28ECONOMIA A GAZETA SÁBADO, 25 DE JULHO DE 2015 ENTREVISTA Míriam Leitão “O Congresso produziu uma bomba fiscal” _Na análise da jornalista, que esteve em Vitória para lançamento de livro, ajuste fiscal foi malsucedido, e principal erro é da presidente Dilma VITOR JUBINI BEATRIZ SEIXAS [email protected] Esta semana foi de derrotas para o governo, quando a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff anunciou a redução das metas fiscais. Para a jornalista Míriam Leitão, as revisões são fruto da falta de entendimento entre o Congresso e o Planalto e da condução equivocada do modelo econômico pela presidente Dilma. Em visita a Vitória para lançar o seu terceiro livro infantil – Flávia e o bolo de chocolate –, a jornalista conversou com A GAZETA. Confira: Naentrevistaquefezcom o ministro Joaquim Levy, ele comentou que as revisões das metas não se tratam de “jogar a toalha”. Também vê assim ou acredita que o governo se entregou ao fazer um corte tão grande? Além de ser muito drástico, foi prolongado. O governo cortou o superávit deste ano, abriu a possibilidade de até fechar no vermelho, cortou do ano que vem, cortou no outro ano. Nopaís,adívidabrutasubiu 10 pontos percentuais do PIB nos últimos quatro anos,saiude52%para62% do PIB, e essa é a medida que importa no mundo dos avaliadores de risco e dos fundos de investimento estrangeiro. Para um país que tem essa trajetória de dívida, esse é um movimento muito perigoso. O governo fez uma redução drástica demais e isso aumentou a sensação de desconfiança na economia. — “O governo fez uma redução drástica demais, e isso aumentou a sensação de desconfiança na economia” Como os investidores estão olhandopara oBrasil? O olhar para cá está muito negativo. A visão no exterior édepreocupação.Masoque mais importa é o que nós brasileiros sentimos. E os brasileiros estão sentido o desconforto da inflação, um medo enorme, porque a inflação está chegando a dois dígitos. E não foi por falta de aviso. Vários especialistas disseram que a tal nova matriz macroeconômica era uma loucura. O governo está propondo mudanças no ICMS para acabar com a guerra fiscal e o Espírito Santo vai ser prejudicado. Essa medida énecessária? Nem uso muito a expressão guerra fiscal, porque O Congresso fez pior do que reduzir o ajuste, ele usou as propostas de ajuste para criar um desajuste” — MÍRIAM LEITÃO JORNALISTA ECONÔMICA acho que deve haver competição entre Estados. É uma federação e cada Estado tem sua peculiaridade. A ideia de equalizar e todo mundo ter a mesma coisa eu não acho boa. Acho que tem que abrir uma brecha para alguma competição. Acreditaquenestesegundo semestre o Congresso vai continuar dificultando os planos do governo? Acho que o segundo semestre vai ser tão difícil quanto o primeiro, se não for pior. O que acontece é o seguinte: da lógica do presidencialismo de coalização, que é o modelo de organização de governo que temos, o chefe do Executivo tem o papel fundamentaldelideraracoalizão e assumir papel importante na definição da pauta do Legislativo, e a presidente Dilma não fez isso. Ela não foi capaz de liderar, nem de influenciar a pauta legislativa por falta de coordenação política e de diálogo. Alémdisso,oCongressofez pior do que reduzir o ajuste, ele usou as propostas de ajuste para criar um desajuste. Você pegar uma proposta, muito razoável, de reduzir o período de pensão das viúvas jovens, e transformar isso em um veículo para acabar com o fator previdenciário é querer colocar fogonocirco.Éumperigo.O que o Congresso fez foi pior do que recusar, não aprovar ou mudar os projetos. Ele produziu uma bomba fiscal. O Congresso tem sua cul- pa? Todos. Agora, o problema é que o erro original é da presidente Dilma, que não liderou a coalização. Se não está funcionando, ela tem que chamar todo mundo, dialogar. Há uma confusão quesefaznoBrasil,quecada vez que se fala em articulação política, significa distribuir cargos. Não. É conversar.Elanãopodeficarencarcerada no Palácio conversando com quem vai dizer que ela é ótima. Háquemdigaqueacriseé muito mais uma situação criada do que real. Na sua avaliação qual o cenário? Tem crise política e econômica. Do ponto de vista econômico, os indicadores falam por si. A inflação está chegando a dois dígitos, o desemprego está crescendo,vaisairumarecessãode 2% - a pior desde o Collor -, as contas públicas estão em desordem. Bom, isso chama-se crise. Eu não brigo com números. Qualoprimeiropassoque o governo poderia dar para mudar asituação? Tem que ter consciência da gravidadedacrise,noçãodo risco. Quando você tem consciência do tamanho do inimigo, você se prepara mais. O governo poderia fazer gestos que, mesmo que não economizassem muito dopontodevistamonetário, iriam ter grande impacto, até psicológico, para aumentar a confiança, como uma redução dos ministérios,doscargosemcomissão e dos não-concursados, por exemplo. Ele tem que fazer esse choque.