Michel Foucault (1992) formula o surgimento de autores singulares, que abriram novos campos de conhecimento ao longo do século XIX europeu , denominando-os “fundadores de discursividade”. A característica desses autores, segundo ele, foi gerar a possibilidade e a regra de produção
de outros textos que convergiam para um mesmo espaço. Assim, ressalta Foucault (1992, p.59)2 :
(...) quando falo de Marx e Freud como ‘instauradores de discursividade’, quero dizer
que eles não só tornaram possível um certo número de analogias como também tornaram possível (e de que maneira) um certo número de diferenças. Eles abriram espaço
para outra coisa diferente deles e que no entanto, pertence ao que eles fundaram.
Ele salienta que “os instauradores de discursividade” se diferenciam dos fundadores de uma
ciência, embora, tal diferença não seja nítida em alguns casos. Mesmo porque, percebemos que
no interior da obra desses “instauradores de discursividade” há um profundo interesse em formular
seu objeto de trabalho e com isso dar o estatuto de ciência a seus pressupostos e descobertas.
Tal afirmativa poderá ser encontrada até mesmo nos trabalhos de Sigmund Freud (1976, p.287)3 ,
quando ele define a psicanálise contemplando os seguintes pontos:
Psicanálise é o nome de (1) um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2) um método (baseado
nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos e (3) uma coleção de
informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica.
Neste artigo, o movimento que engendrou a Sociologia, a Psicanálise e a Linguística será
discutido a partir de três nomes próprios que instauraram discursividades e inauguraram questionamentos sobre o que é específico das ciências humanas. São eles: Émile Durkheim (1858-1917),
Sigmund Freud (1856-1939) e Ferdinand de Saussure (1857-1913).
Por que escolher esses três nomes? O desenvolvimento da Lógica Moderna, do Marxismo
e da Ciência Tecnológica ocupou lugar de destaque no cenário dos séculos XIX e XX, o que nos
convoca discutir as questões do conhecimento passando por estes cenários. Entretanto, o enlaçamento destes três nomes margeiam três campos, quais sejam, Sociologia, Psicologia e Linguística.
Esses campos nos convocam a pensar na posição que as Ciências Humanas assume frente aos
frequentes questionamentos sobre sua legitimidade enquanto campo científico. Podemos constatar
tal elaboração destacando a posição da Linguística, e mais precisamente a posição de Saussure,
salientando, como veremos adiante, o que Paul Henry denominou de domínio da complementaridade.
II – Durkheim, Freud e Saussure
A obra considerada fundadora da sociologia foi escrita por Émile Durkheim e publicada em
1893 com o título: “Sobre a divisão do trabalho social”. Esse dado é extremamente relevante para
pensar como o pensamento durkheimiano instaurou toda uma influência sobre a sociologia. Seus
seguidores o consideravam um verdadeiro chefe de escola; eles expressavam as construções
teóricas e a admiração ao mestre nos textos publicados a partir de 1897 em “L’Anée sociologique”
revista fundadora do grupo dos durkheimianos. Lembramos ainda que foi também nesse ano, 1897,
que Durkheim publicou uma das suas obras principais, intitulada “O suicídio”.
Durkheim recebeu influência de Spencer e Espinas para construir seu referencial teórico,
entretanto, é importante ressaltar o contato que ele estabeleceu com o laboratório de psicologia
experimental fundado por Wilhem Wundt, em Leipzig, na Alemanha: “Com Wundt, Durkheim estudou antropologia e psicologia dos povos e resolveu dedicar-se às ciências sociais, concebendo o
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Foucault, M. O que é um autor. Lisboa: Passagens, 1992
Freud, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1976. vol.XVIII. p. 287
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II – Durkheim, Freud e Saussure