compreender a minha ausência nos últimos tempos. Às minhas eternas companheiras de trabalho Rosana e Flaviane, não há muito o que dizer, somente elas entendem. À professora Tatiana Bini não só por me orientar durante esse trabalho, mas também por ter contribuído para o meu aprendizado durante todo o curso. À Carolina Martins, pelo carinho e amizade. Que Deus continue te abençoando e cuidando do seu bondoso coração. À Síntia Moura pelas dicas valiosas. À minha colega de trabalho Fernanda. À Maria Ivone pelas palavras de incentivo. À Telma, por acreditar na minha capacidade de conciliar estudo e trabalho. À Natália Scoralick. Enfim, agradeço aos meus colegas e professores do curso de letras e a todos que contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho. "A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. A segunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe." (Jean Piaget) RESUMO Nas páginas do livro “O morro dos Ventos Uivantes” a escritora Emily Bronte expôs os conflitos psicológicos dos personagens. Com base nesse mergulho que a autora fez da natureza humana o presente trabalho tem como objetivo justificar através de concepções filosóficas e psicológicas a conduta do protagonista no decorrer da história, sua verdadeira natureza humana, considerando seus sentimentos e desejos. Pretende-se analisar e estabelecer uma relação entre as teorias estudadas e elementos da obra para então se chegar a uma conclusão sobre os motivos que levaram Heathcliff a possuir um comportamento hostil. Para um estudo profundo desse personagem usou-se a metodologia bibliográfica, a análise, a classificação e interpretação de materiais já publicados relacionados ao tema, a escritora e a obra em si permitindo assim uma melhor descrição dos fatos observados. Palavras chaves: O Morro dos Ventos Uivantes, Emily Bronte, Natureza Humana. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 08 1.1 Objetivo Geral................................................................................................. 09 1.2 Objetivos específicos.................................................................................... 09 2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS............................................................................ 11 2.1 Emily Bronte................................................................................................... 11 2.1.1 Biografia........................................................................................................ 11 2.1.2 Wuthering Heights filho único........................................................................ 13 2.1.3 Era Vitoriana.................................................................................................. 15 3 DEFINIÇÃO DA NATUREZA HUMANA ............................................................ 18 3.1 Concepção filosófica .................................................................................... 18 3.1.1 Para Immanuel Kant..................................................................................... 18 3.1.2 Para Jean Jacques Rousseau...................................................................... 20 3.1.3 Para Thomas Hobbes................................................................................... 21 3.2 Concepção Psicológica................................................................................. 23 3.2.1 Para Sigmund Freud..................................................................................... 24 3.2.2 Para Carl Rogers........................................................................................... 30 4 A NATUREZA HUMANA NA OBRA ................................................................ 34 4.1 O mal e o desfecho do romance................................................................... 34 4.2 Amor racional, irracional e desmedido....................................................... 37 4.3 Consequências devastadoras...................................................................... 40 5 METODOLOGIA ............................................................................................... 44 6 CONCLUSÃO..................................................................................................... 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA........................................................................ 47 8 1 INTRODUÇÃO Em uma época em que era permitido para mulheres escrever apenas sobre questões do cotidiano doméstico no qual viviam e se dedicavam fielmente, a escritora Emily Bronte corajosamente escreveu um único livro em prosa, com personagens marcantes e de forte personalidade, dentre elas Heathcliff, possuidor de características hostis. Seu comportamento permitiu fazer neste trabalho um estudo aprofundado sobre as possíveis causas da sua conduta ao longo dos capítulos da obra. No primeiro capítulo será abordada a biografia da autora que teve uma vida silenciosa e em uma única obra escreveu uma história de amor fascinante e instigante que quebrava com os estilos de uma época em que “vigorava a convenção segundo a qual os romances deviam servir para a formação e edificação moral dos leitores” ( BRAGA 2011, pág. 8) A narrativa é envolvente, apesar da crueldade, do egoísmo, do desejo de vingança, principalmente por parte do personagem principal, foi possível degustar alguns momentos de ternura e afeto o que leva ao leitor pensar no lado bom da natureza humana. Pode-se visualizar claramente que os personagens possuem presença marcante e que seus sentimentos e emoções são colocados em primeiro plano. Catherine, mimada e caprichosa, mostra-se também no decorrer da obra que ama Heathcliff, mas deixa o status social falar mais alto, por julgar que Heathcliff não poderia ser um bom marido perante a sociedade, pois, ele não possuía nome nem posses. Assim, ela se casa com Edgar Linton. Confusa e descontrolada ela adoece e morre ao dar a luz à sua filha. Sua morte é a consequência da guerra existente entre os dois homens que acabam matando-a fisicamente e psicologicamente. No segundo capítulo será conceituada a natureza humana através das teorias dos filósofos Immanuel Kant, com seus dois pontos de vistas diferentes a respeito do ser humano. Jean Jacques Rousseau com a teoria do primitivo generoso e Thomas Hobbes e sua afirmativa o “homem é lobo do homem.” As teorias de Sigmund Freud baseadas em instintos ou pulsões que impulsionam e direcionam o comportamento humano e a visão otimista de Carl 9 Rogers sobre o ser humano contribuíram no campo da psicologia para a compreensão das atitudes do protagonista. O terceiro capítulo abordará a natureza de Heathcliff as guerras interiores, a mistura de sentimentos indefinidos e incontroláveis. Ele pode ser visto como um vilão diante de seus comportamentos complexos profundamente humanos em relação ao amor este sentimento nobre. Questões filosóficas e psicológicas relacionadas à natureza humana desencadearão algumas hipóteses sobre o comportamento nocivo do protagonista em relação ao amor. Assim, com base nas leituras de resenha sobre a obra, teorias dos estudiosos já citados, será investigada as possíveis causas, sentimentos e motivos que desencadearam determinadas atitudes e comportamentos diante da situação que o personagem passava naquela época. É importante ressaltar que estas situações são frequentes no contexto atual, sendo possível trabalhá-las. Para a época, a autora foi ousada em explorar os diversos sentimentos gerados por consequência de um amor intenso. CARDOSO (2009) acredita que a leitura dessa obra é uma emocionante viagem ao interior da alma e aos processos que provocam paixões. A relevância desta pesquisa é investigar os motivos que levaram o protagonista a se comportar de maneira tão cruel e selvagem. É mostrar de onde derivam seus comportamentos e pensamentos disfuncionais, geradores de sentimentos complexos e de difícil acesso, presentes durante toda a obra, por isso este trabalho se justifica. A partir dessa investigação podem surgir possíveis contribuições como a apreciação artística e analítica sobre o personagem. 1.1 Objetivo Geral Relacionar e analisar elementos da obra com questões filosóficas e psicológicas que justifiquem as relações amorosas conflituosas a conduta passional de Heathcliff. 1.2 Objetivos específicos 10 a) Investigar através dos comportamentos de Heathcliff uma possível justificativa para o desfecho do romance. a) Compreender as questões racionais e irracionais relacionados ao amor na obra . b) analisar dentro da obra a faceta do amor desmedido c) Demonstrar como as atitudes de uma pessoa loucamente apaixonada pode trazer consequências devastadoras para a vida de um ser humano. 11 2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS 2.1 Emily Bronte Emily Bronte, autora da obra analisada neste trabalho, teve um papel muito importante na história da literatura inglesa, a vida simples que levava em meio aos livros de seu pai inspirou-a escrever um único livro em prosa que abalou a sociedade da época. Neste primeiro capítulo fica exposta um pouco da vida, obra e estilo da autora. 2.1.1 Biografia Em 30 de julho de 1818 em Thornton, nascia na Inglaterra Emily Jane Bronte. No vilarejo de Haworth em Yorkshire. Cresceu ao lado das irmãs, Charlotte, Anne Bronte e do único irmão Branwell. Sua mãe morreu quando ela tinha apenas três anos de idade, sua criação e de seus irmãos ficou por conta de seu pai, de uma tia e uma empregada doméstica que chamavam carinhosamente de Taby e foi com Taby e a ajuda dos livros da biblioteca de seu pai que Emily e suas irmãs brincando, criaram personagens e lugares imaginários como Gondal e Angria e assim histórias extraordinárias. O ambiente em que passaram toda a sua infância possuía poucos atrativos para crianças. Assim relatou Charlotte, quando relembrou sua infância. Dependíamos totalmente de nós mesmos e uns dos outros, dos livros e do estudo para encontrar diversões e ocupações na vida. O estímulo mais elevado, bem como o prazer mais vivo, que conhecemos da infância em diante residia em nossos primeiros esforços na composição literária.”( BRONTE,1847, pág. 05) Na biblioteca do pai Patrick Bronte que também era autor de obras em prosa e verso as crianças tinham acesso a quase todos os livros, com exceção das “histórias de amor volúveis” para a época vitoriana. 12 A vida de Emily era pacata e frágil, unida à suas irmãs Charlotte e Anne tornaram-se escritoras. E foi a partir dos soldadinhos de chumbo que seu irmão ganhou de presente do pai que as irmãs iniciaram suas histórias. Não era aceito e nem a sociedade acreditava que mulheres poderiam ter tantas ilusões, principalmente românticas a ponto de colocá-las no papel, por esse motivo era difícil uma mulher ser escritora. Devido a este preconceito, tanto Emily quanto suas irmãs publicaram suas primeiras obras sob pseudônimos: “Currer Bell (Charlotte) , Ellis Bell( Emily) , Acton Bell ( Anne).” Charlotte afirmava que sua irmã Emily era “mais forte que um homem e mais simples que uma criança.” (DAVIES, apud DIAS 2012), sugere assim com esta comparação revelar a intelectualidade por parte das mulheres naquela época. Essas identidades provocaram especulações e confusões, não se sabiam se “Bell” tratava-se de figuras do sexo masculino ou feminino e quantos na verdade eram. Tais especulações foram esclarecidas em 1850 por Charlotte que revelou ao grande público os verdadeiros nomes das jovens irmãs que já haviam falecido. Pode-se caracterizar Emily Bronte como: a silenciosa, tímida, reclusa e introvertida das irmãs Bronte. Jamais conseguiu adaptar-se aos trabalhos como governanta e professora, tinha dificuldades para falar em púbico e até onde se sabe não chegou a ter uma vida amorosa. Segundo Bataille (1998) ela Viveu numa espécie de silêncio que foi rompido pela literatura e através da mesma, por meio de sua única obra publicada em prosa que revelou-se explosiva, com intuição e senso de observação além do comum em sua época. Nas páginas de Whuthering Heights, ou “O morro dos ventos uivantes” os leitores puderam imaginá-la como uma mulher forte e confusa, que possuía uma luta com seu interior, Davies apud Dias (2012) afirma que: Emily Bronte era complexa, ela queria as oposições e se debatia em seu „EU‟ em conflito pela integridade que não encontrava, de modo que havia nela uma filosofia de dualismo que projetou em „o morro dos ventos uivantes‟ um modelo dinâmico de trabalho da mente em todos os seus conflitos. Escrever uma obra com personagens um tanto quanto confusos em relação a seus sentimentos, ora sente amor, ora sente ódio não parece ter sido algo difícil 13 para a autora, considerando que a mesma usou de sentimentos próprios. Bataille (1998, p. 18) afirma que “não se pode duvidar que Emily Bronte, que morreu por ter vivido as situações que ela descreveu, não se identificasse de algum modo com Catherine Earnshaw?” Esse fato juntamente com a vida pacata nas charnecas sombrias serviram de inspiração para a criação de um ambiente gótico e de uma infância protegida e religiosa que influenciaram em sua escrita. O estilo da autora sobressaía à época. Em uma sociedade de silêncios e desejos femininos martirizados, a filha de um pastor sabia de todas aquelas coisas que escreveu, parecia possuir um demônio que alterava o caráter humano e mesmo provavelmente não tendo vivido um grande amor, criou nos fantasmas de sua imaginação uma obra que conforme Bataille (1998, p. 12) “Talvez a mais bela, a mais profundamente violenta das histórias de amor”. Emily Bronte faleceu muito jovem, aos 30 anos por consequência de uma tuberculose e por ser considerada antissocial e viver uma vida praticamente doméstica, comum às mulheres daquela época, a história de sua vida se resume em algumas hipóteses. Mas, pelas páginas de sua única obra pode-se perceber que a infância, o ambiente em que viveu e os sentimentos reclusos da própria autora fortemente influenciaram e inspiraram a escrita deste clássico da literatura Inglesa. 2.1.2 Wuthering Heights, filho único Um dia, alguns versos de Emily Bronte foram descobertos por sua irmã Charlotte que se impressionou com a qualidade dos poemas e convenceu-a de que os versos eram dignos de compor um livro. Esses poemas foram o início da trajetória das irmãs Bronte e um incentivo para a publicação de outras obras. A única obra em prosa da autora britânica Emily Bronte foi publicada no ano de 1847 ainda sobre o pseudônimo de Ellis Bell. Recebeu inúmeras rejeições. Os críticos da época descreviam a obra como mórbida, violenta, sádica e bruta, fora dos padrões dos escritores da época, Allot apud Dias (2012) diz: “... Eles [ os críticos] ficaram incomodados pela negação das convenções que costumam ser apresentadas por autores para prover claramente os padrões morais para guiarem seus leitores.” Um romance que distanciava radicalmente da tradição vitoriana e 14 decompunha os valores dos puritanos influenciado fortemente pelo estilo Lord Byron. A fascinante história em questão inicia-se com a chegada do simpático inquilino Sr. Lockood que procura por Heathcliff, o proprietário do Morro dos Ventos Uivantes. Intrigado pela recepção nada cordial por parte do anfitrião e por todos que moravam na casa a curiosidade o aguça a entender a história daquela família. “Solicitei que a Sra. Dean, quando trouxesse o jantar, sentasse um pouco enquanto eu comia, na sincera esperança de que se mostrasse uma fonte regular de novidades.” ( BRONTE, 1.847 pág. 47). Nelly Dean, a governanta, conta então a história de amor entre Catherine Earnshaw e Heathcliff que teve início logo quando ele chegou à casa trazido pelo patriarca da família. O menino sujo, com a pele morena, características de um cigano recebeu o nome de Heathcliff. Logo Catherine ficou próxima dele, enquanto o irmão Hindley o odiava. Desde a infância Heathcliff apresentava traços de mal humor. Sofria humilhações, era tratado como escravo por Hindley. Com a convivência Catherine e Heathcliff se apaixonaram e viviam sempre juntos. Com a morte do Sr. Earnshaw Hindley se sente superior aos demais, continua maltratando o irmão de criação e proíbe a amizade dele com Catherine. Diante de tudo isso Heathcliff se torna um jovem revoltado, bruto e melancólico. Hindley se casa e sua esposa morre ao dar a luz ao filho Hareton. Deprimido ele se entrega aos vícios e perde todos os bens da família. Seu filho é criado sem instruções, como um escravo e torna-se um jovem agressivo. Durante uma conversa com Nelly Dean Catherine revela amar Heathcliff “... Agora seria uma humilhação para mim casar-se com Heathcliff, então ele jamais vai saber o quanto -o amo, não por ser charmoso, Nelly, mas porque ele é mais do que eu mesma...” ( BRONTE 1847, Pág. 98.) Seria humilhante uma moça de classe média, de pele branca casarse com um rapaz de pele escura e sem classe. Ao ouvir essa conversa entre Nelly e Catherine, Heathcliff vai embora magoado e retorna alguns anos mais tarde rico e dono de muitas propriedades, inclusive torna-se o dono das antigas terras dos Earnshaw. Com sede de vingança ele desperta ciúmes no marido de Catherine, Edgar Linton. Casa-se com Isabella 15 apenas para se vingar. Humilhada e desprezada pelo marido ela foge de casa e dá a luz ao seu filho e o batiza como Linton. Em seu conflito interno entre razão (Edgar) e coração (Heathcliff), Catherine muito fragilizada adoece e morre ao dar a luz a filha, que recebe o mesmo nome da mãe. Como parte da vingança Heathcliff arma para que mais tarde a filha de Catherine se case com seu filho Linton, que possui uma saúde frágil e morre logo. Com a morte de Edgar, pai de Catherine e Linton o marido, Heathcliff torna-se o dono das propriedades dos Linton também. Assim, ele se vinga de todos que ele julga responsáveis por impedir que ele vivesse em vida seu amor. Atormentado pelo fantasma de Catherine conforme descrito nesta passagem do livro “... perturbá-la? Não! Foi ela quem me perturbou dia e noite por 18 anossem descanso sem remorso...” (BRONTE 1847, pág. 322). Heathcliff passa a viver enclausurado até a morte. Catherine Linton se apaixona por seu primo Hareton e assim termina a história. Algumas pessoas que passavam pelo morro diziam ver os fantasmas de Catherine e Heathcliff vagando por àquelas terras. O que se conclui é que Catherine negou seu verdadeiro amor, trocando-o pelo status social estabelecido pela época. Devido à história de vida de Heathcliff, o mesmo optou por se vingar de todos que lhe humilhava e que lhe causou algum tipo de decepção, com isso seu amor por Catherine ficou em segunda plano. O personagem conseguiu concretizar seus objetivos de vingança, vingando-se de todas as gerações e envolvendo-os em suas emoções e conflitos. A personalidade dos personagens e seus conflitos internos são pontos relevantes na obra. A autora os caracterizou com comportamentos, sentimentos e atitudes marcantes para aquela época, o que lhe diferenciou dos demais escritores. 2.1.3 Era Vitoriana A vida e obra de Emily Bronte pertenceram a uma época marcada por agitação, crescente industrialização e uma grande evolução de forma geral. Esse período foi denominado Era Vitoriana em homenagem a Rainha Vitória que reinou na Inglaterra de 1837 à 1901. 16 A Inglaterra passou por mudanças econômicas e sociais. Segundo Carpeaux (1963, p. 2.145) “A progressão inglesa, baseada em economia utilitarista e ciência positivista aplicada, parecia feita para toda a eternidade como Dogma de uma igreja.” A sociedade experimentava o novo mas, por ser totalmente tradicionalista o novo ao mesmo tempo que era bom amedrontava. Segundo Burguess apud Barbosa (2010) “...uma característica da literatura vitoriana é seu objetivo altamente moral...” O regime propunha valores morais e toda a sociedade deveria seguir com rigor. Os opositores que, por ventura viessem a desobedecer às normas eram perseguidos. Vigorava então o puritanismo, esse, influenciou as obras literárias e uma onda de repressão intelectual, privação do desejo e da paixão marcaram essa época. A classe média comportava-se com seriedade e respeito e a boa conduta vetava as manifestações de sentimentos. A literatura deveria valorizar a moral pois, era importante naquela época a leitura em família como forma de entretenimento. Novas ideias jamais poderiam atrapalhar a harmonia e o equilíbrio da família. As mulheres da época vitoriana tinham como qualidade a fraqueza, a submissão, delicadeza e inocência. Uma vida totalmente doméstica, onde as grandes preocupações era cuidar dos filhos, do marido e estar sempre pronta para empenhar-se pelo bem estar da família. Os casamentos não eram realizados por amor, considerado algo supérfluo, mas para satisfazer os interesses das famílias. Na obra de Emily Bronte o leitor consegue ver isso com clareza, embora amasse Heathcliff, Catherine se casou com Edgar Linton para seguir a tradição da sociedade. Foi neste período de edificação e formação moral de leitores que Emily Bronte escreveu “Wuthering Heights”. Obra única que a crítica julgou inapropriada para a época e que chocou a conservadora sociedade inglesa. De forma geral os vitorianos imaginavam que a criação das mulheres no campo da literatura deveriam ser limitadas, assim como a visão que elas possuíam de mundo. À mulher escritora daquela época era dado o direito de escrever sobre seu cotidiano e experiências vivida no seu espaço puramente doméstico. Emily Bronte quebrou as regras e presenteou o público com uma grande obra da literatura inglesa, mostrando que a mulher era o modelo criado pela sociedade, 17 mas possuía também uma visão inovadora e realista do que se passava ao seu redor. Com essa visão realista foi capaz de criar personagens profundos em seu único romance, de uma natureza humana que serviu de objeto de estudo para essa pesquisa conforme definida no próximo capítulo. 18 3 DEFINIÇÃO DA NATUREZA HUMANA 3.1 Concepção filosófica Os significados atribuídos à natureza humana ou personalidade são diversos, já que muitos estudiosos durante anos formularam suas teorias a respeito do que é ser humano. Muitas também são as observações que podem ser feitas sobre a natureza humana, dentre elas os conhecimentos filosóficos, psicológicos e fragmentos de obras literárias. A pesquisa em questão abordará brevemente o conceito filosófico, profundamente o psicológico e a questão da natureza humana na obra “O morro dos ventos uivantes.” 3.1.1 Para Immanuel Kant Immanuel Kant foi um filósofo alemão criticista que escreveu e lecionou sobre diversos assuntos, dentre eles o problema do mal. Kant apud Perez (2010) define o homem de dois pontos de vista diferentes. “Como objeto da natureza e como cidadão do mundo.” Possuidor de um caráter, físico e moral. No caráter físico descreve-o como um ser sensível ou natural e no caráter moral como racional, dotado de liberdade. As características humanas neste âmbito determinam o homem com disposição natural impulsiva para o bem prático e com aspectos psicológicos lidando com sentimentos e desejos. Quanto ao caráter, o sujeito se vê obrigado a seguir determinados princípios morais, mediante a sua própria razão. Diante destes pressupostos Kant permite fazer um reconhecimento do homem partindo do exterior para o inferior. Kant supõe que o homem não é intencionalmente mal, mas torna-se mal, por consequência de alguns acontecimentos. Assim, este pensamento de Kant a respeito da natureza humana não explicaria por um lado as atitudes de Heathcliff, pelo lado de que o homem não tem a intenção de ser mal, já que, desde criança ele já era mal humorado e tudo indica que era mal intencionado também. Pode-se 19 confirmar em algumas passagens do livro que definem o pequeno cigano desde criança. “Parecia ser uma criança mal humorada, calejada contra os maus-tratos, aguentava as pancadas de Hindley sem piscar os olhos, sem chorar...” (BRONTE 1847, p. 53) quando Nelly diz que aguentava as pancadas sem se manifestar é mostrada a frieza que Heathcliff já possuía. Não fica explícita na obra a origem de Heathcliff, conforme Nelly a governanta afirma “...sei de tudo a respeito; menos onde nasceu, quem foram seus pais...” (BRONTE 1847, p. 49) assim, não há como saber o que aconteceu em sua vida antes de ser encontrado pelo Sr. Earnshaw. A vida amarga e injusta que Heathcliff levava antes de chegar à casa dos Earnshaw atua como o ponto de partida, uma das causas do comportamento hostil de Heathcliff ou seja, pode ser explicado pelo pensamento de Kant sobre as situações da vida que faz o homem mal. Neste caso não originou a maldade, mas fortaleceu-a, já que, o que tudo indica é que o menino não tinha ninguém na vida, “...era uma criança suja, maltrapilha e de cabelos escuros..." ela ainda afirma que o patrão contou uma história “...sobre ver o garoto passando fome, sem ter onde morar e confuso nas ruas de Liverpool...” (BRONTE 1847, p. 51 e 52). Pressupõe que diante desta afirmativa de Nelly, o menino era um excluído da sociedade, não tinha uma vida decente, o contato com as pessoas talvez fosse só para pedir algum alimento para sua sobrevivência. A vida difícil antes da agregação à família de Catherine mais as humilhações sofridas, por pessoas que na verdade deveriam acolhê-lo, dar amor e carinho seriam as causas que levaram Heathcliff tornar-se cada vez mais rancoroso e com sede de vingança. Considerando-se assim que, ele já tinha uma tendência para o mal, mas seu comportamento fortifica-se por consequência do sofrimento durante a infância. Talvez, Heathcliff tinha uma perspectiva de ter uma vida diferente quando foi resgatado das ruas e levado para um ambiente familiar, no entanto, ele não foi bem aceito, principalmente pelo irmão Hindley que o castigava constantemente. Na visão de Kant sobre o ser sensível , Heathcliff mostra que era uma criança tranquila em relação a seus irmãos de criação segundo Nelly “ele era sossegado como um carneirinho; embora fosse a apatia e não a delicadeza que o fizesse dar tão pouco trabalho...” ( BRONTE 1847, p. 53), ou seja, desde criança ele já não 20 demonstrava sensibilidade a nada, nem aos cuidados que recebia nem a admiração que recebia do senhor Earnshaw. Nelly não entendia porque o patrão era bondoso com “... um garoto tão ranzinza, jamais retribuía essa bondade com qualquer sinal de gratidão, era simplesmente insensível...” ( BRONTE 1847, p. 54). O comportamento de Heathcliff dava a impressão de que ele não gostava de bondade. Mesmo que Heathcliff tivesse nascido com uma tendência a fazer o bem, lidando apenas com seu sentimento de amor por Catherine, havia uma força que o conduzia a exercer a crueldade, o egoísmo. O desejo de vingança, que embora, não trouxesse de volta o seu amor na vida terrena e o tornasse um homem feliz, deixava-o satisfeito pelo simples fato de poder causar sofrimento às pessoas ao seu redor, tamanha era sua insensibilidade e falta de compaixão. Heathcliff se comportava como se odiasse a humanidade. 3.1.2 Para Jean Jacques Rousseau O importante filósofo Jean Jacques Rousseau, escreveu sobre educação, religião e literatura. Defendia a ideia do primitivo generoso. O homem bom por natureza, ou seja, nasceu inocente, só usa sua força quando a vida dele está em jogo, o fato dele se tornar um ser ganancioso, cruel e vingativo é responsabilidade da civilização. Heathcliff não tinha uma natureza que tendia para a bondade. Era egoísta e usava do apreço que o pai de criação tinha por ele para provocar Hindley. Isso se comprova na ocasião em que o Sr. Earnshaw presenteou cada um deles com um potro, Heathcliff ficou com o mais bonito deles, mas bastou perceber que ele era coxo para ameaçar Hindley. Você tem que trocar de cavalo comigo; eu não gostei do meu e se você não quiser eu vou contar para o seu pai das três surras que você me deu essa semana e mostrar para ele o meu braço cheio de roxo até o ombro ( BRONTE 1847, p. 54) Comportava-se friamente aos maus tratos de Hindley, com indiferença, como se não se importasse em ser humilhado, em várias ocasiões a própria Nelly afirma estranhar tal comportamento. 21 Fiquei surpresa ao ver a frieza com que o garoto levantou-se e continuou o que estava fazendo, trocando as selas e tudo mais, para logo a seguir sentar em um monte de feno e recuperar-se das dores causadas pela violência da pancada antes de entrar na casa ( BRONTE,1847 p.55) Quando Heathcliff ouviu Catherine contar a Nelly que o amava, mas que jamais poderia se casar com um homem que não possuía posses, nem mesmo um sobrenome, a sua fúria o fez partir para Gimmerton e ir em busca daquilo que os Linton tinham e ele não. Ele queria ser como Edgar “ eu queria ter cabelos finos e pele clara, ter roupas boas e ser bem comportado e ter a chance de ser tão rico quanto ele vai ser...” ( BRONTE, 1847, p. 70). Naquele momento ele tinha o desejo de ser poderoso, no sentido material, ser refinado, para satisfazer sua paixão por Catherine, para vingar-se de todos que o impediram de viver o seu amor. A sua vida estava em jogo. Ou ele tomava uma atitude ou seria humilhado por toda a eternidade. Pode-se dizer que foi o poder buscado longe daquela casa atrelado a paixão um grande incentivo para o comportamento tão egoísta e cruel de Heathcliff. Se tivesse continuado na casa, não teria forças para enfrentar seus inimigos, buscou ser alguém na sociedade e se igualar a Edgar no status social. Heathcliff, não era um selvagem bom, como pensava Rousseau, o poder pode até ter intensificado sua maldade, já que quando se tem dinheiro, muita coisa pode ser feita, para o bem e também para o mal. Heathcliff, escolheu fazer o mal, porque sua propensão era voltada para isso. 3.1.3 Para Thomas Hobbes Thomas Hobbes foi um filósofo político britânico racionalista e materialista. Se preocupava com problemas sociais. Destacou-se pela publicação de sua obra Leviatã que diz respeito à sociedade e o governo legítimo. A identificação dessa obra é a afirmativa “ o homem é o lobo do homem.” Com essa afirmativa Hobbes quer dizer que o homem é mau por natureza, desde os tempos primitivos. Pode-se confirmar nas páginas da obra de Emily que o sentimento que Heathcliff cultivava era a maldade, ele era um garoto frio que aguentava tudo calado. As pessoas ao redor percebiam que ele possuía uma natureza má, pois essa já era visível na sua aparência física. “ Não tenha medo, é 22 apenas um garoto- mas veja quanta vilania estampada no rosto!” ( BRONTE, 1847 p.65) O homem já nasce mal e mesmo quando eram todos iguais já agia sem se importar se as consequências dos seus atos fariam bem ou mal ao outro. Na concepção de Hobbes o homem é egoísta, egocêntrico e inseguro. Segue suas paixões e desejos misturados com sugestões de sua razão natural. Heathcliff quando retornou ao morro dos ventos uivantes, agia de forma cruel e mal educada com todos ao seu redor, ele não tinha conhecimento da palavra piedade, assim não se importava com o mal que fez a Isabella, brincando com seus sentimentos para se vingar de Edgar conforme ela mesmo relata ao referir-se ao marido. Ele conseguiu extinguir o meu amor, então estou em paz. Ainda posso lembrar do quanto eu o amava; e até que eu poderia voltar a amá-lo se - Ah, não, não! Ainda que me cortejasse a natureza demoníaca revelaria sua existência de uma ou de outra forma. Catherine só podia ter um gosto muito pervertido para tê-lo em tão alta conta, conhecendo-o bem- Monstro! Como eu queria que fosse apagado da criação e das minhas lembranças ( BRONTE, 1847, p. 199). Pode-se dizer que Heathcliff tinha em sua mente que se ele não era feliz, ninguém tinha o direito de ser também, não era adepto a paz, isso mostra o quanto era egoísta. a sua alegria como a de satanás, consiste em promover a desgraça alheiaÉ o que você está demonstrando – Edgar recuperou-se do mau humor que o acometeu quando da sua chegada; começo a sentir-me segura e tranquila ; e você, incomodado por nos ver em paz, parece decidido a semear discórdia ( BRONTE, 1847, p. 13). Hobbes também acreditava que o homem é governado por suas paixões e tem como direito conquistar o que almeja. Seu objeto de desejo quando cobiçado por outro, ao mesmo tempo, não pode ser compartilhado, isso os torna inimigos. Heathcliff age em alguns momentos da trama como se Catherine lhe pertencesse, como se ele tivesse voltado também para recuperar o que lhe foi tomado. Ele já se sentia rival de Edgar desde as visitas à casa de Catherine durante a infância. Nelly deixa claro o ódio que demonstrava por Edgar quando narra uma passagem da 23 história em que Edgar fez um terrível comentário juntamente com Hindley sobre os cabelos de Heathcliff comparando-os a uma crina de cavalo. O comentário foi feito sem intenção de insultar , mas a natureza violenta de Heathcliff não estava disposta a aturar sequer a sugestão de impertinência vinda de alguém, que já naquela época parecia odiar como um rival. Pegou uma sopeira com purê de maçã ainda quente – a primeira coisa que alcançou e atirou contra o rosto e o pescoço de Edgar ( BRONTE, 1847, p. 74). Outro fator importante é que Heathcliff já estava perdendo a companhia da amiga, eles já não ficavam tanto tempo juntos como antes conforme ele mostrou-a no calendário. apenas olhe para o calendário na parede. Apontou para uma folha pendurada próxima à janela e continuou: Os xx indicam as noites que você passou com os Linton, e os pontos, os dias passados comigo- Está vendo? Marquei todos os dias. ( BRONTE, 1847, p. 86). A preferência de Catherine por Edgar, fez Heathcliff enxergá-lo como um grande rival, aquele que roubou o amor da sua vida, por ser rico, educado, dentro dos parâmetros da sociedade. Portanto, o comportamento de Heathcliff pode ser explicado pelas ideias de Hobbes aqui expostas. Ele era mal por natureza, não se importava se suas atitudes estavam fazendo com que outras pessoas sofressem, se incomodava com a harmonia, principalmente entre Catherine e Edgar, este a quem tinha como o maior rival, por cobiçar e conquistar seu maior objeto de desejo. 3.2 Concepção Psicológica No campo da psicologia são diversas as discussões sobre a natureza humana. Alguns questionamentos tem como finalidade explicar o significado do ser humano. Atualmente a psicologia diz que o comportamento humano é influenciado pelo ambiente em que o sujeito está inserido, mas não descarta que o sujeito já tenha nascido com tendência a desenvolver um determinado comportamento. Uma discussão relevante também é a influência dos acontecimentos da infância para a 24 formação da personalidade, já que é nesta fase que se inicia o comportamento, o juízo de moral entre outros. Outra questão é a visão pessimista e otimista por parte dos teóricos, se o ser humano é bom ou mau, neste caso o julgamento é de valores e moral. Alguns teóricos possuem visão positiva sobre a personalidade humana, enquanto outros já afirmam que o ser humano é mau, a humanidade é má. O estudo sobre a natureza humana é amplo e para essa pesquisa conta-se com as teorias de alguns estudiosos do campo da psicologia para explicar o comportamento do personagem estudado. 3.2.1 Para Sigmund Freud Freud foi um teórico importante não só na área da psicologia mas, na cultura geral. Sua definição sobre personalidade através do que ele chamou de teoria psicanalítica, foi a primeira teoria formal e a mais conhecida entre todas. Além de ter sido a base para as demais teorias dele outros teóricos também usaram sua descoberta para elaborarem outras propostas no campo da natureza humana. As experiências e traumas sofridos durante a infância refletiram para a criação de sua teoria. Teve alguns seguidores como Carl Jung, Alfred Adler que depois de algum tempo romperam com o mestre e foram em busca de suas próprias teorias. O sistema de Freud quanto a natureza humana é baseado em instintos internos ou pulsões que são as forças que impulsionam e direcionam o comportamento humano de forma inconsciente. Dividiu-se esta pulsão entre vida e morte. A pulsão de vida é representada pela busca do prazer, crescimento e desenvolvimento e a pulsão de morte é representada por uma energia destrutiva que leva o indivíduo a inquietude. De acordo com Schultz e Schultz (2011, p. 46 e 47) “Freud dividia a personalidade humana em três níveis, consciente, o pré-consciente e o inconsciente, mais tarde ele –introduziu três estruturas básicas na anatomia da personalidade: o id, ego e superego.” O ID é uma estrutura que não se preocupa com a satisfação do outro, apenas com a própria, representa a satisfação do prazer em seu tempo em sua hora é 25 egocêntrica e fora da realidade, faz tudo para atingir seus objetivos e desconhece a moralidade e o julgamento de valores como afirma Freud. É a parte obscura, a parte inacessível de nossa personalidade; o pouco que sabemos a seu respeito, aprendemo-lo de nosso estudo da elaboração onírica e da formação dos sintomas neuróticos, e a maior parte disso é de caráter negativo e pode ser descrita somente como um contraste com o ego ( FREUD, 1933-1932). O ID representa o primeiro conceito do inconsciente, um reservatório de instintos como a paixão, a libido e agressividade. É considerado uma estrutura extremamente poderosa pois, é responsável por fornecer toda a energia para as outras duas estruturas. Sua função principal é buscar o prazer e nessa busca sua exigência é que seu desejo seja atendido rapidamente. Quando o ser humano nasce ele só possui a estrutura ID, inconsciente da realidade. Como explica e compara Schultz e Schultz (2011, p.48) O ID não tem consciência da realidade. “Pode-se compará-lo a um bebê recém-nascido que chora e agita as mãos quando suas necessidades não são atendidas mas que não sabe como buscar satisfação.” Um ser humano não poderia jamais ser dotado apenas de ID, pois, seria impossível viver em sociedade já que tomaria do próximo aquilo que fosse necessário para satisfazer seus próprios desejos. Fica claro que o ID é uma estrutura totalmente egoísta com visão voltada para satisfação do seu desejo, mesmo que isso vá contra a moral social. Quando o ID quer algo, nada mais é importante para ele, pouco importa a realidade da situação. Descrevendo o ID do personagem estudado é possível exemplificar com algumas passagens do livro o instinto como a paixão de Heathcliff por Catherine, conforme ele descreve em uma conversa Com Nelly onde ele compara seu amor ao de Edgar Linton “Pois, ainda que ele a amasse com todos os poderes e seu mísero ser, não conseguiria amar em oitenta anos quanto eu amo em um dia.” (BRONTE, 1847, p. 173) O instinto de agressividade também está claro na obra no momento em que Hindley deixa Heathcliff do lado de fora da casa por alguns momentos e prepara para acabar com a vida dele, mas o plano deu errado e quem acaba se machucando é ele mesmo com o golpe de Heathcliff, assim relata Isabella que era cúmplice de Hindley na tentativa de acabar com a vida de Heathcliff “O canalha começou a 26 chutá-lo e a pisoteá-lo e a bater lhe a cabeça contra as pedras do chão; ao mesmo tempo segurando- me com a mão para evitar que eu chamasse Joseph.” (BRONTE, 1847, p.204) O ID não é a única estrutura que compõe a teoria de Freud ele necessita de outra estrutura para controlar e direcionar sua satisfação, O EGO, que por sua vez atua de acordo com o princípio da realidade, mediando o confronto entre Inconsciente e SUPEREGO uma luta constante, atendendo e reprimindo o ID quando necessário. Os seres humanos adoecem de um conflito entre as exigências da vida instintual e a resistência que se ergue dentro deles contra esta; e nem por um momento nos esquecemos dessa instância que resiste, rechaça, reprime, que consideramos aparelhada com suas forças especiais, os instintos do ego ( FREUD 1933- 1932). É o EGO que mede a relação ação e consequência antes de colocar as coisas em prática. Sua função é de controlar, limitar. Através do princípio da realidade o EGO avalia quais pulsões do ID podem ser satisfeitas. Possui funções conscientes como a percepção, a linguagem e inconsciente como os mecanismos de defesa que são estratégias usadas para tentar a redução da tensão e a ansiedade, frutos dos conflitos entre as três estruturas. A ação do ID pode ser vista na atitude de um bebê que não tendo consciência da realidade não se importa se seus pais podem satisfazer seus desejos ou não, o que importa é que esse desejo seja realizado. Por volta dos três anos de idade, a criança já começa a entender que nem tudo pode ser feito a seu tempo e que outras pessoas também tem desejos e necessidades, é notada então a ação do EGO, limitando, determinando momentos adequados, e redirecionando a satisfação do ID. Um exemplo de ação do EGO pode ser vista na obra ainda no momento de violência praticada por Heathcliff contra Hindley. Ao ter em mãos seu inimigo o primeiro desejo é acabar de vez com ele, porém ele desiste. “sem dúvida precisou de uma abnegação quase sobre- humana para resistir ao impulso de acabar com a raça do adversário; mas quando começou a arquejar, finalmente desistiu” ( BRONTE, 1847, p.205). o EGO neste caso reprime o ID, impedindo-o de satisfazer seu desejo e o SUPEREGO faz com que ele pare. 27 Por último, completando o quadro de personalidade de Freud, conta-se com o SUPEREGO que é a representação dos valores morais, da conduta, do certo ou errado. O superego é para nós o representante de todas as restrições morais, o advogado de um esforço tendente à perfeição - é, em resumo, tudo o que pudemos captar psicologicamente daquilo que é catalogado como o aspecto mais elevado da vida do homem ( FREUD 1933- 1932). O SUPEREGO é o juiz dos pensamentos. Busca a perfeição moral É quando a criança começa a aprender que existem normas e leis impostas pelos pais ou mesmo pela sociedade e que estas devem ser seguidas e respeitadas. A criança aprende através dos pais os comportamentos que eles consideram maus ou bons e quando são punidas por esses comportamentos formam uma parte do SUPEREGO chamada de consciência. A outra parte que é chamada de ideal do ego, é quando a criança se comporta bem ou faz algo certo e por isso é elogiada. A criança se comporta nessa fase para agradar o outro. Diante das definições sobre as estruturas que formam a personalidade humana na concepção de Freud é possível afirmar que o ID é inconsciente, desconhece os julgamentos de valores, de moral, age na tentativa de reduzir tensão a fim de satisfazer necessidades, ignora a realidade. O EGO representa a razão e a racionalidade, regula o ID e o SUPEREGO, suas funções básicas são percepção, memória, sentimentos e os pensamentos. E o SUPEREGO representa a moralidade. Certo ou errado. São nessas estruturas que estão os conflitos interiores do ser humano, os impulsos e as lembranças traumáticas ou reprimidas. Freud acreditava que o homem vive em conflito entre forças divergentes em seu interior, já que o equilíbrio e a harmonia entre ID, EGO E SUPEREGO, seriam impossíveis de se alcançar. A tentativa do EGO de conciliar ID e SUPEREGO é motivo de angústia e de conflito. É o EGO que tem a função de facilitar o entrosamento entre ID e a racionalidade de retardar seus ímpetos agressivos. Se por ventura ele se submete ao ID torna-se imoral e destrutivo e se submete ao SUPEREGO enlouquece de desespero e estará sujeito a viver em uma situação insuportável e de completa insatisfação. Essa falta de controle entre forças internas 28 e externas é que explica a capacidade do homem de se destruir e destruir ao próximo. Freud não nos apresentou um quadro lisonjeiro ou otimista da natureza humana; ao contrário sugeriu que cada pessoa é um depósito escuro de conflitos, no qual ocorrem batalhas constantemente. Os seres humanos são retratados de maneira pessimista, estamos condenados a lutar com nossas forças internas, uma luta que quase sempre estamos fadados a perder... nós estamos sempre nos defendendo contra as forças do id, que estão sempre alertas para nos derrubar. (SCHULTZ;SCHULTZ, 2011, p. 60). O psicológico do homem é que determina suas ações. Seu desenvolvimento na fase adulta é adquirido na infância e a capacidade de modificação daquilo que o homem é por herança dificilmente é mudada. O ID é uma estrutura herdada, enquanto o EGO e o SUPEREGO são adquiridos durante a infância na relação paifilho. “A nossa personalidade adulta é determinada pelas interações que ocorrem antes dos cinco anos, numa época em que tínhamos controle limitados. Essas experiências sempre nos mantem presos.” ( SCHULTZ; SCHULTZ, 2011, p. 60)” O homem para Freud é hostil com a sociedade e com seus companheiros mais próximos. Todos possuem tendências destrutivas e essas tendências em alguns momentos é tão forte a ponto de determinar o comportamento na sociedade. O julgamento geral a respeito do ser humano por parte de Freud era severo. Freud apud Schultz e Schultz ( 2011) “Eu encontrei pouca coisa „boa‟ sobre os seres humanos no geral. De acordo com minha experiência, a maioria deles é lixo.” Emily Bronte também mergulhou no mais profundo da alma do ser humano e encontrou Heathcliff. Seu comportamento e sua personalidade forte de acordo com a teoria de Freud podem ser explicados primeiramente pela luta interior de Heathciff, possuidor de um ID que sobressaia a estrutura psíquica. Seu desejo era viver seu amor, uma vez não realizado, o objetivo era se vingar, não de Catherine, porque ele a amava, mas aos outros que ele odiava. E quanto a você Catherine, gostaria de aproveitar a ocasião para lhe dizer algumas palavras. Quero que você tenha bem claro que eu sei que você me tratou de forma infernal- infernal! Está ouvindo? E se você se lisonjeia imaginando que eu não percebo que você é uma estúpida- e se acha que eu me deixo consolar por palavras doces- você é uma cretina- e se acha que vou sofrer sem me vingar, logo a convencerei do contrário... não pretendo me vingar de você... ( BRONTE, 1847, p. 133). 29 Heathcliff é incapaz de lidar com seus desejos de querer viver o seu amor e ao mesmo tempo ser impedido pela moral que é imposta através da escolha de Catherine. Isso o destrói. Eu não tinha partido o seu coração-foi você quem o partiu- e ao parti-lo, partiu também o meu. Tanto pior para mim, que sou forte. Será que quero viver? Que tipo de vida terei quando- ah, Deus! O que você acharia de viver depois de enterrar sua alma? ( BRONTE, 1847, p. 188). Freud também acreditava que os acontecimentos vividos durante a infância influenciam os comportamentos futuros. Heathcliff tinha uma infância conturbada. Era órfão, impedido de estudar, de ter uma educação, de viver ao lado de quem amava e sempre era castigado por Hindley, como é possível verificar na passagem em que Catherine chama a atenção de Edgar por ter provocado Heathcliff durante o jantar. “Você não devia ter falado com ele” disse, repreendendo Linton. “ Ele estava de mau humor, e agora você estragou sua visita e ele vai ser açoitado- eu detesto quando o açoitam!”(BRONTE, 1847, p.75) Assim, pode se dizer que Heathcliff perante a teoria freudiana possui um ID com impulsos que não são selecionados pelo seu EGO. Querendo satisfazer seu desejo de vingança a qualquer custo, o tempo todo, para ele é isso que importa. Não mede as consequências de sua conduta, seu mau humor e sua maldade fazem mal ao próximo ou não. É visível o instinto da agressividade, com Hindley e Edgar em alguns trechos do livro. Por outro lado tem a paixão dele por Catherine que é também uma das motivações para tais comportamentos e a revolta por ter sido inibido de viver essa paixão. Seu EGO por sua vez funciona como mediador entre ID e SUPEREGO, no entanto ele não tem capacidade de lidar com seus desejos, por esse motivo ele acaba destruindo não só a si mesmo, mas de certa forma todos ao seu redor. Os desejos do ID não são selecionados pelo seu EGO conforme deveria ser. Uma pessoa não possui um equilíbrio total, mas um EGO agindo com mais força sobre as demais. No caso de Heathcliff é o ID que domina as outras estruturas, levando-o a loucura, a expor sua maldade e espalhar a discórdia. Uma das crenças de Freud é que os acontecimentos da infância podem influenciar na formação do caráter adulto. As maldades, os maus tratos e as agressões sofridas por Heathcliff 30 durante a infância despertou nele o desejo de vingança. É a incapacidade de lidar com desejos inconscientes, experiências infantis, proibição de viver o seu grande amor que explicam o comportamento hostil de Heathcliff. 3.2.2 Para Carl Rogers Carl Ramson Rogers foi um psicólogo americano, pertencente a uma família protestante e rígida quanto aos princípios religiosos e os valores tradicionais. Possuía uma vida social reduzida, o que pode ter originado sua postura tímida e isolada. A solidão influenciou fortemente sua visão pessoal do mundo e fundamentou sua teoria da personalidade. Rogers era preso aos ensinamentos e a uma educação rígida. O que o levou a viver de acordo com a visão de mundo de outras pessoas. Mais tarde com a independência intelectual e emocional, Rogers concluiu que os seres humanos devem confiar em si mesmo e em suas crenças. A estrutura da personalidade com caráter fenomenológico é dividida entre organismo e Self. O organismo é conceituado como o indivíduo total, completo, um todo organizado em suas experiências vividas, sejam elas, físicas, psicológicas ou sociais. Experiências essas pessoais, privadas que só o próprio indivíduo conhece. O Organismo se movimenta com objetivo de se aperfeiçoar e desenvolver. O homem é um bom ser humano e existe nele uma propensão para crescer e atualizar seu potencial e desenvolver todas as suas capacidades. O impulso de se desenvolver direcionado a autorrealização é chamado de tendência atualizante. A tendência atualizante é a motivação do comportamento humano, a capacidade de compreensão de si mesma e de fazer escolhas construtivas e positivas para a vida, tentando atingir aquilo que o sujeito percebe como valorizador, essa tendência move o organismo a desenvolver suas potencialidades, sua maturidade e a aprimorar o self. Segundo Schultz e Schultz (2011, p. 286) “o self tornou-se a essência da teoria da personalidade de Rogers, já que é a essência de sua própria vida.” O Self é o conjunto organizado, mutável de percepções do próprio indivíduo , à imagem que ele tem de si mesmo. Essa percepção está em processo contínuo e tem como características a tendência ao desenvolvimento. Baseia-se em 31 experiências vividas, estimulações presentes e expectativas futuras. É o elemento que orienta e regula o comportamento humano. O self possui uma ligação com os valores que geralmente são aprendidos com outras pessoas, ou seja, o indivíduo além de viver suas experiências inclui no seu autoconceito os valores aprendidos com os pais. O conflito entre essa experiência do indivíduo e a atribuição dos valores pelos pais levam-na a querer ser um “eu” que os outros querem e não seu “eu” próprio. Assim, em alguns casos a família influencia no desenvolvimento de algumas doenças psicológicas. O self seleciona as experiências vividas e ignora as que não lhe interessa, aceita as que lhe convém, rejeita as que acha nociva e distorce as ameaçadoras. O homem é congruente quando as experiências de seu self são fiéis as de seu organismo, sem ameaças. Daí ocorre o funcionamento completo, ajustado e maduro. “O resultado esperado de um desenvolvimento psicológico e da evolução social do ser humano é a pessoa de pleno funcionamento.” Rogers apud Schultz e Schultz (2011). Uma pessoa em pleno funcionamento seria aberta a sentimentos tanto positivos, quanto negativos, teria liberdade de escolha, sem inibições, apreciação de todas as experiências e necessidade constante de desenvolvimento. A incongruência entre o Self e o organismo, faz com que o homem se comporte defensivamente por se sentir ameaçado e ansioso, ou seja, o homem apesar de ser bom é capaz de atitudes destrutivas e imaturas, mas esse comportamento não se atribui a natureza humana e sim a uma forma de defesa do ser humano. Assim, a congruência entre Self e organismo refere-se a uma realização, já a incongruência pode tornar o homem alienado quanto ao seu verdadeiro self, confuso e dividido, além de um desajuste psicológico e um comportamento neurótico. Carl Roger é totalmente otimista em relação ao ser humano, acreditando que o que torna o homem hostil e até mesmo antissocial é a falta de liberdade em expandir-se ou atualizar seu potencial. Quando o homem está em pleno funcionamento é livre para ser aquilo que verdadeiramente é, este é digno de confiança. 32 De acordo com a teoria de Carl Rogers Heathcliff se comportava cruelmente, porque não encontrou condições para agir diferente. Quando ele foi adotado por uma família ele deveria ser recebido de braços abertos, respeitado e aceito. Esta já começou por não aceita-lo de início. Fiquei assustada, a Sra. Earnshaw parecia disposta a jogá-lo porta afora: pôs –se de pé em um sobressalto- perguntando como o marido havia tido a coragem de trazer um fedelho cigano para dentro de casa quando já tinha suas próprias crias para cuidar e alimentar... (BRONTE, 1847, p. 51). Até mesmo Catherine o desprezou quando ele agregou à família, pois enquanto o pai dela ficou preocupado em trazer o estranho para casa, acabou se descuidando dos presentes dos filhos, revoltados tanto Catherine como Hindley recusaram a ideia de um novo membro na família e até a própria Nelly rejeitou Heathcliff. “Os dois recusaram-se terminantemente a aceitar o garoto na cama, ou mesmo no quarto e eu tampouco tinha a cabeça muito no lugar, então-o deixei no pé da escada esperando que houvesse ido embora pela manhã.” (BRONTE, 1847, p. 52). A visão que Heathcliff tinha de si mesmo não era positiva. Em uma conversa com Nelly sobre a ilusão que Isabella criou sobre seu caráter ele deixa explicita essa visão. “mal consigo concebê-la como uma criatura racional, tamanha a obstinação com que insistiu em formar uma ideia fabulosa de meu caráter e agir sobre as falsas impressões que cultivava.” (BRONTE, 1847, p.174) e ele usou dessa imagem para fazer escolhas negativas e destrutivas para a sua vida, como a vingança que ele traçou contra todos. Assim, pode-se dizer que Heathcliff não tinha propensão para crescer, se desenvolver e atualizar em busca de uma realização positiva, pelo contrário, o desejo dele era destruir e enquanto destruía os outros destruía a si mesmo. Essa tendência destrutiva não era usada para se defender, mas para se vingar de todas as gerações. Heathcliff possuía um self que ao invés de rejeitar coisas nocivas absorvia as em prol da realização de seu desejo de vingança. Ao contrário do que Rogers acreditava em relação ao ser humano Heathcliff não era digno de confiança, já que seu comportamento não era de uma pessoa boa. “Não pense que ele esteja escondendo bondade e afeição por traz de um exterior austero! Heathcliff não é um 33 diamante em estado bruto- um rústico que esconde uma pedra; mas um violento impiedoso e devorador.” (BRONTE, 1847, p. 122). A teoria de Carl Rogers não elucida sobre a origem do comportamento humano, mas crê que o ser humano normal funciona como um todo organizado e que o homem perturbado pode ser ajudado. Para que Heathcliff pudesse ser ajudado ele teria que crer nele mesmo e possuir uma tendência para aperfeiçoar-se e desenvolver uma natureza boa. Diante dessas teorias pode-se observar a verdadeira natureza humana, a conduta e as consequências dos atos do protagonista nas páginas dessa obra, conforme explicado no próximo capítulo. 34 4 A NATUREZA HUMANA NA OBRA A luta interior pessoal demonstrada por Emily permitiu que ela mergulhasse profundamente na natureza humana e tirasse de lá o pior que se pode existir, investigando dessa forma conflitos psicológicos de personagens, mostrando que crueldade e generosidade, bem e mal podem andar juntos, deixando assim, explícito seu real e profundo conhecimento do Mal. Entre todas as mulheres, Emily Bronte parece ter sofrido uma maldição privilegiada. Sua efêmera vida foi infeliz apenas moderadamente. Mas, sua pureza moral intacta, ela teve do abismo do Mal uma experiência profunda. Ainda que poucos seres tenham sido mais rigorosos, mais corajosos, mais retos, ela foi até o fim do conhecimento do Mal. (BATAILLE, 1998, p. 11). A solidão em que vivia permitiu que ela expusesse os fantasmas de sua imaginação em uma história extremamente violenta, ligando o amor à clareza, mas também a morte. Porque o destino, que aparentemente quis que Emily Bronte, ainda que fosse bela, ignorasse inteiramente o amor, quis também que ela tivesse da paixão um conhecimento angustiado: este conhecimento que não liga o amor somente à clareza, mas à violência e a morte- porque a morte aparentemente é a verdade do amor. Assim como o amor é a verdade da morte. (BATAILLE, 1998, p.12). De acordo com os teóricos do capítulo anterior, as atitudes de Heathcliff influenciaram e muito o desfecho do romance. 4.1 O mal e o desfecho do romance Embora Emily não tenha deixado nenhuma pista sobre a origem de Heathcliff em relação à família é possível imaginar que ele vivia nas ruas. É verdade que ao ser adotado não foi recebido cordialmente por todos, mas tinha admiração do Sr. Earnshaw, “O Sr. Earnshaw tomou-se de uma estranha afeição por Heathcliff e passou acreditar em tudo que dizia (pouco, mas quase sempre a verdade) e a mimálo muito mais do que a Cathy, que era travessa e teimosa demais para ser a favorita.” (BRONTE, 1847, p. 53), ou seja, alguém na casa gostava dele a princípio. 35 Depois conquistou o amor de Catherine com quem corria pelas charnecas. Nesta época Heathcliff sofria humilhações por parte de Hindley e juntamente com Catherine vivia de forma selvagem e rude. Heathcliff não teve a oportunidade de ter sido educado pelo seu pai de criação que morreu quando ainda era criança. Não tinha quem o conduzisse ao caminho do bem. Pelo contrário, Hindley dava o mau exemplo sendo mal, extremamente violento com ele. Heathcliff desejava o mal desde pequeno e embora fosse maltratado naquela casa jamais foi à intenção dele trocar de residência. “Nada me faria trocar a minha situação aqui pela de Edgar Linton na Granja da Cruz do Tordo nem que e pudesse ter o privilégio de atirar Joseph do telhado e pintar a fachada com o sangue e Hindley.” (BRONTE, 1847, p. 64). O único sentimento positivo explícito na obra por parte de Heathcliff, era o amor dele por Catherine, fixado durante a infância, em uma época que Heathcliff era feliz ao lado de sua amada, como é notável no seguinte trecho. Um dos passatempos favoritos da dupla era correr até as gandras pela manhã e lá permanecer o dia inteiro; depois o castigo chegava a parecer engraçado até. O cura podia indicar quantos capítulos quisesse para que Catherine decorasse e Joseph podia surrar Heathcliff até sentir cãibra nos braços, os dois esqueciam-se de tudo no instante em que tornavam a se encontrar. (BRONTE, 1847, p. 62). Catherine de certa forma traiu sua infância, deixando-se levar por um futuro cômodo, com um homem de posses e totalmente sensível, o oposto de Heathcliff que era um cigano, pobre e rude. É certo que Heathcliff tinha uma infância sofrida, marcada por rejeição e humilhação e era ao lado de Catherine que ele parecia esquecer tudo. Todo o seu passado possuía elementos como a humilhação, os maus tratos para que ele desenvolvesse a maldade que já existia em seu semblante, mas a maior de todas as rejeições foi a do seu grande amor. Revoltado por ser trocado, Heatcliff retorna ao Morro dos Ventos Uivantes rico, não educado, pois, mesmo se tivesse tentando ser assim, sua natureza rude não permitiria. Sentia o direito de trazer de volta para sua convivência o seu amor, mesmo que esse desejo custasse a sua própria vida, ou até mesmo não se realizasse neste plano, mas em outro. Heathcliff não se conformava pelo fato de Catherine ter se submetido ao status social e não ao seu coração e foi sua obsessão, seu amor doentio e as 36 atitudes vingativas que causaram a doença de Catherine. “Você me matou- e acho que gostou do que fez. Como você é forte! Quantos anos pretende viver depois que eu me for?” (BRONTE, 1847, p.185). Pode se dizer que Heathcliff foi causa da morte de Catherine e consequentemente da sua também. Não há lei, nem força, convenção nem piedade que detenha um instante o furor de Heathcliff; nem a própria morte, já que ele é sem remorso e apaixonadamente, a causa da doença e da morte de Catherine que a pesar disso ele considera como sua. (BATAILLE, 1998, p. 16). Após a morte de Catherine Heathcliff intensifica sua fúria sobre todos pois, a partir daí é quebrado o vínculo que ele tinha com o sentimento humano. Travou uma batalha e queria combater o mundo, vingando-se e fazendo o mal a Hindley e também a Isabela. Promoveu a aproximação e depois o casamento de seu filho com a filha de Catherine com o objetivo de se tornar o dono de tudo que pertencia aos Linton, aos Earnshaw. Heathcliff tinha pressa que Edgar morresse antes de seu filho. Porque aquele garoto parece estar decidido a me vencer – e eu ficaria muito grato se o tio se apressasse e partisse antes do sobrinho. - Ah! O pequeno vem jogando este jogo há muito tempo? De fato ensinei-lhe alguma coisa como choramingar (BRONTE, 1847, p. 299). É possível perceber como Heathcliff era violento com o filho e usava-o como objeto de vingança, ameaçando-o e obrigando a Catherine sentir pena dele. “Ora, quanta intransigência!”, disse Heathcliff, “eu sei- mas assim você só vai me obrigar a beliscar o bebezão até que desperte sua caridade aos gritos.” (BRONTE, 1847, p. 301). O mal praticado por Heathcliff o conduziu a morte, pois ele envelheceu como um homem amargo e atormentado e não se arrependeu de todas as suas injustiças. Sua atitude maligna e demoníaca afastou as pessoas no momento de sua partida, inclusive sua nora. “Você não quer me fazer companhia, querida? Não vou machucá-la. Não! Para você eu pareço pior que o próprio diabo.” (BRONTE, 1847, p. 370). 37 Enfim, Heathcliff amara e odiara Catherine intensamente, perdendo os limites, a moral, enlouquecendo. Dedicou a sua vida a fazer o mal, a promover a discórdia. Era o mal que impulsionava a caminhar o tempo todo. Terminada a vingança ele já não possuía motivos para viver, já que não era necessário mais fazer o mal. Entregou-se então aos delírios e tormentos causados pela lembrança obsessiva de Catherine e assim partiu com um semblante de felicidade, como se o fantasma de Catherine tivesse vindo buscá-lo e ele sentisse certo alívio por esse acontecimento. 4.2 Amor racional, irracional e desmedido. Emily Bronte presenteia ao público com uma linda história, diferente dos romances que se costuma ver, com um final feliz. Ela ousa a mostrar na obra a obsessão, o amor, o ódio e a intensidade da paixão entre dois seres que aterrorizam eles mesmo e aos que os rodeiam. Antes de definir o amor na obra, faz se necessário definir amor racional, irracional e desmedido e assim definir o amor entre Heathcliff e Catherine. O amor racional acontece quando a razão está acima do coração e a pessoa que ama pensa antes de decidir, pensa nas consequências em que esse sentimento pode provocar. O amor irracional ou passional por sua vez não mede as consequências, possui uma necessidade de estar com o outro a qualquer custo, o sujeito se anula e vive cegamente com o pensamento obsessivo voltado apenas para o amor, e se por ventura ele não for correspondido fica descontrolado, podendo desenvolver outros sentimentos obscuros como o ódio. Quanto ao amor desmedido esse é definido como amor excessivo, fora das medidas, exagerado. O amor entre Catherine e Heatcliff teve início ainda na infância onde os dois brincavam de forma selvagem pela colinas. Havia entre eles uma espécie de cumplicidade e companheirismo, descobriam um ao outro. Catherine amava em Heathcliff o fato de nele encontrar oportunidade de viver coisas diferentes que não vivia sozinha, devido a seu status social. Ao seu lado ela gozava a liberdade de ser selvagem, de fazer o que se tem vontade. 38 Eu e Cathy escapamos da lavanderia para dar um passeio ao ar livre e ver as luzes da Granja; resolvemos descobrir se os Linton passavam as noites de domingo tremendo pelos cantos enquanto o pai e a mãe ficam sentado à mesa, comendo e bebendo e rindo e cantando. ( BRONTE, 1847, p. 63). Era um amor bonito que foi abalado pela decisão que Catherine teve que tomar, colocando a razão acima de seus sentimentos. De certa forma a escolha de Catherine começou mesmo na infância, após ter ficado um tempo na casa dos Linton quando foi atacada por um cão durante uma travessura dela e de seu companheiro Heathcliff. No momento em que voltara para sua casa e encontrara Heathcliff sujo, descuidado e mal humorado ela já o rejeita, afastando-se dele. Parece que essa não era sua intenção, mas Heathcliff ficou totalmente ofendido com a mudança da amiga. “Você não precisava ter tocado em mim”, respondeu Heathcliff, seguindo o olhar de Cathy e retraindo a mão. “Eu posso ser tão sujo quanto eu quiser, e eu gosto de ser sujo e pretendo continuar sendo sujo.” (BRONTE, 1847, p. 70). Catherine deixou-se encantar por Edgar Linton, pela sua educação, generosidade e sensibilidade, passou a dar mais atenção a ele e a sua irmã do que a Heathcliff, escolhendo a comodidade, a generosidade, deixando de ser aquela menina selvagem adotando vestimentas adequada à classe a qual pertencia. “Cathy você tem algum compromisso hoje à tarde?” Perguntou Heathcliff. “pretende ir a algum lugar?”“ Não está chovendo”, respondeu ela. “Mas então porque você está com esse vestido de seda?” Quis saber o menino. “Não me diga que alguém vem nos visitar?” (BRONTE, 1847, p. 85). A preferência de Catherine por Linton deixava Heathcliff desolado. Ele estava perdendo-a. “Peça a Nelly para dizer que você está ocupada, Cathy” insistiu Heathcliff “Não me mande embora por causa desses seus amigos medíocres e estúpidos! As vezes sinto –me a ponto de reclamar- mas eu não. ” (BRONTE, 1847, p. 86). E ela deixa claro a razão de sua escolha e dizia que amava Edgar Linton por algumas qualidades. 39 Para início de conversa a Srta. ama o Sr. Edgar?” Quem poderia resistir? Claro que o amo”, respondeu (...) e por que o ama senhorita Cathy? Quanta bobagem- eu o amo e isso basta (...) porque ele é charmoso e agradável (...) e porque é jovem e alegre (...) e ele será rico e eu serei a mulher mais importante das redondezas e terei orgulho do meu marido (BRONTE, 1847, p. 96). Ela escolheu casar-se com um homem sensível, gentil e de fator econômico considerável. Optando por viver uma situação cômoda. Catherine escolheu, mas parecia atormentada por essa escolha, como relata à Nelly durante uma conversa. Seria um escândalo para ela abandonar o conforto e a gentileza para ficar com seu amor, já que Heathcliff era apenas um cigano, pobre tratado pela família como um escravo. e a senhorita sairá de um lar desordenado e desconfortável para entrar em outro rico e respeitável; e a senhorita ama Edgar e ele a ama. Tudo parece simples e agradável- onde está o obstáculo? “Aqui e aqui”, respondeu Catherine, batendo uma mão na testa e ora no peito. “Seja onde for que a alma habita no fundo da minha alma e do meu coração sei que estou errada!” (BRONTE, 1847, p. 97). A escolha de Catherine descontrolou Heathcliff e nessa questão pode se observar o amor passional ou irracional na obra. O descontrole tomou conta dele e seu ódio se intensificou. Ele foi traído por Catherine embora soubesse que ela o amava. Diga-me agora o quão cruel você foi- cruel e falsa. Por que você me desprezou? Por que você traiu seu próprio coração Cathy? Não tenho sequer palavra de consolo a oferecer- você merece tudo isso. Você matou a si mesma... Você me amava- que direito você tinha de me abandonar? Que direito- responda- de me trocar pelo arrebatamento estúpido que você sentiu por Linton?(BRONTE, 1847, p. 187, 188). Ao negar o seu coração de viver seu amor ela ficou dividida entre o amor selvagem de Heathcliff e o amor brando de Linton, não aguenta a pressão psicológica e sofre uma debilitação mental e física que a leva a morte. Heathcliff sentia por Catherine um amor tão desmedido que o levou a loucura e a conclusão de que não poderia viver depois que Catherine partisse a não ser que pudesse senti-la perto dele. Assim, ele com ódio por ela ter escolhido não viver com 40 ele aquele amor tão grande ele implora para que ela não o abandone mesmo depois da morte. Que acorde em meio a tormentos!”, gritou Heathcliff com uma veemência terrível, batendo o pé e gemendo em um súbito paroxismo de fúria incontrolável. “Ora, ela mentiu até o fim! Onde ela está? Não digo lá – no céu- nem morta- mas onde? Ah! você disse que não se importava com meu sofrimento! E eu faço uma única oração- repito-a até ficar com cãibra na língua- Catherine Earnshaw, você não há de descansar enquanto eu viver! Você disse que eu a matei- assombre-me então. Esteja sempre comigoassuma a forma que quiser- enlouqueça-me! Apenas não me abandone neste abismo onde não posso encontrá-la. (BRONTE, 1847, p. 194). O amor de Heathcliff por Catherine era tão obsessivo que ele sentia a presença dela depois de morta. Atormentado com sonhos e com o pensamento voltado apenas a sua amada ele foi em busca de alívio para sua alma. No túmulo de Catherine ele pode vê-la novamente e contemplá-la. Pedi para o coveiro que estava cavando a sepultura de Linton para tirar a terra de cima do caixão dela e tratei de abri-lo. Por um instante achei que eu ficaria por lá mesmo, quando tornei a ver aquele rosto- ainda é o mesmo rosto de sempre... O coveiro teve um belo trabalho para me tirar de lá (BRONTE, 1847, p. 321). Assim, fica explícito na obra um amor desmedido que vai além da própria vida, o amor racional por parte de Catherine que sofreu e morreu por ter escutado a razão e não o seu coração e o amor passional de Heathcliff que o cegava, que o fez odiar e amar ao mesmo tempo com tanta intensidade a ponto de levá-lo a morte também. 4.3 Consequências devastadoras Heathcliff, tanto amou como odiou durante todo o romance. Era desumano, desprovido de sentimentos puros de bondade e de compaixão. Algumas vezes comportava-se como se odiasse toda a humanidade. Mesmo com toda essa fúria, não se pode dizer que esse sentimento rancoroso era o único que possuía. Afinal, o amor avassalador que sentia por Catherine foi um fator relevante na condução de 41 toda a trama, principalmente pelas consequências devastadoras que esse sentimento ocasionou às gerações das famílias Linton e Earnshaw. A primeira e talvez a pior de todas as consequências que o comportamento hostil de Heathcliff causou, foi a morte de Catherine. Ela sofreu muito com a escolha que fez, ficou confusa e atormentada pelo simples fato de que, mesmo que tentasse esquecer Heathcliff e enterrá-lo com suas lembranças pueris ele voltara para lembrála, para enlouquecê-la, para vingar todo o mal que sofreu durante a infância. Ela adoeceu e em meio a delírios morreu. “Catherine Earnshaw é ela mesma absolutamente moral. Ela é o de tal modo que morre por não poder se desligar daquele que amava quando criança.” (BATAILLE, 1998, p. 18). Esse desligamento não foi possível graças às constantes visitas de Heathcliff à casa de Catherine, aguçando assim as lembranças e os verdadeiros sentimentos dela e claro abalando o seu casamento. Edgar e Hindley já eram desde a infância alvos da vingança de Heathcliff. Para atingi-los ele usou pessoas próximas e consideravelmente importantes para ambos, como Isabela, Catherine Linton e Hareton. O fato de Hindley dedicar-se ao alcoolismo contribuiu para que Heathcliff se apoderasse de suas terras e transformasse a vida dele e de todos da casa em um verdadeiro inferno. Hareton filho de Hindley não teve educação e bons modos, pois a ele restou a mesma educação e tratamentos que Heathcliff recebeu durante a infância, como um empregado da família. “(...) Hareton seria pouco mais do que um mendigo. “O pai morreu endividado”, respondeu; “ a propriedade inteira está na hipoteca(...)” (BRONTE, 1847, p. 213). O casamento com Isabela Linton também teve consequências impactantes. O objetivo dessa união era atingir Edgar. Apaixonada e iludida ela criou uma imagem que Heathcliff jamais possuiu. Ainda assim ela engravidou e fugiu para não ter um fim trágico nas mãos do marido. Após sua morte Linton foi morar com o pai que tratou logo de usar o próprio filho na concretização de seu plano maligno promoveu o casamento dele com a prima Catherine Linton. Isso fez dele o dono de todos os bens dela e como ele era frágil e fraco logo morreu, Heathcliff tornou-se o proprietário de tudo. então 42 A realização do casamento de Catherine e Linton aconteceu de forma pressionada. Não que Catherine não amasse o primo, mas esse acordo trouxe sofrimento aos dois, pois Catherine dedicava seu tempo a cuidar dele e pôde presenciar seu marido morrer, sem qualquer assistência. então, quando o patrão e Earnshaw estavam tomando o café da manhã , ela entrou na casa e perguntou, tremendo, se alguém poderia chamar o médico- pois o primo estava muito doente. “„Nós sabemos!‟, respondeu Heathcliff, „mas a vida dele não vale um tostão e eu não pretendo gastar um tostão sequer com o garoto. “ Mas eu não sei o que fazer‟, explicou ela e se ninguém me ajudar, ele vai morrer!‟ “‟ Saia já daqui!‟, bradou o patrão; „e nunca mais traga notícias do seu primo! Ninguém aqui se importa com ele; se você é a exceção, trate de bancar a enfermeira; senão, tranque-o no quarto e esqueça-o. ‟” ( BRONTE, 1847, p. 326) Diante de sua impotência, Catherine sofreu por não poder fazer nada pelo marido. Enquanto ele morria, aos poucos ela também sentia a morte perto dela conforme afirma: “Mas o senhor me deixou tanto tempo lutando sozinha contra a morte que agora eu vejo a morte em toda a parte! Eu me sinto como a própria morte!” ( BRONTE, 1847, p. 327). Concretizada a sua vingança, Heathcliff acabou solitário pois, naquela casa as pessoas tinham motivos de sobra para não dedicar a ele qualquer tipo de atenção e até mesmo alguma afeição. Com exceção de Hareton que mesmo injustiçado tinha um estranho sentimento por ele. Por último, a morte de Heathcliff também se deu por consequência de seu sentimento obsessivo, ele acreditava que ao morrer encontraria Catherine outra vez. Ele desejou sua morte e contribuiu para que ela acontecesse não se alimentando mais, isolando-se. Sentir a morte para ele era como sentir a própria vida. Portanto, o único sentimento nobre presente no coração de Heathcliff ainda não fez dele um ser admirável , que amou, sofreu e no final da história viveu feliz com a mocinha. Não se pode afirmar que ambos não se reencontraram em outro plano e que não puderam gozar desta felicidade a qual desejaram viver na terra. O que se pode afirmar é que esse sentimento tão profundo da alma de Heathcliff trouxe consequências trágicas. Um amor amaldiçoado que fez com que seu sofrimento tornasse o sofrimento de outras pessoas também. Uma mistura de 43 sentimentos, lutas interiores que deram a oportunidade do amor e do ódio, do bem e do mal caminharem juntos nas páginas desse clássico da literatura inglesa. 44 5 METODOLOGIA A metodologia científica segundo Cás (2008 p. 76) pode ser definida como: “ o caminho a seguir para se chegar ao fim”. Este capítulo tem como objetivo expor a natureza da pesquisa, como ela foi realizada, o método, o procedimento técnico e os instrumentos e meios usados para alcançar os objetivos propostos. A pesquisa foi realizada com base em leituras e estudo de materiais pesquisados em livros, resenhas, teses, teorias que auxiliaram na interpretação da problemática. A metodologia foi efetuada quanto à natureza de forma básica, pela abordagem qualitativa que permitiu uma boa descrição e um aprofundamento nas questões que foram investigadas na obra. Desta forma, facilitou a análise e os detalhes dos fatos observados. O método usado foi o indutivo partindo do efeito do problema, para se chegar a sua causa, ou seja, chegar a uma conclusão geral a respeito do comportamento do personagem principal. Em relação aos objetivos a pesquisa foi descritiva com análise, classificação e interpretação de materiais já publicados, livros relacionados ao tema central, a obra literária em si, e materiais encontrados em sites eletrônicos como, resenhas e artigos de diversos autores sobre o tema e sobre a obra. A observação assistemática foi o instrumento utilizado. Essa observação não é planejada e nem há um controle prévio elaborado. A coleta de dados nesta pesquisa foi realizada através de livros, a obra literária em si e diversas publicações sobre o tema e sobre a obra. Foram realizadas leituras prévias que permitiram averiguar material necessário para o desenvolvimento da pesquisa. A leitura seletiva foi de grande importância também, com o intuito de separar material necessário e descartar o que não tinha relação com o tema e por último a leitura interpretativa que possibilitou a estruturação das ideias e pensamentos oferecidos pelos teóricos para se chegar a conclusão do problema. 45 6 CONCLUSÃO Ao longo desse estudo sobre a natureza humana na obra O morro dos ventos uivantes exclusivamente a personalidade do personagem central, foi possível adquirir justificativas para o comportamento agressivo e hostil de Heathcliff através de teorias psicológicas e filosóficas. Pode-se constatar que alguns teóricos explicam parcialmente o comportamento de Heathcliff. O filósofo Immanuel Kant em sua teoria acreditava que o ser humano tem propensão para fazer o bem e os acontecimentos desfavoráveis durante sua vida que o torna mal. Jean Jacques Rousseau tem uma teoria semelhante de que o homem é bom naturalmente e se torna um ser ganancioso, cruel graças a civilização. De acordo com a obra, Heathcliff passou por muitos acontecimentos durante a infância como: maus tratos, discriminação, esses fatores contribuíram para o desenvolvimento da sua maldade, maldade essa que ele já possuía em seu semblante desde garoto, ele não tinha uma feição bondosa e nem intenção de fazer o bem, pelo contrário ele tinha a intenção de fazer o mal se a ele fosse dada a oportunidade. O comportamento de Heathcliff também não pode ser explicado pela teoria de Carl Roger, que era totalmente otimista em relação ao ser humano, acreditando que o homem em pleno funcionamento era digno de confiança. Heathcliff não possuía um bom funcionamento e não era digno de confiança. As teorias de Thomas Hobbes e Sigmund Freud são as mais adequadas na explicação dos motivos que desencadearam as atitudes de Heathcliff. Tais teorias tratam exatamente da hostilidade com o próximo, instintos agressivos, tendência destrutiva e influências de acontecimentos vividos durante a infância. A desarmonia entre o ID, EGO e SUPEREGO de Heathclif é que faz dele um ser hostil, louco, agressivo. A teoria de Freud visa que o ser em pleno funcionamento deve possuir um equilíbrio entre essas estruturas, onde o EGO age com mais força sobre o ID e o SUPEREGO. Na mente de Heathcliff quem dominava era os impulsos do ID, dessa forma ele não era uma pessoa equilibrada. O filósofo Thomas Hobbes afirmou em sua teoria que o homem é mal por natureza, pois desde os tempos primitivos, não se importava se suas ações faziam 46 mal ou bem ao próximo. Heathcliff não se importava se seu desejo de vingança e suas atitudes prejudicavam as pessoas ao seu redor. Na verdade a intenção dele era essa, atingir as pessoas, principalmente as ligadas aos seus alvos de vingança. Hindley e Edgar. Através de elementos da obra analisados, juntamente com a teoria dos estudiosos já citados acredita-se que Heathcliff já nasceu com um instinto mal, e suas atitudes desde a infância comprovam que ele tinha uma tendência forte a praticá-lo. Todos os objetivos propostos nesta pesquisa foram alcançados. Foi possível através de alguns autores em artigos e livros publicados analisar e relacionar elementos da obra com conceitos psicológicos e filosóficos, explicando motivos que provocaram relações conflituosas justificando e e a conduta de Heathcliff. Esse estudo aprofundado possibilitou uma melhor compreensão sobre como o estranho amor e as atitudes de Heathcliff influenciaram no desfecho da obra, provocando consequências trágicas, como a morte e infelicidade não só dos protagonistas Catherine e Heathcliff como das pessoas próximas a eles também. Conclui-se na narração de Nelly Dean que questões como o amor racional de Catherine e o amor desmedido e irracional de Heathcliff também foram fatores propícios que contribuíram juntamente com os maus tratos sofridos durante a infância para que a maldade e austeridade de Heathcliff se agravasse. Assim, conclui-se por último que Heathcliff já era um ser naturalmente mal, porém é possível observar que os acontecimentos da infância como os maus tratos, e na fase adulta como a perda de Catherine também contribuíram para a expansão de sua conduta. 47 REFERÊNCIAS ANÁLISE DA OBRA. O morro dos ventos uivantes, Emily Bronte. Disponível em: <http://literaturasemtranse.blogspot.com.br/2010/11/analise-da-obra-o-morro-dosventos.html>. Acesso em: 25 jul. 2013. BALLONE GJ, Meneguette JP- Teoria da personalidade geral in. Internet Psiqweb. Disponível em: < http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=131>. Acesso em 25/08/2013. BARBOSA Renata Cerqueira. 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