Variações sobre um tema com matemática dentro Pascal Paulus Notas de vários círculos de estudo acerca da matemática que dirigi entre 1992 e 1997. Variações sobre um tema com matemática dentro © Pascal Paulus - Carnaxide, 2008 Documento gerado em OpenOffice.org 2.3 Índice Abertura...........................................................................................9 Histórias variadas.........................................................................11 Uma história de puzzles.................................................................11 Uma história de fantasias...............................................................13 Ortografia e gramática...............................................................15 Uma breve história de uma certa escola ......................................16 O papel da escola - a relação com o mundo.............................16 Os bancos de escola « modelo Gérard»...................................19 O papel da escola - a relação com a ciência matemática........20 Uma breve história da matemática.................................................23 Intro............................................................................................23 Primórdios .................................................................................26 Até fins do século XIX... ............................................................28 Morgenthaler..............................................................................30 O peso do passado hoje............................................................35 Os modernos..............................................................................36 Uma forma de ver... .....................................................................39 ... a matemática no primeiro ciclo...................................................39 ... a didáctica ..................................................................................45 ... o programa de 1989...................................................................53 Elementos do programa do ensino básico.................................54 5 O canto da matemática................................................................61 Elementos para uma reflexão ........................................................61 Medos........................................................................................63 ... que fazem procurar receitas?..............................................64 É dos outros...............................................................................65 No círculo de estudos... ...........................................................65 Tabelas de computação.................................................................66 Tipologia de problemas - Michel Fustier.........................................68 Problemas científicos da categoria A.........................................68 Problemas escolares da categoria B.........................................69 Problemas de vida da categoria C.............................................70 Tipologia de problemas..............................................................71 Máquinas que permitam raciocínios...............................................76 Fichas de trabalho..........................................................................80 Ficha 1. À volta da União Europeia...........................................81 Ficha 2: Porque é que vivemos aqui?.......................................82 Ficha 3: Arroz doce....................................................................83 Ficha 4: Á volta das tabuadas...................................................84 Elementos de discussão..............................................................87 Comentários no colectivo...............................................................87 Um exemplo: a volta da tabuada...............................................94 A tabuada depois da formação..................................................99 Um comentário pessoal...........................................................103 Discussões úteis........................................................................107 1. Rigor na problematização.........................................................108 2. Perceber os instrumentos de apoio..........................................110 3. Pensamento imaginativo .........................................................113 4. Pensamento rigoroso e pensamento imaginativo: um confronto de ideias.......................................................................................114 6 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Bibliografia..................................................................................117 Anexos.........................................................................................119 1.Mudança de comportamento.....................................................119 2.Os nove pontos ........................................................................120 Análise da ocorrência..............................................................120 3.Velha e Nova.............................................................................122 4.O não problema do manual.......................................................124 5.Aritmética e matemática............................................................127 6.Algumas definições...................................................................128 7.Inumerismo................................................................................131 8.Significado passado e actual.....................................................133 7 Abertura Participei na década de 1990 em dezenas de círculos de estudo e acções de formação tendo a matemática da escola do ensino primário como objecto de estudo, na qualidade de formador e de formando. Algumas das acções foram realizadas no seio do Movimento da Escola Moderna. As reflexões aqui reunidas provêm das notas de curso deste conjunto de acções, acrescidas de alguns comentários “ano 2008”. Não se limitam ao ensino da matemática mas abordam também a relação pedagógica e a organização do trabalho na sala do 1º ciclo em geral. No primeiro capítulo Histórias variadas inclui partes de discussões metodológicas além de uma certa história da escola e uma curta história da matemática. Em Uma forma de ver... abordo a matemática do primeiro ciclo, as didácticas que surgiram para o ensino da matemática1 e a entrada em vigor do programa de 1989. 1 A didáctica experimental da matemática de Georges Glaeser é abordada de forma mais aprofundada em “Histórias de matemática”. 9 Abertura O canto da matemática aborda algumas discussões sobre a organização do espaço e do tempo dedicado à matemática na escola do ensino primário e propostas de trabalho que têm lugar no canto de matemática. No capitulo Elementos de discussão inclui comentários que surgiram acerca do trabalho nos próprios círculos de estudo e algumas observações de participantes sobre a sua prática com os seus alunos. Acabo com Discussões úteis que centram a atenção sobre a necessidade de discutir matemática, processos e raciocínios com os alunos nas aulas de matemática. Os textos aqui reunidos não têm nenhuma pretensão científica. São somente “bocados de conversa” talvez úteis para outros que trabalham com crianças entre 5 e 11 anos, na escola ou em actividades peri-escolares. 10 Histórias variadas Uma história de puzzles Porque é que conseguimos explorar actividades matemáticas com os alunos no primeiro e no segundo ano, e porque não - ou mais dificilmente no terceiro e no quarto ano? Uma pergunta que escolhemos aprofundar um pouco, recorrendo à análise duma actividade simples: fazer um puzzle. Surgiram três tipos de respostas à pergunta “Como é que se faz um puzzle?”: 1. Construo o puzzle linha a linha, quando trabalho com o meu filho. 2. Faço por manchas: uma cor, uma forma, algo de mais especial chama-me a atenção e trabalho a partir daí. 3. Faço por manchas, depois de ter traçado o quadro - as fronteiras. Quando analisamos melhor estes procedimentos, constatamos que por detrás destas formas de actuar, estão formas de concretizar objectivos. No caso do puzzle, o objectivo é claramente alcan11 Histórias variadas çar a recomposição dum modelo que nos é apresentado. A construção em linha, parece uma construção sólida. Só continuo com nova linha, após ter acabado uma. Nada de confusões. Evidentemente vou passar mais tempo no início, porque o número de peças entre as quais escolher é maior. A técnica torna-se mais fastidiosa a medida que o número de peças aumenta. No segundo caso, não preciso ter o modelo constantemente ao meu lado. O objectivo é o mesmo, mas, guardando a referência sabendo para onde vou - vou construindo com as peças que vejo perante mim, pegando nelas, experimentando, movendo-as dum lado para outro, até encaixando-as num lado, para depois descobrir que a final precisam de ser encaixadas num outro sítio. De vez em quando, vou revendo o modelo, ver se não me afasto do meu objectivo. Digamos que o terceiro caso delimita o campo de trabalho. Uma vez a fronteira traçada, é-me mais fácil conseguir ligar as manchas que vou construindo, já que o risco de as pôr muito afastadas umas das outras diminui. O que é que tudo isto tem a ver com as nossas preocupações à volta das actividades matemáticas? As crianças aprendem conceitos de matemática e o instrumentário para os formular duma forma não uniformemente definida. Tal como a aprendizagem da língua natural, a aprendizagem desta língua mais formal, tem interferência constantes sobre os conceitos que vão construindo. Estas interferência provêm do mondo a volta deles, em que a resolução de problemas práticas obrigam a procu12 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro rar estratégias. Quando uma criança prepara, por exemplo, os rebuçados que vai distribuir aos seus amigos convidados para a sua festa de anos, poderá fazer uma sucessão de voltas até não sobrarem rebuçados suficientes para completar mais uma volta. Sobram. A distribuição levou à visualização uma classe de resto para um determinado número sobre o qual se opere uma divisão. Uma nova distribuição de objectos, num contexto igual ou diferente, levará a uma nova visualização. A manipulação repetida faz com que, pouco a pouco, a criança desenvolve propriedades nas relações entre números. As vezes, sobram poucos, as vezes não sobra nada, as vezes falta só um para completar a volta. Todas estas noções podem ser transcritas em linguagem simbólica, desde que se domina a escrita daquela linguagem. É que, trabalhando no 1º ciclo, conhecemos “por dentro” as aprendizagens exigidas aos alunos. Sabemos muito pouco, o que se passará daí para a frente. Enquanto que sentimos intuitivamente que determinadas experiências e manipulações dão pontos de partida para futuras explorações de números e conceitos geométricos, temos muito menos a percepção de como as coisas se interligam com o que está fora do nosso campo de acção. Uma história de fantasias. Existem muitas fantasias à volta da matemática. Muitos medos. Quando pedimos - e é o que fizemos sistematicamente durante este último ano - no início duma formação de professoras/os ou de pessoas que não estão profissionalmente ligadas ao ensino, para escrever uma recordação menos agradável da escola primária, in13 Histórias variadas variavelmente tem aparecido “as contas de dividir”, “o algoritmo da divisão”, “as contas”, “a matemática”. Os/as professores/as apresentam os algoritmos das operações como algo eterno, objectivo em si, para perceber o que é a essência da matemática. Uma técnica de cálculo, desenvolvida nos mundos árabes e hindu, chega, com muita dificuldade e rejeição acentuada da parte do poder, aos cientistas renascentistas. Tornam-se meios muito mais poderosos do que os ábacos, os números triangulares, quadrados e oblongos e a visualização de operações que daí advenham, para poder calcular resultados mais complexos de problematizações também elas cada vez mais complexos. Para voltar à imagem do puzzle: enquanto que os povos antigos conseguiam resolver linearmente o problema, porque cada peça do modelo era grande e nítida, o progresso na percepção dos fenómenos que nos envolvem, faz com que estejamos, de repente, perante um puzzle de milhares de pequenas peças, com nuances muito mais difíceis de distinguir. A situação mais complexa, necessita de instrumentos de apóio mais aperfeiçoados. Não são estes instrumentos que nos fazem perceber a complexidade do meio que estudamos. É o conhecimento colectivo, relatado e rediscutido, que permite ver as nuances de vários pontos de vista, apelando para “soluções conditas mas necessariamente provisórios”. O ábaco serve perfeitamente para ajudar o cálculo baseado numa percepção da realidade que so admite inteiros e racionais. O algoritmo possibilitou apoiar o cálculo quando a percepção do meio torna inviável a ideia que tudo pode ser escrito por meio de números inteiros e a sua relação directa entre eles. 14 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Ortografia e gramática. A matemática é uma língua que tenta ser universal. Tenta também ser mais concisa e precisa do que a outra língua que durante séculos de desenvolvimento ocidental foi considerada universal: o latim. Esta língua é uma língua viva, em que surgem novas palavras, nova sintaxe para descrever novos conceitos. Tal como “suporte magnético” nos lembra uma série de objectos que podem ser definidos por estas palavras que foram combinadas para nos fazer visualizar os conceitos que estão por trás, a frase a2+ b2= c2 visualiza a relação entre as áreas de 3 quadrados. Mas é importante realçar aqui que esta forma muito simples para apelar ao conceito que está definido, não era tão simples antes de ter uma notação sem incógnitas e sem equações. Pitágoras explicava geometricamente a relação entre os números, porque não tinha a álgebra à sua disposição. A matemática, na sua escrita, não é mais eterna que o português ou o latim. Está em constante mudança, para poder acompanhar novos conceitos que surgem. Claro, existem regras, normas para escrever nesta língua. Muitas regras são tão intuitivas como as regras para construir frases. Outras são muito complicadas e arbitrárias, como determinadas abstracções na ortografia ou na utilização da pontuação o são. O símbolo x é apresentado como “a multiplicação”. Não é. É apenas um símbolo que nos últimos 2 séculos tem sido utilizado pela cultura ocidental para representar um conceito mental por escrito. Mas, entre matemáticos foi já há muito substituído por . Ou até omitida, enquanto que os informáticos associam * a esta operação. 15 Histórias variadas O problema é que, tratando-se duma segunda língua, temos uma ideia-fixa que é absolutamente necessário aprender primeiro a ortografia e a gramática, antes de poder falar correctamente. E como não nos apercebemos da complexidade dos fenómenos para estudar, construímos o puzzle linha a linha, utilizando o ábaco, não como ponto de partida, mas como objectivo. Uma breve história de uma certa escola O papel da escola - a relação com o mundo Pelos fins do século XVII, a situação social preocupava consideravelmente os administradores e os governantes europeus. Charles Démia apresentada em 1666 aos administradores da cidade de Lyon a seguinte descrição: Os jovens desorientadores entreguem-se geralmente à vagabundagem: por isso não fazem mais nada senão ocar pelas rua vêem-se reunidos em grupos nas esquinas, tornam- se indóceis, libertinos, jogadores, blasfemos, brigões; entregam-se à embriaguez, à luxúria, ao roubo e à arruaça tornando-se os súbditos mais depravados e facciosos do Estado: e sendo membros corruptos contagiariam a sua podridão ao resto do corpo se o chicote dos algozes, as prisões dos príncipes, as prisões da justiça não varressem da terra estas serpentes venenosas que infectam o mundo com o seu veneno e a sua perversão.1 1 Alberto Oliverio (1986), Como nasce um conformista, Moraes 16 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Esta descrição, que fazia parte de uma prelecção, era seguida por uma proposta para a criação de escolas para crianças pobres na medida em que os filhos das famílias desafogadas já recebiam uma instrução em casa ou em escolas pagas. Estas escolas devem sobretudo servir para tirar as crianças e os jovens pobres da rua, mas além disso eram interessantes para poder “fazer frente à «dificuldade de encontrar servidores fiéis e bons operários»”. Démia escreve aliás a propósito das meninas das escolas dos pobres: Decerto não se pretenderá impeli-las para a perfeição da escrita e ainda menos para o latim, mas antes inspirar nelas o amor pelo trabalho e os meios de santificá-lo, mandando-as algumas horas confeccionar botões, trabalhar em malha, bordar, e assim por diante. Assim, só teremos estas crianças na escola até terem aprendido um oficio...2 A criação da escola com estes fins, tem outro aliciante. É uma forma para assegurar a subserviência dos pobres perante necessidades crescente de mão de obra nas cidades. Ligando as famílias mais necessitadas à escola através dum subsídio atribuído em troca de cada criança mantida numa escola, cria-se uma dependência que depois é reforçado, quando se obriga aos pais que eles se mostram eles próprios bons alunos na aprendizagem do catequese. 2 Idem 17 Histórias variadas De facto, como diz Alberto Oliverio, as escolas não eram feitas só para as crianças, mas também para instruir através delas os pais. A escolaridade obrigatória na França setecentista, e a seguir nas escolas confessionais italianas foi sobretudo um meio para afastar a criança de um ambiente considerado não apropriado para a sua educação: é preciso sobretudo pensar defendia Démia, que o fim principal destas escolas é o de ajudar estas almas jovens a conservar a sua inocência baptismal, enquanto é de somenos importância instruí-las na gramática e nas letras.3 Durante os anos da escola a criança tem sobretudo que aprender qual é o seu estatuto e como que este é justificado pela “ordem das coisas”, no melhor dos princípios de sociedade de castas. E, como para aprender o catecismo, não é necessário mais que ler, é inútil saber escrever, pelo que nas escolas se ensinará somente a ler e a escrever, a ler os números e a contar, e ao mesmo tempo serão obrigados aqueles que são de baixo estado social, e portanto inadaptados ao saber, a aprender os ofícios, excluindo também do exercício da escrita aqueles que a Providência fez nascer na condição de trabalhar a terra, e aos quais se ensinará só a ler.4 No Iluminismo a situação é racionalizada com uma filosofia segundo a qual a instrução tem de ser orientada segundo o tipo de ocupação para que a criança está destinada: com efeito, é necessário para o bem-estar da sociedade «que os conhecimentos do 3 Ibidem 4 Démia, citado por Alberto Oliviero, Ibidem 18 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Povo não ultrapassem os que servem para as suas ocupações. Entre as gentes do Povo quase não é necessário saber ler e escrever , senão àqueles que trabalham no artesanato»5 Neste contexto podemos também citar o próprio Jean-Jacques Rousseau que afirmava em La nouvelle Héloise: «Não se deve instruir o filho do camponês porque não lhe convém ser instruído». Os bancos de escola « modelo Gérard» Considera-se a criança uma tabula rasa, que se poderá moldar a vontade e segundo as necessidades precisas dos que detêm o poder. E preciso ocupar o tempo todo do aluno, mais no sentido de não o dar a possibilidade de pensar em possíveis acções pecaminosos. Além disso há uma grande preocupação para evitar uma iniciativa própria demasiada grande que poderia estimular demasiado a imaginação e assim a autonomia fora das estruturas pensadas. Kant dirá: É por este motivo que se mandam as crianças para a escola, não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para se habituarem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem, mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias. Kant 5 Projecto de lei francês de 1763 19 Histórias variadas Os exercícios espirituais de Santo Inácio de Loiola respondem a este objectivo, de dominar as próprias capacidades imaginativas sem as deixar errar. As crianças e os adolescentes têm de aprender aquilo que têm de fazer sem que haja necessidade de chamadas de atenção orais por parte dos professores, no máximo silêncio. Os próprios bancos têm de responder a critérios «racionais», como o modelo Gérard de 18726 concebido para assegurar o isolamento dos alunos e para satisfazer as necessidades mais essenciais da higiene e da moral da aula. Os assentos são isolados e apresentam um plano destinado a receber a bacia e as coxas da criança. Graças a uma ligeira inclinação para trás, a relevos e a partes vazias do tampo da carteira, o aluno já não terá de fazer esforços para estar sentado. O assento apresenta umas costas suficientemente altas para suster os rins e prevenir o cansaço, mas não tão altas e inclinadas que possam encorajar a preguiça. O papel da escola - a relação com a ciência matemática É só na primeira metade do século XX que se apresentarão e indicarão directamente os protótipos, os cânones e as regras: com efeito, a normalização faz-se eco das teorias e das regras taylorianas e das dos psicólogos behavioristas americanos: O ser humano é em grande parte um autómato, embora não o seja totalmente. Assim é evidente que os pais deixam de ter o 6 Alberto Oliverio (1986) 20 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro direito de descurar a educação das capacidades do corpo da criança. É a partir deste nível que se inicia a formação do autómato, visto que a qualidade prioritária de um bom autómato é a precisão dos movimentos. Para realizar esta obra a família não possui obviamente os equipamentos (em sentido lato) de que dispõe o infantário; aliás, nem se deve sequer substituir- se a este organismo especializado em que o tempo e o espaço estão organizados em função do que nele se deve verificar: trata-se acima de tudo de estruturar um ambiente educativo. O facto de considerar os seres humanos como os autómatos, é significativo para o tempo em que a questão é colocada. Na altura do fascínio para a mecanização, era difícil esperar outra coisa. Ao mesmo tempo, esta crença, abre a porta para continuar a normalizar as crianças, construindo padrões aos quais as pessoas normais deverão obedecer. Tendo definido o normal, pode se também definir o anormal. Aqui, intervém o rigor cientifico, que terá que ter como fundamento o cálculo. É necessário procurar catalogar “objectivamente” as capacidades intelectuais dos alunos. Nascem baterias de testes. “Há duas questões cruciais acerca dos testes:«são rigorosos?» « São prejudiciais?» Vejamos os testes de inteligência por exemplo. Será que um teste de Q.I. mede de facto a inteligência? Mede alguma coisa, visto que na verdade , e uma dentro de uma tolerância razoável tem um atributo estatístico chamado «fiabilidade». A fi21 Histórias variadas abilidade diz-nos que um valor estatístico (isto é, o valor do Q.I.) é significativo. A questão é saber qual o seu significado. Estamos a medir a inteligência ou outra coisa qualquer. O Q.I. é exacto. É um número. Por outro lado, a inteligência é uma qualidade amorfo e de definição verbal. Como é possível serem ambos iguais? Em certo sentido, considera-se que o Q.I. é uma aproximação ou um equivalente da inteligência, mas como é que justificamos ou demonstramos essa pretensão. Para tal, teríamos de analisar a inteligência nas suas diversas manifestações: capacidades de resolver problemas.”7 É dentro desta lógica de normalização e de rigor cientifico que se tem também que perceber como a aritmética e o cálculo são abordados. Até o fim do século 19 não há uma real aprendizagem do cálculo na escola básica. Existem algumas aulas do Condorcet que explicam a alunos adultos em poucas aulas como trabalhar com os algarismos. De seguida, e pela mesma lógica didática que considera necessário analisar letra a letra os símbolos que levam a representação escrita da língua natural, impõe uma aprendizagem analítica dos números, em que a dezena não é o resultado duma troca, mas uma singularidade. Nisto tudo, estamos a procura dum novo paradigma8, como estivemos a procura (e encontramos) duma forma de actuar com um modelo estudado, analisado e enriquecido para a aprendizagem da língua natural. Algumas das propostas nestas notas, pretendem 7 Philip Davis, Reuben Herch (1996) 8 Ver anexo 8, p. 128 22 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro lançar pistas para conseguirmos libertamos dos caminhos que nos sempre foram propostas, procurando um novo padrão regido por outras normas. Neste contexto vale a pena relembrar as normas publicadas pelo National Council of Teachers of Mathematics, nos Estados Unidos. Uma breve história do ensino da matemática Intro O ensino da matemática na escola pública é algo de muito recente. Antigamente, era mais considerada uma linguagem simbólica que permitia a filósofos, cientistas (incluindo astrólogos, numerólogos etc) e estudiosos descrever a natureza para assim perceber a lógica subjacente e de certa forma penetrar no pensamento dos deuses, do todo poderoso ou da natureza, conforme as épocas e as pessoas. A humanidade desenvolveu muito cedo a capacidade de numerar, ordenar e contar. Para tal desenvolveu muitos métodos de representação, verbalizado ou não. Há registos de tribos que so verbalizavam um, dois e muitos, mas que conseguiam contar utilizando partes do corpo em series bem definidas. Os instrumentos de contagem eram, por outras palavras, normalmente os próprios corpos. Isto torna-se mais claro quando analisamos as definições duma tribo índia por exemplo, que tem a mesma palavra para mão e para cinco, ou ainda define 7 como dois depois duma mão cheia, e ainda conta por grupos de 20 referindo índios completos, o que faz com que uma mão de índios corresponda a 100. Aprender a 23 Histórias variadas contar implica aprender a codificar as quantias com todas as associações no corpo. O ábaco será o primeiro substituto para facilitar a contagem e para a realização de operações básicas. Funciona para qualquer sistema de contagem (embora, muito cedo tivesse havido tendência para contar em sistema decimal. Só na Babilónia sobreviveu durante muito tempo um sistema sexagesimal (base 60 - ver divisão da hora e do arco) e entre tribos com culturas não ocidentais existem muitos registos da utilização de dedos de mão e pé, o que dá origem a sistema em base vinte. A aritmética - a ciência dos números - tratava e trata da relação entre os números e não é matemática - etimologicamente a ciência das grandezas (ou no sentido pitagórico “as coisas apreendidas”), e mais recentemente uma ramificação das ciências ditas exactas.9 Para compreender os fenómenos, tinha-se desde a sistematização jónica um outro instrumento - actualmente também integrado na matemática - muito potente: a geometria (as leis de Newton são concebidas a partir do raciocínio geométrico, como Richard Feyn9 Arithmetic: branch of mathematics concerned with the study of numbers and their properties. The fundamental operations of arithmetic are addition, subtraction, multiplication and division. (...) Mathematics: science of spatial and numerical relationships. The main divisions of pure matemathics include geometry, arithmetic, algebra, calculus and trigonometry. Mechanics, statistics, numerical analysis, computing, the mathematical theories of astronomy, electricity, optics, thermodynamics, and atomic studies come under the heading of applied mathematics. Hutchinson’s Dictionary of Mathematics, Helicon, 1997. Ver também Anexos, p. 128 24 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro man maravilhosamente lembra na sua “lição esquecida”. Só mais tarde serão demostradas com a utilização do cálculo.) Tal como qualquer outra matéria ensinada, a matemática tornouse objecto recortado em fatias, apresentadas aos alunos de forma mais ou menos organizada. A escola continua a apresentar a matéria como algo seriado no tempo, como um fio de aprendizagens lineares - que conhecemos bem na forma como se ensina a ler, passando pelas letras, um conjunto de sílabas, um novo conjunto de sílabas para depois chegar a palavras simples, frases simples e frases complexas. E, trabalhando assim, a escola passa completamente ao lado do mundo da expressão e da comunicação dos seus alunos, negando a sua riqueza linguística. Esta processo linear não foi exclusiva para o ensino da língua materna. Toda a escola foi organizada em torno do ensino compartimentado e hierarquizado e põe em todas as disciplinas grandes resistências ao processo global de aprendizagem como o defendemos e desenvolvemos nas nossas práticas quando trabalhamos a língua.10 Não conseguimos nos libertar da ideia que a matemática - como muitos professores de matemática gostam defender - é um domínio do saber como a história, ou a geografia, em que é necessário 10 As didácticas especiais reforçam esta ideia de linearidade. Na forma como apresentam a necessidade de lições em pacotes lógicas e encadeadas uma na outra, induzem para esta forma de trabalhar. Outra vez, no ensino da leitura e da escrita, aprendemos já que os pacotes lógicos não são nem lineares, nem estandardizados no seu conteúdo. 25 Histórias variadas aprender e decorar factos, axiomas e procedimentos para gradualmente ir percebendo mais factos, axiomas e procedimentos. Acontece que na escola básica a matemática pode perfeitamente ser vista como uma linguagem: “A matemática, por si só, nunca é explicação de nada - é apenas o meio pelo qual utilizamos um conjunto de factos para explicarmos outro e a linguagem em que expressamos a nossas explicações”11 Primórdios O numero é geometria, a geometria é a percepção do mundo. A percepção do mundo evoluiu em função dos instrumentos que construímos para melhor o perceber. Ao mesmo tempo é legitimo que os seres humanos repetidamente consideraram ter descoberto tudo, de forma a que todas as enigmas do mundo lhes sejam claramente explicados, a partir dos instrumentos que construíram. Assim aconteceu aos Gregos, aconteceu aos Cartesianos12 como aconteceu depois de ser aceite a mecânica quântica: actualmente está-se outra vez a procurar da teoria final, embora os seus mais árduos investigadores afirmem que não é no sentido dum conhecimento final, como no caso dos seus antecessores. Veremos. Entretanto os pensadores gregos conseguiram proezas aritméticas, mesmo com uma base numérica menos interessante do que a hindu já em desenvolvimento e também bem menos interessante 11 Steven Weinberg (1996) 12 Diz-se que Newton afirmou “Só consegui ver as coisas porque subi aos ombros de gigantes”. 26 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro do que a aritmética desenvolvida pelos Índios em terras desconhecidas. Talvez tenha sido exactamente a limitação do pensamento que se opôs à introdução do 0, que os fez desviar para uma definição geométrica das propriedades de números: quadrados, triangulares, relações entre os 10 primeiros números e as figuras geométricas regulares. Muitas destas associações foram tão marcantes que os manuais escolares e os livros de quebra-cabeças matemáticas estão repletos deles, sob forma de problemas por vezes infantilizados, embora normalmente sem referir a sua origem. São apresentadas como passa-tempos mais ou menos divertidas e não como um conjunto de regras e associações que era então coerente que deram origem a todo a aritmética antiga e às suas primeiras tabelas de apóio, ainda hoje conhecidas parcialmente como “as tabuadas”. Todo este estudo, toda esta sistematização acontecia bem longe das crianças. Alias a escola não existia como nós a conhecemos. Existia o ensino da leitura e do calculo para escribas, enquanto muito do trabalho filosófico é oral. Neste sentido, a obra de Euclides é notável, porque se trata duma junção de toda a geometria conhecida na altura. Esta geometria por sua vez é utilizada para argumentar as formas e os estados do mundo. O facto de os cientistas gregos não terem feito experiências, mas terem deduzido racionalmente os factos, fez com que pouco a pouco a ciência se tornasse dogmática. 27 Histórias variadas Até fins do século XIX... ... não há aprendizagem propriamente dito de matemática nem de aritmética na escola básica. Quando a escola surgiu como instituição pública com ensino básico generalizado - ainda que esta generalização tenha que ser visto no contexto da época - não estava vocacionada para o ensino da matemática. Ensinava-se a ler o catecismo e pouco mais. Aos alunos que estavam ligados ao comércio, ensinava-se a funcionar com o ábaco e a contar dinheiro. A matemática estava reservada para quem estudia na universidade e para quem seguia para as ciências. Além disso, tinha havido pouca divulgação de novas técnicas ou de novos ramos da matemática. Apesar de o sistema numérico hindu-árabe já ser conhecido no mundo ocidental desde 970 13, e de os algoritmos serem gradualmente utilizados por cientistas, ainda no século XVII o cálculo era a base do ábaco e a representação utilizada era através dos números romanos, muito mais complexos que a notação Grega por exemplo. 13 O monge Gerbert d’Aurillac toma conhecimento dos números árabe-hindo na Espanha muçulmana entre 967 e 970. Depois de ter sido responsável pela escola diocesana de Reims, torna se Papa Silvestre II em 999 e morre em 1003 com 58 anos de idade. Só introduz a simbologia árabe, sem o 0, já que os clérigos, que se consideravam legítimos herdeiros do “saber” Romano, não podiam admitir uma numeração e uma forma de calcular superior àquela da grande tradição romana. 28 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro De qualquer forma, a utilização do algoritmo14 corresponde à utilização duma máquina de calcular, como o ábaco o é. Ensinar a trabalhar com o algoritmo é como dar a ler o livro de instruções duma calculadora científica. O algoritmo, baseado na numeração hinduárabe, não gera conhecimento nenhum por si; permite ascender a um cálculo mais complexo com instrumentos (lápis e papel) e com um referencial mental e simbólico (numeração num sistema posicional) mais simples. Em 1850, Condorcet propõe o ensino da numeração em três lições. Este ensino é necessário para de seguida perceber a operação sobre os números. As três lições explicam o carácter posicional do sistema, a importância do zero, e a universalidade da notação decimal posicional.15 14 “Algoritmo: processo para resolver um problema, geralmente através de passos repetidos extremamente aborrecidos, a menos que um computador os dê pelo leitor. Está a aplicar algoritmos quando multiplica dois números grandes, faz o saldo da sua conta, lava pratos ou apara a relva.” Martin Gardner (1994: 11). Algoritmo: Procedimento ou série de passos, utilizados para a resolução de um problema. Na ciência informática, descreve a sequência lógica de operações que devem ser executadas por um programa. Um fluxograma é a representação visual de um algoritmo. A palavra deriva do nome do matemático árabe do século IX, Al-Khwarizmi. © 1997 Texto Editora, Enciclopédia universal Multimédia. 15 Naquela altura a artimética continuava a ser matéria de escola superior: o livro Elemens d’Arithmétique de M. Bourdon, Chevalier de l’ordre de la légion d’honneur, Paris, Bachelier Imprimeur, 1831, e que explica como montar os algoritmos básicos no sistema posicional, é “ouvrage adopté par l’université”. 29 Histórias variadas Morgenthaler. A didáctica do ensino dos números desenvolve, com Morgenthaler, com um pensamento fortemente analítico. A generalização do ensino de saberes básicos na escola, tem como objectivo fornecer a instrução necessária para os alunos serem rapidamente inseridos num mundo em franca expansão industrial. A máquina reina, e na cabeça de muitos psicólogos, nós somos máquinas mais perfeitas, em que é necessário introduzir as rotinas para se tornarem operacionais. Tal como para o ensino da leitura, procura-se para o ensino da aritmética - agora mais importante para ser ensinado na escola pública - desmontar a aprendizagem em pequenos pacotes em que se monta uma linha sequencial. É importante notar que a geometria - aliás fala se de aritmética nos programas, não de matemática - não ocupa nenhum papel de relevância. É como se a geometria analítica desenvolvida por Descartes e depois o Cálculo Infinitesimal de Leibniz tivessem feito perder o interesse - a não ser por estudiosos de matemática - para construções lógicas subjacentes ao desenvolver dum raciocínio de dedução puramente geométrico. Nas “aulas de geometria”, são simplesmente organizados e classificados uma série de objectos e figuras a partir de características para eles descritos, sem os utilizar para coisa maior.16 16 Classificar e organizar está há muito na moda: Linneus (1707-1778) classifica flores e plantes, Lamarck (1744-1829) organiza a classificação dos animais. Na escola classificam e organizam-se rios, montanhas, aldeias e caminhos de ferro. Alega-se os exercícios de memorização como necessário para desenvolver o raciocínio, como já na antiga Grécia se defendia 30 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Assim, a matemática na escola básica, e sobretudo nos primeiros anos, é reduzida a aritmética, em que interessa que os alunos saibam utilizar os algoritmos básicos - instrumento mais barato de cálculo - para estarem equipados com os utensílios mais necessários. Todo o ensino da aritmética está virado para a montagem deste algoritmo que recorre à numeração hindu-árabe e que - lembramos - sucedeu na cultura da Europa ocidental ao ábaco e de forma generalizada mais ou menos cem anos antes. Na altura em que a escola se generaliza, tem-se portanto um novo instrumento que suplanta por completo outro de utilização milenar. No ensino do sistema numérico torna-se indispensável introduzir o esquema de valor de posição para de seguida poder montar os algoritmos. São misturados “conceitos gregos” (sistema decimal não posicional) e “conceitos árabes” (sistema decimal posicional). Além disso reencontramos no esquema montado por Morgenthaler, também a organização Romana (V - a mão) (XV - duas mãos mais uma) que, embora historicamente interessante, não contribui em nada para perceber um sistema posicional - decimal ou outro. Assim, os alunos são treinados a posicionar representações do número em grupos de cinco, até um máximo de 20 (um índio...) Insiste-se muito em não ultrapassar este 20 durante a primeira fase da instrução, aliás, monta-se uma série de estratégias para que os alunos aprendam os números seriadas - por ordem de grandeza. Mesmo um movimento crítico ao ensino de massas e impulsionado por Rudolf Steiner17, só reforça a ideia que é necessário aprender o memorizar de versos como forma para treinar memória e raciocínio. 17 Rudolf Steiner, escola de Waldorf: Escola que segue a filosofia pedagó31 Histórias variadas faseadamente e por ordem de grandeza os números, inventando todo uma serie de jogos para enquadrar os valores representados pelos sucessivos números - até 20. Partindo do princípio que primeiro é necessário ensinar o fácil, para depois perceber o difícil, os alunos são obrigados a montar o algoritmo de adição e de subtracção logo com os 5 “primeiros” números, desvirtualizando assim a própria utilidade do algoritmo. Passa-se mais tempo para ajudar a ler o livro de instruções do que para utilizar a máquina. A maior parte do material didáctico apóia o pensamento mecanicista subjacente. Quando os professores que trabalhavam com crianças em idade escolar começavam a constatar as dificuldades que surgiam a volta da aprendizagem do algoritmo - que está equiparado à aprendizagem do cálculo aritmético, logo da matemática - começou a surgir material de apoio para a montagem do próprio algoritmo. Surgiu o material em que os números são representados por grupos de 5 em tapetes, facilitando uma visualização dos valores que representam, e surgiu também o material Cuisenaire. O que é interessante realçar é que este material foi inicialmente desenvolvido pelo Cuigica de Rudolf Steiner, que desenvolveu um currículo para crianças desde a fase pré-escolar até aos 17 anos. O programa dá grande ênfase à criatividade artística e ao pensamento intuitivo, mas também permite que os alunos façam exames estatais versando assuntos académicos tradicionais. A sua escola pioneira, fundada em Estugarda, na Alemanha, em 1919, inspirou outros países, levando-os a adoptar as suas ideias. © 1997 Texto Editora, Enciclopédia Universal Multimédia 32 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro senaire para tornar mais concreto o raciocínio algébrico e na montagem de algoritmos que implicam equações com reduções de números racionais. Os professores que utilizam o material, reduzemno infelizmente rapidamente a um brinquedo para o jardim de infância e a um instrumento de trabalho para estruturar os números até 20 na 1ª classe. O próprio Gattegno enfatiza este último aspecto. Mais tarde surgirá também o material multibásico com o mesmo intuito de desmistificar a montagem do algoritmo como base da percepção do cálculo. O cálculo na escola básica torna-se excessivo e obsessivo. Depois de acabar com as dificuldades inerentes a utilização do ábaco como instrumento de cálculo sobretudo para o que tem a ver com os números racionais e os números mais tarde chamados reais, o algoritmo árabe ligado aos números hindu-árabes passou a ser o meio de computação mais utilizado em meios científicos até a divulgação cada vez maior de máquinas de calcular e de meios electrónicos. A escola viu na utilização dos algoritmos uma forma de dar a todas as pessoas abrangidas por ela um instrumento simples de cálculo, cobrando praticamente todas as necessidades de alguém que não se especializasse. Ao mesmo tempo, o algoritmo tornou se cálculo. Cada vez mais, e não por causa dos matemáticos mas mais pelo pragmatismo de quem formava professores, o ensino do algoritmo estava equiparado ao ensino do cálculo, logo, da matemática. 33 Histórias variadas As quatro operações básicas foram desligadas do seu contexto histórica e a sua relação intrínseca desapareceu por completo, inclusivamente para os professores que os ensinam aos alunos. O algoritmo torna se a única fonte de explicação da operação. Deixou de ser um instrumento e tornou se um (falso) conceito. Mas as misturas de conceitos mal explicadas e mal aprendidas não ficam por aqui. Por um lado a escola desactiva em grande medida o cálculo mental, apresentando rapidamente o algoritmo árabe como o único meio para perceber os números através do seu cálculo. Por outro lado introduz alguns artefactos como utensílios indispensáveis ao cálculo - isto é: à utilização do algoritmo. Por isso apresenta se desde muito cedo a representação algorítmico dos números aos alunos, não se treinam situações problemáticas em que a representação numérica é consequência, e obriga-se até ao aborrecimento, decorar uma tabela de apóio à multiplicação no contexto grego, que na sua parte inicial facilita a montagem do algoritmo árabe. Não há dúvida que o modelo da aprendizagem mecânica - influenciado por uma psicologia educacional behaviorista - entra tanto mais facilmente na aprendizagem da aritmética quanto os números e a relação entre os números são relacionados com tudo o que é máquina e mecânica. O equívoco assim criado entre percepção de máquina e percepção de raciocínio aritmético facilitará de seguido a visão de que o treino exaustivo do cálculo leva à exploração efectiva da numeração originando ao mesmo tempo o fracasso da exploração da matemática. 34 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro O peso do passado hoje. Chegamos assim a uma didáctica do ensino do cálculo, cálculo este que cobria largamente as necessidades de conhecimento para a maior parte da população letrada, que será cada vez mais confundido com um ensino e aprendizagem da matemática. Este sobreposição de conceitos terá também como resultado que a própria matemática e reforçada numa visão de máquina-objecto que tem que ser ensinado passo a passo e não como uma língua que descreve fenómenos. Entretanto pouco é feito para que os alunos analisem problemas, assunto aliás que não é propriamente ligado a actividade intelectual da escola primária. Os problemas, quando eles existem, são normalmente contextualizações infantilizantes de cálculo outrora mental transposta para uma obrigação desnecessária de montagem de algoritmo, não tanto no seu enunciado, mas no pedido formulado ao aluno. No início dos anos 60 muitos matemáticos ligados a didáctica da matemática deixam se encantar pelas proezas da lógica Russelliana e pela organização dos axiomas que suportam a aritmética e a geometria. Aliás, o estudo pormenorizado do conceito de axioma e das suas consequências, que tinha sido muito frutífero no domínio do desenvolvimento de geometrias não-euclidianas e de percepção da lógica dos números reais e imaginários18 faz com que são introduzidas uma certa número de novos conceitos na escola básica, em que a teoria dos conjuntos é a mais conhecida (e pervertida) pensando que assim o acesso à 18 Termo utilizado para definir os números que contêm um valor imaginado i, pelo qual i2 = -1 e que faz partir do princípio que todos os outros números não são imaginados. 35 Histórias variadas matemática será restabelecido e que se ganhará em ensino de raciocínio lógico o que se perderá em cálculo exaustivo e aborrecido. Os modernos Polya19 que se dedicou ao estudo das variáveis complexas, dos polinómios e da teoria dos números, sistematizou também a abordagem da resolução de problemas escolares e científicos. Piaget, Papy, Dienes introduzem o princípio de aprendizagem de conceitos a partir de aprendizagens anteriores. Vigotsky teoriza o desenvolvimento da aprendizagem entre as crianças. Fica o contributo de cada um deles na didáctica experimental da matemática. São introduzidos os materiais de apoio estruturados e não estruturados, insiste-se em montar esquemas de cálculo com as crianças. Explicita-se a relação entre as operações aritméticas básicas, montando esquemas que mostram claramente a inversão das operações. Explicita-se também a relação entre a apresentação de problemas rotineiras e não rotineiras. Depois de 1980 Guzmán, Paulos, Herch e Davis insistem na abor19 Pólya, George (1887-1985): Matemático húngaro que trabalhou na teoria das funções, em probabilidades e em matemática aplicada. O teorema de Pólya de 1920 é a solução de um problema da teoria e do método de análise combinatória. Pólya nasceu em Budapeste e estudou na Universidade de Eötvös Lorand. Desde 1914 deu aulas no Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique, tornando-se professor em 1928. Em 1940 emigrou para os EUA, terminando a sua carreira na Universidade de Stanford, em Palo Alto, na Califórnia, entre 1946 e 1953. 36 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro dagem da matemática como linguagem descritiva. Gerard Vergnaud publica os seus trabalhos acerca dos campos conceptuais e Georges Glaeser publica acerca da didáctica da matemática experimental. Matemática moderna A introdução da matemática moderna na escola básica foi feito sem tomar em conta a fraca e em muitos casos desajustada formação inicial dos professores do 1º ciclo, mas também sem tomar em conta que levou muito tempo para que os professores façam um esforço para se actualizarem e para reflectirem sobre o que ensinam aos seus alunos. A perversão foi completa. A aritmética continua a ser ensinada de uma forma analítica mas com instrumentos diferenciados utilizados fora de contexto, o que torna a aprendizagem ainda mais dolorosa. Entretanto, a escola persiste numa didáctica (que diz agora) da matemática (e já não do cálculo) per se e não no ensino da utilização da matemática de forma contextualizada. Não é claro para os professores do 1º ciclo, mas também não é claro para os investigadores da matemática como fazer tal contextualização. Assim, propõem programas muitas vezes muito elaborados e extensos, que deveriam possibilitar esta tal contextualização evitando o treino abusivo das operações. Continuam a colocar grandes reticências no que respeita a utilização de meios electrónicos. Não conseguem fazer sair a didáctica da armadilha de pensar que operar com algoritmo é construir a percepção – quanto muito do cálculo, mas certamente não de conceitos matemáticos. 37 Histórias variadas Muitos destes programas tornam se assim “métodos de 28 palavras” para a aprendizagem da linguagem matemática, mais ou menos mal sucedidos e onde o instrumentalismo esconde o vazio didáctico e pedagógico. Tal como se reforça a dose de algoritmo para chegar de forma redundante ao cálculo aritmético, insiste se agora de forma exagerada em toda uma série de instrumentos caros e cada vez mais sofisticados pensando que assim se formará a mente científica das crianças. Penso que aqui é bom lembrarmos que fomentar a pergunta “porquê” forma cientificamente porque criticamente e que as respostas sucessivas aos sucessivos porquês sempre são respostas provisórias20 e que isto faz-se com meios simples. Será bom não nos deixar embarcar em projectos de luxo, supervisionado por quem não sabe contextualizar todo o trabalho na sala de aula em contexto de monodocência. Prefiramos procurarmos elementos que nos permitam incluir na pedagogia emancipatória que defendemos, uma abordagem reflectido e baseada na construção de conceitos tanto para a linguagem matemática, como para a língua materna e todas as outras linguagens utilizadas pelos nossos alunos. Isto implicará necessariamente grupos de trabalho e de reflexão. Não saber nunca deveria servir de desculpa para não fazer. Foi sempre um estimulo para querer investigar, para integrar também, mas dentro dum conceito de escola democrática e crítica21. 20 Lembrando Popper e o seu paradigma que o que é cientifico é falsificável. 21 O que parece mais utópico em 2008 do era em 1980... 38 Uma forma de ver... ... a matemática no primeiro ciclo... Os objectivos gerais do primeiro ciclo, referente a matemática, são1: 1. Manifestar curiosidade e gosto pela exploração e resolução de problemas simples do universo familiar. 2. Recolher dados simples e organizá-los de forma pessoal recorrendo a diferentes tipos de representação. 3. Efectuar medições, escolhendo instrumentos adequados, para resolver problemas simples da vida corrente. 4. Fazer e utilizar estimativas em situações de calculo ou de medição. 5. Explorar, construir e transformar modelos geométricos e estabelecer relações entre eles. 6. Explicar e confrontar as suas ideias com as dos companheiros, justificar as suas opiniões e descrever processos utilizados na 1 Na altura em que o texto foi escrito. Os documentos de referência eram os programas do ensino básico de 1989 e o Currículo Nacional 39 Uma forma de ver... realização de actividades. 7. Desenvolver estratégias pessoais de resolução de problemas e assumir progressivamente uma atitude crítica perante os resultados. 8. Resolver situações e problemas do dia a dia, aplicando as operações aritméticas e as noções básicas de geometria, utilizando algoritmos e técnicas de cálculo mental. O legislador propõe ainda: “relativamente aos programas anteriores, al alteração fundamental consiste em serem considerados conteúdos de aprendizagem tanto os conhecimentos a adquirir como as atitudes e as aptidões a desenvolver , o que implica necessariamente uma mudança de métodos.“ (Programa 2º ciclo) Continua que “a metodologia proposta assenta essencialmente na actividade do aluno. Cabe ao professor criar um ambiente de trabalho agradável e estimulante e, simultaneamente, seleccionar, organizar e animar as actividades de aprendizagem, papel difícil mas desafiador” (p. 166). Ainda foca que as actividades recorrentes, aquelas que, promovendo o desenvolvimento de competências lógicas elementares, são fundamentais não apenas para a compreensão de ideias matemáticas, mas também para a apreensão de noções de outras áreas, nomeadamente da língua portuguesa e do estudo do meio. Descreve como é que “o professor, como moderador, acolhe as respostas, pergunta “porque”, lança pistas, aproveita o erro para formular novas perguntas e pede estimativas antes de ser encontrada a solução. Competirá ainda ao professor estimular a partilha 40 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro das diversas estratégias para a obtenção de um resultado se na sua busca foram percorridos caminhos diferentes.” O programa do 3º ciclo afirma: “As opções feitas visam um jovem que, no termo do ensino básico, se afirme como um ser pensante, dotado de imaginação criadora e de capacidade de adaptação a um mundo em mudança.” Estas orientações preconizadas pelo legislador para o ensino da matemática na escola obrigatória, está em contraste gritante com a inevitável pobreza de desafios a que se costume sujeitar uma turma, pobreza mas que franciscana, quando se segue a orientação muitas vezes desajustada imposta por manuais medíocres que confundam objectivos com conteúdos. O fio condutor, expresso nos princípios orientadores, e que sob o título “orientação geral do processo educativo” só estão expressos no programa do terceiro ciclo, reforça esta ideia de trabalho em função das pessoas em torno de objectivos gerais, que possibilitam a aquisição de conteúdos considerados de cultura geral: –as experiências de aprendizagem terão de adequar-se aos estádios de desenvolvimento cognitivo e moral dos alunos, solicitando a sua contínua progressão; –a ênfase do processo de ensino-aprendizagem recairá sobre o domínio de processos e o desenvolvimento de aptidões que habilitem os alunos para a resolução de problemas e a adaptação flexível a novas situações; – as aquisições cognitivas deverão proporcionar uma formação de base organizada em contextos significativos e estimuladora 41 Uma forma de ver... da autoformação; –as actividades educativas privilegiarão o desenvolvimento da personalidade dos alunos, visando o seu equilíbrio físico e sócio-afectivo e a consolidação de atitudes e valores de autonomia e de solidariedade; –as actividades escolares devem articular-se estreitamente com a vida, o meio e o mundo do trabalho. Estes vários aspectos do programa de matemática da escola obrigatória – com o primeiro ciclo não como ciclo terminal, mas como ciclo de passagem - condizem e reforçam o que Adolphe Ferrière escreve em 1922: “Há uma linha contínua de pedagogos desde Coménius, Luther, Rabelais, Montaigne, Rousseau, Pestalozzi, mas também com Kerchensteiner, Paul Robin, Claparède, Decroly, Montessori e Dewey, que afirma que só a prática aprende e educa.” E, em 1928, Freinet escreve: “Os manuais são uma invenção especificamente escolar e que não têm utilidade nenhuma fora do quadro do ensino. É verdade que se editou manuais de conversação para estrangeiros em viagem, manuais de saber-viver, manuais para automobilistas, mas estas são obras sucintas de documentação elementar, que não têm como pretensão dispensar a aprendizagem activa da língua, do conformismo social, da condução dum carro. Para as pesquisas intelectuais fora do quadro escolar, as pessoas libertam se dos manuais, mesmo os imponentes, para recorrer ao trabalho de biblioteca, de documentação crítica, de argumentação pessoal, base da investigação desinteressada”. 42 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Poderemos juntar aqui que também é necessário dispor de meios de investigação e experimentação adequadas aos assuntos objectos do interesse individual e colectivo do grupo-classe. Os ateliers de trabalho continuam então uma forma organizada e de possível controle que permite a investigação do meio pelo qual provocamos interesse. Para possibilitar o atelier de matemática2 com toda a organização cuidada que esta técnica pedagógica e estruturante envolve, necessitamos alguns instrumentos simples, mas cuidadosamente escolhidas e discutidas. Necessitamos aliás da mesma cultura pedagógica que possibilita o texto livre: 1. Instrumentos organizadores que permitem a formulação de ideias. 2. Tempo individual ou de pequeno grupo para discutir e escrever propostas para o grupo com que trabalhamos. 3. Tempo e espaço colectivo para ouvir as propostas. 4. Tempo e espaço colectivo e individual para aperfeiçoar as propostas. A percepção e a observação do meio gerem então actividades matemáticas. Podem ser hipóteses de trabalho, discussão da realidade perceptível, ou fantasias que gerem quadros de investigação que ultrapassam o directamente observado. Um dispositivo organizado permite avaliar com as crianças a sua evolução individual na aquisição gradual e individualizado dos con2 e criar algo como “a matemática livre”, como um dos alunos de uma das participantes num circulo de estudo referiu, em clara alusão ao texto livre. 43 Uma forma de ver... teúdos que o programa considera adequado ao nível em que cada uma delas se encontra. Mas não exige - a até reprova - uma aprendizagem normalizada e estupifidicante que muitos manuais escolares infelizmente provoca. As crianças não aprendem num meio qualquer. O espaço-tempo tem que ser particularmente convidativo e provocador em proporção inversa com o que o espaço natural deles oferece em material de aprendizagem. Além do mais, tem que ser reconhecido por elas e pelo/a professor/a como um espaço tempo onde elas têm posse real sobre as coisas. Um canto da sala, de livre acesso, controlado por propostas de trabalho, e bem apetrechado, põe a máquina da investigação em marcha. Numa mesa, 3 tipos de balança (normal, de cozinha, de cartas), pesos, potes, frascos e garrafas, funis, relógios, máquinas de calcular, geoplanos. No armário de matemática, jogos de matemática, tangram, dominó, quartetos, blocos lógicos, material Cuisenaire e material MAB, dados, cartas de jogar. A lista não é imperativa, nem limitativa. Mas o que ajudará certamente, são fichas provocatórias que lembram actividades da vida envolvente ou dão pistas para abrir o olhar sobre o que rodeia as crianças dentro e fora da escola. A investigação permite aos alunos verificar que hipóteses, aceitar que o que observamos não corresponde à dogmas formuladas, reformular hipóteses. Frequentemente, é a ignorância que leva a normalizações severas. Afirmar, por exemplo, que “numa conta só se pode subtrair o 44 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro número mais pequeno do número maior”, gere uma percepção errada do cálculo. E, mais grave ainda, nega noções intuitivas de números negativos (temperaturas por baixo de zero, profundidades, saldos bancários negativos, objectos ou trocos a dever, etc). Para provocar situações de investigação matemática não basta mas é de indiscutível ajuda - o canto de experiências. É também e sobretudo necessário se treinar e ultrapassar medos e representações que se tem da matemática, para alcançar uma visão não dogmática e não escolástica. Nas fichas que seguem, sugerimos algumas pistas3. ... a didáctica ... nota prévia “Ninguém antes dos Pitagóricos tinham pensado que as relações matemáticas continham o segredo do universo. Passado 25 séculos, a Europa continua benzida e amaldiçoada com esta herança. Para civilizações não-Europeias, a ideia que os números são a chave para tanto o saber como o poder, nunca parece ter ocorrida.”4 Apontamentos de Didáctica Especial Vejamos algumas das indicações de Alfredo Reis5 numa didáctica que refere que foi elaborado de harmonia com o programa de Escolas de Magistério e segundo o espírito dos actuais programas do 3 Ver página 80. 4 Arthur Koestler: The Sleepwalkers. 5 Alfredo Reis (1962) Didactica Especial Évora: Edição de autor 45 Uma forma de ver... Ensino Básico). O autor começa por “localizar” a didáctica especial (p. 5): “A pedagogia científica, para abarcar totalmente o problema pedagógico, há de compreender três partes fundamentais: a Biologia, a Psicologia e a Didáctica. A Fisiologia (parte da Biologia) que estuda as causas dos fenómenos da vida no estado normal ensina-nos a manter as condições normais da vida e a conservar a saúde. Da fisiologia derivou a higiene. A psicopatologia ocupa-se das causas dos fenómenos da vida dos anormais. A psicologia - conhecimento dos factos psíquicos e das causas que os determinam - leva-nos a respeitar o desenvolvimento dos processos mentais e a melhorar as suas condições por meio de agentes didácticos adequados. A didáctica, que regula a prática docente, divide-se em didáctica geral que engloba os princípios gerais que se aplicam a todo o ensino, e a didáctica especial, que trata em particular das regras referentes a cada uma das matérias do programa.” Ele escreve na página 63 acerca do ensino da multiplicação: “A maior parte dos autores contemporâneos que têm estudado os problemas pedagógicos condena o uso das tábuas. Lombardo Radice referindo-se à tábua da multiplicação afirmou: «A tábua pitagórica é uma máquina para não fazer pensar a multiplicação.» Não vejo que por esta afirmação se deva considerar condenável o seu uso, pois que as exigências da vida real impõem a memorização segura dos produtos dos dígitos. [...] Além disso, fazendo os cálculos dos produtos por adição, a criança ao fim de duas operações sentir-se-á fatigada, aborrecer-se-á.” 46 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro É interessante notar como a defesa da didáctica clássica leva a esta interpretação. De facto, a tábua é exactamente o que o Radice disse, quando ela é reposta no contexto da época, com uma numeração decimal não posicional. É obvio que é muito mais eficaz, quando problematizamos, “não pensar na multiplicação”. Isto não significa de forma alguma que não se possa memorizar o que é muito utilizado. Aliás, não condenamos o uso e a memorização das tábuas. Condena-se o uso abusivo das tábuas. Elucidativo é também como o autor considera o erro quando se opera a subtracção. Coloca-o ao nível do “mau hábito”. Apresenta na tabela que reproduzi na página seguinte (p. 75 no documento original) erros matemáticos (de cálculo, de leitura dos números) mas também apreciações acerca de estratégias consideradas erradas (contar pelos dedos, pronúncia dos algorismos) que não são erros processuais. Outros erros têm a ver com a forma abstracta como muito provavelmente a montagem do algoritmo da subtracção é ensinado (esquecimento dos que vão). A apresentação da análise do erro nestes termos não ajuda o prático para perceber como intervir. Induz à correcção através de observações que não ajudam os alunos na sua aprendizagem como “Não conta pelos dedos”, “Não falas alto” ou ainda “Então, e os que vão” além de outras observações que muitos de nós se recordarão do seu tempo de aluno na escola primária. 47 Uma forma de ver... Erros nº de erros % 1 Erros de cálculo 7 17,5 2 Esquecimento dos que vão 7 17,5 3 Troca de operações 3 7,5 4 Contar pelos dedos 9 22,5 5 Inversão dos termos da subtracção 2 5 6 Pronúncia dos algorismos 5 12,5 7 Operar da esquerda para a direita 4 10 8 Esquecimento de um algorismo 1 2,5 9 Ignorância da subtracção 1 2,5 10 Ignorância da subtracção, quando o algarismo do diminuendo é zero 1 2,5 40 100,0 Total Tabela 1: Mapa de repartição de 40 erros e maus hábitos cometidos num teste de subtracção Por outro lado é apresentada a tabela aqui reproduzida como tabela 2 (p 98). Diz o autor que Osburn colheu dos estudos que fez sobre os erros habituais no raciocínio aritmético os seguintes resultados: % Falta de compreensão do problema Processo corrente, a não ser em 1 ou 2 elementos essenciais Ignorância das relações quantitativas 30 Total 60 48 20 10 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Erros nas operações fundamentais 20 Erros cuja causa não foi possível descobrir 18 Erros mistos Total 2 100 Tabela 2: Erros que mais embaraçam a correcta resolução de problemas. O autor afirma que destes dados se conclui que seria sobre a interpretação do enunciado dos problemas que mais se deveria insistir. Deve levar-se a criança a enunciar o problema por outras palavras e a dizer a razão, por que se deve fazer a operação ou operações que propõe para a resolução. E continua: “O mestre, através dos problemas resolvidos pelas crianças, descobre claramente os seus pontos fracos e é evidente que a sua actuação deve incidir principalmente sobre as deficiências, de forma a eliminá-los”. Didáctica especial Na sua Didáctica Especial, o Francisco Queirós 6 propõe o caminha a seguir para ensinar a aritmética. Discursa sobre os planos de lição (p. 8)7: “...depois de considerar o método e o processo, de preparar o material e de estudar a motivaçã [...] ordenará então o plano de lição que pode dividir em três fases (preparação, execução e verificação ou fases inicial, medial e final, ou primeira, segunda e terceira fase) ou em quatro (preparação, execução, verificação e aplicação)” 6 Francisco Alberto F. Queirós (1966), Didáctica Especial Atlântida 7 Este discurso continua a ser o mesmo em 2008, entre alguns dos nossos governantes. 49 Uma forma de ver... Uma vez esclarecido o princípio do plano da lição, somos iniciados nos princípios gerais ensino da Aritmética (p. 11): “O ensino deve ser racional, isto é, sempre que possivel as noções hão-de ser compreendidas antes de fixadas. Não se trata de menosprezar a memória, mas apenas de fazer preceder à memorização a compreensão do assunto que se estuda. É o caso por exemplo da tábua de multiplicar. A criança há-de fixar que 5x4 e 4x5 são 20, mas antes disso há-de compreender que há diferença entre 4x5 e 5x4 apesar do resultado ser o mesmo. Deve ser progressivo, isto é, ministrado segundo dificuldades crescentes. Evitam se assim soluções de continuidade, saltos bruscos e segue-se como que uma escada. Deve ser prático; (...) traduzir o seu aprendizado em preparações para a vida prática, para a vida do dia a dia que o espera fora da escola, ensinando-o a medir, a comprar, a pagar, a receber demasias. Deve ser regional: quer dizer que ele deve ser feito de acordo com a região em que o aluno vive, isto é, o material didáctico e os problemas, por exemplo, devem ser arrancados ao meio em que a criança actua. A alunos que vivem no litoral a concretização pode ser feita com conchas, seixos, etc, enquanto que, no Alentejo, pode ser feita com bolotas, com discos de cortiça,...” Segue na página 18 um exemplo de plano de aula de aritmética para o primeiro ano de escolaridade que aqui reproduzi: Contagem: um-dois-três-zero 1ª fase 50 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro a) distribuição de material aos alunos - palitos, discos, tampas de garrafas, pedrinhas, rolhas, etc. b) conversação, acerca do material distribuído, a fim de interessar os alunos pela lição. 2ª fase a) contagem pelo professor, mostrando um, dois e três objectos, enunciando claramente o número correspondente à quantidade mostrada. b) contagem, pelos alunos, com o seu material, pronunciando bem os números um, dois e três. c) contagem regressiva primeiro pelo professor e depois pelos alunos. d) interrogatório para esclarecer que, tirando sucessivamente um objecto, vamos ficando com dois, a seguir com um e que, se tirarmos também esse «fica» nenhum, nada ou zero. e) repetição das contagens ascendentes e descendentes (0-1-2-3; 3-2-1-0) 3ª fase a) exercícios de verificação através da execução de ordens: Dá-me dois lápis; mostra-me um disco; conta três alunos, etc. Didáctica de matemática Como acabamos de ver, a didáctica da matemática era confundida com uma didáctica do cálculo aritmético. Mas Gabriel Gonçalves8 tem outras propostas. 8 Gabriel Gonçalves (1972): Porto editora. Constam das referências bibliográficos: Cahiers de Pédagogie Moderne, 51 Uma forma de ver... Ele refere na introdução (p. 5): “A obra foi concebida dentro do pensamento de C. Freinet: «Para nós, educadores, a Pedagogia é, fundamentalmente, a ciência da condução de um classe, com vista à sua educação e instrução»” Acerca do estudo das fracções (p. 139) ele cita A. Rude (Metodologia da Aritmética) e recomenda ainda que o ensino das fracções não deve transforma-se num cálculo de regras, mas num raciocínio. Portanto nada de regras ensinadas. Os programas de 1972 prescrevem a metodologia Büttner, Tank, Pickel. Primeiro ensina-se as fracções decimais, depois as fracções ordinárias. Em termos comparativos, referimos que no programa actual (2º ano, 3º ano) as notações de fracções começam com “a metade”, “o quarto”, e depois os inversos de 3x, 5x e 10x por 1x/3, 1x/5 e 1x/10. De seguida aprende-se a reconhecer equivalência entre 1x/10, 0,1x e :10; seguindo metodólogos como Böhme , Hentschel. Acerca do ensino do sistema métrico, Gabriel Gonçalves propõe na página 31: 1. Aprender fazendo. 2. Confeccionar os próprios instrumentos rudimentares. 3. Não importa que a criança utilize os instrumentos de medida; importa que os utilize bem, com apreciável precisão. 4. O ensino do sistema métrico não deve tomar um carácter formal, escolástico - mas deve ser prático, ligado à vida corrente, às actividades locais, ao estudo do meio. Os exercícios de Dienes, Dottrens, Gattegno, Norma Osório (Matemática na escola moderna), e.o. 52 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro aplicação não devem constituir um fim em si próprios, mas um meio. (...) 5. Conhecer o tamanho, o peso e a capacidade de certos objectos de uso corrente para evitar erros grosseiros. 6. Deve estar preparada para apreciar por estimativa comprimentos, capacidades e pesos diferentes. 7. O estudo métrico deve estar ligado intimamente ao desenho e aos trabalhos manuais, devendo mesmo ser-lhe destinadas algumas sessões de actividades artísticas e de passeios escolares na localidade. ... o programa de 1989 O Expresso escreve numa edição de Novembro de 1996: “A capacidade de raciocínio matemático de alunos portugueses do 7º ano situa-se ao nível da Tanzânia, na cauda da lista de países inquiridas pelo OCDE (estudo de 1992), na qual a Correia do Sul, o Japão e a Bélgica surgem no topo e os EUA em 7º lugar” O programa9 do ensino básico afirma que “As opções feitas visam um jovem que, no termo do ensino básico, se afirme como um ser pensante, dotado de imaginação criadora e de capacidade de adaptação a um mundo em mudança” Parece que 16 anos depois não avançamos muito... John Allen Paulos10 escreve sobre a obsessão para o cálculo: “[...]Na minha opinião, a atenção da escola ao cálculo é excessiva 9 Programa aprovado em 1991, Volume I do 3º ciclo, p. 174 10 John Allen Paulos (1993), Professor de Matemática e Reitor da Universidade de Temple, Filadélfia 53 Uma forma de ver... e obsessiva. Não existe nada de errado, é claro, com o conhecimento das tabuadas da adição e da multiplicação e dos algoritmos básicos para manipular fracções, percentagens, etc. De facto, estas capacidades são absolutamente essenciais, mesmo hoje, quando uma calculadora de 700 escudos (um componente, espero, do material escolar de qualquer criança) pode efectuar todos os cálculos que a maioria das pessoas irá alguma vez necessitar. Acontece apenas que, após algum treino de rotina, estas capacidades devem ser encaradas como ferramentas para alargar a compreensão, não como um substituto da compreensão. [...] Na escola primária, por exemplo, deveriam existir unidades dedicadas a decidir que operação aritmética ou sequência de operações é requerida num dado problema; a estimativa de grandezas muito grandes ou muito pequenas; a histórias de detectives condimentadas com a matemática; a padrões numéricos e a quebra-cabeças mecânicos; a jogos de tabuleiro onde o acaso é um factor a ter em conta; a aspectos matemáticos de histórias noticiosas e de acontecimentos desportivos; e a uma miríade de outros tópicos que podem ser relacionados com a vida de uma criança.” Elementos do programa do ensino básico. Relativamente aos programas anteriores, a alteração fundamental consiste em serem considerados conteúdos de aprendizagem tanto os conhecimentos a adquirir como as atitudes e as aptidões a desenvolver, o que implica necessariamente uma mudança de métodos. Preconiza-se como objectivos gerais no 1º ciclo: 54 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro 1. Manifestar curiosidade e gosto pela exploração e resolução de problemas simples do universo familiar. 2. Recolher dados simples e organizá-los de forma pessoal recorrendo a diferentes tipos de representação. 3. Efectuar medições, escolhendo instrumentos adequados, para resolver problemas simples da vida corrente. 4. Fazer e utilizar estimativas em situações de cálculo ou de medição. 5. Explorar, construir e transformar modelos geométricos e estabelecer relações entre eles. 6. Explicar e confrontar as suas ideias com as dos companheiros, justificar as suas opiniões e descrever processos utilizados na realização de actividades. 7. Desenvolver estratégias pessoais de resolução de problemas e assumir progressivamente uma atitude crítica perante os resultados. 8. Resolver situações e problemas do dia-a-dia, aplicando as operações aritméticas e as noções básicas de geometria, utilizando algoritmos e técnicas de cálculo mental.” E foca-se a importância de trabalhar a partir de problemas reais: “A resolução de problemas, quer na fase de exploração e descoberta, quer na fase de aplicação, deverá constituir a actividade fundamental desta disciplina e estar presente no desenvolvimento de todos os seus capítulos.” Mantendo os algoritmos como técnica aritmética fundamental para todo o 1º ciclo, sugira-se um conjunto de materiais: –o próprio corpo 55 Uma forma de ver... –material disponível na sala de aula: lápis, caixas, papéis, mesas, etc. –material não estruturado recolhido pelos próprios alunos –material estruturado ou construído com objectivos específicos –o computador - linguagem LOGO (quando possível)11 O programa insiste também na clareza da linguagem e nas diferentes maneira de representação, sugerindo: –comunicar e registar ideias de forma mais simples e clara; –ler e interpretar informação com maior facilidade; –criar sinais convencionados com os companheiros e desenhos que expressem situações; –inventar e utilizar esquemas; –representar objectos por pontos; –explorar situações através de diagramas; –representar relações por setas; –construir e utilizar tabelas; –construir e utilizar gráficos de barras. No segundo e terceiro ciclo, o programa foca atribuir ao ensino da Matemática uma dupla função: –desenvolvimento de capacidades e atitudes; –aquisição de conhecimentos e de técnicas para a sua mobilização. 11 O que se tornou manifestamente impossível em Portugal. Enquanto as comunidades LOGO se desenvolvem em muitos países da Europa, entre nós é raro ver ainda computadores com o LOGO instalado. 56 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Relativamente aos programas anteriores, a alteração fundamental consiste em serem consideradas conteúdos de aprendizagem tanto os conhecimentos a adquirir como as atitudes as aptidões a desenvolver, o que implica necessariamente uma mudança de métodos. Os objectivos gerais são muito semelhantes nestes dois ciclos e aprofundam os do 1º ciclo. A orientação metodológica reporta à experiência de cada um dos alunos e foca o seu papel activo no processo de aprendizagem12. “[...] Tendo como pressuposto ser o aluno agente da sua própria aprendizagem, propõe-se uma metodologia em que: –os conceitos são construídos a partir da experiência de cada um e de situações concretas; –os conceitos são abordados sob diferentes pontos de vista e progressivos níveis de rigor e formalização.” A resolução de problemas continua a ser proposta como a actividade central: “A capacidade de resolver problemas desenvolve-se ao longo do tempo, como resultado de sucessivas experiências e da prática continuada de resolução de muitos tipos de problemas. Como processo de aprendizagem, a resolução de problemas proporciona um contexto no qual se constroem conceitos e se descobrem relações, permitindo ainda ao aluno tomar contacto 12 Aqui temos uma proposta decorrente da corrente construtivista que é muitas vezes ridicularizada por quem não é da especialidade. A linguagem utilizada pelo programa e a forma como ele é estudado na formação inicial e contínua não ajuda muito, claro. 57 Uma forma de ver... com o poder e a utilidade da matemática. Como actividade, estimula o espírito de pesquisa, dando aos alunos oportunidade de observar, experimentar, seleccionar e organizar dados, relacionar, fazer conjecturas, argumentar, concluir e avaliar. Como actividade de pesquisa, deverá integrar o erro, cujo papel o professor deve clarificar, no sentido de levar o aluno a reflectir sobre a dificuldade e a ensaiar outro caminho, transformando o erro num incentivo e evitando que desencadeie processos de bloqueio.” Insiste-se também nestes dois ciclos na importância da clareza na comunicação e na contextualização para facilitar a aquisição de conhecimentos13. “[...] Comunicar em matemática significa que se seja capaz de utilizar o seu vocabulário e formas de representação (símbolos, tabelas, diagramas, gráficos, expressões, ...), expressar e compreender ideias e relações. Isto coloca dificuldades próprias aos alunos, pelo que o vocabulário e as representações matemáticas devem ser usados por eles de forma tendencialmente precisa.” “Para a aquisição de conhecimentos deve partir-se, preferencialmente, de situações problemáticas, cuja solução exija do aluno a 13 São sem dúvida estes aspectos do programa que defende valores humanistas de formação de cidadãos que provocam a ira de todos que querem voltar a uma escola pública mais castradora, mais normalizadora, mais burocrática, que ajuda a manter a estratificação social. Não é difícil perceber em que esferas os defensores desta escola pública se situem... 58 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro mobilização de conceitos e técnicas já adquiridos, de modo a descobrir e a integrar novas noções.” Os recursos clássicos são acrescentados de novos recursos que chegaram à escola através das grandes empresas de tecnologia e burótica e incluem a máquina calculadora agora apontada como a causa principal para a falta de raciocínio matemática dos alunos. Assim, o programa refere: –Materiais simples do quotidiano; –Materiais de desenho e de medição, modelos geométricos, geoplano; –Materiais escritos (fichas de trabalho, manuais, ...); –Calculadoras; –Meios audiovisuais (retroprojector, slides, vídeo, ...); –Meios informáticos. As calculadoras, que já fazem parte da vida corrente, são hoje instrumentos fundamentais para o desenvolvimento de aptidões ligadas ao cálculo, assim como meios facilitadores e incentivadores de espírito de pesquisa. A sua utilização faz parte integrante deste programa. 59 O canto da matemática O canto de matemática na turma da escola de ensino primário, ensino administrado em monodocência, é um espaço-tempo de trabalho moldado em função da interacção entre adulto e crianças, onde o adulto vigia de perto a concretização dos objectivos do programa em vigor. Significa que o próprio canto de matemática não tem definição e apetrechamento preciso, dependendo do grão de apropriação feito pelo professor. Dito isso, a discussão nem sempre é pacífica... Elementos para uma reflexão O que é um canto de matemática. As crianças aprendem “naturalmente a matemática”. Trabalho autónomo significa que o professor não deve intervir? Como acompanhar as crianças? A proposta de organizar a sala em vários espaços de trabalho provoca outros desafios aos quais se tem que dar encaminhamento. Não vale a pena organizar estes espaços se ao mesmo tempo não existem instrumentos reguladoras para que as crianças sai61 O canto da matemática bam como utilizar o canto, como recorrer aos materiais de apoio, como perceber o seu progresso nos vários tópicos do programa. É fundamental discutir entre pares e trocar informações e experiências para se construir como professor um conjunto de instrumentos conceptuais facilitadores. Ao mesmo tempo é muito importante que se aperceba como professor quais são as actividades que podem ser conduzidas por propostas de trabalho em forma de fichas ou de desafios para as crianças trabalharem individualmente ou a pares e quais são as actividades que devem ser conduzidas pelo próprio professor dirigindo ele a discussão didáctica necessária. O canto de matemática agrupa assim instrumentos de trabalho, ficheiros de treino, propostas de “investigação” e ficheiros com problemas. Para os trabalhar as crianças devem dispor do tempo necessário e organizado pela sua própria planificação controlada. Neste tempo em “atelier de matemática” ou em trabalho de estudo autónomo, o professor não tem direito de antena... funciona como recurso ambulante na sala. O canto de matemática lembra também as descobertas e as discussões em grande grupo que marcam a aprendizagem de processos, de normas e da utilização dos instrumentos da aritmética: os algoritmos básicos. O material deve existir pontualmente em quantidade suficiente para permitir aulas. Para explorar a tabuada com o geoplano precisa-se de um geoplano para cada duas crianças, para uma aula de exploração de fracções o material Cuisenaire deve ser suficiente. O material deve existir em quantidade suficiente durante o tempo 62 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro todo para permitir que crianças se sirvam dele durante os momentos de “atelier” sempre que precisam recorrer a ele1. Durante e depois dos círculos de estudo, as interrogações e os medos continuam. Referimos aqui alguns antes de passar para algumas propostas de “investigação” que podem fazer parte das provocações no canto da matemática. Para relatos de prática de trabalho colectivo articulado com trabalho individual ou a pares remetemos para outros documentos2. Medos... “Alguns participantes, incluindo-me a mim próprio, nos vários círculos de estudo mostraram o seu desconhecimento matemático e questionavam bastantes vezes. Por isso eram motivo de risinhos por parte de alguns que ao "pensaram que sabiam tudo" nada tinham a perguntar. Será que quem receia perguntar tem vergonha de aprender?” “Damos com os baldes de água fria, sempre que descobrimos que transmitimos às nossas crianças noções de conceitos menos exactas e ainda não experimentadas.” “A ampliação da informação e a pesquisa trazem-nos medos que por vezes temos dificuldade em transpor, fugindo à versão que a nossa precária observação nos permite”. 1 Retomamos aspectos do apetrechamento do canto da matemática em Narciso & Paulus (2005) 2 Ver nota anterior. Ver também Paulus (1999) 63 O canto da matemática “Trabalhei na base decimal! Pensei ter feito um óptimo trabalho. Não os deixei experimentar, brincar, questionar, problematizar, descobrir, Enfim, Aprender!” ... que fazem procurar receitas? “...ainda persistem interrogações e dúvidas sobre a dificuldade de encontrar o caminho certo na matemática, principalmente no processo de resolução de problemas e na condução correcta da aprendizagem dos alunos”. Os meus objectivos foram em parte atingidos, mas gostava que as aulas práticas ainda tivessem sido em maior número. Ao longo da acção fui-me apercebendo e sentindo que não havia "receitas", mas sim uma "abertura de horizontes" que, sem dúvida, me convidava a alterar a minha prática pedagógica relativamente à aula anteriormente citada. O tema da Acção "Venham brincar com coisas sérias" apenas correspondeu em parte à minha expectativa. A culpa foi minha por pensar o que não devia. Este curso serviu principalmente para me dar um abanão. ... Mais do que receitas que qualquer um de nós estaria à espera de aqui vir buscar, se um dos objectivos deste curso era alertar, então esse objectivo foi plenamente alcançado! Devo reconhecer que no início desta acção senti que a mesma era um tanto monótona, pois não foi de encontro às minhas perspectivas, contudo, no decorrer das várias sessões, compreendi 64 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro que o objectivo desta acção não era dar receitas a ninguém, mas sim, formar professores com outros métodos. Por isso, chego à conclusão que não é necessário essas "receitas" já tão tradicionais. É dos outros Na impossibilidade de abrangência a essa totalidade (de professores), que fossem privilegiados os mais novos, aqueles que têm mais tempo, mais caminho a percorrer. É difícil para mim aceitar a estagnação intelectual a que muitos de nós somos levados por ques tões de ordem particular, por falta de incentivos estatais ou por mera comodidade. No círculo de estudos... ... de início duas situações me perturbaram: –o formador pouco ou nada expunha; –a grande ansiedade demostrada por algumas colegas em relação ao tratamento de temas curriculares nas suas turmas. ... discutimos a matemática valorizada na escola que é (e continua a ser) a aritmética e a vertente contabilística. [...] por outro lado o fantasma da "consolidação" e da sistematização" destes conteúdos perseguem os professores desde o Magistério (para além dos erros, é o principal tabú que nos marcou). 65 O canto da matemática ...a minha angûstia transmitia-se possivelmente pela minha insistência que cada tema novo fosse trabalhado de modo a levar os alunos à descoberta. Mas... a forma como nalguns casos levava os alunos à descoberta, era demasiado dirigida por mim, quase lhes abria o caminho. [...] eles queriam situações da vida real, tais como: saber o que é o IRS, fazer problemas com IVA. Tabelas de computação As tabelas de computação surgem muito cedo na história, como apoios para facilitar e diminuir a repetição fastidiosa de procedimentos quando se averigua o resultado duma expressão numérica. Entre os muitos registos, podemos focar, pela importância que ainda a damos, esta tabela jónica. 66 Α Β Γ Δ Ε F Ζ Η Θ Ι Α Β Γ Δ Ε F Ζ Η Θ Ι Α Δ F Η Ι ΙΒ ΙΔ ΙF ΙΗ Κ Β Θ ΙΒ ΙΕ ΙΗ ΚΑ ΚΔ ΚΖ Λ Γ ΙF Κ ΚΔ ΚΗ ΛΒ ΛF Μ Δ ΚΕ Λ ΛΕ Μ ΜΕ Ν Ε ΛF ΜΒ ΜΗ ΝΔ Ξ F Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro ΜΘ ΝF ΞΓ Ο Ζ ΞΔ ΟΒ Π Η ΠΑ q Θ Ρ Ι (Ρ Σ Τ Υ Φ Χ Ψ Ω Λ) As tabelas são também muitas vezes utilizadas para sistematizar ou explicitar o acto de gerar series. Em matemática, gerar é produzir uma sequência de números quer a partir da relação de um número com o seguinte quer através da relação entre um número da sequência e a sua posição. Por exemplo, un+1 = 2un gera a sequência 1, 2, 4, 8, ... ; an = n(n+1) gera a sequência de números 2, 6, 12, 20, ...3. Uma serie muito conhecida é esta dos números de Fibonacci (1202: liber Abaci), notados como 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, ... Ela é gerada de forma simples e é a resposta a o seguinte enigma: Em Janeiro recebes um casal de coelhos que tem um casal de coelhos depois de dois meses. A partir daí produz um casal de coelhos todos os meses. Estes novos casais produzem da mesma forma um novo casal depois de dois meses e de seguida todos os meses. Procura-se saber quantos casais existem no mês de Dezembro. Bernouilli (1713) esteve na origem duma outra tabela, interessante de analisar: 3 Texto Editora (1997) 67 O canto da matemática 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 1 3 6 10 15 21 28 36 45 55 66 1 4 10 20 35 56 84 120 165 220 286 1 5 15 35 70 126 210 330 495 715 1001 1 6 21 56 126 252 462 792 1287 2002 3003 1 7 28 84 210 462 924 1716 3003 5005 8008 1 8 36 120 330 792 1716 3432 6435 11440 19448 1 9 45 165 495 1287 3003 6435 12870 24310 43758 1 10 55 220 715 2002 5005 11440 24310 48620 92378 Tipologia de problemas - Michel Fustier4 Problemas científicos da categoria A. Problemas que se baseiam no método experimental. A partir dum facto que põe em causa o sistema de explicação inicial, elabora-se uma hipótese. De seguida procura se fazer uma verificação experimental e enuncia-se uma I que prova termos percebido o facto litigioso. Portanto, existe uma metodologia de resolução para este tipo de problemas que se demonstrou muito eficaz. 4 Michel Fustier, La résolution des problèmes, Editions ESF 1986. O texto é composto por alguns extractos da publicação deste seminário. Tradução do autor. 68 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Problemas escolares da categoria B. Trata-se de exercícios, jogos ou trabalhos que consistem num cálculo numérico ou lógico, como: –Seja um triangulo ABC. Do meio de AB desenhamos uma recta para C... –Sabendo que Porto fica a 320 km de Lisboa, quanto tempo é que um ciclista... –Um pai tem 17 camelos; doa os animais aos seus três filhos, estipulando que... –Encontra x na equação x3 - 13 x 2 + 36 = 0. É o tipo de problema analítico e dedutivo. Todos os dados necessários à solução estão contidos no enunciado. Pode haver vários caminhos para a solução que normalmente é resposta única, ou em número limitado. Por isso, chamamo-lhe problema fechado. O sistema pessoal de valores no qual se situa a pessoa que resolve o problema não intervem, nem no processo, nem na solução. Trata-se dum encaminhamento heurístico que consiste numa serie de operações que desemboca na solução. A capacidade de resolução deste tipo de problemas é normalmente resultado dum tipo de “adestramento” do estudante.5 5 O autor refere aqui Polya, como teórico que tentou analisar e revelar o processo heurístico subjacente a todos estes problemas, de forma a poder substituir o adestramento por estratégias raciocinadas e voluntárias. Parece-nos um primeiro passo para uma matemática escolar que não é um simples decorar de técnicas aritméticas. 69 O canto da matemática Problemas de vida da categoria C. São problemas de vida ou de acção. Por exemplo: –Como ensinar as crianças da escola primária a escrever uma carta. –Como possibilitar a utilização dum par de ténis no inverno. –Como interessar os alunos para o que se passa na sala de aulas. Estes problemas nascem dum mal-estar, duma necessidade ou duma dificuldade vivida. Não são para “passar o tempo”. Têm a ver com o conceito de função: há uma função para cumprir. São finalizados. A cibernética pode servir de suporte conceptual. Devem ser considerados abertos, podendo terem vários soluções, não podendo prever quantos são. Nenhuma solução é perfeita, podendo até criar novos problemas. Os problemas da vida não podem ser corrigidos. Não há respostas certas ou erradas. Há respostas aceitáveis e outros não, mas não no sentido absoluto. Os problemas de acção, que são finalizados, englobam problemas de conhecimento, da categoria A. Para resolver determinadas dificuldades, tenho que perceber bem a natureza, isto é, ter analisado as causas que fazem com que a dificuldade é tal. A ciência da finalidade ultrapassa a ciência da causa, mas não a exclui. Os problemas de acção incluem normalmente também problemas de cálculo da categoria B. Isto é, depois de se ter uma ideia a 70 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro volta da solução a construir, terá que se calcular pormenorizadamente a realização desta solução. Finalmente, e isto é importante, o professor se houver um, não sabe também não na maioria das situações, qual é o problema que se põe e sobretudo, não sabe de antemão qual a resposta que terá que ser dada. Não é senhor da solução, nem pode avaliar o valor de uma ou outra solução. É a vida quem decide. Tipologia de problemas Problemas específicos e problemas gerais Situação particular, problema não facilmente a transpor para outra situação: Alguém esqueceu-se da chave e quer entrar em casa. O problema específico pode só interessar um grupo restrito de pessoas, mas a solução poderá servir várias vezes e assuma um carácter institucional: Um professor aperfeiçoa os seus métodos pedagógicos. O problema pode ser geral e ser de uma multidão. Dá origem a soluções em grande série. Esta diferenciação dá-nos uma indicação sobre a atenção para dar ao problema: vale ou não a pena estudá-lo. Problemas de solução instrumental e de solução comportamental As soluções apresentadas para os problemas na era pré-industrial eram sobretudo comportementais (por falta de ciência e tecnologia muito desenvolvida), nas sociedades industriais são sobretudo ins71 O canto da matemática trumentais. Em todos os problemas estão presentes as duas tendências: Lavar loiça: a solução pode ser uma mudança de rituais de mesa, ou a compra duma maquina de lavar loiça. Formação: a solução para um problema ou consiste em melhorar a comunicação e a motivação, ou em introduzir maquinas de ensino aperfeiçoadas. Problemas internos e problemas externos Cada entidade económica tem problemas para segurar o seu funcionamento para resolver. Numa turma cooperativa temos problemas de organização. Cada entidade económica tem que justificar a sua existência resolvendo os problemas dos seus clientes. Em linguagem económica, os primeiros problemas são problemas que recorrem a métodos, os segundos têm a ver com produtos. Problemas simples e problemas complexos Há problemas muito simples, pendente de só algumas variáveis, rapidamente encontradas e expressas. Estas variáveis são quantitativas e técnicas ou qualitativas e afectivas. Há do outro lado, problemas complexos nos quais é preciso tomar em conta muitos dados quantitativas e qualitativas. 72 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro No segundo tipo passar-se-á muito tempo a analisar. As ideias que saem daí serão boas não tanto por proporem soluções originais, mas por tomarem em consideração todos os dados. Problemas novos e problemas antigos Problemas antigos retomam o que outros já trabalharam e tentam propor soluções parecidas ou melhores. Problemas novos, são problemas onde se cria de raiz uma proposta de solução. Aqui poderão ser posto em campo várias técnicas para verificação de hipóteses. Problemas de causas e problemas de finalidade Problemas de causas só podem ser resolvidos, subindo às causas, tentando eliminá-las. Problemas de finalidade, são resolvidos na medida que encontramos uma resposta para a finalidade que nos propomos, construindo uma solução de raíz. Problemas permanentes e problemas pontuais Problemas pontuais desaparecem depois de resolvidos. Problemas permanentes nunca são completamente resolvidos o que implica requestionamento constante, em níveis diferentes ou em momentos diferentes. Problemas mono-solução e problemas pluri-solução Problemas mono-solução, são problemas onde se opta por uma solução embora existindo várias: as soluções eliminam as outras. 73 O canto da matemática (Cuidado com os falsos problemas: escolha dum determinado material por exemplo) Problemas pluri-solução são caracterizados pelo facto de uma solução só melhorar parcialmente a situação, mas muitas soluções resolverem melhor a situação, conforme uma curva assimptótica. Problemas estruturados e problemas confusos Por um lado temos problemas dos quais os parâmetros são medíveis e dos quais é possível definir com precisão o resultado. Mais os dados são quantificáveis, mais se aproximam de problemas da categoria B. (por exemplo: organização de horários numa escola) Em princípio a investigação operacional resolve o problema, embora tem que se ter em conta os elementos emocionais que esta técnica normalmente não põe em linha de conta. Por outro lado, estão os problemas confusos, nos quais os dados subjectivos, afectivos são dominantes. Por exemplo: como resolver um conflito entre uma criança e os seus colegas São os problemas mais difíceis, onde a tentação de tomar em consideração dados quantificáveis é grande: são mais sedutores, pode se brincar com ratios e series,... Muitas vezes, os dados mais importantes não são quantificáveis. Problemas flutuantes e problemas clausurados Nenhum problema é independente. Todos eles estão metidos num conjunto, como uma pedra numa parede. (Teoria de sistemas). Exemplos de arborização. 74 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro A arborização mostra os problemas envolventes e os envolvidos. Pode ser útil ver o conjunto de problemas antes de pegar no problema, para definir em que situação está o problema: Clausurado, em que há pouco espaço de manobra: Sabendo como é a família, o emprego, a escola, o habitat, como encarar os problemas de delinquência juvenil; Flutuante, permitindo que se vai para os níveis superiores, a partir do problema: À partir do problema da delinquência juvenil, repensar a escola e as interligações com a família, o habitat e as saídas profissionais. Problemas verdadeiros e falsos problemas O problema do abre-latas é um falso problema, se não se compra latas de conservas. Podemos falar de problemas aparentes e subjacentes. Por exemplo: O problema que os alunos não se interessem no que se passa na sala. Problema aparente: como captar a atenção dos alunos? Problema subjacente: será que o que lhes é pedido pode lhes interessar? O problema inverso “O que faço com...”? Em vez da pergunta “como fazer para que...?”, fazer a pergunta “o que posso fazer com?” Este tipo de pergunta pode ser muito útil no canto de experiências. 75 O canto da matemática Máquinas que permitam raciocínios. Munido duma máquina de calcular, ou de uma folha de cálculo, podemos motivar os alunos para investigar algumas series interessantes, e estimulá-los para descobrir series novos. Mas também é possível fazer alguma “magia” com a maquina de calcular: 1. O truque do 1001. Escrever numa calculadora um número qq de 3 algarismos. Repetir para obter um nº de 6 algarismos. Dividir o nº por 13. A seguir dividir o resultado por 11. Por fim, dividir por 7. Qual é o número? O inicial (porque 1001 = 7 x 11 x 13) 2. Padrões de teclas. –escolher um par de números e subtrair. (vertical, horizontal, diagonal) –escolher um triplo de números e subtrair. (vertical e horizontalmente) 3. Investigar padrões numéricos. 76 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro 1 1 2 1 3 3 2 1 6 4 3 2 1 10 5 4 3 2 1 15 5 4 3 2 1 21 1 1 3 1 4 6 3 1 10 10 6 3 1 20 15 10 6 3 1 35 21 15 10 6 3 1 56 6 13 1 1 2 1 1 3 2 1 1 5 3 2 1 1 8 5 3 2 1 1 8 5 3 2 1 1 4. Controlar: 1. Os números quadrados são resultado de somas de números ímpares. 77 O canto da matemática 1+3= 4 1+3+5= 9 1 + 3 + 5 + 7 = 16 1 + 3 + 5 + 7 + 9 = 25 1 + 3 + 5 + 7 + 9 + 11 = 36 2. É possível gerar equilíbrios ção dos números naturais. 1+2 = 4+5+6 = 9 + 10 + 11 + 12 = 16 + 17 + 18 + 19 + 20 = sucessivos, utilizando a ordena3 7+8 13 + 14 + 15 21 + 22 + 23 + 24 Será que sempre começa com o próximo número quadrado? (25, 49, 64) Porquê ? Sempre? 3. Poucas teclas. –Tentar escrever os números de 1 até 50 utilizando só o 4 e o 6 e as teclas + - x. Notar as descobertas. Tentar utilizar o menos teclas que possível. –Tentar escrever os números de 1 até 100, utilizando somente e sempre os 4 algarismos que formam a data do ano em combinação com as teclas +, -, x, ÷, /. 4. O maior número Qual é o maior produto possível utilizando 1, 2, 3, 4, 5, 6 uma vez cada um. (631 x 542) Pistas com outros números - trabalhar os extremos. 78 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro 5. Calcular médias O que acontece se todos querem ganhar acima da média. Como é que posso aumentar uma média. Várias formas? Controlar. 6. Números de granizo. Gerados de maneira simples: pensar num número: se ímpar, triplicar e acrescentar 1; se par, reduzir para metade. Utilizando estas regras, obtém-se depois de algum tempo (dependente do número, a série 142142142... Experimentar se sempre se cai para este ciclo. Como evitar fazer todos os números? 7. Quadrado de Euler (ver página seguinte) 79 O canto da matemática 1 48 31 50 33 16 63 18 260 30 51 46 3 62 19 14 35 260 47 2 49 32 15 34 17 64 260 52 29 4 45 20 61 36 13 260 5 44 25 56 9 40 21 60 260 28 53 8 41 24 57 12 37 260 43 6 55 26 39 10 59 22 260 54 27 42 7 58 23 38 11 260 260 260 260 260 260 260 260 260 282 Fichas de trabalho Existem imensos ficheiros de trabalho com propostas de pesquisa e de treino matemático. As associações de professores de matemática dispõem de material muito interessante a este respeito. Vários editores de divulgação científica também dispõem de material interessante. 80 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro As fichas aqui incluídas a título ilustrativo têm a particularidade de estarem focadas sobre a própria turma de algumas das participantes nos círculos de estudo ou terem servido de base para trocas de experiências entre os participantes. O conteúdo matemático não difere do que se pode encontrar em ficheiros comercializados. Ficha 1. À volta da União Europeia Objectivos Recolher dados e organizá-los de forma pessoal, recorrendo a diferentes tipos de representação Conteúdo Inventar e utilizar esquemas Construir e utilizar tabelas Estabelecer relações entre os números e ir acedendo gradualmente à estrutura lógica do sistema decimal. Fazer estimativas que irão contribuir para que a criança se torna crítica relativamente aos resultados dos cálculos obtidos, utilizando algoritmos ou máquinas de calcular. Tempo de execução 1 trimestre Descrição: Aproveitando dum trabalho de pesquisa sobre a população no Mercado Comum e a presença dum amigo da professora em Es81 O canto da matemática cócia, os alunos duma 4ª classe põem em gráfico dados referente ao dia a dia para poderem fazer comparações e interpretações. Turma: 4º ano de escolaridade. Ficha 2: Porque é que vivemos aqui? Objectivos Manifestar curiosidade e gosto pela exploração e resolução de problemas simples do universo familiar. Recolher dados simples e organizá-los de forma pessoal recorrendo a diferentes tipos de representação. Conteúdo Construção de grelhas e tabelas de duas entradas a partir de dados recolhidos. Inquérito aos pais para perceber porque moram em Queluz. Classificar dados. Explorar a numeração. Tempo de execução Um trimestre Descrição Trata-se dum trabalho de investigação para os alunos perceber a sua história pessoal e a história colectiva da sala. 82 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Neste trabalho alguns instrumentos matemáticos são explorados mais aprofundadamente para ajudar a esclarecer a discussão a volta da interpretação de dados. Turma 3º ano de escolaridade Ficha 3: Arroz doce Objectivos Efectuar medições, escolhendo instrumentos adequados, para resolver problemas simples da vida corrente. Conteúdo Analise de custo de matéria prima por unidade vendida Tempo de duração 2 semanas Descrição Para finalizar um trabalho de estudo do meio (integrado no projecto escola), a turma prepara arroz doce para os colegas das salas a volta. Após do levantamento de preços, é calculado o custo de cada uma das taças. Turma 1º ano de escolaridade 83 O canto da matemática Ficha 4: Á volta das tabuadas. Objectivos Desenvolver estratégias pessoais de resolução de problemas e assumir progressivamente uma atitude crítica perante resultados. Explicar e confrontar as suas ideias com as dos companheiros, justificar as suas opiniões e descrever processos utilizados na realização de actividades. Conteúdo Abordagem diversificada das tabuadas de pitagoras sob forma de tabela de duas entradas, para analisar conceitos de números quadrados e rectangulares. Estudo de simetrias (valor). Abordagem diversificada da tabela estruturante da representação decimal posicional dos números. Estudo de padrões na estrutura da numeração decimal posicional. Estudo de simetrias (representação). Tempo de execução 4 semanas Descrição A partir duma discussão e análise prévia, no círculo de estudo, foram apresentadas duas folhas aos alunos de diversas turmas de professoras participantes no círculo de estudos, uma com as tabu84 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro as de pitagoras sob forma de tabela, outra com a representação organizada dos números de 1 até 99, com a provocação de "descobrir padrões" Esta ficha apresenta algumas observações recolhidas com professores sobre a interpretação da visão que os seus alunos têm "da tabuada" e sobre a sua própria visão relativamente à tabuada. Representa também as descobertas de alunos de várias turmas. Turma 2º, 3º, 4º ano de escolaridade 85 Elementos de discussão Comentários no colectivo Este texto é resultado duma montagem de vários discussões de grupo realizados depois da troca de experiências a partir de com propostas de trabalho1. - Muitas vezes sinto que estou aquém de o que a exploração em matemática pode levar de conhecimentos às crianças. o grupo permitiu me uma adquisição mais aprofundada para a minha bagagem em matemática. A análise dos percursos de trabalho foram úteis para mim. - É de facto importante termos pistas de desenvolvimento de actividades. Neste sentido os níveis de troca e de interacção foram importantes neste grupo, dando a possibilidade para continuar a refletir em conjunto com este ou outro grupo. Penso que mesmo com pessoas com outra perspectiva pedagógica, ou sobretudo com eles, é preciso saber muito bem o que é preciso treinar. Isto 1 Como as fichas ilustrativas inseridas no capítulo anterior. 87 Elementos de discussão é delicado, porque nós sabemos que a mecanização faz muitas vezes perder ou regredir na compreensão. - Mecanisar a divisão, por exemplo, faz perder a "graça" da divisão. Quando estamos num processo de mecanizar, não estamos interessados em desafiar, mas em passar informação duma forma pre-concebida. - Neste sentido, o trabalho com diagramas de Venn, em que cada ponto do conjunto representa um determinado elemento relacionado com os outros pela definição do conjunto, permite uma visualização diferente dos divisores dum número e da relação entre divisores de vários números. - As pessoas que percebem tanto de matemática, muitas vezes, não partilham ou não convidam a partilhar as angustias. Em vez de facilitar, as vezes aprofundam o bloqueio dos outros, perante a dificuldade de interpretação que elas sintam. - Partindo do princípio que apostamos numa pedagogia de contracto negociado com os alunos, é necessário estarmos suficientemente a vontade para dirigir a negociação. Isto implica uma cultura geral vasta, que muitas vezes nos falta na área da matemática. Nós vemos pouco trabalho de matemática a ser apresentado tendo por base esta pedagogia. Não se pode dizer que isto é só porque existem medos a volta da matemática. Se existem medos, teremos que procurar colmatá-los. - Mas o que fazer então? Pegar em livros e compará-los, procurar o que nos parece melhor? Será que nós investigamos? Ou limitamo-nos a procurar um caminho -eventualmente diferente - 88 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro para chegar "la"? Abrimos caminhos, ou delineamos pistas para abrir caminhos? - A aprendizagem não se faz linearmente. Sabemos isto. O programa aponta para uma aprendizagem em que as crianças voltam para o que já interiorizaram, numa perspectiva de voltar a aprofundar, de contextualizar e conceptualizar em função da sua crescente percepção das coisas. Para isso é importante tornar colectivo o trabalho individual. Assim, as dúvidas, as certezas também, saltam para fora e permitam uma nova abordagem, uma nova consciencialização. - Mas quando falamos do programa, do que é que falamos? Do texto escrito, ou da nossa interpretação? Ou da interpretação de outros? Penso que falamos normalmente a partir duma interpretação. A interpretação dada pelos manuais mais fáceis de utilização, isto é, por aqueles manuais que apresentam conteúdos como objectivos, não coincide com esta abordagem recursiva. Perceber caminhos para a investigação e a descoberta da matemática, passa portanto também, pela desmontagem do programa, até para vermos mais claro as questões que nos pomos a nos próprios. - A reflexão individual e colectiva é necessária, importante. Acredito no crescimento pela reflexão. Reflexão pela muita ansiedade. Mas então é necessário desenvolver o grupo de trabalho. Tenho que, de certa forma, minimalizar o que eu faço, não no sentido de me minimalizar, mas no sentido de evitar que o que eu faço me apareça como a tendência de evolução que posso imprimir ao grupo com quem trabalho. 89 Elementos de discussão - Isto leva nos também a analisar a força do poder. O poder que tenho como adulto, neste grupo de crianças2. - Se caminho sozinho, mesmo se eu ultrapasso determinadas angustias, posso ser levado a considerar este caminho como o mais certo para ajudar outros a ultrapassar as suas angústias. - Mas então, estamos mais virados para a descoberta das coisas. E que margem de manobra é que temos. Como é que podemos gerir o interesse e conciliá-lo com a tendência a normalização. Para o dizer duma forma um pouco caricata: a ficha na mão do aluno, que eu faço a partir do seu interesse, não é simplesmente uma outra normalização que tento evitar quando não recorro a determinados manuais escolares? - Podemos até ir um pouco mais longe. Substituir manuais e fichas em papel por jogos de computador e maquinas de calcular, não altera nada a normalização que impomos. Podemos afirmar que restringimos o campo de aprendizagem das crianças da mesma forma mas com outros meios, pensando que eles são potencialmente mais motivadores. Com o risco acrescido que não se favorece necessariamente a memorização necessária. - Aqui temos também de assentar o que entendemos pela normalização. A escola tem por definição um papel de normalização. 2 É bom não misturar os papeis. O professor garante a execução dum programa. Na escola pública ele é pago para o fazer e controlado para ver se o faz. O professor não tem o direito de negar este poder instituído pelo Estado. É exactamente este poder que tem – legitimamente – que o permite optar por negociar com as crianças como se dará resposta à demanda. 90 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Porém, esta normalização deveria exclusivamente contemplar os instrumentos que permitam percebermos melhor do que é que cada um está a falar. As regras de sintaxe, a ortografia, a organização dum discurso, são normas que tornam a comunicação possível. Na matemática também existem regras. Há evoluções nelas, como em todas as regras, mas globalmente permitenos perceber a lógica do pensamento subjacente a uma proposta de resolução de problema. Estas normas tem uma história, como o próprio papel normalizante da escola tem a sua história. Aprender as normas é portanto condição. Conhecer história das normas ajuda para reflectir sobre elas, para propor alterações de regras, mas também para estabelecer os patamares de entendimento. Só assim, conseguimos definir para nós o que é herança cultural útil na nossa pesquisa individual de percepção do mundo e o que são hipóteses de trabalho ou de pesquisa actualmente aceitas num grupo (no sentido stricto ou lato) sobre esta mesma percepção. - A pergunta do aluno "Porque é que o símbolo 7 representa o número 7" tem outra abordagem do que a pergunta "Para que serve o cálculo duma média" ou ainda da pergunta "Porque é que a água congela a 0 grãos Celcius". Para já é preciso analisar a formulação da pergunta, para ver se de uma pergunta se trata ou se de uma percepção incompleta ou errada (no sentido da percepção da informação). De seguida é preciso distinguir a normalização introduzida que nos pode fazer afirmar determinado facto no seu contexto relativo. 91 Elementos de discussão - Ainda teremos que fazer outra análise, de observações como "para o cálculo mental é preciso conhecer a tabuada" ou "com uma maquina de calcular as crianças deixam de saber fazer contas". Tal como um enunciado cientifico, deve ser falsificável ou falível, pelo menos em princípio, como afirma Karl Popper, também a didáctica da matemática é não mais do que uma hipótese de trabalho, resultado de observação e teorização de processos de aprendizagem. - Mas então, que segurança é que temos no acto de ensinar? Qual é o suporte que podemos utilizar? Se corremos o risco de normalizar o processo de aprendizagem, de normalizar a forma como queremos que as crianças aprendam, talvez cortamos a necessária dose de criatividade para que elas próprias consigam reformular o que sabem, no sentido de conceptualizar melhor a sua realidade e a percepção dela. - A realidade mas também o imaginário: a escrita cria a sua própria realidade. Da mesma forma a matemática modela realidades lógicas parecidas ou diferentes da realidade que nós percebemos como real. Não impede que a aritmética ajuda para fazer modelações e que convém utilizar – bem – as suas regras e as suas imposições axiomáticas. - De qualquer forma, não nos podemos esquecer que quando falamos de descoberta e de criatividade por parte dos nossos alunos, estamos a falar de descobertas relativas: são descobertas para eles. Eles re-descobrem e reformulam o que outros já descobriram. É muito difícil de se aperceber o que é genuíno e o que faz parte do processo normal da interiorização da nossa he92 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro rança cultural. E mesmo esta herança, não pode ser considerada absoluta. Até abdicar da visão geocêntrica e depois heliocêntrica do universo, esta hipótese fazia parte da herança cultural e era passada às novas gerações. Não se podia prever quando e como esta teoria se ia mostrar falida. Só se pode considerar que a criatividade e a observação genuína - mesmo a partir de teorias transmitidas como sendo verdadeiras - de pessoas fez nos alterar a norma até aí considerada como correcto, quando a cultura ocidental considerava o universo. E as biografias de algumas das pessoas que pensavam de forma diferente acerca da “verdade das coisas” demonstra-nos como foi difícil aceitar a mudança de visão. Acontece que a normalização aceita não é aceita sem contexto. É normalizada, porque se enquadra dentro duma percepção mais lata dos fenómenos, em que, na melhor das tradições gregas, a matemática corresponde à realidade descrita. A única coisa que poderíamos esperar é que avançamos já um pouco, que já estamos mais capazes de prever o que é oculto, mesmo se não sabemos que oculto é este. - E são as dúvidas que gerem as aprendizagens no grupo. Na sala de aulas torna se bem claro que enunciados muito precisos se tornam também muito limitativos. Então utiliza-se o enunciado para delinear um caminho de resolução e perde se a necessidade de análise para encontrar uma estratégia que leva a uma resposta - que pode ser provisória - ao enunciado. 93 Elementos de discussão Estamos perante uma situação difícil. O que parece ser verdade e linear, não o é; na maioria das vezes, quando tentamos montar um raciocínio matemático com os alunos, não fazemos mais do que instruir uma técnica linear, que na melhor dos hipóteses será um instrumento de trabalho. Ainda frequentemente, reduz-se a matemática na escola primária à aritmética e a aritmética a contas de mercearia. Mas também é complicado abdicar desta forma de actuar confortável na abordagem da matemática - ou da interpretação que dela fazemos. A desmontagem da nossa actuação como professor coloca-nos em situações difíceis. Um exemplo: a volta da tabuada Objectivos Desenvolver estratégias pessoais de resolução de problemas e assumir progressivamente uma atitude crítica perante resultados. Explicar e confrontar as suas ideias com as dos companheiros, justificar as suas opiniões e descrever processos utilizados na realização de actividades. Conteúdo Abordagem diversificada das tabuadas de pitagoras sob forma de tabela de duas entradas, para analisar conceitos de números quadrados e rectangulares. Estudo de simetrias (valor). 94 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Abordagem diversificada da tabela estruturante da representação decimal posicional dos números. Estudo de padrões na estrutura da numeração decimal posicional. Estudo de simetrias (representação). Descrição. A partir duma discussão e análise prévia, no círculo de estudo, foram apresentadas duas folhas aos alunos de diversas turmas de professoras participantes no círculo de estudos, uma com as tabuas de pitagoras sob forma de tabela, outra com a “casa dos números”, uma representação organizada dos números de 1 até 99, em filas de 10, com a provocação de "descobrir padrões" Seguem algumas observações recolhidas com professores sobre a interpretação da visão que os seus alunos têm "da tabuada" e sobre a sua própria visão relativamente à tabuada. Representa também as descobertas de alunos de várias turmas. Segundo o meu ponto de vista, para as crianças a tabuada é... –uma grelha com conhecimentos que a escola "obriga a decorar. Muitas vezes foi mais ou menos concretizada, mas dificilmente compreendido. –uma chatice, quando têm de a decorar, não quando a têm de aprender. –difícil de memorizar, pois ainda não conseguem ver que é necessária para resolver situações do dia a dia. –uma fonte de desmotivação e conflitos. 95 Elementos de discussão –uma coisa sem grande sentido, que não lhes diz nade, e é tão difícil que não a conseguem memorizar tal e qual como o seu professor o desejava. –uma construção constante de situações concretas, que a pouco e pouco se consolidou e se sistematizou. –uma chatice, situações abstractas. –um bicho de 7 cabeças. –monótono e sem interesse. –uma "coisa" que se tem que aprender. –complicada mas obrigatória. –um bicho de sete cabeças, uma coisa aborrecida na escola que a professora anda sempre a perguntar, números que se precisam saber para acertar as contas. –fazer muitos conjuntos. –decorar uma serie de sequências de números. –difícil de memorizar se não for devidamente concretizada. –um aborrecimento, porque a têm de decorar. –a tabuada é aborrecida. –um recurso, meio, para ... –um meio mais fácil de resolver raciocínios. –uma tábua que elas consultam quando precisam. –"chata" porque não passa de uma memorização. –uma chatice, ter que a saber seja de maneira for, se não souberem hoje, levam para estudar amanhã e é assim sempre até a saberem bem. –um suplício, um quebra-cabeças. 96 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro –uma coisa aborrecida que têm que decorar para fazer as contas mais depressa. –um conjunto de regras complicado que se tem que saber. –uma chatice. –complicada, abstracta. –difícil de meter na cabeça. –na maior parte dos casos uma "chatice" que não entendem. –um grande sacrifício, uma grande maçada, uma grande dificuldade. –"a tabuada". Para mim a tabuada é –uma forma de atingir alguns objectivos como sejam a aprendizagem de operações. E é sobretudo um meio para o qual ainda não encontrei outra solução. Concretizo ao máximo, tenho a noção que nem sempre é conseguido. –é um jogo engraçado. –é uma norma que uso diariamente. –algo que se aprende com tempo e de forma funcional. –uma maneira difícil de realizar algumas operações. Também me foi muito difícil memorizá-la em criança, e, por vezes, ainda me esqueço dela. –isso mesmo, porque tento passar-lhes a mensagem. –tento passar essa mensagem. –difícil de ser entendida por crianças pequenas. –complicada, com grande aplicação prática mas sem ser prática. –o ponto de partida para a resolução de muitas operações. 97 Elementos de discussão –um bom exercício de memorização mas de difícil motivação. –o que fui obrigada a memorizar sem saber porquê quando andava na ex-escola primária. (só compreendi quando aprendi os sistemas de computadores. –gira e divertida. –um conjunto de números a introduzir na cabeça das crianças que por vezes é muito difícil. –Um ponto do programa fácil de dar. –um auxiliar para resolver operações. –útil e necessária. –mais uma área/questão a viver naturalmente na turma. –menos fundamental –um violência se tiver que ser memorizada; um mal necessário quando consultada. –algo indispensável e "absolutamente" necessário para melhor resolver situações problemáticas. –uma necessidade para se efectuarem as várias situações problemáticas. –um ter que dar o que me não foi dado a mim, dado que a mesma nunca me foi explicada. –uma aprendizagem que tem que ser consciente para que em qualquer situação a pessoa possa ou tenha os seus próprios meios de conseguir o melhor resultado. –uma organização e sistematização de cálculo. –indispensável. –difícil de explicar. 98 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro –não é so para meter na cabeça, mas para compreender. Deve estar afixada na parede. Não deve ser exigido que se meta na cabeça como prioridade principal. –a facilidade de calcular somas de parcelas iguais ou realizar rapidamente cálculos que seriam demorados. –um pouco a base, mas é preciso que seja trabalhada sem a antiga ideia de "saber de cor e salteada" com a música toda. –uma cantiga resultante de exercício de formação de conjuntos com um número de elementos igual, transmorados ou representados, mais própriamente, por somas sucessivas de parcelas iguais e posteriormente representada por multiplicações. A tabuada depois da formação Professora 1 Dei-lhes a Tábua de Pitágoras não com a intenção de aprender qualquer conteúdo nem treinar nenhum aspecto, mas com o objectivo de analisar simplesmente, o que ainda eram capazes de descobrir ou redescobrir naquele instrumento. A proposta de trabalho consistiu na procura de descobertas, a meias, do máximo de coisas. Verifiquei contudo, que pouco mais apresentaram do que as coisas que a escola lhes tinha dado: a tabuada, a contagem (por ordem crescente e decrescente de 1 em 1, de 2 em 2, ...), os números pares e os números ímpares, os múltiplos, os números decimais... 99 Elementos de discussão Penso ter sido importante para a tal redescoberta das relações entre os números, com base em aprendizagem já feitas, mas em termos de investigação matemática, no sentido de avançarem para caminhos desconhecidos ou levantarem questões que pudessem levar a uma pesquisa mais funda, não o fizeram. O tipo de análise que prevaleceu foi uma análise linear e exclusiva, ou seja, não resolveram, na maior parte dos casos, as intersecções que acontecem. De modo geral não fizeram uma análise exaustiva mas pareceume terem gozo no trabalho. Professora 2 Segue o registo das descobertas dos meus alunos dum 2 º ano de escolaridade, depois de lhes deixar explorar a grelha que representa as tabuadas: –Para frente é somar, para tràs é diminuir (Patrícia) –Para baixo é por ordem crescente, e para cima é por ordem decrescente, e para a direita e para a esquerda é a mesma coisa (Nuno) –Como os números são de 6 em 6, 6 + 18 = 24 (Maria) –Descobri números de 5 em 5, de 6 em 6, 7 em 7, até 10 (Helder) –Posso traçar muitos quadrados (António) –Da esquerda para a direita é sempre a crescer, ao contrário é sempre a diminuir. Os números na 2ª fila são de 2 em 2. Na 3ª fila são de 3 em 3. Da direita para esquerda é de - 2, e - 3. Os números na última fila vertical são de 10 em 10, até 100. Para cima é menos 10. (Grupo Margerete, Helena, Carina, Délvio). 100 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro –Descobri que 1 + 1 + 1 + 1 está na horizontal e na vertical nas 1as filas. Nas últimas filas vertical e horizontal é sempre + 10. –Descobri multiplicações pelo 10 e pelo 1 (Cátia). –Descobri somar sempre 3 (Maria). –Descobri multiplicações até o 10 (muitos) –As filas na horizontal são sempre de 1 em 1 de 2 em 2 até de 10 em 10. Nas últimas filas horizontal e vertical é sempre - 10 (António). –Os números numa diagonal repetem-se 2 a 2 (Alexandre). –Descobri algumas somas que dão 100 (Samuel) Professora 3 As descobertas dos meus alunos dum 3º ano de escolaridade, depois de observar a grelha de representação das tabuadas: –Os números sempre em fila até ao 100 (Zé Manel) –Há duas maneiras de chegar ao 100 (Marco) –Os números estão na horizontal e na vertical. Da direita para a esquerda e de baixo para cima é a diminuir. Na diagonal também se podem descobrir somas (José Nuno) –Na primeira coluna, contagem de 1 em 1 –Na segunda coluna, contagem de 2 em 2 –Na terceira coluna, contagem de 3 em 3 (Miriam) –Também descobrimos a multiplicação (Maria Manuel) –O 10 aparece 4 vezes (Paulo) –Lurdes, a gente mete 10 x 10 = 100 (João) –Olhando a 1ª coluna na vertical e a 1ª coluna na horizontal, fa101 Elementos de discussão zendo a multiplicação por 10, descobrimos 20 - 30 - 40 - 50 - 60 70 - 80 - 90 - 100 (Carlos). –Na coluna de 100 a 10 diminui de 10 para a esquerda diminiu. –Na coluna de esquerda aumenta para baixo e na horizontal também aumenta. –Alguns números aparecem 4 vezes. –O número mais pequeno que aparece 4 vezes é o 6. A seguir, o 8, 10, 12, 18, 20, 24, 30, 40. –O 1 e o 100 só aparecem uma vez. –Se é sempre de 10 em 10, não são duas maneiras, apenas uma, só que em posições diferentes. 1 para 4 aumenta 3 4 para 9 aumenta 5 9 para 16 aumenta 7 16 para 25 aumenta 9 25 para 36 aumenta 11 36 para 49 aumenta 13 49 para 64 aumenta 15 64 para 81 aumenta 17 81 para 100 aumenta 19 –Na diagonal a diferença do resultado aumenta sempre (André Pedro) Quando perguntei o que eles acharam daquele trabalho, tive entre outras respostas: –Brincamos, aprendendo. E bom crincar com os números, é divertido. –É importante na contagem crescente e decrescente. 102 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro –Isto é bom! Ajuda as pessoas a fazer contas. –Se calhar, as pessoas da idade da Lurdes nunca tiveram uma casa destas. –Foi divertido. –Fizemos coisas novas. Professora 4 As descobertas na "Casa dos Números" e nas "Tabuas de Pitágoras", foi um trabalho que decorreu na sala de aula (4º ano). Entreguei-lhes a folha e pedi que observassem, tentassem fazer descobertas e as registassem. Poderiam tentar sozinhas ou com os colegas. Apercebi-me de que tentaram descobrir sozinhos e comentavam depois com os colegas, porque me diziam: –Descobri o mesmo que o (a)..., porque calhou. No final as descobertas foram apresentadas à turma. Um comentário pessoal Ingressei neste círculo com a expectativa de, trocando impressões com elementos do grupo, poder tornar as minhas aulas mais experimentais e aliciantes para os meus alunos. A variedade das propostas apresentadas para as quais se procurou sempre encontrar novas respostas e caminhos foi de encontro a esta expectativa. 103 Elementos de discussão Dei me conta de que é possível dar mais espaço aos alunos apra as suas descobertas e que delas eles obtém melhores resultados de aprendizagem. O momento tardio (em relação ao ano lectivo) em que este círculo decorreu não deu todas as possibilidades de experimentação que teriam sido possíveis noutra altura. Cada um (e eu, nomeadamente) teve de tentar levar até ao fim um trabalho que já havia iniciado e que se propôs desenvolver. Das trocas de impressões que se foram realizando ficaram um abrir de novas perspectivas quem num próximo ano não deixarei de desenvolver com os meus alunos. Pelo meu lado, levava a ideia de explorar matematicamente assuntos ligados ao estudo da terra em que vivemos (Queluz). Ao fazer o estudo da família apercebemo-nos que os pais dos alunos não eram de Queluz. Então iniciei o estudo da localidade organizando com eles um inquérito aos pais. Das várias questões elaboradas escolhemos duas: 1. Porque não vives na tua terra. 2. Porque vives em Queluz Feito o inquérito elaborámos dois cartazes com as várias respostas e fizemos a sua classificação baseados nas razões apresentadas. Algumas não estavam muito explicitas para pertencer a um ou outro critério, mas com as explicações dadas pelo entrevistador fizemos as seguintes classificações: Pergunta 1. 104 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Terra sem condições Terra em guerra 3 Estudos 7 Trabalho em falta 10 Vontade dos pais 5 Casamento 1 4 Pergunta 2 Casa 18 Casamento 2 Gostarem da terra 8 Trabalho 5 Terminada esta classificação os alunos foram solicitados a fazer um relato escrito sobre as conclusões e a levantar questões e a fazer descobertas sobre o assunto, procurando em primeiro lugar fazer grelhas com os resultados encontrados. Houve grelhas feitas com várias diferenças, desde a organização, ao espaço ocupado, às cores utilizadas. As questões levantadas prenderem-se na sua generalidade a situações problemáticas. Exemplo: –Quantos pais não vivem na sua terra, por causa do trabalho e do casamento? –Os números somados, quanto dão? –Um grupo de alunos analisou a sua grelha feita com os 4 itens, lado a lado, em função do aspecto gráfico: –Se juntarmos os algarismos (18285) dá dezoito mil duzentos e 105 Elementos de discussão oitenta e cinco. –A grelha tem 6 cores e 4 números –A grelha tem 10 rectângulos. Um grupo perguntava: "Sabes fazer de outra maneira a grelha?" Procurando que o grupo desse resposta a esta questão, transformamos a grelha do item 2 em gráfico de barras. Uns alunos fizeram as 4 barras todas separadas e nenhum levou os eixos. Depois de olharmos os gráficos, perguntei qual deles era demais fácil leitura e concluiu-se que era aquele que tinha a barras alinhadas. Voltaram a fazer alinhando as barras, mas uns alinharam de cima para baixo e outro de baixo para cima. Duas alunas acham melhor alinhar de cima para baixo. Sinto que preciso de fazer mais gráficos de barras com os alunos e acho que devo, a seguir, apresentar-lhes gráficos de barras, de várias formas para eles analisarem e tentar fazer outro com as distâncias das terras dos pais a Queluz, que entretanto formam marcados num mapa de Portugal por eles construído e num outro com as suas alturas. (M.J.Ó) 106 Discussões úteis O que é notório em relatos de situações vividas é a simplicidade com que surgem as perguntas entre as crianças. Mas esta simplicidade tem uma organização extremamente complexa subjacente: é porque são criados mecanismos que permitam a palavra livre, isto é, é porque existem na sala os meios montados que permitam a troca de ideias, que criamos mecanismos de problematização. Assim torna-se possível estimular dois tipos de pensamento essenciais para desenvolver o raciocínio científico: o pensamento imaginativo e a análise rigorosa. É uma ideia tão simples, que alias, por ser tão óbvia, também é referida pelo National Council of Teachers of Mathematics nas normas que esta organização considera básicas para o currículo de matemática para o nível pré-escolar até quarto ano de escolaridade. Assim, podemos ler1: 1 National Council of Teachers of Mathematics, “Normas para o Currículo e a Avaliação em Matemática” , 1989, Trad. 1991 ed. portuguesa: APM em colaboração com IIE 107 Discussões úteis conexões matemáticas. Nos anos de escolaridade K-4, o estudo da Matemática deve proporcionar oportunidades para estabelecer conexões, de tal forma que os alunos –estabeleçam conexões entre o conhecimento conceptual e o conhecimento processual; –usem a matemática na vida quotidiana. –[...] Incidência Principal Muitas vezes, as crianças acreditam que a matemática é um exercício académico que só ocorre nas escolas, enquanto que resolver problemas fora da escola é uma coisa diferente. Muitas pensam que certas actividades "não são" matemática, como por exemplo: explorar o significado de um terço, ao repartir um jarro de leite igualmente por três pessoas, contar no mostrador do relógio quanto tempo falta para ir para casa de um amigo; Os alunos têm de ver como e quando a matemática pode ser usada, em lugar de a apreenderem com a promessa de que um dia lhes será útil.2 1. Rigor na problematização A problematização duma situação concreta pode levar a raciocínios bicudos. Observamos os prédios de habitação social num bairro qualquer. Trata-se de fachadas rectangulares com uma distribuição uniforme de janelas por andar, na maioria dos casos. 2 Ver a este propósito o Programa do 1º ciclo do ensino básico, MEDGEBS, 1990, p.129 108 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Supondo que temos 6 andares de 4 janelas/andar, multiplicamos estas 4 janelas/andar por 6 andares o que nos dá 24 janelas (“andares” desaparece por que na operação temos andar x 1/andar). Enquanto nas operações, normalmente o operador segue o valor sobre o qual opere, na multiplicação, lemos normalmente o operador em primeiro lugar (lembram-se as “cantigas” de tabuada). A expressão 6 x 4 refere-se correntemente à 4 multiplicado por 63 e não a 6 multiplicado por quatro. Quando montamos o algoritmo das operações básicas, o operador vem por baixo (+, -, x) ou ao lado direito (√, :, /, xn). A transcrição será então: 4 janelas x 6 andares por andar ou 4 janelas por andar x 6 andares ou 4x6 Claro que é mais fácil dizer 6 vezes 4 e exprimi-lo 6 x 4. Só teremos que nos lembrar que neste caso estamos a referir o operador em primeiro lugar e que a frase completa seria qualquer coisa como "6 andares vezes 4 janelas por andar" É esta abstracção que o material Cuisenaire simboliza, quando substituir os tapetes de multiplicação por réguas cruzadas. 3 O que de facto simbolizamos aqui é uma soma continua: 4 janelas do 1º andar + 4 janelas do 2º andar + 4 janelas do 3º andar + 4 janelas do 4º andar + 4 janelas do 5º andar + 4 janelas do 6º andar ou seja 6 vezes 4 janelas / 4 janelas multiplicado por 6. 109 Discussões úteis Trata-se de perceber o que estamos a problematizar. Não é totalmente a mesma coisa falar de janelas dum andar, ou de janelas uma em cima da outra. A propriedade comutativa da multiplicação facilita o cálculo. Se temos 34 andares de 4 janelas, poderemos dizer que temos 4 janelas/andar multiplicado por 34 andares, e montar o algoritmo 4 x34 mas será mais económico calcular como 34 x4 A importância do rigor na formulação tem na maior parte das situações no primeiro ciclo, sobretudo a ver com o treino da explicitação quando se problematiza. Parece-me menos importante discutir como se lê 6 x 4. 2. Perceber os instrumentos de apoio. Inevitavelmente, a tabuada tem que ser treinada, bem treinada e decorada. Mas, convém lembrar que é um meio, uma máquina de calcular primitiva. Decorar a tabuada está para a percepção do cálculo aritmético como decorar o livro de instruções da máquina de calcular: não desenvolve conceito nenhum. Só ajuda para executar rotinas. 110 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Porém, saber aplicar a tabuada é tão útil para o cálculo como saber trabalhar com uma pequena máquina de bolso: dá para se concentrar no problema em vez de se concentrar no cálculo. Contudo, para que se possa despertar interesse para a utilização da tabuada, é necessário que esta nuance é percebida pelo educador. Por variadíssimas razões, a relação que professores têm com a tabuada é muitas vezes ambígua. Revemos algumas das continuações4 da frase “Segundo o meu ponto de vista, para as crianças a tabuada é...” –uma grelha com conhecimentos que a escola "obriga a decorar”. Muitas vezes foi mais ou menos concretizada, mas dificilmente compreendido. –difícil de memorizar, pois ainda não conseguem ver que é necessária para resolver situações do dia a dia. –uma fonte de desmotivação e conflitos, um suplício, um quebra-cabeças. –uma coisa sem grande sentido, que não lhes diz nade, e é tão difícil que não a conseguem memorizar tal e qual como o seu professor o desejava. E quando de seguida, e antes de socializar a primeira frase, se pergunta de continuar “Segundo o meu ponto de vista, para professores, a tabuada é...”, obtivemos, entre outras respostas: –uma forma de atingir alguns objectivos como sejam a aprendizagem de operações. E é sobretudo um meio para o qual ainda não encontrei outra solução. Concretizo ao máximo, tenho a noção que nem sempre é conseguido. 4 Nas páginas anteriores, p. 95 e seguintes. 111 Discussões úteis –uma maneira difícil de realizar algumas operações. Também me foi muito difícil memorizá-la em criança, e, por vezes, ainda me esqueço dela. –um conjunto de números a introduzir na cabeça das crianças que por vezes é muito difícil. –um violência se tiver que ser memorizada; um mal necessário quando consultada. Mas também algumas pessoas referem: –um recurso, meio, para ... –um meio mais fácil de resolver raciocínios. –uma tábua que as crianças consultam quando precisam. e –um auxiliar para resolver operações. –útil e necessária. –não é só para meter na cabeça, mas para compreender. Deve estar afixada na parede. Não deve ser exigido que se meta na cabeça como prioridade principal. Quando se percebe a função da tabuada, poder-se-á montar as provocações necessárias para os alunos irem aperfeiçoando a utilização deste instrumento. Tal como insistir em técnicas de escrita criativa para obrigar os alunos a treinar o uso dum vocabulário mais diversificado, tem que se procurar “técnicas de cálculo criativo”. 112 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro 3. Pensamento imaginativo Trata-se de formular e refutar hipóteses. Como vimos em alguns relatos publicados em Escola Moderna, introduzir Matutazos ou outros objectos coleccionadas pelas crianças nas discussões matemáticas na sala de aula, abre um mundo de possibilidades. O levantamento dos números e a organização numérica dos discos serve perfeitamente para introduzir uma proposta de representação dos números que facilita a percepção da estrutura decimal do nosso sistema: a casa dos números.5 . Os jogos de habilidade com Matutazos ou berlindes, com as suas regras preestabelecidas, abrem caminho para discussões acerca de probabilidades de pontuações. Tomando em conta uma torre de Matutazos por exemplo, como é que o total dos pontos poderá ser distribuído entre os jogadores. Será que a própria construção da torre influencie os resultados, independentemente da habilidade do jogador. Há formas para controlar tal? Numa grande serie de jogadas, quantos discos é que ficam virados de cada vez? Há uma frequência mais elevada do que outra? Há uma tendência regular? Se comparamos com a tendência no levantamento de jogadas com dois dados em que em cada jogada contamos a pontua5 Esta grelha aparece em vários livros com propostas de actividades para crianças da escola básica. Algumas aparecem com os números naturais, outras com os inteiros positivos. As duas permitem visualizações de múltiplos em padrões interessante. A segunda tem a vantagem de visualizar rapidamente a estrutura da escrita dos números. Ver por exemplo Charles Snape e Nigel Langdon (1993) 113 Discussões úteis ção, encontramos a mesma distribuição? Conseguimos fazer o gráfico disso? Que leitura é que fazemos? Quanto ao levantamento dos discos repetidos e o cruzamento com cada um dos proprietários de discos, pode se também procurar tendências. E já agora: como calcular a probabilidade de ter discos repetidos quando se tem 10, 50, 100, 170 ou 200 discos? Ou quantas combinações são possíveis com uma colecção de 10 discos. Como verificar? Aqui, cada resposta levanta logo novas perguntas.6 Vários jogos permitem o mesmo tipo de investigação ao nível de probabilidades de juntar pontos. Existe uma relação entre as áreas e a pontuação. Mas depois há o treino do jogador. Logo, podemos procurar se um jogador se aproxima da probabilidade média, se ultrapassa ou fica aquém das possibilidades que o jogo oferece. 4. Pensamento rigoroso e pensamento imaginativo: um confronto de ideias. Construímos saberes de forma continuado. Estamos longe da memorização “para mais tarde”. Mas isto só é possível, se houver espaço de discussão. 6 Até, porque não, saber como é que a Matutano faz para assegurar uma distribuição de 170 discos diferentes de forma a que haja um equilíbrio entre os repetidos e a possibilidade de completar a colecção. E como é quando se trata de 8 artefactos diferentes nas caixas de cereais. É mais fácil ou mais difícil obter a colecção completa? Quantas caixas terá que se comprar para ter uma possibilidade estatística de completar a colecção? E quantos pacotes de batatas fritas? 114 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Carl Sagan, preocupado com o alastrar da pseudociência, escreve : “Os valores da ciência e os da democracia são coincidentes e em muitos casos, impossíveis de distinguir. A ciência e a democracia tiveram início - nas suas encarnações civilizadas - ao mesmo tempo e no mesmo lugar, na Grécia dos séculos VII e VI a. C. A ciência confere poder a quem quer que se dê ao trabalho de a aprender (embora demasiadas pessoas tenham sido sistematicamente impedidas de o fazer). Ela alimenta-se de e, a bem dizer, exige a livre troca de ideias; os seus valores são a antítese do que é secreto. A ciência não está ligada a posições vantajosas ou privilegiadas. Mas a ciência e a democracia encorajam opiniões não convencionais e debates vigorosos. Ambas requerem um raciocínio adequado. [...] A ciência é uma maneira de desmascarar aqueles que só simulam o conhecimento. É um baluarte contra o misticismo, contra a superstição, contra a religião incorrectamente aplicada a campos onde não deveria interferir.”7 Para poder cultivar esta relação democracia-ciência, abdica-se da dogmatização da matemática. Nada na matemática é para aprender porque é assim ou para mais tarde. O pensamento matemático exige investigação e debate. Provocar este pensamento exige processos de constituição do saber.8 São estes processos procuramos perceber e melhorar. Porque fazem parte da cultura pedagógica que defendemos. O ensino e a 7 Carl Sagan, “Um mundo infestado de demónios” Gradiva, trad. 1997 8 Ver o artigo de Ivone Niza “Aquisição de conhecimentos matemáticos - a partir dos contributos da obra de Gérard Vergnaud” em Escola Moderna, 4ª série (nº anual) 1993 115 Discussões úteis aprendizagem da matemática está nela inscrita. Da mesma forma democrática como o ensino e a aprendizagem das ferramentas da escrita. Com o respeito absoluto pelas crianças e pelo rigor. Carnaxide, Fevereiro 2008 116 Bibliografia Davis, Philip & Herch, Reuben (1997): O sonho de descartes. Lisboa: Difusão cultural DEB (1989): Organização curricular e programas. Lisboa: ME DEB (2001): Currículo Nacional do Ensino Básico Lisboa: ME Gardner, Martin (1994): O Festival da matemática. Lisboa: Gradiva. Glaeser, George (1999) Didáctique experimentale des mathématiques. Grenoble: La pensée sauvage National Council of Teachers of Mathematics (1991).Normas para o Currículo e a Avaliação em Matemática ed. portuguesa: Lisboa: APM, IIE Narciso, Miguel & Paulus, Pascal (2005) Histórias de matemática. Para download em http://web.educom.pt/pr2022 Niza, Ivone (1993) “Aquisição de conhecimentos matemáticos - a partir dos contributos da obra de Gérard Vergnaud” in Escola Moderna, 4ª série (nº anual) Oliverio, Alberto (1986), Como nasce um conformista. Lisboa: Moraes. 117 Bibliografia Paulos, John Allen (1993), O circo da Matemática - Para além do inumerismo. Lisboa: Europa América Paulus, Pascal (1999), Momentos de matemática. Para download em http://web.educom.pt/pr2022 Sagan, Carl (1997) Um mundo infestado de demónios Lisboa: Gradiva Snape, Charles e Langdon, Nigel (1993) Viva a Matemática. Lisboa:Gradiva Júnior Weinberg, Steven (1996). Sonhos de uma teoria final. Lisboa: Gradiva. 118 Anexos 1.Mudança de comportamento Mudança Pessoas envolvidas uma várias muitas nenhuma imediato fácil possível ligeira fácil possível difícil apreciável possível difícil muito difícil importante difícil muito difícil titânico fundamental muito difícil titânico utópico 119 Anexos 2.Os nove pontos A proposta é fácil e não tem grande mistério: interligar estes nove pontos com quatro segmentos de recta, sem levantar o lápis do papel e sem passar por cima dum segmento já desenhado. Pode cruzar um segmento já traçado. ● ● ● ● ● ● ● ● ● Análise da ocorrência Normalmente, num grupo de formandos adultos, é preciso calcular mais ou menos 20 minutos para que o grupo se apropria da solução. Muitas pessoas ficam com um sentimento de que a forma como a pergunta é colocada induz ao erro. Uma análise deste sentimento, e do sentimento em geral, quando posto perante a dificuldade, leva as pessoas a dizer que se sentiam angustiadas, bloqueadas, sem possibilidade de raciocinar. Consideram que o desenho induz em erro, quando pouco a pouco vão percebendo que é a sua própria cabeça que induz em erro, porque a forma como vê o problema é resultado da forma como foram ensinadas a ver o problema. 120 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Além disso, mesmo depois de ter encontrado a solução, têm dificuldade para fixá-la; se não praticar, voltam a ver o que não está e a imaginar o que não foi dito. Tem que ter tempo para reestruturar. 121 Anexos 3.Velha e Nova A imagem ilustra a realidade. Nos vemos a realidade conforme a nossa própria representação dela. Esta representação é fruto da cultura em que nós crescemos e também da forma como nos própios de seguida moldamos aquela cultura. Podemos até afirmar que a realidade só existe porque temos uma representação dela. É inevitável que construímos um esquema normalizante na nossa cabeça. O nosso raciocínio é dominado por este esquema normalizante. Quando nos referimos a escola, isto não é diferente. Reparem: Essa descoberta provocará nas almas o esquecimento de quanto aprenderam, devido à falta de exercício da memória, 122 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro porque, confiando nela, se recordarão de fora, graças a sinais estranhos, e não por dentro, espontaneamente, por si próprias. Sobre a invenção da escrita Platão, Fedro e não podia ser de outra forma, uma vez que a sua representação da escola era a academia, onde os assuntos eram debatidos pelos alunos, utilizando o poder oratório e construindo-o aprendendo a apresentar e refutar argumentos. É claro, para nós, no nosso momento histórico, que a memória cultural consiste em muito mais do que a memória individual treinada. Esta memória colectiva, só pode existir por causa da escrita. A escrita pode também fixar o raciocínio duma pessoa numa determinada época com um determinado contexto. Até a invenção da imprensa nem esta escrita salvaguardou o pensamento genuíno de quem tinha escrito: é nos bem conhecido a forma como a bíblia foi copiada, recopiada e traduzida, introduzindo alterações substanciais ao texto, em função das necessidades e das crenças das pessoas que faziam a reescrita no tempo em que o faziam. 123 Anexos 4.O não problema do manual... Relacionar agora tudo isto ao problema (ou o não problema) recorrente no ensino básico. A problematização de situações do quotidiano necessita dum instrumento de análise e de uma linguagem clara e simples, ou como diz Boaventura Sousa Santos em “Um discurso sobre as ciências”, ed. Afrontamento, 1987: As ideias que presidem à observação e à experimentação são as ideias claras e simples a partir das quais se pode ascender a um conhecimento mais profundo e rigoroso da natureza. Essas ideias são as ideias matemáticas. A matemática fornece à ciência moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, como ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria. Normalmente esta linguagem matemática está associada à ideia de rigor de medição. Este rigor pode muito bem ser uma miragem, uma idealização. A mecânica quântica não só põe em causa este rigor, como também põe em causa o próprio rigor da matemática. De facto, se é possível formular dentro dum sistema lógico, proposições que não se podem demonstrar nem refutar, se a proposta é exactamente que sempre se pode demonstrar ou refutar, então pode se concluir que o próprio sistema carece de fundamento. 124 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro O Boaventura Sousa Santos1 afirma: “A própria filosofia da matemática, sobretudo a que incide sobre a experiência matemática, tem vindo a problematizar criativamente estes temas e reconhece hoje que o rigor matemático, como qualquer outra forma de rigor, assenta num critério de selectividade e que, como tal, tem um lado construtivo e um lado destrutivo.” E continua: O rigor científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objectivar os fenómenos, os objectualiza e os degrada, que, ao caracterizar os fenómenos, os caricaturiza. É, em suma e finalmente, uma forma de rigor que, ao afirmar a personalidade do cientista, destrói a personalidade da natureza. Nestes termos, o conhecimento ganha em rigor o que perde em riqueza e a retumbância dos êxitos da intervenção tecnológica esconde os limites da nossa compreensão do mundo e reprime a pergunta pelo valor humano do afã científico assim concebido. Esta observação deveria fazer pensar como a escola utiliza os números e alguns instrumentos elementares da matemática, para objectualizar alunos e caricaturizar as avaliações das suas aprendizagens. Ariscamos-nos seriamente de encaminhar para situações já existentes nalgumas universidades americanas, passando mais tempo 1 In“Um discurso sobre as ciências”, ed. Afrontamento, 1987 125 Anexos na preparação de alunos para passarem o próximo teste em vez de os provocar com a problematização de situações do seu meio envolvente. Em nome dum rigor que nunca é absoluto, actua-se no ensino da matemática como se tudo está descoberto e afirmado. Em nome deste absolutismo, até fixamos conceitos ultrapassados desde há muito de que “não se pode tirar o maior do mais pequeno” é com certeza um dos mais caricatos. Aliás, como diz René Poirier e antes dele disseram Hegel e Heidegger, «a coerência global das nossas verdades físicas e metafísicas só se conhece retrospectivamente»2 Todas as teorias ligados a física contemporânea, são todas de vocação holística e, todas elas, introduzem na matéria os conceitos de historicidade e de processo, de liberdade, de auto-determinação e até de consciência que antes o homem e a mulher tinham reservado para si. 2 Ibidem 126 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro 5.Aritmética e matemática. Uma ênfase constante no cálculo durante a escolaridade inicial traz com ela a tirania da resposta correcta, outro impedimento à aprendizagem da matemática e outro aspecto do modelo sacerdotal-militarista da instrução matemática, ainda demasiado comum. Esta é a verdade; agora faça 400 problemas idênticos. Em muitos outros campos existe uma clara distinção entre respostas erradas, mas demasiadas pessoas acreditam que se uma resposta em matemática não está certa, está errada - ponto final. É justamente o oposto que acontece na realidade. Se duas pessoas quisessem somar 2/5 e 3/11 e uma obtivesse 5/16 e a outra 39/55, seria razoavelmente claro que a primeira não sabia muito sobre fracções e que a segunda tinha sido apenas descuidada. (Na verdade, mesmo a primeira «adição» - 2/5 + 3/11 = 5/16 - poderia ser defendida. Talvez que 2/5 signifique que um jogador de basebol obteve 2 batidos em 5 lançamentos e que 3/11 signifique que ele obteve mais três batidas em 11 lançamentos subsequentes. Ele teria então 5 em 16 de modo que a «adição» acima se justifica.)3 3 John Allen Paulos, «O circo de matemática» Europa-américa, 1991 127 Anexos 6.Algumas definições Álgebra • (Ár. aljab, restauração), s. f. ciência que generaliza as questões numéricas, representando ordinariamente as grandezas por letras; • compêndio que trata desta ciência; • aritmética universal; • (ant.) arte de restaurar ou compor ossos deslocados ou fracturados; • ortopedia. Algoritmo • (Lat. algorithmos < Ár. alkharizmi), s. m. (Mat.) forma da geração dos números; • processo de cálculo em que um certo número de regras formais resolvem, na generalidade e sem excepções, problemas da mesma natureza; • qualquer procedimento que permita mecanizar a obtenção de resultados de tipo determinado, podendo um resultado ser obtido por mais do que um algoritmo; • (Inform.) conjunto de etapas bem definidas necessárias para chegar à resolução de um problema. Aritmética • (Lat. arithmetica < Gr. arithmetiké), s. f. ciência dos números, das suas propriedades e combinações. 128 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro Calcular • (Lat. calculare), v. tr. determinar por meio de operação matemática; • contar; • avaliar; • (fig.) conjecturar; • presumir; • v. int. fazer cálculos matemáticos. Cálculo • • • • • (Lat. calculu), s. m. acção de calcular; solução de problemas aritméticos ou algébricos; cômputo, avaliação; (fig.) plano, combinação; desígnio. Matemática • (Lat. mathematica < Gr. mathematiké, ciência das grandezas), s. f. ciência que tem por objecto de estudo as relações entre os números, as formas, as grandezas e as operações; • s. f. pl. conjunto de ciências em que intervêm as teorias dos números; • Matemáticas aplicadas: as que consideram as grandezas em determinados corpos ou assuntos; • Matemáticas mistas: as que consideram as propriedades da grandeza em certos corpos ou fenómenos particulares, como a Astronomia e a Mecânica; 129 Anexos • Matemáticas puras: as que estudam as propriedades da grandeza em abstracto como a Geometria e a Álgebra. Paradigma • (Lat. paráigma < Gr. pardideigma, modelo), s. m. modelo; • norma; • exemplo; • padrão; • tipo de conjugação ou declinação gramatical. 130 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro 7.Inumerismo. John Allen Paulos, «O circo de matemática» Europa-américa, 1991: Em aritmética, álgebra e probabilidades elementares existem em geral várias maneiras de resolver um problema, e em problemas menos bem definidos e mais difíceis existem em número superior. A crença popular de que todas as respostas erradas são equivalentes, ou mesmo que todas as respostas correctas são equivalentes, reduz a necessidade de pensar criticamente e isto explica a sua preponderância entre os estudantes, e é triste dizê-lo, também entre os professores. As manifestações acerca de como as nossas crianças não conseguem realizar cálculos simples ocorrem-me como sendo semelhantes a debates que poderiam ter ecoado na Itália do século XV sobre a forma como os estudantes tinham problemas com os algoritmos de divisão para os algarismos romanos. Gradualmente, tornou-se aparente que uma facilidade para esta perícia particular era difícil de adquirir e, dados os novos «programas» de algarismos árabes, menos útil do que tinha sido. De uma forma atenuada, esta é a situação actual. A capacidade de calcular «à mão» é menos importante e esta é outra razão pela qual a nossa atenção fundamentalista às capacidades de cálculo deveria ser posto de lado. A matemática não é o cálculo tal como escrever não é o escrever à máquina. Quase todas as pessoas acabam por 131 Anexos aprender a fazer cálculos mas, tal como relatórios sobre a nossa educação matemática indicam claramente, outras capacidades de alto nível não estão a ser incentivadas nas nossas crianças. Muitos estudantes liceais não sabem interpretar gráficos, não compreendem noções estatísticas, são incapazes de modelar situações matematicamente, dificilmente estimam ou comparam grandezas, nunca demonstram teoremas e, o que é o mais constrangedor de tudo, quase nunca desenvolvem uma atitude crítica e céptica em relação a conclusões ou dados numéricos, espaciais e quantitativos. Os custos públicos e privados deste «inumerismo» e a incapacidade matemática geral são incalculáveis. 132 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro 8.Significado passado e actual. John Allen Paulos, «O circo de matemática» Europa-américa, 1991: “Ambição, Distracção, Repulsão e Irrisão” é como Lewis Carroll se referia às operações aritméticas básicas da adição, subtracção, multiplicação e divisão. É assim que muitas pessoas, incluindo eu, ainda vêem o cálculo da escola (excepto a «ambição», que nunca pareceu pertencer à lista, sendo «vício» mais apropriado) a razão desta repugnância deve-se, penso eu, a que o cálculo é aborrecido, fastidioso e opressivo. Pior do que isto, frequentemente pinta (ou deveria dizer «desbota») para sempre a perspectiva da matemática real por parte das pessoas. Imaginemos que 90% de todos os cursos de língua materna até à universidade são dedicados à gramática e à construção de diagramas de frases. Teriam os finalistas alguma sensibilidade à literatura? A resposta, é evidente, é não. Mas é isso, dada a proporção adequada à hipérbole, o que acontece frequentemente nas nossa aulas de matemática. A matemática é identificada com uma recitação mecânica de factos e uma execução cega de procedimentos. Décadas depois, este modo de comportamento robótico irrompe sempre que um tópico matemático surge. Inúmeras pessoas sentem que se a resposta ou pelo menos uma receita para a encontrar não lhes surge imediatamente, nunca a irão obter. A ideia de pensar num problema ou o discutir um pouco com alguém pare133 Anexos ce-lhes insólita. Pensar num problema de matemática? Discuti-lo? Na minha opinião, a atenção da escola ao cálculo é excessiva e obsessiva. Não existe nada de errado, é claro, com o conhecimento das tabuadas da adição e da multiplicação e dos algoritmos básicos para manipular fracções, percentagens, etc. De facto, estas capacidades são absolutamente essenciais, mesmo hoje quando uma calculadora de 700 escudos (um componente espero, do material escolar de qualquer criança) pode efectuar todos os cálculos que a maioria das pessoas irá alguma vez necessitar. Acontece apenas que após algum treino de rotina, estas capacidades devem ser encaradas como ferramentas para alargar a compreensão, não como um substituto da compreensão. Philip Davis e Reuben Hersh “O sonho de Descartes” - difusão cultural, 1997: No seu significado comum e tradicional, computação quer dizer aritmética. Computar, calcular, estimar, avaliar, significam somar, subtrair, multiplicar ou dividir. Computar corresponde portanto a pôr em prática uma das quatro veneráveis operações ensinadas na escola primária. Os principais consumidores da computação entendida neste sentido são os negócios, a ciência, a tecnologia e a própria matemática. Antigamente as exigências matemáticas feitas à computação pelo mundo dos negócios eram bastante simples: realizar as quatro operações sem fim, sobretudo a adição, manuseando grandes 134 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro quantidades de informação. As contas enviadas mensalmente elo departamento de contabilidade de uma firma aos clientes a crédito são simples computações. Ao balancete que foi elaborado no primeiro dia do mês adiciona-se o total das vendas, subtraem-se os pagamentos feitos durante o mês e acrescenta-se como transporte uma certa percentagem do balancete inicial - eis o novo balancete pronto. Competia às escolas do ensino básico ensinar as crianças a computar. No final dos oito anos, as crianças da minha geração sabiam, ou era suposto que soubessem, fazer adições, subtracções, multiplicações e divisões (de forma abreviada ou extensiva). Sabiam também realizar essas mesmas operações com números fraccionários e decimais, tornar fracções irredutíveis, determinar o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum. Ensinavam-lhes também a tirar raízes quadradas e a aplicar todas essas operações a problemas envolvendo medições. Para avaliar melhor a revolução da computação que subjuga o mundo inteiro, será útil lembrarmo-nos de que, até há cerca de cem anos, altura em que a educação básica se generalizou, as quatro operações básicas da aritmética, na sua forma geral, eram propriedade exclusiva de alguns escriturários, de alguns cientistas e de um ou outro advogado ou clérigo. Há cinquenta anos, a minha mãe não sabia fazer multiplicações ou divisões muito longas; o meu pai, que teve quatro anos de escola primária, aprendeu ele mesmo a fazer essas operações por força das necessidades do negócio. Embora não tenha visto nenhumas estatísticas, creio que, na nossa gera135 Anexos ção, se o número de iliteratos funcionais no Estados Unidos da América é maior do que o que pensamos, o número de iliteratos aritméticos deve ser ainda mais elevado. Entre a geração dos meus pais e a minha, a generalização dos conhecimentos de aritmética tornou-se um padrão corrente, e, com ele, aumentou a complexidade aritmética nos nossos afazeres quotidianos. [...] A computação - as quatro operações aritméticas feitas com papel e lápis - é um trabalho entediante, propenso a erro e penosamente lente. Não há dúvida: as pessoas detestam-no. Foi por esse motivo que se inventaram as tabuadas, cordas com nós, os ábacos e sistemas inteligentes para fazer cálculos com os dedos e com as mãos. Nalguns lugares, a aritmética nunca foi feita em papel ou de cabeça, mas apenas com o recurso a esses instrumentos, por isso pode ser enganador afirmar-se que as dificuldades com a aritmética teriam originado o seu desenvolvimento - sem ábaco, não há aritmética. Sob pressão das necessidades de computação em astronomia, na agrimensura e na navegação, os logaritmos foram inventados e aperfeiçoados. Isto permitiu reduzir a operação de multiplicação à da adição, menos complexa, e transformar a divisão em subtracção e a radiciação numa simples divisão. Inventaram-se dispositivos analógicos, como a régua de cálculo e o nomograma, que tiveram muita utilidade nos sues dias. Os astrolábios e outros aparelhos especiais para finalidades astrológicas eram relativamente comuns no mundo islâmico do século XV, e as máquinas de calcular mecânicas, 136 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro que datam do princípio do século XVII, começaram a ser de uso corrente em meados do século XIX, enquanto instrumentos básicos no mundo dos negócios. Já mesmo em 1940, ainda se fabricavam alguns modelos que apenas executavam adições. No final da década de 30, existiam calculadoras mecânicas que realizavam as quatro operações carregando-se apenas em botões, e no principio da década de 50 surgiram modelos comerciais que já tinham um botão para a raiz quadrada - que podiam bem ter sido criados no princípio do século XIX. Em meados do nosso século, os computadores mecânicos começaram a dar lugar aos computadores electrónicos, que eram onze graus de grandeza mais rápidos e muito mais versáteis. [...] O computador electrónico ainda não erradicou a possibilidade de uma computação incorrecta. Será que os artigos da lista de compras foram introduzidos correctamente? Em caso afirmativo, então há uma elevada possibilidade da soma ser bem executada, mas se não foram, o computador não saberá distingui-lo. Se houver queixas, a resposta clássica é que o computador se engasgou, mas toda a gente sabe que foi um ser humano que meteu água num ponto qualquer do processo. Se o preço dos artigos for extraído da memória, de forma automática, pelo leitor dos códigos de barras, então como poderemos saber se eles foram lá postos de forma correcta? É possível formular uma lista infindável de perguntas: será que isto foi gravado correctamente, será que aquilo foi programado de modo adequado? Em última instância, a nossa fé na 137 Anexos exactidão de todo o processo baseia-se na confiança que depositamos no funcionamento das capacidades humanas e na sua habilidade em descobrir e corrigir os erros através da verificação da razoabilidade das respostas obtidas em diversos estádios intermédios. John Allen Paulos, «O circo de matemática» Europa-américa, 1991 Na escola primária, por exemplo, deveriam existir unidades dedicadas a decidir que operação aritmética ou sequência de operações é requerida num dado problema; a estimativa de grandezas muito grandes ou muito pequenas; a histórias de detectives condimentadas com a matemática; a padrões numéricos e a quebra-cabeças mecânicos; a jogos de tabuleiro onde o acaso é um factor a ter em conta; a aspectos matemáticos de histórias noticiosas e de acontecimentos desportivos; e a uma miriade de outros tópicos que podem ser relacionados com a vida de uma criança. Nota final: Reuben Herch: A matemática e a sua filha, a ciência de computação, procuram soluções finais. Na matemática, uma solução final é a que decorre da análise de tal modo pormenorizada do problema que todos os seus casos podem, daí para frente, ser resolvidas de cor, por um algoritmo. Na ciência da computação, uma solução final é um sistema que mistura a nossa vida inteira numa rede automatizada, no qual o papel do homem foi completamente usurpado pela transformação formal de sím138 Pascal Paulus - Variações sobre um tema com matemática dentro bolos. O sonho de Descartes iniciou-se com a possibilidade de automatizar a geometria. Era inevitável que se pensasse a seguir na possibilidade de automatizar completamente o pensamento e o juízo. Então, foi avançada a proposição de que a linguagem natural é computação, que a visão e os outros sentidos são computação e que a emoção é computação. Computo, ergo sum, parece ser a derradeira expressão da intuição cartesiana. Abandona-se a humanidade e, em seu lugar coloca-se um substituto abstracto. 139