CIÊNCIA, ÉTICA E O USO DE ANIMAIS EM
LABORATÓRIO1
DR. MICHAEL W. FOX
Tradução: Tatiana Almeida de Andrade2
Aproximadamente 25 a 35 milhões de animais são usados nos Estados
Unidos, a cada ano, para pesquisa, teste e propósitos de ensino. A maioria
destes são roedores, que estão excluídos de qualquer proteção sob o Decreto
Federal "Animal Welfare Act" (Bem Estar dos Animais).Outros animais,como
coelhos,gatos,cachorros e macacos,recebem pouca proteção deste decreto,
porque o Departamento de Agricultura dos E.U.A faz um trabalho totalmente
inadequado de inspeção das instituições de pesquisa com animais e um trabalho
ainda pior de fazer valer a lei quando transgressões são achadas.
Eu falo com experiência pessoal. As condições aprovadas, sob quais cada
laboratório de animais é mantido, são geralmente deploráveis. Jaulas são
pequenas. Grandes macacos são mantidos sozinhos, por anos, em jaulas de
0,70 por 1 metro. Privados da interação social e de qualquer coisa para
manusear, eles desenvolvem comportamento "neurótico" anormal, como
movimentos estereotipados, auto-mutilação, masturbação repetitiva, medo ou
raiva intensa, enquanto outros comem ou bebem excessivamente. Humanos,
1 Caítulo 3 Science, Ethics, and the Use of Laboratory Animals, do livro de Maichael Fox. Inhumane
Society: The American Way of Exploiting Animals. New York: St. Martin’ s Press.1990, ps. 58-73..
2 Acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
claro, não agiriam diferente sob as mesmas condições. Cães e gatos são
mantidos em semelhantes condições de privação, sem exercícios e raro contato
humano, ainda que muitos tenham sido animais de estimação que chegaram aos
laboratórios através de negociantes e abrigos de animal locais. Tais condições
extremas afetam o comportamento e a fisiologia animais, consequentemente
fazendo as pesquisas, sobres eles, tornarem-se de validade questionável.
(exceção para outros animais sob condições similares).
Na verdade, os parâmetros atuais para cuidados com animais de
laboratórios são inadequados por dois motivos principais, quando considerados
sob a nova luz da medicina holística, que considera a totalidade da
interconectividade corpo-mente-ambiente. Em termos de bem-estar animal, esses
parâmetros dão uma parca consideração ao social e emocional dos animais e
suas necessidades ambientais; eles não são científicos e então contrariam o
progresso da medicina porque resultados defeituosos são obtidos sempre que a
integridade corpo-mente-ambiente é quebrada. Pesquisadores têm mostrado que
segregação (quando um animal é isolado numa jaula de laboratório) introduz uma
variedade de variáveis experimentais, que não estavam no projeto inicial do
experimento. Logo as conclusões da pesquisa são no mínimo duvidosas e
provavelmente de pouca relevância em relação às condições da vida real que
realmente provocam saúde e doença. A falta de reconhecimento das conexões
holísticas, que conjuntamente determinam saúde e de quais quaisquer
significantes parâmetros de normalidade devem ser derivados, reflete a estreiteza
e insalubridade científica na forma de pensar da medicina contemporânea, na
qual a resultante terapêutica, embora rentável, muito frequentemente causa dez
novos problemas em decorrência da solução de um primeiro.
Os cientistas interpretam mecanicamente comportamentos animais de
seres enjaulados, chamando-os de "adaptativos". Eles ignoram que estes
comportamentos são indicadores de ambientes biologicamente inapropriados.
Além de pôr em dúvida a validade de suas pesquisas, suas habilidades
empáticas, parte vital do diagnóstico e cura, deve ser questionada. Os
pesquisadores ignoram o sofrimento psicológico animal e a sua importância.
Talvez a empatia não seja mais claramente entendida ou experienciada (como
agora é moda interpretar a empatia como um tipo reacionário de antropomorfismo
sentimental), e porque a atual visão médica mundial estabelecida exclui os
componentes mentais e ambientais do bem-estar. Focando exclusivamente no
físico, a medicina atual considera animais de laboratório (e de fazenda) em boa
situação desde que eles não mostrem nenhuma considerável anormalidade física
ou patologias orgânicas de acordo com os padrões de cuidado atuais.Recentes
avanços na medicina holística ou ambiental, revelam a falácia desta visão.
Enquanto os avanços podem não resultar em nenhuma redução imediata de
animais usados nas pesquisas de biomedicina, eles mostram que o custobenefício do uso de animais para encontrar curas para doenças humanas é
imprudente, e que muitas doenças são melhor prevenidas ao se adotar a
agricultura orgânica, dietas e estilo de vida mais cuidadosos e a limpeza de um
ambiente tóxico. Não pode existir bem-estar físico, tanto para o homem quanto
para o animal, sem bem-estar mental e um ambiente saudável, que também
satisfaça necessidades comportamentais e sociais. Para os animais de
laboratório, assim como os de fazenda fabris, estas necessidades não são
atendidas, resultando em stress, angústia e crescente susceptibilidade a
doenças.
A Organização Mundial da Saúde definiu como saudável como "um estado
de bem-estar físico, mental e social, e não somente a não existência de doença."
Esse mesmo critério precisa ser reconhecido na criação de animais de
laboratório. No máximo, são atendidas as básicas necessidades físicas animais.
Suas condições mentais e bem-estar social são geralmente ignorados; ar puro,
uma jaula, comida, água, e inexistência de doenças são as escassas,
mecanicistas e não-científicas "necessidades" atualmente reconhecidas para
animais de laboratório e de fazenda.
Testes de "segurança"
Animais de laboratório estão sendo cada vez mais usados para testar o
potencial carcinogênico, teratogênico, e outros patológicos, de substâncias
químicas. Testes como o teste de "segurança" para drogas, cosméticos e outros
produtos para o consumo, estão tão ligados à política, interesses de corporações,
e regulamentos burocráticos custosos e ineficientes, que substâncias químicas
conhecidas por causar câncer, defeitos de nascimento, e outras doenças,
continuam a ser fabricadas, largamente usadas e introduzidas em nossos
próprios corpos. Algumas que foram banidas nos Estados Unidos são vendidas
em larga escala para países em desenvolvimento. E testes de "segurança" feitos
com o uso de animais continua. No processo, o fato científico básico da sinergia
química é ignorado (sinergia significa "ação combinada"). Neste contexto, a
combinação de duas ou mais substâncias químicas, mesmo que em níveis
"seguros", pode ter um efeito aditivo, aumentando sua prejudiciabilidade para
nosso corpo." É impossível para em torno de 40 a 60 mil substâncias químicas,
atualmente em uso, serem testadas em combinação, com o intuito de obter níveis
de segurança confiáveis. Teste de segurança animal são pouco mais que uma
campanha de relações pública para dissipar a preocupação pública e, no
máximo, dão uma falsa sensação de segurança. Claramente animais de
laboratório estão desnecessariamente sendo explorados nesse campo de
pesquisa. Eles sofrem puramente por razões de lucro.
A importância de "modelos" animais.
É irônico que os critérios para definir saúde humana sejam quase tão
limitados quantos os usados para definir saúde e bem-estar de animais de
laboratórios. Consequentemente, a qualidade da pesquisa de biomedicina, a
prática da medicina e a qualidade dos serviços médicos oferecidos ao público
são seriamente deficientes em muitos pontos. Serviços de trabalho sociais e
psiquiátricos têm baixa cotação com companhias de seguro médico. A indústria
biomédica tem vendido rentavelmente para a sociedade remédios custosos e
iatrogênicos e procedimentos de diagnóstico (que somente os mais ricos e
segurados podem pagar) que identificam os sintomas, mas não as causas. Essas
causas são principalmente mentais, sociais e ambientais (especialmente dietas
impróprias e adulteradas). "Modelos" animais simulando doenças humanas in
vivo são normalmente feitas no vazio, isolados em um ambiente estéril e
empobrecido. Os animais são totalmente isolados dessas variáveis sociais e
ambientais, que fazem parte da maioria das síndromes de doença, e são
estressados emocionalmente como conseqüência do isolamento social e a
ruptura ambiental. Uma pequena caixa de metal em um quarto escuro, com ar
condicionado é dificilmente um ambiente biologicamente apropriado para um
macaco que está sendo usado como modelo humano para malária. Modelos
animais são principalmente utilizados para achar "curas" com remédios e vacinas
e para estudar o desenvolvimento de doenças dentro do corpo. Os resultados
anteriores favorecem os produtores e aliviaram algumas enfermidades humanas;
mas sem medidas de saúde preventiva, especialmente ar puro, água, comida e
uma dieta adequada, enfermidades e sofrimento continuarão e novas doenças
vão surgir. O estudo de doenças em animais isolados resulta em ver somente
parte do retrato da doença; Conhecimento das influências sociais e ambientais
está em falta.
Logo, modelos animais são de serventia limitada. Alguns modelos animais
geralmente, e cruelmente, imitam enfermidades emocionais humanas, como
isolação social prolongada, privação maternal, depressão, medo severo e
ansiedade crônica. Algumas técnicas usadas (e desenvolvidas) em animais são,
de acordo com a Anistia Internacional, também usadas em prisioneiros militares e
dissidentes políticos. Psicólogos realizam alguns dos mais desumanos estudos
com animais. Eles se recusam a admitir que se seus estudos são relevantes para
enfermidades emocionais e aflições humanas, então é provável que os animais
que eles usam sejam sujeitados a grande sofrimento emocional.
Mesmo com uma melhor legislação e um a coação de leis para proteger o
bem-estar de animais de laboratório, e estudos de pesquisa melhor desenhados
que são mais pertinentes com a melhora da saúde humana, a pergunta continua:
Que pesquisa com animais é válida e que estudos, que têm vínculos com
sofrimento animal, são justificados? Na análise final, eu acredito que nenhum.
Existem muito poucos, se existem, restrições sobre o que um pesquisador
pode fazer com os animais. Enquanto existe um atento conselho de inspeção
para toda pesquisa de fundo federal, uma prioridade maior é dada, especialmente
a um cientista estabelecido, para "conhecimento científico", sobre a preocupação
com bem-estar animal. Métodos alternativos de teste, como microorganismos e
cultura de tecidos, recebem pouca atenção. E então nós encontramos psicólogos
e estudantes, sem treinamento formal em cirurgia veterinária e cuidado pósoperatório, fazendo cirurgias cerebrais em gatos e macacos; cães e ratos
recebendo, repetida e ostensivamente, choques para achar respostas que
ajudem a curar depressão em humanos.; radiação, testes de armas e estudos de
queimaduras em porcos, cachorros e macacos - testes militares considerados
vitais para a segurança nacional; testes de segurança de novos xampus,
cosméticos e outros produtos de consumo supérfluos, botando várias
concentrações de substâncias de teste dentro dos olhos de coelhos, provocando
dor intensa e até cegueira. Mesmo quando alguns testes do governo em animais
demonstram que uma substância química provoca câncer, danos genéticos ou
defeitos de nascimento, eles são frequentemente contestados pelos produtores
da substância química em questão. Testes feitos em seus próprios laboratórios
normalmente têm resultados diferentes, mais de acordo com os interesses da
empresa. E mais, testes em animais são feitos antes do julgamento final.
Milhares de substâncias químicas que estão no mercado ainda não foram
testadas pelo Instituto Nacional de Câncer e outras agências. Outras conhecidas
por ser danosas à saúde humana e animal, são usadas amplamente,
principalmente na agricultura e nas indústrias químicas, na confecção de tintas,
solventes e outros materiais perigosos. E mais, testes em animais são feitos com
substâncias conhecidas por causar mal à saúde humana, como álcool, tabaco e
narcóticos.
Enquanto alguns testes de segurança e pesquisa biomédica, básica e
aplicada, em animais podem ser justificadas por necessidade completa,
"necessidade" precisa ser definida. Este é um argumento usado para testes e
pesquisas, em animais, frívolos.
Justificando o uso animal em pesquisas
Os cientistas usam um argumento muito forte para justificar e defender o
uso animal em suas pesquisas. Ele é que o desejo de adquirir conhecimento conhecimento pelo bem do conhecimento - é um valor cultural. Se argumenta que
todo conhecimento de uso potencial para a humanidade e a sua busca não devia
ser questionada nem obstruída: Tal obstruções seriam contra o maior interesse
da sociedade e uma violação à liberdade científica. Esta atitude levou todo
conhecimento de benefício potencial á humanidade ser posto acima de qualquer
preocupação humana quanto ao sofrimento de animais de laboratório. Significa
que, não importa quanto sofrimento animal está envolvido, ele é justificado desde
que exista benefício à sociedade.
Todo o conhecimento não é de valor igual, e não é científico fazer tal
generalização. Somente certos conhecimentos essenciais, antes que informação
trivial, deveriam ser buscados com o custo de sofrimento animal. Talvez
cientistas procurem justificar e defender a busca do conhecimento (liberdade
científica), antes do valor de tal conhecimento, porque tal busca pode levar a
conhecimentos que beneficiem a sociedade. E como também podem não
beneficiar. Muitas pesquisas são repetitivas e improdutivas. Nenhum projeto de
pesquisa pode garantir que dará resultados úteis.
Porque a liberdade científica e a promessa de possíveis benefícios à
humanidade são tão rigorosamente defendidas, os meios por onde tal
conhecimento é obtido devem ser questionados. Se existem alternativas para não
causar sofrimento animal, adotar tais alternativas é um imperativo moral e uma
responsabilidade dos cientistas. Se alternativas, como cultura de tecidos, estão
disponíveis, então os possíveis benefícios à humanidade devem ser postos na
balança juntamente com os custos psicológicos e físicos causados aos animais.
Humanos podem e sofrem bem mais que animais de certos modos. como
vícios de drogas, violência (notadamente estupro e assassinato), depressão e
esquizofrenia. Logo alguns argumentam que animais devem ser usados em
pesquisas, porque eles sofrem menos que os humanos. mas isto precisa ser
provado. E então eu argumento que as seguintes considerações éticas sejam
levadas em conta: se a dor e o sofrimento causados a um animal forem maior
que a quantidade que um ser humano sentiria sob as mesmas condições
experimentais, então tal experimento deveria ser proibido.
No entanto, se não podemos assegurar quanto o animal está sofrendo,
então não deveríamos fazer a experiência. E cientificamente, se nós não
sabemos estes fatos básicos, então o valor e a relevância do trabalho, visando
aliviar o sofrimento e a dor em humanos, é muito provavelmente inválido
cientificamente e de pouca relevância clínica. As variáveis da dor, sofrimento,
medo, e privação devem ser controladas, sua intensidade e efeito nos animais
devem ser sabidas, caso contrário, a validade científica e a relevância clínica de
dados derivados de experimentos com animais serão mínimas. A censura pública
de cientistas, que acreditam que qualquer pesquisa é justificável quando a dor e
o sofrimento que o animal suporta são grandemente superadas pelo resultante
alívio de dor humana, crescerá até que eles aceitem suas responsabilidades para
com os animais.
Os pesquisadores F.L.Marcuse e J.J.Pear argumentam que o propósito
principal e a justificação de experimentos com animais é que o conhecimento
obtido pode ser de benefício à sobrevivência. Quanto esta crença deriva da
ansiedade inconsciente e da insegurança, as quais nenhuma pesquisa com
animais vai ajudar, merece uma consideração.
Estes cientistas perguntam:, "O bem-estar dos humanos deve ser posto
acima do dos animais?" A própria questão é baseada na assunção que o bemestar dos humanos e dos animais são mutuamente exclusivos e que os dois são,
de algum modo, separados. É este tipo de pensamento "especissista" que
esconde muito sofrimento humano como também exploração e sofrimento animal
desnecessários. Em uma perspectiva mais empática e ecológica, ao invés de
antropocêntrica, o bem dos humanos e o bem de outros animais são mutuamente
inclusivos, ao invés de exclusivos. Um exame cuidadoso das atitudes por trás das
justificativas de uso de animais, que podem sentir, "para o benefício da
humanidade" pode prover bem mais benefícios que quaisquer derivados de
tantos experimentos com animais.
Avanços científicos e tecnológicos atuais são concebidos como as chaves
de nossa sobrevivência e prosperidade. Porém o proferimento baconiano (do
filósofo inglês Francis Bacon, há mais ou menos 400 anos atrás) que diz que
conhecimento (especialmente a ciência) é poder (sobre a natureza) levou a um
estágio de ansiedade crescente e a uma maior necessidade de controlar não só
simplesmente a natureza, mas a própria humanidade. Abraham Maslow, no
Psicologia da Ciência, defende que a ciência " pode ser uma filosofia segura, um
sistema de segurança, um modo complicado de evitar a ansiedade e problemas
perturbadores. Em uma instância extrema, ela pode ser um jeito de evitar o viver,
um tipo de enclasulamento próprio." É considerada heresia questionar os valores
e percepções da política científica, não porque a validade de seus dados é
inquestionável, mas sim por causa da amplamente difundida crença que a ciência
pode resolver todos os nossos problemas. Este questionamento, rotulado como
"anti-ciência e anti-progresso", expõe a ansiedade do nosso tempo. A dor desta
ansiedade pode ser parcialmente curada com fé, não em Deus, mas no poder do
conhecimento instrumental, derivado da ciência, e a tecnologia aplicada.
Ironicamente, enquanto muitos cientistas, das áreas de biomédica e de
agronegócio,
acreditam
na
teoria
da
evolução,
eles
rotulam
como
antropomórficas as preocupações com o sofrimento e o bem-estar animal. Ainda
de acordo com a teoria revolucionária, provavelmente existe uma continuidade
evolucionária da experiência mental. Muitos destes cientistas são neocartesianos e fundamentalistas disfarçados com roupas darwinianas, que
acreditam na teoria evolucionária somente da boca para fora. Se este não fosse o
caso, eu acredito que haveria menor indiferença e aceitação enganosa do
sofrimento, físico e emocional, e a privação dos animais no mundo moderno.
Portanto os cientistas condenam o sofrimento desnecessário dos animais
baseados em que ele é "moralmente errado" (porque é um sinal de mau caráter)
somente quando não há uma justificativa de utilidade preponderante. Este é um
argumento fraco. Um argumento mais forte, o qual eles não podem aceitar, é que
por causa da nossa similaridade emocional e psicológica com as outras espécies,
os humanos não deviam tratar os outros animais de maneiras que não tratariam
seus semelhantes humanos. Nós não deveríamos causar dor e aflição emocional,
a não ser que seja vital para o próprio bem-estar deles ou para nossa
sobrevivência. Limites éticos precisam ser desenhados, porque eticamente, os
fins nem sempre justificam os meios.
A diferença entre um cientista e um não-cientista, que causem sofrimento
a um animal, é a diferença entre um julgamento social de sofrimento necessário
(permitido dentro da lei) e crueldade animal (punível segundo a lei). Esta
diferença é de uma utilidade: a de benefício á sociedade e não da moral ou da
ética. E é o público que dá ao cientista tal liberdade (e responsabilidade) tanto
quanto a maioria do financiamento de pesquisas com animais.
Mas nem todos benefícios para a sociedade são iguais- alguns são
realmente triviais, nem valem a pena em alguns casos. Deste modo, todos os
cientistas que usam animais em suas pesquisas não podem fazer iguais
exigências de liberdade científica sem primeiro estarem completamente
responsáveis em termo de propósito e do valor, potencial e real do sacrifício ou
sofrimento animal, para sociedade. Uma revisão, feita pelos próprios cientistas,
dos propósitos das pesquisas é altamente questionável, assim como tal grupo
não representa necessariamente valores sociais prevalecentes. Por exemplo, o
Código de Princípios da Associação Americana de Psicologia (1971) diz que “Os
procedimentos de pesquisa que sujeitam os animais serão conduzidos somente
quando tal sofrimento for requerido, e for justificado pelos objetivos da pesquisa.”
Isto soa tão limpo e simples, porém em uma segunda leitura percebe-se que é
um credo de total utilidade e racionalismo instrumental. Os animais podem ser,
simplesmente, meios para qualquer fim que a imaginação humana escolher para
justificar. Baseado em tal credo, qualquer revisão feita pelos próprios cientistas
seria altamente questionável.
Marcuse e Pear dizem que os cientistas deveriam questionar a
humanidade dos seus próprios, e dos outros, procedimentos com a mesma
intensidade com que eles questionam a saúde científica destes procedimentos.
Mas quem vai encorajá-los a agir assim, e também a estar mais aberto ao público
em geral e aos militantes do bem-estar animal? Marcuse e Pear acreditam que “a
cultura como um todo“ tem esta responsabilidade. Certamente os grupos
científicos profissionais se mostram incapazes desta tarefa. Este atual estado das
coisas continuará até que os grupos científicos permitam que “a cultura como um
todo” discuta e resolva questões éticas envolvendo pesquisa com animais. As
portas ficaram fechadas muito tempo por tais organizações como a Sociedade
Nacional para Pesquisa Médica. E manter estas portas fechadas é estar em
desacordo com o tempo. Agora é a hora para o diálogo. De outro modo a
comunidade biomédica e de pesquisa como um todo poderá sofrer as
conseqüências de uma crescente desilusão pública com a ciência e a medicina.
Muitos anunciaram o Animal Welfare Act estado unidense de 1996 como
um grande passo na direção correta para assegurar o bem-estar dos animais de
laboratório. De fato, em contraste com outras formas institucionalizadas de
exploração animal, os animais de laboratório têm, sem dúvida, a melhor proteção.
Mas no máximo, esta proteção é mínima, e a maioria dos animais usados –
roedores - estão excluídos deste ato e portanto não têm nenhuma proteção. Por
causa de financiamento insuficiente, o ato é inadequadamente executado. Muitas
emendas, há muito tempo necessárias, deveriam ser implementadas ao ato, tal
como provisão de exercícios para cães enjaulados; melhores moradias para os
primatas; melhor cuidado pós-operatórios e uso de analgésicos; criara limites
para evitar sofrimento animal desnecessário ou injustificado (especialmente em
estudos
de
psicologia)
e
repetições
desnecessárias.
A
questão
da
responsabilidade científica ainda tem que ser respondida. Muitos pesquisadores
asseguram falsamente ao público que o ato é adequado. Os próprios
pesquisadores estão protegidos pelo consenso profissional que tende a aceitar
incondicionalmente a exploração animal se o pesquisador é qualificado (tem um
M.D ou um P.H.D), bem conhecido e respeitado.
Existe uma necessidade urgente da proliferação dos testes com animais
de laboratório e trabalhos de pesquisa. A preocupação com os animais mantidos
em pequenas jaulas e com o sofrimento físico e psicológico, que geralmente
resulta
de
experimentos
com
procedimentos
invasivos,
seria
mitigada
primeiramente por uma drástica redução do número de animais usados. Uma
redução significativa poderia ser conseguida se as seguintes recomendações
feitas pelo comitê Carpenter, que eu chamo de Bill of Rights for Animal
Experimentation, forem adotadas:
i)
Uma busca mais intensa para achar alternativas ao uso de animais
em pesquisas.
ii)
Um pensamento mais cuidadoso sobre os experimentos antes de
envolver o uso de animais, incluindo uma consideração se o objetivo do
experimento tem possibilidade de ser encontrado com os métodos usados.
iii)
Antes de embarcar em um projeto vinculado ao uso de animais, um
pesquisador devia se certificar que nenhuma técnica alternativa (ex. cultura de
células) servirá para chegar ao objetivo de sua pesquisa.
iv)
Os que estão engajados em experimentos com animais devem se
perguntar, considerando a justificação ética de um projeto dado, se a sua
realização tem uma significação suficiente para justificar tanta inflição de dor e
estresse que possa estar envolvida no experimento.
v)
Onde o uso de animais, depois destas precauções terem sido
tomadas, for visto como necessário, uma atenção cuidadosa deve ser usada para
decidir o número de animais necessários. Algumas espécies podem ser mais
apropriadas que outras em uma dada instância, seja porque uma maior
aproximação com o homem é uma consideração primordial, ou por causa de uma
especificidade de resposta conhecida em uma espécie ou grupo particular.Neste
estágio considerações econômicas não deveriam ser prioridade e espécies
cientificamente apropriadas deveriam ser escolhidas; o uso de espécies raras
deveria ser evitado.No planejamento de quantas pesquisas deveriam ser feitas,
deve se tomar um cuidado de limitar as séries a um mínimo compatível com
resultados válidos estatisticamente.
vi)
Os animais em estabelecimentos de pesquisa devem estar sob
permanente cuidado de um cirurgião veterinário e particularmente aqueles que
sofreram cirurgia devem receber cuidado e supervisão constante.
vii)
Deveria haver a interrupção dos experimentos com objetivos triviais,
ex. para bens de luxo tais como mercadoria de adorno (já existem suficiente
artigos disponíveis para satisfazer qualquer necessidade atual). Os experimentos
projetados para provar o óbvio deveriam ser interrompidos. Também deveria
acontecer a interrupção da pesquisa com animais de produtos como o tabaco,
que o homem continua usando mesmo sabendo do mal que ele provoca.
Como William Penn disse, “Um fim bom não pode santificar meios maus,
nem nós podemos fazer o mal para obter o bem ... vejamos então o que o amor
fará.” Vários pesquisadores estão agora obtendo novos resultados na área da
resistência das doenças. Seus achados, sumarizados pelo escritor científico Jean
L. Marx, levam à conclusão que as penetrantes ligações anatômicas e
bioquímicas entre os sistemas imunológico e nervoso ajudam a explicar porque o
humor (temperamento e estresse emocional) influencia a susceptibilidade a
doenças. Isto é mais que mera especulação e ratifica a importância do papel da
psicoterapia e das ”terapias da mente,” tal como meditação e relaxamento, na
medicina preventiva. O fato que respostas imunológicas podem ser alteradas até
pelo aprendizado (condicionamento clássico) mostra novas perspectivas que a
medicina tradicional (alopática) tem há muito tempo ignorado. O fato que o
estado mental de uma pessoa claramente influencia o sistema imunológico e a
resistência a doenças garante a necessidade de uma revisão sobre o nosso
entendimento e tratamento de doenças. Nós também precisamos dar uma boa
olhada no uso continuado de animais em pesquisas biomédicas. Eu acredito que
a ênfase exagerada de animais como objeto de pesquisa retardou o progresso
médico em muitas áreas onde animais de laboratório ou não podem ser usados
(como na meditação) ou são de uso limitado (como na psicologia clínica como
modelos). Resumindo, quanto mais responsabilidade nós assumimos por nossa
própria saúde e pela saúde do nosso ambiente, uma menor vivisecção pode ser
justificada.
Eu questionaria os experimentos psicológicos e todos os outros feitos em
animais que não os beneficiam intencionalmente. Se a intenção inicial da
pesquisa for beneficiá-los, então nós podemos aprender muito para nos
beneficiar, já que nossos sistemas corporais são muito similares. Mas se a
intenção inicial da vivisecção animal é achar algo que beneficie os humanos e os
benefícios para os animais são pura coincidência, então isto certamente não é
eticamente aceitável; nem deveria ser cientificamente. Se a intenção for ter
animais que sejam modelos de humanos doentes ou machucados, então nós
deveríamos aprender daqueles que já estão doentes ou machucados. Induzir
uma doença, artificialmente injetando um vírus (para obter avanços em um
tratamento médico) ou machucar, quebrando uma perna (sob anestesia) para
fazer inovações cirúrgicas não.é saudável cientificamente porque os modelos são
muito simplistas e não são relevantes às condições da vida real de infecção e
trauma em humanos e animais.
E é certamente errado usar animais que são só aproximadamente modelos
humanos, porque as extrapolações podem ser muito especulativas. Este é o
caso, por exemplo, de usar dados de porcos queimados e escaldados na
situação de humanos vítimas de queimaduras. Nossa pele e nosso modo de lidar
com a dor e o sofrimento são muito diferentes.
Eu tenho dificuldade em aceitar a propagação de animais com
enfermidades genéticas e de desenvolvimento que nem chegam perto de
modelar enfermidades genéticas e de desenvolvimento humanas. Tais animais
têm geralmente uma alta procriação consangüínea. Mas os humanos geralmente
não. Deste modo a etiologia desses problemas pode ser muito diferente. Os
fatores ambientais provavelmente têm uma influência muito maior nos humanos,
que, vivendo mais que gatos, cachorros e camundongos, são mais suscetíveis a
sucumbir aos efeitos dos teratogênios e mutagênios ambientais (tal como
substâncias químicas e radiação) que danificam o plasma do embrião ou a
integridade genética do esperma e dos óvulos. Tal dano poderia causar
enfermidades germ-line-invaded (ou seja, hereditárias) e de desenvolvimento em
humanos
comparáveis
às
enfermidades
análogas
em
cães,
gatos
e
camundongos únicos. Os pesquisadores afirmam que com base em suas
pesquisas com gatos e cães de raça pura, eles podem aconselhar os donos
como eliminar o problema nos seus programas de criação e portanto como
melhorar a criação. Porém, não criar animais de raça pura com peculiaridades
exageradas em primeiro lugar seria uma melhor solução (ver capítulo 12).
Os pesquisadores também afirmam que eles podem, estudando essas
doenças genéticas em parceiros animais (e os propagando em colônias criatórias
de pesquisa), criar alguns tratamentos medicinais - até mesmo engenharia
genética corretiva (que já está sendo usada em pacientes humanos) para ajudar
os animais. Ainda existe a irônica possibilidade que a engenharia genética
corretiva será usada em humanos ao invés de se eliminar aqueles fatores
ambientais que são responsáveis, ou suspeitos, de causar danos ao esperma,
óvulos e embriões em desenvolvimento em primeiro lugar. E famílias sofrerão
com o fardo e o estigma de doenças genéticas. A indústria médica continuará a
lucrar, mas não prevenir, em cima desses problemas, que estão aumentando
dramaticamente na população humana (não da procriação consangüínea
selecionada mas de outro fatores) e em cães e gatos de raça pura (de procriação
consangüínea selecionada) enquanto a indústria em popularidade.
Logo é difícil justificar a pesquisa e os gastos no estudo da
hereditariedade, diagnóstico, e tratamento de doenças genéticas em animais
provenientes de procriação consangüínea, porque as pessoas não são
provenientes de procriação consangüínea a causa de seus problemas de
doenças genéticas é fundamentalmente diferente.
Certamente parece maravilhoso que uma enfermidade genética em uma
criança possa ser corrigida graças á pesquisa extensiva em animais “modelos”
genéticos. E alguns afirmam que isto é progresso – nosso jeito de se adaptar a
um ambiente cada vez mais insalubre. Mas não é progresso quando nós
causamos o sofrimento e procuramos meios de aliviá-lo ao invés de preveni-lo,
limpando o ambiente para que menos crianças nasçam com danos genéticos
enfermidades de desenvolvimento no metabolismo, imunidade e até função
mental.
Esta não é uma tarefa impossível. E o governo deveria reconhecê-la como
a principal tarefa das autoridades médicas estabelecidas da pesquisa biomédica.
Infelizmente, assim como muitas pesquisas de agricultura, a pesquisa biomédica
mira o benefício da indústria, desenvolvendo serviços e “curas” comerciáveis, ao
invés de visar o benefício da sociedade, desenvolvendo preventivos não
orientados para o comércio, que estejam alinhados com tecnologias industriais e
práticas de agricultura apropriadas e saudáveis. Isto é porque a maioria das
pesquisas é financiada pela indústria e suportada ideologicamente por aqueles a
quem falta visão ou consciência, ou quem está ávido por aclamação e lucro.
Enquanto existem muitas áreas de exploração e sofrimento de animais de
laboratório que deveriam ser proibidas, tais como testes de armas militares e
estudos de queimaduras extensas, desde quando o consenso público aceitar o
uso de animais para propósitos biomédicos essenciais, nós devemos aos
animais, em nome da compaixão e da boa ciência, a garantia que eles serão
tratados humanamente (analgésicos e tranqüilizantes sendo usados quando
necessário) e mantidos em condições que lhes garantam acima de tudo seu bemestar físico e psicológico.
Nem todos concordariam com Rudolph Bahro, filósofo líder do Movimento
Verde Alemão, que afirma, “Nós não entendemos suficientemente o assunto [do
terracídio – a destruição e a poluição do meio-ambiente/ecossistema planetário]
se nós lidamos com os problemas com experimentos de animais primeiramente
em termos de simpatia e respeito pela vida, mesmo que estes sentimentos
apontem na direção correta. Nós nos prejudicaremos não só moralmente e
espiritualmente, mas também fisicamente, se nós maltratamos os reinos animal e
vegetal somente porque tememos as doenças e somos ávidos pela vida.” E, eu
acrescentaria, que nós também nos prejudicamos quando não conseguimos ver a
conexão entre as doenças humanas e o nosso mau trato com o meio-ambiente e
com tudo que nele habita.
Mas como Albert Schweitzer disse, “Sem um respeito por todo tipo de vida,
nós nunca teremos uma paz mundial.” Nem teremos uma saúde mundial.
Eu acredito que seja eticamente questionável e frequentemente uma
ciência ruim rotineira e intencionalmente provocar doenças em animais em nome
da pesquisa biomédica e do progresso. É ciência ruim porque modelos animais,
artificialmente criados, de doenças humanas são geralmente inadequados e não
fornecem uma figura completa , já que a maioria das doenças tem múltiplos
fatores e causas. E é medicina ruim quando o foco inicial é o tratamento e não a
prevenção: o primeiro medicamento é a prevenção. O sacrifício de animais em
nome da ciência e do bem maior não pode continuar incontestado. Os animais de
companhia sofrem de muitos problemas de saúde, tais como câncer, artrite,
doenças auto-imunes e imuno supressas, e também distúrbios emocionais. Da
informação acima poderíamos aprender a diagnosticar e tratar tais doenças nos
animais e as análogas nos seres humanos. Isto iria criar um vínculo de
cooperação muito maior entre as escolas veterinárias e médicas e os institutos de
pesquisa.
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Ciência, ética, e o uso de animais em laboratório