Interpretação e produção de textos matemáticos. Viviane Aparecida Zacheu Viana. Danilo Olimpo Gomes. Saulo Foleto de Souza Santos. Faculdades Integradas Fafibe- Bebedouro- SP. Resumo Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais é papel da escola formar um cidadão crítico, resolvedor de problemas e atuante na sociedade em que vive. No entanto, tal objetivo não é totalmente contemplado, especificamente, no caso da Matemática, os alunos não adquirem a competência para resolver problemas. Acredita-se que um dos fatores responsáveis por esta dificuldade é a nãoconstrução de uma competência para interpretação de textos relacionados com a Matemática (RABELO,2002). O objetivo deste trabalho é compartilhar a experiência de um projeto de pesquisa e extensão que visa a construção de tal competência, a partir da integração entre a matemática e a língua portuguesa. A intenção é apresentar os resultados obtidos a partir da elaboração e aplicação de atividades com histórias em quadrinhos, histórias virtuais, lendas e problemas clássicos de Malba Tahan (TAHAN,2001). Palavras-chave: interpretação de textos, matemática, resolução de problemas. Introdução Tendo como pressuposto que é papel da escola formar o cidadão crítico, resolvedor de problemas e atuante na sociedade em que vive e, que por outro lado, tal objetivo não é efetivamente cumprido, torna-se cada vez mais importante estudos e propostas que visam contribuir para a superação destas dificuldades. A inclusão de questões abertas no sistema de avaliação da educação básica tem revelado que os alunos possuem dificuldades em interpretar tais questões e em exprimir seus pensamentos. Especificamente, no caso da Matemática nota-se que muitas vezes os alunos não resolvem os problemas porque não os entenderam, ou seja, não conseguem interpretá-los. A partir, desta constatação e “...da hipótese de que um dos elementos fundamentais que contribuem para esse fracasso é a não-construção de uma competência para interpretação de textos relacionados com a Matemática...”(RABELO,2002) os autores deste trabalho desenvolveram um projeto de pesquisa e extensão em parceria com uma escola da periferia de Bebedouro. Os participantes foram alunos de 5ª série que possuíam deficiências em conceitos básicos de matemática e, principalmente, com resolução de problemas. O objetivo principal deste projeto foi investigar uma proposta metodológica que contribua para a construção da competência da interpretação de problemas. Buscou-se a competência para interpretação de problemas porque acredita-se ser o principal fator que influencia na capacidade de resolver problemas. Partindo do principio da ação-reflexão-ação (Shöun, apud Nono, 2002), os autores elaboraram atividades com textos matemáticos escritos e falados, priorizando a interpretação e a produção. 1 Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que integra a matemática e a língua escrita, apoiando-se em Malta, 2003, que afirma: -Em matemática, a capacidade de expressar-se com clareza o raciocínio é equivalente a capacidade de entender os resultados matemáticos. Em particular, o desenvolvimento da capacidade de expressão do próprio raciocínio promove o desenvolvimento da capacidade de compreensão em matemática. -O desenvolvimento da capacidade de expressão está acoplado ao desenvolvimento da capacidade de leitura, isto é, a capacidade de aquisição de conhecimentos sem intermediários. A aquisição do conhecimento não se dá de forma compartimentalizada mas, sim de forma interdisciplinar, ressaltando que para Piaget, “...cada disciplina emprega parâmetros que são variáveis para outras disciplinas”. Acredita-se que as deficiências na compreensão de conceitos abstratos da matemática estão interrelacionados aos déficits em língua materna, assim como a não construção da capacidade de resolver problemas está relacionada com a dificuldade de interpretação de textos. O uso de textos matemáticos em sala de aula tem por finalidade contribuir para o desenvolvimento da habilidade de “ler”, de compreender as informações nos textos e adquirir conhecimentos a partir desta leitura, especificamente, construir a capacidade de leitura e compreensão em matemática, de expressar de forma organizada o raciocínio e traçar estratégias de solução de problemas. A proposta foi desenvolver a competência da interpretação de problemas e não utilizar a “Resolução de Problemas” como metodologia, o objetivo não foi desenvolver os conceitos matemáticos envolvidos nos textos porém, os problemas foram resolvidos e houve a socialização das resoluções. Textos matemáticos Considera-se texto matemático “...uma composição de elementos da Língua Materna e da Matemática, referindo-se, portanto a elementos reais- ou relacionados com objetos reais- e a entes puramente abstratos” (DEVLIN, 2004 apud COURA, 2006). Evidencia-se uma especificidade de leitura, ler textos matemáticos exige do leitor um conhecimento de termos específicos para que ele encontre sentido, compreenda e a partir daí consiga produzir os seus próprios. Para (DINIZ, SMOLE, apud COURA, 2006) “... o texto matemático, escrito na Língua Materna, traz alguns termos pouco utilizados na fala coloquial- por exemplo: efetue, analise, decomponha- e por vezes retrata situações artificiais que não fariam pouco sentido se deslocadas para a realidade.” Com base nestes referenciais os pesquisadores decidiram iniciar a intervenção com textos que possuíam uma linguagem mais simples, mais próxima do cotidiano e gradativamente inserir termos mais formais e específicos. 2 Adotada esta proposta surgiu a necessidade de se estabelecer quais seriam os tipos utilizados, para tanto, adotou-se primeiramente a classificação feita em (Rabelo, 2002). Ele classifica cinco grupos de “textos matemáticos”: 1) “Histórias Matemáticas” (Histórias fantasiosas que envolvem matemática, como as de Malba Tahan); 2) “História da Matemática” (textos que comentam a história do conhecimento envolvendo a pesquisa, a descoberta e a construção do conhecimento no sentido filogenético); 3) “Personalidades da Matemática”, que são textos contando a história de personalidades envolvidas com a construção do conhecimento matemático; 4) “Curiosidades matemáticas”,que são textos mostrando sempre algo curioso e pitoresco envolvendo a matemática; 5) “Matemática do cotidiano”, que são textos do dia-adia, como por exemplo, textos jornalísticos, listas de preços, etc. Optou-se a principio por trabalhar com “Histórias Matemáticas”, “Curiosidades Matemáticas” e “Matemática do cotidiano” por terem maior relação com os objetivos estabelecidos. O desenvolvimento do projeto Uma primeira avaliação dos alunos envolvidos permitiu perceber que eles possuíam certo preconceito sobre a matemática e sobre problemas, na verdade, para eles problemas eram difíceis e desinteressantes. Era preciso tornar as atividades desenvolvidas motivadoras. Assim, o primeiro texto foi um problema matemático do dia-a-dia na forma de história em quadrinhos. Os alunos se surpreenderam com a aula, acharam interessante resolver um problema desta forma. De maneira geral não tiveram muita dificuldade para interpretar o texto, mas, apresentaram bastante dificuldade para expressar na forma escrita o raciocínio utilizado para resolver o desafio. Também foi proposto a eles que produzissem uma nova história em quadrinhos com um desafio matemático. A maioria não conseguiu elaborar um problema, perderam bastante tempo para representar, desenhar os quadrinhos. Uma forma de dinamizar esta dificuldade foi o uso de um software específico para criação de histórias em quadrinhos, observa-se a importância das tecnologias educacionais inovadoras para proporcionar um ambiente motivador. Encerradas as aulas com histórias em quadrinhos foi proposto um texto do Malba Tahan, o problema dos 35 Camelos. A maior dificuldade verificada foi a compreensão da linguagem mais formal do texto. Este tipo de texto também não causou muita motivação. Seguindo o objetivo de introduzir gradativamente textos mais elaborados e cientes de que o interesse do aluno é fundamental para a obtenção dos resultados decidiu-se trabalhar também com histórias virtuais, que possibilitaria também tratar a questão da criatividade para produção de desafios e problemas . Segundo Moura, 1996, (apud ANDRADE e GRANDO, 2006), 3 “ a história virtual do conceito são situações-problema colocadas por personagens de histórias infantis, lendas ou da própria história da matemática como desencadeadoras do pensamento da criança de forma a envolvê-la na construção da solução do problema que faz parte do conteúdo da história.” Ressaltando que no contexto desta proposta as histórias virtuais não foram utilizadas com o objetivo de desenvolver conceitos matemáticos mas, sim, contribuir para a construção da competência de interpretação de textos matemáticos, absorvendo principalmente o caráter lúdico que estas histórias proporcionam. Para Moura, 1996, (ANDRADE e GRANDO, 2006) “ a história virtual do conceito, à semelhança do que apontamos nas situações cotidianas e nos jogos, temos como característica a colocação do problema de forma lúdica”. O ambiente de contar, ouvir e produzir histórias virtuais envolveu bastante os alunos e professores (autores da proposta), colaborando de maneira especial para obtenção dos resultados. A primeira história virtual utilizada foi uma lenda, a do “Negrinho do Pastoreio”. Inspirados no trabalho de (ANDRADE e GRANDO, 2006) a lenda foi contada aos alunos por um dos professores. O objetivo era que eles entendessem que o problema era: O Negrinho do Pastoreio não sabia contar e necessitava de uma forma de controlar a quantidade de animais que voltava para o curral a noite senão seria castigado. Foi proposto que eles ajudassem o Negrinho a encontrar uma solução. Eles identificaram o problema presente na história, mostrando bastante envolvimento com o personagem pois tentavam encontrar uma solução, discutiam entre eles e pediam ajuda para os professores. O fato do texto ser falado facilitou a interpretação. Eles apresentaram diversas soluções como por exemplo associar a quantidade de animais que iam para o pasto a objetos como pedrinhas ou que o Negrinho fizesse marcas para cada animal que saísse. As respostas foram socializadas oralmente. No entanto, para passar à parte escrita o raciocínio eles ainda apresentaram dificuldades. Outra atividade proposta foi a partir história virtual A caça ao tesouro, adaptada do livro A Carta do Pirata de Heloísa Prieto e Lídia Chaib. Esta história não foi contada, os alunos receberam o texto escrito. Tratava da história de dois irmãos que encontraram, em uma praia, um mapa do tesouro do Pirata Barba Ruiva e resolveram seguir as orientações para encontrar o tesouro. Ao fazer isso depararam-se com um problema: deveriam contar passos e seus pés eram menores, a metade do tamanho do pé do pirata. Após o texto haviam duas atividades: 1O que você faria, se estivesse no lugar das crianças para encontrar o tesouro? 2Solte sua imaginação e crie uma aventura que contenha desafio matemático. A maioria dos alunos necessitou da intervenção dos professores para entender o problema e a relação metade e dobro. Pós terem entendido apresentaram as soluções para o problema, salvo a dificuldade da escrita dos argumentos.As aventuras criadas por eles ficam muito próximas das idéias da história proposta inicialmente, inclusive a maioria tenta usar os mesmos conceitos de matemática. 4 A última história trabalhada foi a “Missão de Valiant”. No intuito de atrair o interesse dos alunos a atividade foi realizada em três etapas: Primeiramente, os alunos assistiram a uma parte do filme “Valiant, um herói que vale a pena.” É a história do pombinho Valiant, que sonhava em fazer parte da Equipe dos Pombos Correios. Ele consegue ingressar na equipe e faz alguns amigos, que partem para uma importante missão. Os alunos assistem até esse momento. Um dos autores deste trabalho desenvolveu um software específico para a missão de Valiant, ele contém desafios em forma de problemas matemáticos. Para avançar na missão os alunos precisam resolver os problemas. Este trabalho trouxe ótimos resultados pois, os alunos se empenhavam em entender e resolver os problemas para prosseguir na missão. A terceira etapa foi a produção de um novo desafio para a missão, cada um deles propôs o seu e o melhor foi inserido no software Missão de Valiant. Resultados obtidos e conclusões Em virtude do desenvolvimento de uma investigação predominantemente qualitativa, como elementos para avaliação dos resultados utilizou-se os textos produzidos pelos alunos e os registros dos pesquisadores. O trabalho interdisciplinar por meio de histórias em quadrinhos, histórias virtuais e outros tipos de textos alcançou resultados muito bons. Os alunos mesmo diante de suas dificuldades se aventuraram em criar histórias e desafios matemáticos. Eles também prestaram atenção na importância de se organizar o raciocínio e de se passar para a forma escrita o pensamento, verificando o que foi proposto por Piaget (apud RABELO,2002), “...cada disciplina emprega parâmetros que são variáveis para outras disciplinas”. Com o desenvolvimento das atividades eles mudaram de postura diante de um texto na aula de matemática, ao recebê-lo buscavam interpretá-lo e descobrir qual era o desafio matemático contido. Alguns alunos revelaram uma evolução boa na capacidade de interpretação e, para a maioria dos envolvidos, houve um avanço sutil. Ao se considerar as dificuldades iniciais em relação à produção textual verificou-se que as crianças também avançaram, ficando evidente que a longo prazo este tipo de intervenção trará resultados significativos. Concluí-se que a leitura e produção de textos matemáticos contribui para a construção da competência de resolução de problemas. A familiarização com termos específicos da linguagem matemática favorece o entendimento dos problemas. De acordo com SMOLE e DINIZ (apud COURA, 2006) “não basta atribuir as dificuldades dos alunos em ler textos matemáticos à sua pouca habilidade em ler nas aulas de língua materna” e de acordo com o que foi observado a partir desta proposta metodológica, é necessário pensar na formação do aluno como um todo, um cidadão capaz de ler nas diversas linguagens, de se expressar claramente e agir refletida e criticamente. Assim, a leitura e produção de textos deve ir além das aulas de língua materna, é preciso romper as barreiras das disciplinas e tornar-se uma ação multi e interdisciplinar. 5 Referências Bibliográficas. ANDRADE, D.O., GRANDO, R.C. Histórias virtuais na Produção/Mobilização de Conceitos na Perspectiva da Resolução de Problemas em Matemática. Disponível em http://www.fae.ufmg.br:8080/ebrapem/comunicacoes.htm, acesso em 09/10/2006. COURA, F.C.F., GOMES, M.L.M. Matemática e Língua Materna: propostas para uma interação positiva. Disponível em http://www.fae.ufmg.br:8080/ebrapem/comunicacoes.htm, acesso em 09/10/2006. MALTA, I. Sobre um método não tradicional para aprender cálculo. In CARVALHO. L.M.,GUIMARÃES, L.C.(org.) História e Tecnologia no Ensino de Matemática. Vol. 1. Rio de Janeiro, IME-UERJ. 2003. MALTA, I. Linguagem, Leitura e Matemática. In www.mat.puc-rio.br/publica2003. MOURA, M. O. Matemática na Educação Infantil: Conhecer, (re) criar. Um modo de lidar com as dimensões do mundo. São Paulo:PFD, 1996. NONO,M.A.,& MIZUKAMI,M.G.N. Formando professoras no ensino médio por meio de casos de ensino. In Mizukami, M.G.N & Reali, A.M.M.R.(orgs). Aprendizagem profissional da docência: saberes, contextos e práticas. São Carlos: EdUFSCar, INEP, COMPED, 2002. PEREZ, G. Prática reflexiva do professor de matemática. In BICUDO, M. 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