A Curva de Gresificação: Parte I Fábio G. Melchiades, Eduardo Quinteiro e Anselmo O. Boschi Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Engenharia de Materiais, C.P. 676 - 13.565-905 São Carlos - SP; e-mail: [email protected] Resumo: O objetivo do presente trabalho é apresentar as chamadas curvas de gresificação e demonstrar a importância das mesmas através de exemplos da sua aplicação à pratica industrial. Palavras-chaves: curvas de gresificação, processamento cerâmico, caracterização Introdução Em 1978 Kingery1 sugeriu que a única maneira de se saber realmente se o processamento antes da queima foi correto é queimando o material. O trabalho é simplesmente brilhante, como aliás praticamente tudo que o autor publicou. Refletindo sobre o tema e procurando o lado prático da coisa, fica a questão de como avaliar o sucesso ou fracasso. Se a peça sair do forno torta ou quebrada, é evidente que algo saiu errado. Mas, mesmo que ela saia íntegra, o sucesso só pode ser avaliado quando se sabe claramente o que se quer obter. Para isso é preciso definir claramente as características requeridas pelo produto que se pretende produzir e, por outro lado, definir alguns parâmetros que nos permitam avaliar quantitativamente os resultados obtidos. Para escolher esses parâmetros é preciso analisar um pouco mais a fundo as transformações sofridas pelas peças cerâmicas durante a queima. A Queima O objetivo principal da queima é consolidar o formato definido pela operação de conformação. Para isso, nas chamadas cerâmicas tradicionais, a massa é formulada de modo tal que durante as temperaturas mais elevadas do ciclo de queima parte da massa se transforme em um líquido viscoso que escorre e ocupa os espaços vazios entre as partículas mais refratárias e dessa forma reduz a porosidade e, devido às forças de capilaridade, provoca a aproximação das partículas, o que leva a retração. Durante o resfriamento, esse material líquido se transforma em um vidro que liga as partículas mais refratárias e aumenta a resistência mecânica do que era, antes da queima, só um amontoado de partículas. Assim sendo, duas das principais variações sofridas pelo corpo cerâmico durante a queima são a diminuição da porosidade, que pode ser caracterizada pela absorção de água (AA), e a retração, que é geralmente caracterizada através da retração linear (RL). Portanto 30 podemos usar essas variáveis como parâmetros para avaliar o comportamento de uma determinada massa cerâmica durante a queima. A Curva de Gresificação A curva de gresificação é a representação gráfica simultânea das variações da absorção de água (AA) e retração linear (RL) da peça com a temperatura de queima. Assim, tendo-se claramente estabelecido a faixa de AA desejada e a variação de tamanho admissível no produto final, pode-se usar a curva de gresificação para identificar a temperatura na qual essas características são alcançadas. Além disso, a curva de gresificação nos permite avaliar a tolerância da massa a variações de temperatura e condições de processamento, e portanto pode ser de grande utilidade como um instrumento de controle de qualidade. Nesse sentido, a curva de gresificação também pode ser utilizada como uma ferramenta para monitorar possíveis variações da composição da massa provocadas por variações das características entre diferentes lotes de uma mesma matéria-prima e/ou por desvios na dosagem, e tomar as ações corretivas necessárias. Diferentes produtos cerâmicos requerem características diferentes, e para se obter essas características utiliza-se massas apropriadas que, como mostra a Fig. 1, apresentam comportamentos bastante distintos durante a queima. Exemplo de Aplicação da Curva de Gresificação A Fig. 2 apresenta a curva de gresificação típica de uma massa utilizada industrialmente para a produção de pisos a serem enquadrados no grupo BIIb da classificação da Norma ISO 13.006. Portanto o produto acabado deverá apresentar, dentre outras características, absorção de água (AA) entre 6 e 10% e uma variação dimensional inferior a ± 0,6% em relação à dimensão de fabricação (working size), Cerâmica Industrial, 01 (04/05) Agosto/Dezembro, 1996 20 20 8 6 14 12 4 10 8 BIIb (ISO 13.006) 6 4 2 1084ºC 1074ºC 940 980 1020 1060 Temperatura (ºC) Absorção de água (%) 1,2% 16 1,2% 6 14 12 4 10 8 BIIb (ISO 13.006) 1074ºC 1094ºC 1100 0 4 2 1084ºC 6 940 980 1020 1060 Temperatura (ºC) Retração linear (%) 16 8 18 Retração linear (%) Absorção de água (%) 18 1094ºC 1100 0 Figura 1. Curvas de gresificação de massas utilizadas industrialmente para a fabricação de vários produtos cerâmicos. Figura 2. Curva de gresificação de uma massa industrial utilizada na fabricação de pisos por via seca. ou seja, uma variação máxima da retração linear (RL) de 1,2%. Se fixarmos como objetivo alcançar uma AA de 8% e considerarmos que a variação da temperatura no forno de produção, de uma região para outra e de um dia para outro, é de 10 ºC, poderemos, com base na curva de gresificação, avaliar a massa utilizada. Como mostra a Fig. 2, a temperatura de queima necessária para se obter uma AA de 8% é de 1084 ºC. Considerando que a variação de temperatura no forno é de 10 ºC, podemos concluir que a temperatura no interior do forno estará entre 1074 ºC e 1094 ºC. Assim sendo, com base na curva de gresificação, podemos calcular as RL correspondentes a essas duas temperaturas, que são de 6,0% e 7,2%, respectivamente. Dessa forma pode-se concluir que, para essa massa, sob essas condições de processamento e queima, a variação dimensional observada é compatível com as exigências da Norma ISO 13.006 para o grupo BIIb. Entretanto, uma variação de 10 ºC em um forno industrial é bastante difícil de ser alcançada na prática. Os fornos a rolo utilizados para a queima de revestimentos cerâmicos geralmente possuem, para cada zona de queima, dois termopares, um acima e outro abaixo dos rolos. Esses termo pares, en tretan to, r eg istram, se estiverem adequadamente instalados, as temperaturas ao redor da sua extremidade. Portanto, mesmo que as temperaturas regis- tradas pelos termopares não variem consideravelmente, isso não garante que em outras regiões da mesma zona de queima do forno a temperatura seja a mesma. A homogeneidade da temperatura dentro de uma mesma região depende de uma série de fatores, dentre os quais podemos destacar o fluxo de gases no interior do forno, a posição em relação à chama, a condutividade térmica das várias regiões do forno, a distribuição das peças etc. É importante salientar ainda que, se a composição da massa, as condições de processamento e/ou a temperatura (ou a curva de queima) do forno variarem, os resultados apresentados acima poderão ser bastante diferentes. Um outro aspecto digno de nota são os efeitos das condições em que os corpos de provas utilizados para o levantamento da curva de gresificação são preparados e queimados sobre os resultados obtidos. Esses aspectos serão abordados na Parte II deste trabalho a ser publicada no próximo número da Cerâmica Industrial. Cerâmica Industrial, 01 (04/05) Agosto/Dezembro, 1996 Bibliografia 1. Kingery, W.D. “Firing - The Proof Test for Ceramic Processing”; In Ceramic Processig Before Firing; Onoda, G.Y.; Hench, L.L. John Wiley & Sons, USA, 1978, 291-305. 31