Ciência Animal, 16(2):79-88, 2006
ADJUVANTES IMUNOLÓGICOS: AVANÇOS E PERSPECTIVAS
(Immunological adjuvants: recent advances and perspectives)
Erika Freitas MOTA*, Maria da Guia Silva LIMA & Dirce Fernandes de MELO
Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular/ Universidade Federal do Ceará
RESUMO
Adjuvantes imunológicos são substâncias capazes de aumentar a resposta imune específica e auxiliar
o antígeno a desencadear uma resposta imune precoce, elevada e duradoura. Formulações de vacinas
com potentes adjuvantes são bastante atraentes para melhorar o desempenho de antígenos purificados.
Nos últimos anos, os adjuvantes receberam muita atenção, devido ao desenvolvimento de vacinas
sintéticas e purificadas, usando subunidades de antígenos, os quais são fracos imunógenos e requerem
adjuvantes para desencadear uma resposta imunológica. Os adjuvantes apresentam diversos
mecanismos de ação e devem ser selecionados baseados na rota de administração e na imunidade
requerida pelo tipo de vacina particular (imunidade humoral, celular ou mucosa). A escolha dos
adjuvantes para vacinas humanas é determinada por um balanço entre a adjuvanticidade requerida
e níveis de efeitos adversos aceitáveis. O hidróxido de alumínio continua sendo o adjuvante mais
usado e liberado para o uso em humanos. O desenvolvimento de novos adjuvantes apresenta alguns
problemas, como a adjuvanticidade restrita a poucos antígenos, inexistência de modelos animais
apropriados, uso de testes não padronizados e as diferenças biológicas entre os modelos animais e
o homem. Ainda assim, houve grande progresso nos últimos anos, particularmente no entendimento
das bases moleculares do mecanismo de ação dos adjuvantes, no papel das citocinas e das diferentes
células envolvidas na resposta imune, além de melhor conhecimento da imunidade relativa a várias
doenças, direcionando para a descoberta de adjuvantes que modulem seletivamente a resposta imune,
tais como muramil dipeptídeo, monofosforil lipídeo A, lipossomas, saponinas, emulsões de óleos e
MF-59, complexos imunoestimulantes.
PALAVRAS-CHAVES: adjuvantes; mecanismo de ação; emulsões de óleos; saponinas; hidróxido de alumínio; vacinas
ABSTRACT
Immunological adjuvants are substances that enhance specific immune responses and induce antigens
to elicit an early, high and long-lasting immune response with a smaller amount of antigen.
Formulation of vaccines with potent adjuvants is an attractive approach to improve the performance
of vaccines composed of subunit antigens. In recent years, adjuvants received much attention because
of the development of purified, subunit and synthetic vaccines which are poor immunogens and
require adjuvants to enhance the immune response. Adjuvants act by various mechanisms of action
and should be selected for use based on the route of administration and the type of immune response
that is necessary for a particular vaccine. The choice of adjuvants for human vaccines is determined
by a trade-off between the adjuvanticity required and an acceptable level of side-effects. The most
common adjuvant for human vaccine is nowadays aluminum hydroxide. The development of
adjuvants presents some problems, such as the restricted adjuvanticity of certain formulations to a
*Autor para correspondência
e-mail: [email protected]
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few antigens, unavailability of reliable animal models, use of non-standard assays and biological
differences between animal models and humans leading to the failure of promising formulations to
show adjuvanticity in clinical trials. Nevertheless, there has been considerable progress in recent
years, particularly in knowledge of the molecular basis of mechanisms of action of the adjuvant, the
role of cytokines and the cells participating in the immune response, leading to the discovery of
adjuvants that selectively modulate the immune response, such as muramyl dipeptide,
monophosphoryl lipid A, liposomes, oil emulsions, QS21, MF-59 and immune-stimulating complex
(ISCOM).
KEY-WORDS: adjuvants; mechanisms of action; vaccines; oils emulsion; saponins; aluminium hydroxide
INTRODUÇÃO
O termo adjuvante originou-se da
palavra latina adjuvare que significa ajudar.
Teoricamente, cada molécula ou substância
capaz de amplificar ou intensificar a cascata de
eventos imunológicos que compõem a resposta
imune pode ser classificada como adjuvante
(SCHIJNS, 2000). Classicamente, espera-se que
um adjuvante apresente um papel quantitativo,
sendo capaz de promover uma elevada e
prolongada resposta imune e de induzir uma
resposta biologicamente ativa através da
modulação do sistema imune (AUDIBERT,
2003), além de direcionar essa resposta imune
para uma resposta protetora, evitando a doença
(MOREIN et al., 1996).
O interesse de se estudar os adjuvantes
é antigo. Desde 1925, diversos adjuvantes vêm
sendo usados com o objetivo de aumentar a
resposta imune contra antígenos específicos.
Ramon demonstrou ser possível aumentar
artificialmente os níveis das antitoxinas tetânica
e diftérica pela adição à vacina de substâncias
como o ágar, sais metálicos, óleo, lecitina ou
saponina (RAMON, 1925; 1926). Durante os
últimos oitenta anos, algumas formulações de
adjuvantes têm sido desenvolvidas, sendo que
poucas foram testadas em triagens clínicas e a
maioria delas nunca foi aceita para a vacinação,
devido à toxicidade e aos efeitos adversos
(GUPTA & SIBER, 1995).
Os adjuvantes têm recebido grande
atenção, devido à nova geração de vacinas
desenvolvidas com subunidades bastante
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purificadas e sintéticas, que são mais seguras,
porém menos imunogênicas, e à sua capacidade
de modular seletivamente a resposta imune
humoral e/ou celular (AUDIBERT & LISE,
1993; GUPTA et al., 1993; COOPER, 1994).
Classificação e Mecanismo de Ação dos
Adjuvantes
A existência de muitas moléculas com
propriedades adjuvantes e a heterogeneidade dos
efeitos biológicos dessas substâncias dificultam
a classificação e a divisão em grupos distintos
que tornariam mais fácil a seleção do adjuvante
apropriado a ser usado de acordo com a
finalidade desejada. Várias propostas de
classificação têm sido sugeridas por diferentes
autores, mas muitas apresentam inúmeras
desvantagens e uma das mais freqüentes é a
inclusão de um composto em mais de uma das
categorias classificatórias (ALVING, 2002).
EDELMAN & TACKETT (1990)
propuseram uma classificação em três grupos:
(a) adjuvantes propriamente ditos (sais de
alumínio, muramil dipeptídeo, saponinas,
monofosforil lipídeo A, Bordetella pertussis,
citocinas, dentre outros); (b) carreadores (toxinas
bacterianas, ácidos graxos e vetores vivos); (c)
veículos (emulsões de óleos minerais, como o
adjuvante incompleto de Freund; emulsões de
óleos biodegradáveis, como emulsões contendo
óleo de amendoim, esqualeno ou esqualano;
surfactantes de blocos de polímeros não-iônicos,
lipossomos e polímeros de microesferas
biodegradáveis).
AUDIBERT & LISE (1993)
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identificaram quatro diferentes grupos de
imunoadjuvantes, o primeiro de origem vegetal,
como as saponinas; o segundo de origem
bacteriana, como monofosforil lipídeo A e
muramil dipeptídeo, toxina colérica ou
lipopolissacarídeos e seus derivados; o terceiro
de origem sintética, no qual estão agrupados os
polímeros não-iônicos e o quarto grupo
identificado como imunomoduladores exógenos,
englobando as citocinas e os hormônios.
GUPTA & SIBER (1995) propuseram
uma classificação baseada no mecanismo de ação
e dessa forma os adjuvantes poderiam ser
agrupados como substâncias (i) que causam um
depósito no local da injeção, como é o caso das
emulsões de óleo, os lipossomas, os compostos
minerais e as microesferas de polímeros
biodegradáveis maiores que 10 µm; (ii) que
atuam como veículos liberadores de antígenos,
auxiliando no direcionamento do antígeno para
células imunocompetentes, grupo em que podem
estar incluídos as emulsões de óleo, os
lipossomas, os compostos minerais e as
microesferas de polímeros biodegradáveis
menores que 10 µm, polímeros surfactantes nãoiônicos;
(iii)
que
atuam
como
imunoestimuladores, como por exemplo o
adjuvante completo de Freund, muramil
dipeptídeo (MPD) e lipopolissacarídeos
bacterianos (LPS), lipídeo A, monofosforil
lipídeo A (MPL), toxina da Bortedella pertussis
(PT) e citocinas. Algumas preparações de
adjuvantes incluem várias categorias de
substâncias produzindo uma formulação
complexa (GUPTA & SIBER, 1995).
Em 1997, COX & COULTER
propuseram uma separação dos adjuvantes em
particulados e não-particulados. No primeiro
grupo, estão incluídos os sais de alumínio, as
emulsões de água em óleo (W/O) e óleo em água
(O/W), os complexos imunoestimulantes
(ISCOM), lipossomos, micro e nano-partículas.
No segundo grupo, estão classificados o muramil
dipeptídeo e derivados, saponinas, lipídeo A,
citocinas, polímeros de carboidratos e toxinas
bacterianas (COX & COULTER, 1997).
SCHIJNS (2000) sugeriu classificar
funcionalmente os adjuvantes de acordo com
cinco conceitos propostos para imunogenicidade:
(1) conceito geográfico de imunidade; (2) teoria
do efeito depósito; (3) paradigma de que os
adjuvantes atuariam como sinal 0; (4) hipótese
de que os adjuvantes atuam ou induzem
moléculas de alerta; (5) papel de sinalizadores
naturais, sinal 2. As duas primeiras propostas
enfatizam a importância da localização por um
período após a imunização e as três últimas
expressam o significado da ativação das células
apresentadoras de antígenos (SCHIJNS, 2000).
MARCIANI (2003) propôs uma
classificação dos adjuvantes de acordo com sua
capacidade de estimular imunidade do tipo Th1
ou do tipo Th2 e então subdividi-los pela
estrutura química, ajudando a estabelecer a
relação estrutura-função. Esse sistema de
classificação permite uma alternativa de dividir
os adjuvantes por sua capacidade em estimular
a resposta imune inata e a adquirida
(MARCIANI, 2003) e também tenta superar as
classificações dúbias geradas com base na
origem, natureza química ou nas propriedades
físico-químicas, já que substâncias de mesma
natureza química podem divergir em suas
propriedades imunomoduladoras, como é o caso
das saponinas (PRESS et al., 2000).
Os imunoadjuvantes representam
numerosos compostos com larga variedade de
conformação e que agem por diferentes caminhos
(AUDIBERT & LISE, 1993). Na tentativa de
elucidar o mecanismo de ação dos adjuvantes e
tendo em vista a grande diversidade de
substâncias dotadas de potencial adjuvante,
várias são as propostas. FROST & LANCE
(1978) propuseram que os adjuvantes devem agir
pela alteração da recirculação linfocitária,
produzindo uma marcada localização das células
nos linfonodos de drenagem que possibilitaria
um ótimo contato entre o antígeno e as células
efetoras. AUDIBERT & LISE (1993) sugeriram
que as propriedades biológicas dos adjuvantes
dependem da capacidade dos mesmos de ativar
seletivamente as duas sub-populações de
linfócitos T CD4+, Th1 e Th2, que controlam os
maiores aspectos da resposta imune. COX &
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COULTER (1997) propuseram que os adjuvantes
podem atuar em cinco caminhos: (1)
imunomodulação, (2) apresentação, (3) indução
de linfócitos T citotóxicos CD8+, (4) liberação
ou entrega do antígeno, (5) efeito depósito. A
imunomodulação refere-se à capacidade dos
adjuvantes de modificar a rede de citocinas, deve
resultar da regulação do sistema imune como um
todo, mas culminando em uma estimulação da
secreção de certas citocinas e inibição de outras.
A apresentação trata da capacidade do adjuvante
de preservar a integridade do antígeno e
apresentá-lo às células imunes efetoras
apropriadas e vai conferir benefícios como:
maximinizar os níveis de anticorpos
neutralizantes, interferir na afinidade dos
anticorpos e influenciar na duração da resposta
imune. Para a indução de linfócitos T citotóxicos
CD8 + , os adjuvantes devem facilitar a
incorporação ou persistência de peptídeos
apropriados dentro do MHC-1. A entrega do
antígeno define a capacidade de um adjuvante
de liberar o imunógeno para as células efetoras,
geralmente as células apresentadoras de antígeno
(APCs). Esse mecanismo de ação não modifica
o tipo de resposta imune, mas afetará os níveis
de antígenos requeridos para desencadear uma
resposta efetora eficaz. O efeito-depósito
proporciona uma liberação prolongada do
antígeno, podendo ser um depósito por curto
tempo (ex. sais de alumínio e emulsões de óleos)
e um depósito por longo prazo (ex. polímeros
sintéticos) e permitirão a liberação do imunógeno
para as APCs (COX & COULTER, 1997).
Segundo SINGH & O’HAGAN (2003),
os adjuvantes podem ser usados para melhorar a
resposta imune aos antígenos por diferentes
caminhos, incluindo: potenciação da
imunogenicidade de fracos imunógenos,
aumento da velocidade e duração da resposta
imune, modulação da especificidade, isotipo e
distribuição das sub-classes de anticorpos,
estimulando resposta de linfócitos T citotóxicos
(CTL), promovendo a indução da imunidade
mucosa, aumentando a resposta imune de
indivíduos imunologicamente imaturos ou
senescentes, reduzindo os custos das vacinas pela
diminuição das doses dos antígenos e ajudando
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a controlar a competição de antígenos em vacinas
combinadas. Mesmo tendo-se idéia dos
caminhos, o mecanismo de ação de muitos
adjuvantes permanece desconhecido, uma vez
que a imunização ativa uma complexa cascata
de respostas, dificultando o entendimento do
efeito primário dos adjuvantes (SINGH & O’
HAGAN, 2003).
Obtenção de Novos Adjuvantes: Avanços,
Problemas e Perspectivas
Os estudos para obtenção de novos
adjuvantes são fundamentais, uma vez que eles
desempenham um papel crucial na determinação
da magnitude e direção da resposta imune pelos
mecanismos incluindo aumento da apresentação
do antígeno, captação, distribuição e seletividade
do alvo. Além disso, a obtenção de novos
adjuvantes é estimulada por um grande número
de fatores, incluindo a fraca imunogenicidade dos
antígenos puros e das vacinas de DNA, resposta
imune geralmente baixa em certa faixa etária,
como a fraca resposta de idosos para antígenos
de H. influenza e um melhor conhecimento dos
mecanismos da resposta imune e das novas rotas
de liberação que têm sido exploradas, tais como
a intradérmica, mucosa e intranasal (SESARDIC
& DOBBELAER, 2004). Alguns parâmetros
devem ser avaliados para a escolha de novos
adjuvantes e combinação adjuvantes/vacinas, tais
como a qualidade, o mecanismo de ação e a
compatibilidade do adjuvante com o antígeno,
incluindo composição quantitativa e qualitativa,
características físicas e bioquímicas, pureza
química e microbiológica.
O Comitee for Proprietary Medicinal
Products (CPMP) formulou um “Guia para
Testes Pré-clínicos, Farmacêutico e Toxicológico
de Vacinas”, no qual os requisitos principais para
o desenvolvimento de novas vacinas são
abordados. No caso dos adjuvantes, sugere a
necessidade de demonstrar a compatibilidade
com os antígenos, adsorção estável e eficaz (no
caso de antígenos adsorvidos) e toxicidade
aceitável (CPMP, 1997). Além desses aspectos,
faz-se necessário um estudo comparativo com
modelo animal apropriado, na presença e na
ausência do adjuvante, avaliando o perfil de
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segurança da combinação antígeno-adjuvante e
da via de administração escolhida (CPMP, 1997).
Para o estudo de novos adjuvantes, tem sido
sugerido um modelo que utiliza um antígenopadrão, como a ovalbumina ou a hemaglutinina
do H. influenza (STEWART-TULL, 1989).
Quanto aos estudos para avaliar a toxicidade e a
segurança dos adjuvantes, alguns parâmetros
farmacológicos e toxicológicos são citados,
como: (1) a observação de reações no local da
injeção, febre ou outros efeitos sistêmicos,
incluindo aqueles mediados pelo sistema imune
(resposta
de
hipersensibilidade),
teratogenicidade e genotoxicidade; (2) efeitos
adjuvantes na resposta imune; (3) estudo das
reações de hipersensibilidade para toxicidade de
doses repetidas; (4) estudo de distribuição
(SESARDIC & DOBBELAER, 2004); (5)
doenças autoimunes; (6) carcinogênese; (7)
devem ser biodegradáveis e (8) não
imunogênicos (EDELMAN, 1980; GUPTA &
SIBER, 1995).
Alguns problemas podem ser citados
durante o processo de obtenção de adjuvantes
para vacinas, como adjuvanticidade limitada,
modelos animais apropriados e problemas com
os testes experimentais (GUPTA & SIBER,
1995). A adjuvanticidade limitada ocorre pelo
fato de alguns adjuvantes serem efetivos para
determinados antígenos e ineficazes para outros.
Não existem modelos animais para muitas
doenças para as quais algumas vacinas estão
sendo desenvolvidas; além disso, espécies
animais diferentes respondem diferentemente
aos vários adjuvantes e, mesmo dentro da mesma
espécie animal, linhagens diferentes respondem
de modo diverso (GUPTA & SIBER, 1995). Um
dos maiores obstáculos para o desenvolvimento
de novos adjuvantes é a toxicidade, que tem
restringido a liberação e o uso de novos
adjuvantes (EDELMAN, 1997). Atualmente o
balanço entre segurança e efeitos adversos é
avaliado diferentemente para uma vacina
profilática e para uma vacina terapêutica. No
primeiro caso, apenas os adjuvantes que induzem
efeitos adversos mínimos são aceitos, já para o
uso terapêutico, são aceitos níveis de efeitos
adversos mais elevados (O’HAGAN et al.,
2001).
Diversas formulações vêm sendo
testadas e apresentaram um forte potencial
adjuvante, tais como as emulsões, lipossomos,
microesferas,
saponinas,
complexos
imunoestimulantes (ISCOMs), dentre outros. O
primeiro registro da utilização de emulsões de
óleo em procedimentos de imunização foi feito
por LE MOIGNIC & PINOY (1916) que
mostraram um aumento da resposta imune contra
o antígeno, vacinando camundongos com
Salmonella typhimurium inativada e
emulsificada com óleo mineral. No entanto, foi
com a descoberta do adjuvante completo de
Freund (CFA), em 1937, que o uso das emulsões
em procedimentos de imunização tornou-se
freqüente. O CFA é um dos mais potentes
adjuvantes descritos para diversos antígenos e
usados extensivamente em procedimentos
experimentais com animais de laboratório,
porém, em sua formulação original, mostrou-se
inaceitável para uso em humanos (GUPTA et al.,
1993).
As vacinas com adjuvantes à base de
óleo são utilizadas com sucesso em programas
de controle de doenças na América do Sul (PATIL
et al., 2002) e outras partes do mundo. As
emulsões lipídicas são conhecidas como os
efetivos adjuvantes capazes de induzir uma
resposta imune elevada e duradoura
(HILLEMAN, 1966; EDELMAN, 1980; GUPTA
& SIBER, 1995). Um dos maiores problemas
encontrados para vacinas com adjuvantes oleosos
é que o uso freqüente pode resultar em reações
adversas indesejáveis, tais como formação de
granulomas e cistos, que são atribuídas a diversos
fatores incluindo impurezas do óleo
(BARTELING & VREESWIJK, 1991; GUPTA
et al., 1993) e no caso do CFA e IFA, muitos dos
efeitos adversos são creditados ao óleo mineral,
pelo fato de não ser biodegradável, formando
lesões ulcerativas no local da injeção. Devido a
esses efeitos colaterais, uma larga variedade de
óleos e derivados vem sendo testada, como o
esqualeno, esqualano e óleos vegetais (CHANG
et al., 1998). Os primeiros estudos utilizando
óleos vegetais como imunoadjuvantes foram
feitos por HILLEMAN (1966) com uma
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formulação denominada de adjuvante 65 que
consistia de 86% do óleo de amendoim, 10% de
Arlacel A (surfactante) e 4% de monoesterato
de alumínio (estabilizante). Desde então, vários
experimentos têm sido conduzidos com óleos
vegetais que têm apresentado um forte potencial
adjuvante com diferentes antígenos: óleo de
amendoim (SMITH et al., 1975; EDELMAN,
1980; BRUGH et al., 1983; EGHAFONA, 1996;
RIOUX et al.; 1997; MOTA, 2006); óleo de coco
(EGHAFONA, 1996); óleos de milho, soja e
oliva (SILVA, 2000; 2004); óleo de sésamo
(KIMURA et al., 1978; FEIJÓ, 2005); óleos de
arroz e algodão (MOTA, 2006) e os óleos das
sementes de murici, de canola, de linhaça e das
amêndoas de caju (FEIJÓ, 2005).
Os lipossomos são vesículas de
membranas simples e de bicamada, composta por
colesterol e fosfolipídeos, com tamanho variando
entre 20 nm e 3 µm (ALVING, 1992). Eles
apresentam uma boa capacidade de liberação,
direcionamento e apresentação de antígeno para
as células, estimulam CTL e são seguros
(POWERS et al., 1995). No entanto, apresentam
dificuldade na fabricação e na incorporação do
imunógeno, além de necessitarem de
imunomoduladores para ser efetivos em muitas
situações (COX & COULTER, 1997).
As
saponinas,
glicosídeos
triterpernóides isolados de Quillaja saponaria,
têm sido extensivamente estudada e mostrado
um forte potencial adjuvante que parece estar
associado a sua capacidade de induzir produção
de citocinas (SINGH & O’HAGAN, 2003). Quil
A, saponina purificada, apresentou elevada
capacidade adjuvante e tem sido usada em
vacinas veterinárias, mas devido à atividade
hemolítica e reações locais o uso em humanos
não tem sido autorizado (GUPTA et al., 1993).
QS21, saponina purificada de Quil A, é um
potente adjuvante da resposta Th1, através da
estimulação de citocinas (IL-2 e INF-γ) e não
apresenta atividade hemolítica (KENSIL, 1995).
Os ISCOMs são complexos imunoestimulantes
formados por Quil A, colesterol e fosfolipídeos
e antígeno anfipático (COX & COULTER,
1997); são capazes de induzir forte reposta Th1
e Th2, boa liberação e apresentação do antígeno
84
e excelente resposta CTL (TAKAHASHI et al.,
1990; COX & COULTER, 1997).
Mesmo com o desenvolvimento de
potentes formulações de adjuvantes nos últimos
anos, os sais de alumínio continuam sendo os
mais usados rotineiramente em vacinas em
humanos (GUPTA & SIBER, 1995). Os
adjuvantes de alumínio foram originalmente
identificados há mais de 70 anos por GLENNY
et al. (1926). Eles induzem uma forte resposta
Th2, uma boa liberação do antígeno, apresentam
um moderado efeito-depósito (COX &
COULTER, 1997). A atividade biológica destes
sais baseia-se em pelo menos três aspectos:
formação de depósito de antígenos nos tecidos
para produzir uma exposição prolongada;
produção de antígenos particulados para facilitar
a apresentação para APC; ativação do
complemento e estimulação dos macrófagos para
induzir retenção e ativação de linfócitos
(LINDBLAD, 1995). Algumas limitações podem
ser citadas para o uso dos adjuvantes à base de
alumínio, como reações locais, produção de
anticorpos do tipo IgE e a incapacidade de
estimular a imunidade mediada por células
(BAYLOR et al., 2002).
Vacinas: um Breve Histórico e a Necessidade
do Uso de Adjuvantes
Embora a primeira investigação
científica para prevenção da varíola tenha sido
conduzida por Edward Jenner em 1796 e a ele
seja creditado o início da vacinação moderna,
muito dos primeiros esforços para vacinar
indivíduos ocorreu antes do século XVI na China
(HILLEMAN, 2000; ESSER et al., 2003). Os
chineses praticaram a variolação, através da
aspiração do pó de macerado de pústulas de
ferida ou de vestir-se com roupas de indivíduos
infectados, para induzir imunidade em pessoas
sadias. A variolação tornou-se popular na Europa
e em colônias britânicas no século XVIII, mas
não foi ideal, por causa dos riscos inerentes com
2 a 3% de mortalidade (ESSER et al., 2003).
Casos como o do fazendeiro Benjamin Justy que
inoculou sua família com pus de varíola bovina
para prevenir a varíola humana são relatados bem
antes de Jenner (HILLEMAN, 2000). No entanto,
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foi a partir dos estudos clínicos conduzidos por
Jenner, que se demonstrou que a pré-inoculação
com vírus da varíola bovina prevenia a doença,
no caso de exposição posterior ao vírus da varíola
humana. O sucesso da primeira vacina é
evidenciado pelo fato de que a varíola foi
eliminada da população humana em 1981.
No último século, o uso de vacinas tem
diminuído consideravelmente a mortalidade e a
morbidade causadas por doenças infecciosas na
população humana e em outros animais
(SCHIJNS, 2003). A prática da vacinação é uma
das intervenções médicas profiláticas mais
eficazes. No entanto, o aumento de bactérias
resistentes a antibióticos, a emergência de novos
patógenos e a segurança de vacinas atenuadas
ou de patógenos mortos têm exigido novas
vacinas e o refinamento das vacinas existentes
para torná-las mais seguras e mais efetivas
(McNEELA & MILLS, 2001).
O objetivo principal da vacinação é
preparar o sistema imune, tão logo o indivíduo
vacinado torne-se hospedeiro, para responder
mais rápida e eficazmente contra um
determinado patógeno, além de induzir uma
memória imunológica de longa duração (ESSER
et al., 2003). Um conceito muito comum é que a
vacina induz uma imunidade esterilizante pela
estimulação da produção de anticorpos
neutralizantes que previnem a infecção pelo
patógeno. Na realidade, as vacinas não protegem
contra a infecção, mas contra a doença, por dar
ao sistema imune uma vantagem contra o
patógeno invasor (HILLEMAN, 2000).
Tradicionalmente, as vacinas têm sido
produzidas com patógenos atenuados ou
inativados. Rápidos avanços na imunologia, na
biologia molecular e na bioquímica têm
direcionado para o desenvolvimento de vacinas
de subunidades baseadas em recombinantes
bacterianos ou virais, peptídeos ou plasmídeos
(ERTL & XIANG, 1996). De acordo com o
antígeno, as vacinas contra doenças infecciosas
têm sido classificadas como replicantes,
atenuadas ou não-replicantes de microrganismos
inteiros ou partes deles (SCHIJNS, 2003). As
vacinas não- replicantes são mais seguras, tanto
para indivíduos normais, quanto para os
imunocomprometidos, mas elas são pouco
imunogênicas e requerem o uso de adjuvantes
(SCHIJNS, 2003).
Os adjuvantes têm sido usados em
vacinas convencionais para estimularem uma
resposta imune precoce, elevada e duradoura
(GUPTA & SIBER, 1995). Para exercerem um
efeito adequado, devem promover um estímulo
antigênico para todos os componentes da vacina
que não induzem uma imunidade desejável
(AUDIBERT, 2003), influenciando ou
controlando muitos parâmetros da resposta
imune, tais como: (1) produção de anticorpos
(especificidade, títulos, duração, memória,
classe, isotipos, avidez); (2) imunidade mediada
por células (CMI)- CMI mediada por CD4+ ou
resposta de hipersensibilidade tardia (DTH) e
CMI mediada por CD8+ (CTL); (3) imunidade
mucosa e (4) incidência de não-respondedores
genéticos (HUNTER, 2002). As diferentes
características da resposta imune, apropriada ao
objetivo de cada vacina, seja para prevenção ou
terapia, seja contra patógenos circulantes ou
intracelulares ou contra tumor, implicam na
impossibilidade do estabelecimento de um
adjuvante universal e apropriado para todos os
casos (AUDIBERT, 2003).
Alguns fatores, como a natureza do
antígeno, a dose e os adjuvantes, podem
influenciar profundamente a magnitude e
duração da resposta imune dirigida pela
vacinação (ESSER et al., 2003). A imunidade
para diferentes doenças infecciosas requer tipos
distintos de reações imunes, as quais devem ser
evocadas por diferentes formulações de vacinas.
Dependendo do tipo de doença, a vacina deve
superar um número crítico de demandas, que
incluem iniciação precoce da imunidade, longa
duração da resposta efetora, tais como produção
de anticorpos ou atividade citotóxica, a
diminuição do requerimento de reforços, certa
qualidade da resposta imune, além de custos
reduzidos e aceitáveis e boa segurança
(SCHIJNS, 2003). Muitos desses aspectos são
fortemente dependentes da escolha do adjuvante.
Uma vez que os adjuvantes podem estimular a
produção de citocinas e quimiocinas pelas células
apresentadoras de antígenos (APCs), podem
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85
recrutar células dos tecidos e gânglios locais e
direcionar para o desenvolvimento de uma
resposta humoral ou mediada por células
(O’HAGAN et al., 2001).
Há uma grande necessidade de acelerar
a pesquisa e desenvolvimento de novas vacinas,
mais seguras, eficazes e acessíveis às populações
mais pobres e os adjuvantes têm uma função
essencial no desenvolvimento dessas vacinas.
Essa urgência está associada a problemas que
incluem a incapacidade das ferramentas
tradicionais de desenvolver vacinas eficazes
contra microrganismos “difíceis”, incluindo os
que estabelecem doenças crônicas como HIV e
HCV; a emergência de novas doenças, como
EBOLA, a doença febril causada pelo vírus do
Nilo Ocidental, a nova variante da doença de
Creutzfeldt-Jakob (nvCJD) ou da “vaca louca”;
o reaparecimento de “velhas” doenças, como a
tuberculose e a resistência bacteriana a
antibióticos gerada pelo uso indiscriminados dos
mesmos (O’HAGAN et al., 2001). Mais
recentemente, a gripe do frango originada na
Ásia, tem sido alvo de grande preocupação, o
que levou a Organização Mundial da Saúde a
advertir para o perigo que a mesma poderá matar
milhões de pessoas caso esse vírus, que avança
pela Ásia, venha a combinar-se com uma forma
de gripe humana que também se desloca,
atualmente, para o continente (BBC, 2005). O
objetivo ambicioso das vacinas modernas é
prover uma eficiência máxima com menor
número de doses, liberação segura e fácil
(SESARDIC & DOBBELAER, 2004).
Mesmo com os problemas encontrados
para o desenvolvimento dos estudos para
obtenção de novos adjuvantes, houve certo
progresso nos últimos anos, particularmente no
entendimento das bases moleculares do
mecanismo de ação dos adjuvantes, o papel das
citocinas e diferentes tipos de células envolvidas
na resposta imune e um melhor entendimento
da imunidade relativa a várias doenças, com um
crescente
direcionamento
para
o
desenvolvimento de adjuvantes que possam
modular seletivamente a resposta imune. O
conhecimento básico da atividade dos adjuvantes
86
é muito importante para o desenvolvimento de
vacinas contra as doenças emergentes e
prioritárias globais que não possuem ainda uma
vacina efetiva, tais como AIDS, malária e
tuberculose, além de doenças que atingem os
países em desenvolvimento, como
leishmanioses, dengue, shiguelose, tifo e cólera.
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