PARA ALÉM DE ESTERIÓTIPOS: ESTUDO MINUCIOSO DE ÉMILE
DURKHEIM
Felipe Fontana (PIBIC/CNPq – FA – UEM), Zuleika de Paula Bueno
(Orientadora), e-mail: [email protected].
Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Ciências Sociais,
Maringá – PR.
Sociologia e Teoria Sociológica.
Palavras-chave: pensamento durkheimiano, autonomia e indivíduo, o
sagrado e o profano.
Resumo
Nossa pesquisa consistiu em investigar alguns pontos inerentes ao
pensamento de Émile Durkheim com a clara finalidade de obtermos uma
melhor compreensão sobre eles. Assim, apreendemos em nossa
investigação alguns temas que sempre são colocados como definidos no
momento em que se realiza a crítica ao pensamento deste autor; são
exemplos disto: o indivíduo e sua alegada ausência na teoria de Durkheim; a
história e sua omissão nas análises do autor. Nossos questionamentos
surgiram de um contato estabelecido entre nós e Steven Lukes; entretanto,
também tivemos oportunidade de dialogar com outros comentadores de
Durkheim, tal como Raymond Aron. Para realizarmos uma pesquisa mais
comprometida com a busca de um conhecimento profundo dos autores
estudados, desenvolvemos uma metodologia inspirada nas idéias de
Marilena Chauí, Ecléa Bosi e Paulo de Salles Oliveira.
Introdução
Nosso projeto de pesquisa consistiu em levantar algumas questões
presentes no pensamento de Émile Durkheim. Para nós, era necessário
resgatar e dar uma melhor explicação a algumas concepções e conceitos
inerentes ao pensamento deste autor; ou seja, realizar uma interpretação
respeitosa de dadas idéias informadas por Durkheim sem cair nos mesmos
problemas existentes nas obras de alguns estudiosos que o comentam.
Nossos questionamentos ou objetivos da pesquisa foram oriundos de
um contato estabelecido por nós com alguns comentadores, em especial,
Steven Lukes, o qual nos pareceu realizar uma abordagem problemática de
Durkheim. Através da análise do texto Bases para a Interpretação de
Durkheim, notamos que para Lukes não há possibilidade de inserir e
compreender a presença do indivíduo nos conceitos apresentados por
Durkheim, pois estes são incapazes de mostrar uma interação ou ainda
alguma autonomia do indivíduo perante a sociedade; dessa forma, o
Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.
clássico autor deveria reformulá-los1. Também percebemos que para Lukes
há no raciocínio durkheimiano uma profunda e dicotômica separação entre o
profano e o sagrado (conceitos desenvolvidos por Durkheim em seu clássico
estudo sobre religião); assim, nos pareceu importante compreender se há
mesmo tal relação entre estas categorias inerentes ao pensamento
durkheimiano. Além disso, outro ponto que destacamos em nosso projeto de
pesquisa como merecedor de investigação refere-se aos seguintes
questionamentos: como se dá o movimento histórico e a mudança social na
obra de Durkheim? Como a história é evidenciada pelo clássico autor?
Foi através destas questões que recorremos à obra As Formas
Elementares da Vida Religiosa. Entretanto, para realizar esta investigação,
elaboramos uma metodologia adequada para possibilitar um estudo seguro
e respeitoso sobre estes questionamentos.
Revisão de literatura
O método proposto por nós para realizar esta pesquisa consistiu em buscar
ao máximo a compreensão das idéias do autor estudado e reconstruir os
movimentos de seu pensamento com a tentativa e esforço de não utilizar
dadas concepções que permeiam nossa mente e nos fazem atribuir e
sobrepor a dado pensador idéias e posturas que ele não possui. Com as
sábias palavras de Paulo de Salles Oliveira podemos perceber que “é
fundamental o trabalho de reconstruir com nossa imaginação o itinerário de
construção do pensamento do outro, tratando de não desfigurá-lo.”
(OLIVEIRA, 1998, p. 26).
Assim, ao mesmo tempo em que mergulhamos efetivamente no
pensamento do autor para assimilá-lo corretamente e integralmente,
resguardamos em nossa mente um dado distanciamento, o qual dificultou a
sobreposição de nossas concepções particulares, por vezes preenchidas de
determinados procedimentos intelectuais anteriores e não correspondentes
ao autor e obra estudada2. O movimento de pensamento que acabou de ser
1
Foi através desta citação de Lukes que conseguimos elaborar o questionamento acima:
“Como formulou Georges Sorel, Durkheim disse que era desnecessário introduzir a noção
de uma mente social, mas raciocinava como se estivesse introduzindo. Afirmando que os
fatos sociais (e particularmente as representações coletivas) são exteriores aos indivíduos,
Durkheim deveria ter dito que são ao mesmo tempo interiores (isto é, interiorizados) e
exteriores a qualquer indivíduo dado; e que são externos a todos os indivíduos existentes no
sentido de que foram transmitidas culturalmente do passado para o presente.” (LUKES,
1977, p. 23) (Grifos meu) Além da afirmação como um todo, nota-se neste momento certa
arrogância de Lukes, pois o comentador se coloca em uma posição de afirmar o que
Durkheim deveria dizer.
2
Toda a problemática existente na sobreposição de idéias anteriores e não correspondentes
ao autor e obra estudada só se realizou por nós graças a conceitualização feita por Marilena
Chauí acerca do conceito Ideologia. Tal conceitualização nos permite compreender o quão
arriscado é a incorporação de idéias, representações e pensamentos anteriores ao
entendimento de dada coisa, em nosso caso, de um dado pensamento. Quando realizamos
o negativo procedimento descrito acima, passamos a estabelecer verdades limitadoras que
não possuem data para serem superadas; procedimento que trava o conhecimento e anula
a necessidade de uma pesquisa. Com o auxílio das palavras de Marilena, é extremamente
problemático estabelecer entre o pesquisador e o objeto estudado “um ‘corpus’ de
Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.
descrito, estreitamento e afastamento, é semelhante ao realizado por Ecléa
Bosi em seu estudo Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. Em sua
Introdução, Ecléa propõe uma “alternância” entre sujeito e objeto, ou seja,
um não afastamento entre ambos, e sim um mergulho respeitoso do
pesquisador na mente do “objeto” a ser estudado (que no caso é também
um sujeito), de maneira a resgatar no outro as suas percepções; dessa
forma, o pesquisador não é só sujeito da pesquisa, é objeto também. Deve
ficar evidente que, em um segundo momento, quando estiver banhado pelo
conhecimento obtido em seu estreitamento, o pesquisador retorna à postura
de sujeito da pesquisa, porém alterado, já que está imbuído de um
conhecimento que foi conquistado de maneira profunda e respeitosa 3. No
entanto, este mergulho não pode ser realizado com sucesso se o
pesquisador não abandonar seus preconceitos durante a pesquisa4.
Resultados e Discussão
No percurso realizado por nós sobre a obra As Formas Elementares da Vida
Religiosa, apreendemos que Durkheim sinaliza claramente, em diversas
passagens, que os indivíduos são possuidores da capacidade de interiorizar
a sociedade e as representações sociais; eles também não são colocados
como simples receptáculos daquilo que é exterior a eles; em dados
momentos, podemos perceber que os homens escolhem, aderem e adaptam
dados pensamentos e representações sociais por respeito que lhes
dedicam, ou até mesmo por escolha. Além disso, a sociedade não é
classificada como um ser inatingível e inalterável pelo homem; em dadas
citações, percebemos que os indivíduos são seus modificadores e
construtores; por vezes, ela depende do homem e de sua capacidade de
interiorização para se manter viva e ativa5.
Também notamos que Lukes não considera que a separação ou
dicotomia existente entre o sagrado e o profano que Durkheim pretendeu
explicar é inerente ao pensamento religioso ou ao modo religioso de pensar.
Ao falar da separação entre o sagrado e o profano, Durkheim estava
expondo o modo religioso de pensar constituído pelos homens e não aquilo
que ele pensa e acredita ser de fato a religião. Para o pesquisador, o
representações que fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve
pensar”. (CHAUÍ, 1980, p.24)
3
“Nesta pesquisa fomos ao mesmo tempo sujeito e objeto. Sujeito enquanto indagávamos,
procurávamos saber. Objeto quando ouvíamos, registrávamos, sendo como que um
instrumento de receber e transmitir a memória de alguém, um meio de que esse alguém se
valia para transmitir suas lembranças”. (BOSI, 1995, p. 38)
4
“Uma pesquisa é um compromisso afetivo, um trabalho ombro a ombro com o sujeito da
pesquisa. E ela será tanto mais válida se o observador não fizer excursões saltuárias na
situação do observador, mas participar de sua vida.” (BOSI, 1995, p. 38) (Grifos meu)
5
“Os atributos característicos da natureza humana nos vêm, portanto, da sociedade. Mas,
por outro lado, a sociedade só existe e só vive nos e através dos indivíduos. Se a idéia da
sociedade se extinguir nos espíritos individuais, se as crenças, as tradições e as aspirações
da coletividade deixarem de ser sentidas e partilhadas pelos particulares, a sociedade
morrerá. Pode-se dizer dela, portanto, o que se dizia mais acima da divindade: ela só tem
realidade na medida em que ocupa lugar nas consciências humanas, e esse lugar somos
nós que lhe damos.” (DURKHEIM, 1996, p. 374) (Grifos meu)
Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.
pensamento religioso tende a separar as coisas em duas esferas, a profana
e a sagrada. Porém, ao mesmo tempo em que tais categorias tendem a se
separar, no pensamento religioso, elas mantêm uma relação de
dependência. Além disso, é improvável estabelecer uma completa
separação entre coisas sagradas e profanas.
Por fim, percebemos que de acordo com nossa interpretação,
aprendemos que o pesquisador admite a mudança e transformação social e
a construção da sociedade por meio da colaboração e ação dos indivíduos.
Além disso, o autor também aceita e valoriza a utilização da história como
grande colaboradora descritiva e explicativa da Sociologia.
Conclusões
Através de nossa pesquisa, notamos que Lukes faz uma interpretação muito
restrita sobre algumas questões presentes no pensamento durkheimiano.
Também percebemos que há a possibilidade de lançar uma nova luz sobre
as idéias e conceitualizações apresentadas por Émile Durkheim em suas
obras. Além disso, deve-se ficar claro que a interpretação e análise feita por
nós são restritas a uma obra de Durkheim, limitando assim, a generalização
das conclusões obtidas em nossa pesquisa6. Entretanto, não é por isso que
nosso trabalho deixa de contribuir para um aumento das interpretações
acerca do pensamento durkheimiano.
Agradecimentos
Agradeço às professoras Zuleika de Paula Bueno e Eide Sandra de Azevedo
Abreu pela excelente e dedicada orientação. Além disso, sou grato à
Fundação Araucária pelo suporte financeiro durante toda a pesquisa.
Referências
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. 4ªed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. (Introdução e Tempo de lembrar).
CHAUÍ, Marilena. Ideologia e educação. Educação e sociedade. São Paulo:
Cortez, 5:24-41, 1980
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema
totêmico na Austrália. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
LUKES, Steven. Bases para a interpretação de Durkheim, In: COHN, Gabriel
(org). Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro: LTC – Livros
Técnicos e Científicos, 1977, p. 15 – 46.
OLIVEIRA, Paulo Salles. Apresentação. In: ____ (org). Metodologia das
Ciências Humanas. 2ªed. São Paulo: Hucitec/Unesp, 1998.
6
Nesse sentido, parece extremamente importante um trabalho futuro capaz de investigar os
mesmos questionamentos já apresentados por nós através de outras obras de Durkheim;
colaborando assim, para a generalização ou revisão de nossas interpretações e análises.
Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.
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