ABDA ALVES VIEIRA DE SOUZA
OS PROFESSORES E A AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO TEXTUAL:
entre concepções e práticas
RECIFE
2010
ABDA ALVES VIEIRA DE SOUZA
OS PROFESSORES E A AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO TEXTUAL:
entre concepções e práticas
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
em
Educação
da
Universidade Federal de Pernambuco, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Emília Lins e Silva
RECIFE
2010
Souza, Abda Alves Vieira de
Os professores e a avaliação da produção textual
: entre concepções e práticas. / Abda Alves Vieira de
Souza. – Recife : O Autor, 2010.
121 f. : il. ; 31 cm.
Orientador: Profª.Drª. Maria Emília Lins e Silva
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco, CE, Pós-Graduação em Educação, 2010.
1. Língua Portuguesa – Estudo e Ensino. 2. Língua
Portuguesa - Linguagem. 3. Professores – Prática
Docente - Avaliação. I. Silva, Maria Emília Lins e. II.
Universidade Federal de Pernambuco. III. Título.
37
372.6
CDU (2.ed.)
CDD (22.ed.)
UFPE
CE2010-77
Para minha filha,
Laís
AGRADECIMENTOS
Sozinha não conseguiria realizar essa pesquisa, para fazê-la, tive o apoio de
muita gente, por isso, vou dizer muitos “obrigados”.
A Deus,
pelo dom da vida, pelo amor incondicional e cuidado permanente. Até
aqui Ele tem me ajudado!
À minha orientadora Emilia Lins,
pela competência na orientação e pelo apoio ao longo de toda
pesquisa.
À Professora Sandra Helena Melo,
pela contribuição competente e sincera que realizou enquanto participante
da banca de qualificação do projeto.
À Professora Lívia Suassuna
pela leitura atenta e critica desta dissertação e pela colaboração valiosa
enquanto integrante da banca
de qualificação do projeto, sugerindo
leituras e caminhos ao longo da pesquisa e por participar da banca no
momento da defesa.
À Professora Profª. Dra. Alina Spinillo
por tão gentilmente aceitar participar da banca no momento da defesa
contribuindo com seus saberes.
À Professora Eliana Albuquerque,
por sempre ter me incentivado a prosseguir nos estudos, desde o tempo
da especialização, seu estímulo e insistência muito me ajudaram!
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFPE, que partilharam suas experiências e saberes profissionais, pelo
compromisso com a qualidade da educação.
Aos meus amigos de turma, construídos no transcorrer desses dois anos,
pela contribuição nos momentos de discussão durante as aulas, e pelos
momentos agradáveis nos almoços e lanches acompanhados de muito
riso e alegria, em especial a Christiane, Leila, Amanda, Sandra, Gilvânia,
Priscila, Renata, Viviane e Cássia.
Meu especial obrigada a Amara,
amiga querida de longa data, inseparável no mestrado, desde a seleção
até a defesa da dissertação. Sempre demos um jeito de coincidir nossos
horários para desfrutarmos da companhia uma da outra (nas aulas, nos
trabalhos acadêmicos...). Com certeza nossa amizade tornou mais fácil a
caminhada.
Agradeço especialmente também, a minha querida amiga Sirlene,
pelas contribuições intelectuais tão relevantes e significativas à minha
pesquisa, e principalmente sob o aspecto emocional, pela paciência
comigo nos momentos difíceis, pelas conversas tão agradáveis sobre
tantos assuntos divertidos.
Aos amigos: Emilia, Leila, Gustavo, Carmi, Tony, Amara e Letícia,
que tão gentilmente cederam seus materiais para enriquecer a pesquisa.
Aos funcionários do Mestrado em Educação,
pela presteza, gentileza e atenção durante o curso.
À minha família, base de tudo na minha vida:
À minha mãe, Carminha,
por saber que sou um motivo de alegria em sua vida.
À minha filha, Laís,
pela alegria que ela é em minha vida.
Ao meu marido Elan,
companheiro de todas as horas, com quem compartilho meus sonhos,
minhas esperanças, inquietações e também meus estresses.
À minha querida sogra, Miriam,
pelo apoio e carinho de sempre.
A minha querida amiga Tereza Mariza,
pela escuta, em vários momentos da minha vida pessoal e profissional,
pelo carinho, incentivo e amizade.
As professoras entrevistadas,
que gentilmente se dispuseram a participar desta pesquisa, agradeço a
presteza, o interesse, o carinho e principalmente a permissão em
socializar seus saberes e suas práticas.
E finalmente aos alunos que colaboraram escrevendo os textos analisados
nesse estudo.
A todos, de verdade, muito obrigada!
RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar as práticas avaliativas da produção textual
de professoras do 5º ano do ensino fundamental. Buscamos identificar as
concepções de língua, escrita e avaliação subjacente ao trabalho das docentes
através dos aspectos priorizados na correção dos textos produzidos pelos alunos,
bem como compreender as estratégias de correção através das marcas deixadas
pelas professoras nos textos das crianças. Analisamos ainda os critérios de
avaliação materializados na correção desses textos. A entrevista e a análise
documental foram os procedimentos metodológicos utilizados na presente pesquisa.
Adotamos como pressuposto teórico a idéia de que é indispensável ao professor,
reconhecer e valorizar nos textos das crianças tanto os aspectos relativos à correção
ortográfica e gramatical, como também, e principalmente, os aspectos relativos ao
uso dos recursos linguísticos, à organização estrutural e à textualidade. A análise
dos resultados revelou que as práticas avaliativas das professoras, no tocante à
correção dos textos, enfatizam uma avaliação monológica, que não propicia o
diálogo nas observações deixadas por elas nos textos. Os resultados apontam
também, que o trabalho com o gênero não superou a dimensão estrutural, e que o
caráter discursivo do gênero ainda não é considerado na prática de ensino e na
avaliação, o que parece apontar para uma prática arraigada na perspectiva da
redação escolarizada. Quanto aos critérios de avaliação presentes nas correções
realizadas pelas mestras, observamos que as mesmas percebem com maior
facilidade os aspectos presentes na superfície textual (problemas gramaticais e
ortográficos) em detrimento dos aspectos relativos à textualidade. Com base nos
dados coletados, percebemos que a prática avaliativa da produção textual parece
ser um terreno difícil de ser percorrido pelos professores de língua materna, e que
existe ainda uma distância entre o saber teórico produzido nas pesquisas
acadêmicas e na prática pedagógica.
Palavras-chave: linguagem produção de texto no ensino fundamental; correção e
avaliação.
ABSTRACT
This study aimed to analyze the assessment practices of textual production of
teachers in the fifth year of elementary school. We sought to identify the conceptions
of language, writing and evaluation behind the work of teachers through the issues
prioritized in the correction of texts produced by students as well as understand the
strategies of correction through the marks left by the teachers in the texts of children,
we analyze the criteria of assessment embodied in the correction of these texts.
Interviews and documentary analysis were the methodological procedures used in
this research. We adopt as theoretical assumption the idea that is indispensable to
the teacher to recognize and appreciate of the texts of children both aspects of
correct spelling and grammar, but also and especially those aspects relating to the
use of language resources, the structural organization and textuality. The results
showed that the assessment practices of teachers, concerning the correction of texts,
emphasize an assessment monological, not conducive to the dialogue in the
comments left by them in the texts. The results also indicate that the work with the
gender dimension has not overcome the structural and the discursive character of
the genre is still not considered the practice of teaching and assessment, which
seems to point to a practice rooted in the perspective of standardized school
composition. The criteria for evaluation in these corrections made by the masters, we
observed that they more easily perceive aspects present in the surface text (spelling
and grammatical problems) rather than aspects of textuality. Based on data
collected, we realized that the evaluation practice of text production seems to be a
difficult terrain to be traversed by native teachers, and that there remains a distance
between the theoretical knowledge produced in academic research and the teaching
practice
Key-words: language, textual production in elementary education; Correction;
Evaluation.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE QUADROS, TABELAS, EXEMPLOS E TRANSCRIÇÕES
INTRODUÇÃO.......................................................................................................14
CAPÍTULO 1 - Fundamentação teórica..............................................................17
1.1 O ensino de Língua materna e as concepções
de língua................................................................................................................19
1.1 .1 Concepções de ensino da escrita...............................................................23
1.1.2 Algumas considerações sobre a redação escolar........................................27
1.1.3 Produção textual na perspectiva dos gêneros............................................28
1.2 Concepções de Avaliação..............................................................................33
1.2.1 A avaliação do texto em uma perspectiva somativa ...................................34
1.2.2 A avaliação do texto em uma perspectiva formativa....................................36
1.3 Avaliação da produção textual e a adoção de critérios...................................38
1.4 A correção e avaliação da produção textual..................................................44
CAPÍTULO 2 - Metodologia................................................................................49
2.Objetivos............................................................................................................50
2.2 Os sujeitos participantes do estudo................................................................51
2.3 Os instrumentos de coleta..............................................................................53
2.3.1 Entrevistas...................................................................................................53
2.3.2 Análise documental: a produção textual dos alunos....................................55
CAPÍTULO 3 - Análise dos dados.......................................................................57
3.1 As concepções das professoras sobre o ensino da escrita.............................58
3.2 Quais as concepções subjacentes às condições de produção e avaliação dos
textos?....................................................................................................................63
3.2.1 As atividades de produção textual revelam as concepções
das mestras............................................................................................................75
3.4 A correção dos textos.......................................................................................80
3.4.1 Como as professoras tratam o erro: os alunos têm a oportunidade de
reescrever os textos?..............................................................................................89
3.5 Os critérios de avaliação dos textos no discurso e na prática
das professoras......................................................................................................93
3.5.1 As professoras explicitam os critérios de avaliação
para os alunos?......................................................................................................97
3.6 Os conhecimentos necessários para produzir bons textos..............................99
3.7 As professoras têm dificuldade para avaliar?................................................103
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................110
REFERÊNCIAS
APÊNDICE
LISTA DE QUADROS, TABELAS, EXEMPLOS E TRANSCRIÇÕES
Tabela 01: Número de textos disponibilizados pelas professoras.............................56
Quadro 01: Gêneros textuais.....................................................................................64
Exemplo 1: texto “Maria e João”................................................................................68
Exemplo 2: texto “Gripe suina e menigite”.................................................................70
Transcrição do texto “Gripe suina e menigite”...........................................................71
Ilustração da notícia Gripe suína..............................................................................72
Transcriçaõ do “texto o menino e a escova”..............................................................75
Exemplo 3: texto “O menino e a escova”...................................................................76
Exemplo 4: texto “A bruxa”........................................................................................79
Quadro 02: Tipos de correção..................................................................................82
Exemplo 5: correção indicativa..................................................................................83
Exemplo 6: correção resolutiva..................................................................................84
Exemplo 7: correção textual-sugestiva......................................................................86
Exemplo 8: correção textual-sugestiva (Ana e a natureza)........................................87
Transcrição do texto (Ana e natureza).......................................................................88
Quadro 03: trechos da entrevista...............................................................................94
Tabela 2: Critérios de avaliação adotados pelas professoras....................................95
INTRODUÇÃO
14
O professor tem que aprender a ler os textos de seus alunos e
desaprender a corrigi-los
(Percival Britto)
Não é novidade que a avaliação da produção textual tem se constituído numa
tarefa complexa para os professores de Língua Portuguesa como evidenciaram
estudos realizados por Britto (1990), Geraldi (1991), Marinho (1997), Marcuschi
(2004), Evangelista (1998) e outros. Pesquisas realizadas recentemente, no âmbito
da Linguistica e Linguística Aplicada, da Sociolinguística, e das teorias sobre os
gêneros discursivos, sobre o ensino de produção textual no Brasil têm mostrado que
a tradição escolar de avaliação do texto escrito fundamenta-se em critérios apenas
linguísticos, sem qualquer articulação com as condições de produção e que os
textos são propostos apenas como objeto de avaliação. Nesse contexto, a escola
tem promovido os alunos pela capacidade de escrever redações que apresentam
poucas violações do ponto de vista gramatical e ortográfico e não pela competência
de produzir bons textos.
Nesse cenário, a produção de conhecimento acerca dos procedimentos de
avaliação da escrita escolar se apresenta como um tema relevante e tem mobilizado
não só os profissionais da educação e de áreas específicas como a Linguística
Aplicada, mas também o poder público, que tem investido na instituição de
programas destinados à formação continuada dos professores.
Nosso interesse sobre avaliação da produção textual tem a ver com nossa
trajetória
pessoal
enquanto
aluna,
e
profissional, enquanto
docente,
nas
observações empíricas realizadas no cotidiano da prática pedagógica nos anos
iniciais do ensino fundamental. Intuitivamente acreditamos que a intervenção do
professor no texto do aluno é de fundamental importância para o momento da
reescrita e imprescindível para melhorar a competência do aluno como escritor, ou
seja, percebia-se que as “dicas” dadas no momento da correção, quando
compreendidas pelos alunos, no momento da refacção textual surtiam um efeito
positivo.
Outro motivo que nos levou a ter interesse sobre avaliação do texto escrito foi
à participação em um curso de Especialização, cuja monografia foi resultante de um
trabalho de intervenção pedagógica sobre produção de texto narrativo com crianças
da terceira série de uma escola municipal do Recife. Nessa experiência,
15
percebemos que não haviam parâmetros claros estabelecidos para avaliar os textos
que os alunos produziam. Foi necessário estabelecer critérios para ensinar e avaliar
os textos. Desde essa época, a avaliação do texto escrito é uma temática que nos
inquieta e fascina.
Nesse sentido, desenvolvemos o presente estudo com a intenção de analisar
as práticas avaliativas da produção textual de professoras do 5º ano do ensino
fundamental. Buscamos identificar as concepções de língua, escrita e avaliação
subjacente ao trabalho das docentes através dos aspectos priorizados na correção
dos textos produzidos por seus alunos, tentamos compreender as estratégias de
correção através das marcas deixadas pelas professoras nos textos das crianças e
analisar os critérios de avaliação materializados na correção dos textos.
Acreditamos que este estudo pode contribuir na área de estudo avaliação,
para a reflexão da prática avaliativa dos docentes, se tais práticas ajudam ou não no
processo de ensino. Por outro lado, aos discentes, essa pesquisa pode possibilitar a
melhora da aprendizagem, visto que, ao se refletir sobre a prática a tendência é
melhorar o ensino. Portanto, este trabalho, tem como objeto a prática docente, mas
com a finalidade de melhorar a aprendizagem dos alunos.
Nossa hipótese inicial baseada na experiência como professora e
coordenadora pedagógica e em pesquisas1, é a de que os professores geralmente
avaliam os textos
considerando principalmente, os problemas gramaticais e
ortográficos, e que os aspectos relativos a textualidade, como coesão e coerência,
parecem não ser facilmente visualizados pelos docentes. Entretanto, é importante
explicar que temos clareza de que é apenas uma proposição que pode não ser
verdadeira e que não temos a intenção de perseguir tal hipótese, no sentido de
confirmá-la2.
Adotamos como pressuposto básico a ideia de que é indispensável ao
professor, reconhecer e valorizar nos textos das crianças não apenas os aspectos
relativos à correção ortográfica e gramatical, mas também, os aspectos relativos ao
uso dos recursos linguísticos, a organização estrutural e à textualidade.
Principalmente colocando-se como leitor dos textos observando como encontram-se
1
Cf. Leal e Guimaraes (1999)
Atentamos para os riscos de formular uma hipótese em uma pesquisa. Cf: Luna (1996 p. 33)
“É bem verdade que muito já se falou de Bacharach (1969) contra os perigos que qualquer tipo de
hipótese pode representar, no sentido de tornar o pesquisador “míope” em relação aos resultados
não esperados, mas este é apenas um viés, dentre outros, a atentar o pesquisador.
2
16
linguisticamente construídos, a partir das sinalizações que os alunos apresentam,
dentro do contexto em que o texto está inserido proceder a construção de sentidos,
valorizando o que o aluno quis dizer, numa atitude de interação. (LEAL e
GUIMARÃES, 1999 e KOCH, 2003)
Este estudo está organizado em quatro partes. Dedicamos o primeiro capítulo
a fundamentação teórica, discutiremos sobre o ensino da Língua Portuguesa e as
concepções atreladas aos objetivos propostos para o ensino da língua materna,
dentro do contexto sócio-histórico brasileiro. Trataremos também sobre as
concepções de escrita e faremos algumas considerações sobre a redação escolar,
nessa discussão, refletiremos também sobre a produção textual na perspectiva dos
gêneros discursivos.
Ainda no primeiro capítulo, faremos algumas considerações sobre as
concepções de avaliação, discutiremos as formas de avaliar o texto nas
perspectivas: somativa e formativa. Entendemos que discutir avaliação implica
estabelecer critérios, por essa razão, abordamos os critérios que os professores
utilizam para avaliar os textos. Faremos ainda uma discussão em relação à correção
textual, visto que o texto do aluno, corrigido pelo professor, é objeto dessa pesquisa,
por isso, julgamos de fundamental importância tecer alguns comentários acerca dos
modos de se corrigir e avaliar.
No segundo capítulo, explicitamos os objetivos da pesquisa e descrevemos
detalhadamente o processo de construção dos instrumentos de coleta, e os
procedimentos utilizados para analisar o presente estudo, bem como, a perspectiva
de análise adotada.
No terceiro capítulo, analisamos o discurso das professoras sobre avaliação
da produção textual a partir dos relatos das docentes e da análise das correções
feitas pelas mestras. Por fim, na última parte apresentamos nossas considerações
finais acerca das apreciações por nós realizadas nos dados analisados.
CAPÍTULO 1 - Fundamentação teórica
18
As decisões pedagógicas que tomamos, as atividades que empreendemos
– quer se trate de objetivos, quer se trate de currículos, ou de avaliação
dependem do conjunto das concepções que temos mesmo que não
saibamos explicitá-las.
(Irandé Antunes)
Iniciaremos esse capítulo concordando com Antunes (2009) quando afirma
que as decisões tomadas na prática educativa trazem subjacente uma concepção de
ensino, um ponto de vista, que direciona e orienta as ações em sala de aula. A
concepção de linguagem adotada pelo professor de uma forma ou de outra
influencia as decisões e as perspectivas priorizadas no ensino e na avaliação da
língua, porém, nem sempre os docentes têm consciência das concepções que
fundamentam sua prática e das escolhas metodológicas que fazem. Muitas vezes,
não há uma reflexão sobre os pressupostos teóricos que adotam, chegando mesmo
a não saberem exatamente o que estão fazendo ao realizarem determinados
procedimentos metodológicos e quais objetivos desejam atingir com as atividades
que propõem. Essa questão é preocupante, pois acreditamos que a eficiência do
ensino passa pelo conhecimento das concepções e das teorias que estruturam a
prática.
Diante do exposto, julgamos pertinente discutir neste capítulo algumas
concepções que tem relação direta com o nosso objeto de pesquisa. No primeiro
momento, refletiremos como foram construídas as concepções que embasam o
ensino da língua materna no Brasil, para isso faremos um breve histórico de como
se estruturou o ensino da língua portuguesa nesse país, com a finalidade de
compreender o contexto sócio-histórico e suas relações com os objetivos para o
ensino. Não é nosso objetivo, neste tópico, apresentar uma reflexão profunda e
detalhada sobre tais concepções, mas apenas retomar alguns conceitos que nos
ajudam a entender a prática de ensino da língua atualmente. No segundo momento,
refletiremos sobre as concepções de ensino da escrita buscando compreender os
processos que levam o aluno a produzir textos. No terceiro momento discutiremos
alguns estudos que diferenciam redação escolar de produção textual, logo após
traremos a discussão do ensino e avaliação na perspectiva dos gêneros.
19
1.1 O ensino de Língua materna e as concepções de língua
Magda Soares (2007) escreveu um artigo intitulado “Novas perspectivas do
ensino da Língua Portuguesa: Implicações para a alfabetização”, a autora nos conta
um pouco sobre a constituição do ensino de Língua Portuguesa no Brasil.
Com a Reforma Pombalina, em 1759, o ensino de língua materna tornou-se
obrigatório em Portugal e no Brasil, a partir de então, se consolidou seguindo o
antigo modelo de ensino da Gramática da Língua Latina, ou seja, o ensino da Língua
Portuguesa seguiu a tradição do ensino do latim. Tal ensino, quase exclusivamente
restrito ao ensino da gramática existia predominantemente aqui no Brasil para a
burguesia, já falante da norma padrão culta. Esperava-se do processo de
escolarização, além da alfabetização, apenas o conhecimento ou reconhecimento
das normas e regras de funcionamento desse dialeto de prestígio. Nessa
perspectiva, acreditava-se que ensinar Língua Portuguesa era ensinar as regras da
gramática normativa; as classes gramaticais e as regras ortográficas que eram
estudadas de forma desvinculada da realidade cotidiana do uso da língua.
A concepção vigente era de que a língua funcionava apenas como expressão
do pensamento, a enunciação restringia-se a um ato monológico, pois acreditava-se
que a expressão se construía no interior da mente, portanto, o modo como se
constituíam os textos não dependiam em nada do contexto em que estavam
inseridos. A língua era concebida como um simples sistema de normas: acabado,
fechado, abstrato e sem interferência social. Em decorrência disso, a escola
considerava apenas a norma culta, ignorando todas as outras formas de uso da
língua consideradas corrupções da língua padrão. Assim, havia a exigência de que
os falantes deveriam usar somente a variante de prestígio, sempre com clareza e
precisão, de forma lógica, sem equívocos e ambiguidades.
O professor nessa concepção de linguagem evidencia as regras a serem
seguidas para a organização lógica do pensamento. Os conteúdos trabalhados
seguem essa direção, o texto serve apenas como pretexto para ensinar. O professor
como um avaliador, restringia-se a apontar os desvios linguísticos da norma padrão
e orientar os aprendizes a não cometê-los, corrigindo os problemas ortográficos e as
questões gramaticais.
Segundo Soares (2007), na década de 1960 surgiram novas condições
sociopolíticas que influenciaram o ensino de Língua Portuguesa, a democratização
20
da escola foi consolidada e houve uma mudança na clientela da escola pública, as
camadas populares passaram a ter acesso à escolarização. Naquele momento, os
objetivos da escola foram alterados, o contexto político buscava o desenvolvimento
do capitalismo por meio da expansão industrial. A lei introduziu a qualificação para o
trabalho, e o ensino 1º e 2º graus, tinha como finalidade fornecer recursos humanos
para o desenvolvimento industrial. Em virtude disso, as escolas adequaram seus
currículos, os conteúdos e objetivos buscavam basicamente instrumentalizar para o
trabalho.
Outra perspectiva se impõe para o ensino da língua materna, a gramática
perde a evidência, e o ensino de Língua Portuguesa deixou de ser concebido como
expressão do pensamento, e passou então, a ser regido pela teoria da
comunicação, foi então que a linguagem começou a ser percebida como instrumento
de comunicação. Assim, a disciplina que se chamava Língua Portuguesa passa a
denominar-se Comunicação e Expressão (1ª a 4ª séries) e comunicação em Língua
Portuguesa (5ª à 8ª series). Os objetivos são, agora, pragmáticos e utilitários,
tratava-se da necessidade de desenvolver e aprimorar os comportamentos dos
alunos
enquanto
emissores-codificadores
e
receptores-decodificadores
de
mensagens, para a utilização e compreensão de diversos códigos – verbais e nãoverbais, pois a principal função da linguagem era a transmissão de informações.
Já não se trata mais de levar ao conhecimento do sistema linguístico, mas ao
desenvolvimento das habilidades de compreensão de mensagens. Para atingir tais
objetivos, a escola recorria às teorias da Psicologia Associacionista que
fundamentava o ensino e conduzia sua operacionalização em uma pedagogia
tecnicista: o ensino da Língua Portuguesa se dava através de “técnicas” de redação,
e havia ênfase nas habilidades de leitura, sobretudo de textos informativos,
jornalísticos e publicitários, era também enfatizado o desenvolvimento da expressão
oral.
Essa perspectiva instrumental perdurou durante a década de 1970 e os
primeiros anos da década 1980.
No início dos anos 1980, o ensino de língua materna começou a mudar devido
ao surgimento de uma nova abordagem que concebia a linguagem como forma de
interação. Tal concepção recebeu contribuições advindas de várias correntes e
teorias de estudo da língua correspondentes à linguística da enunciação (Linguística
Textual, Teoria do Discurso, Análise do Discurso, Análise da Conversação,
Semântica Argumentativa, e todos os estudos ligados à Pragmática), que colocam
21
no centro da reflexão o sujeito da linguagem que é ativo em sua produção
linguística, o qual realiza um trabalho constante com a linguagem dos textos orais e
escritos. É importante salientar que o contexto político e ideológico da época da
redemocratização do país, contribuiu para mudança dos objetivos mais amplos para
o ensino de língua materna, que deixou de enfatizar apenas na comunicação, tão
valorizada nos tempos da ditadura militar e passou a enfatizar o sujeito da
aprendizagem, o aluno, como elemento ativo na construção do conhecimento e que
aprende na interação com o outro.
Neste estudo, adotamos a concepção dialógica de língua, que se contrapõe à
conceituação de linguagem apenas como expressão do pensamento ou como
veículo de comunicação, essas abordagens a consideram como um objeto
autônomo, sem historicidade e sem interferência do social. Koch (2003), versando
sobre essa concepção que também chama de dialógica, baseando-se em Bakhtin
faz a seguinte afirmação:
Adotando essa ultima concepção de língua, de sujeito, de texto, a
compreensão deixa de ser entendida como simples “captação” de uma
representação mental ou como a decodificação da mensagem resultante de
uma codificação de um emissor. Ela é uma atividade interativa, altamente
complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com
base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua
forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto
de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução no interior do evento
comunicativo. (p.17)
Ao contrário das concepções citadas anteriormente, esta abordagem situa a
linguagem como lugar de interação humana, como lugar de constituição de relações
sociais. Nessa perspectiva, o bom texto, segundo Koch (2003), é aquele em que o
escritor procura viabilizar o seu projeto do dizer, recorrendo a estratégias de
organização textual, orientando o leitor (interlocutor) através de sinalizações textuais
(indícios, marcas, pistas) para a construção dos possíveis sentidos; o texto
organizado estrategicamente de dada forma, de acordo com as escolhas feitas pelo
autor/ produtor, entre as diversas possibilidades que a língua oferece; o leitor, por
sua vez, a partir do modo como o texto se encontra linguisticamente construído, a
partir das sinalizações que o autor oferece, bem como pela mobilização do contexto
relevante a interpretação, vai proceder a construção de sentidos.
Até aqui, vimos que cada concepção de linguagem surgiu em um
determinado momento histórico, e que os objetivos para o ensino da Língua
22
Portuguesa
modificavam-se buscando atender às necessidades econômicas e
políticas de cada época.
No contexto sócio-histórico atual, e já tendo os conhecimentos científicos
bastante divulgados, tais conhecimentos, apontam para a concepção de linguagem
enquanto interação. Ainda assim, encontramos nas escolas, práticas pedagógicas
que concebem a língua enquanto expressão do pensamento ou como instrumento
de comunicação, supomos que isso acontece por lacunas na formação inicial e
continuada dos docentes, resistência de alguns professores a novas teorias por não
terem um conhecimento mais aprofundado das mesmas, ou ainda, porque na
escolas não há um espaço de reflexão sobre as práticas de linguagem.
Nesse sentido, para atender aos objetivos do ensino de língua, é necessário
que o professor desenvolva uma forma de ensinar que realmente seja produtiva e
que lhe permita refletir sobre o seu fazer pedagógico. Para romper com os
paradigmas tradicionais, o professor deve ter clareza, que não basta mudar apenas
os aspectos metodológicos, há uma questão mais ampla a ser resolvida antes de se
adotar uma nova metodologia e de se pensar em novos procedimentos
pedagógicos. Suassuna (2006) propõe que,
se adote numa visão ampliada de linguagem: não mais como „código‟, para
cujo domínio tenhamos que saber regras fixas; não mais o „veículo‟ do
pensamento verbal ordenado; não mais o sistema acabado, que paira sobre
nossas cabeças. E sim a linguagem prática simbólica sócio-histórica, forma
de ação entre os sujeitos, condição mesma da constituição desses sujeitos.
(p. 38)
A autora supracitada esclarece que há implicações pedagógicas na adoção
do conceito de interação e acrescenta que uma nova concepção de linguagem
implica em uma mudança no objetivo de ação pedagógica e na seleção dos
conteúdos a serem trabalhados. Concordamos com a autora de que é necessário
que haja compreensão das concepções de linguagem e de ensino da língua, para
que se possa refletir criticamente sobre a prática.
Muitos docentes, ainda hoje, resistem a mudanças no processo de ensino da
Língua Portuguesa. Tal fato revela-se nas práticas pedagógicas que são norteadas,
ainda, por concepções de linguagem percebidas hoje como cientificamente
ultrapassadas. No entanto, novas propostas de ensino estão sendo incorporadas no
plano de curso das redes públicas e particulares, e alguns professores têm se
esforçado para assimilá-las. Não estamos afirmando que tais propostas devem ser
aceitas pelos professores pelo fato de serem novas, defendemos que deve ser um
23
processo crítico e consciente. Como bem disse Freire (2006, p.41) “[...] face ao novo,
não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na
medida em que são válidos.” Acreditamos que os docentes devem avaliar
criticamente as antigas formas de ensinar e conhecer as novas teorias, desprezando
o que não é bom e adotando novas posturas
para melhorar as suas práticas
pedagógicas.
Nesse sentido, é consensual entre os estudiosos da linguagem a necessidade
urgente de uma ampla mudança de postura, visto que os alunos têm o direito de
aprender a língua de maneira dialógica e participativa para poder manejá-la com
eficiência, e a morosidade da teorização à prática, ainda é um entrave no ensino.
1.1.1 Concepções de ensino da escrita
É fundamental ao professor compreender os processos que levam o aluno a
produzir textos, para que possa planejar o ensino de forma mais eficiente.
Sercundes (1997) aborda as concepções de escrita de uma maneira bem específica,
após verificar episódios de produção e circulação de textos no interior das atividades
escolares, a autora encontrou basicamente dois tipos de práticas que respondem a
diferentes concepções do ato de escrever e a diferentes concepções metodológicas:
produções textuais sem atividade prévia, e produções textuais com atividade prévia.
O primeiro tipo, produções textuais sem atividade prévia, tem como
pressuposto a concepção de escrita como dom. Nessa perspectiva, as atividades de
escrita acontecem desvinculadas de qualquer atividade prévia que possa ativar os
conhecimentos dos alunos a respeito do tema a ser desenvolvido na produção
textual, ou seja, o professor propõe um tema, mas, não há nenhuma orientação para
subsidiar o aprendiz na construção de seu texto. O aluno é solicitado a escrever
acerca de assuntos sobre os quais nem sempre tem domínio, o que acaba por se
tornar uma atividade sem propósito, desvinculada de qualquer trabalho discursivo,
no qual o único objetivo é a avaliação.
A autora classifica ainda, um segundo tipo de produção textual, a escrita com
atividade prévia, que englobam a escrita como conseqüência e a escrita como
trabalho. Na abordagem da escrita como consequência os textos são produzidos a
partir de atividades prévias como: a leitura e interpretação de um texto, o estudo do
vocabulário, ou ainda um filme, uma palestra, um passeio, etc. Tais atividades
24
seguem o roteiro tradicional dos livros didáticos e servem apenas como pretexto
para a escrita, além de serem “previstas, controláveis, porque o material não é
formulado para o professor usá-lo, e sim para segui-lo” (SERCUNDES, 1997, p. 80).
No entanto, de acordo com a autora, o tempo dado para a produção textual
não é suficiente para a sedimentação do conhecimento, nesse processo, não é
possível incorporar vozes alheias ao texto veiculadas durante esse processo inicial,
para que as palavras do outro se tornem palavras próprias do aluno. A escrita é
vista, portanto, como resultante de um processo mecânico de aquisição de
informações através da leitura. O que existe é uma homogeneização do sentido, a
qual, conduzida pelo professor, induz os alunos a produzirem textos com um único
sentido.
A segunda abordagem de produção textual com atividade prévia é a escrita
como trabalho, nesta perspectiva, o ato de escrever não ocorre através de um dom
natural, ou apenas como decorrência de atividades escolares, mas do esforço
intelectual do escritor (aluno) e do planejamento de atividades por parte do
professor, já que se trata de um processo de construção contínuo, realizado em
vários momentos, como acreditam Fiad & Mayrink-Sabinson (1994): planejamento,
execução, leitura do texto e modificação, a partir da sua reescrita. Geraldi (1996,)
baseando-se em Bakhtin, também propõe a escrita como trabalho em um processo
de interação com atividades de refacção textual, em que o interlocutor determina o
movimento “inter-intra-inter individual”. (p. 137)
Sercundes (1997) corrobora com esses autores, de que a escrita como
trabalho “surge de um processo contínuo de ensino/aprendizagem”, possibilitando
“integrar a construção do conhecimento com as reais necessidades dos alunos” (p.
83), que passam a escrever na escola, conforme sugere Geraldi (1993),
constituindo-se sujeitos de seu dizer, com objetivos e interlocutores definidos. Dessa
forma, podem-se organizar procedimentos didáticos divididos por etapas, que
podemos chamar também de sequências didáticas. Desse modo, as etapas seriam:
leitura e discussão a respeito do assunto a ser estudado; levantamento e leitura de
textos extras a respeito do assunto; organização das ideias levantadas; execução do
texto. Assim, todas as atividades prévias darão suporte ao processo de produção.
Todavia, na concepção de escrita como trabalho, tais atividades, não servirão
apenas como pretexto, mas como ponto de partida para novas produções, as quais
poderão ser revistas a partir da leitura do texto pelo próprio autor, pelo professor ou
25
por outros alunos. Assim, depois de realizadas as etapas iniciais, prosseguiria o
trabalho de reescrita textual. Acreditamos que esse processo de construção do texto
ajude o aluno a se reconhecer como usuário da língua, tornando-o capaz de usar e
incorporar novas possibilidades que a língua oferece, e utilizá-la de maneira
adequada para expor suas ideias.
A autora destaca ainda, que esta forma de trabalhar a produção textual,
possibilita aos educandos entenderem como a experiência vivenciada e a
participação efetiva na sociedade pode influenciar na organização das ideias e na
clareza do texto. Quando o aluno consegue perceber a organização da língua, ele
descobre as várias possibilidades de discurso e se torna apto para absorver, ampliar
e usar o conhecimento a respeito de si e do mundo que o cerca. Assim, o texto
escrito é percebido pelo professor e pelo aluno como uma contínua construção do
saber, como uma produção elaborada a partir da interação.
Ressaltamos a importância dos saberes dos professores, o que estamos
chamando atenção aqui é que, a concepção de escrita do professor pode influenciar
na aprendizagem, é fundamental que os professores adotem uma postura críticoreflexiva como defendia Freire (1996) ao falar sobre os saberes necessários à
prática educativa diz que não nascemos sabendo, “que somos programados, mas
para aprender”. Portanto, aprender é inerente ao ser humano, assim, entendemos
que escrever é um conhecimento como outro qualquer, que pode e deve ser
ensinado e aprendido. Cabendo ao professor organizar o ensino da escrita de modo
a facilitar a aprendizagem.
Vamos retomar aqui a discussão da concepção do dom, que subjaz uma
prática onde os docentes encaminham as atividades de produção textual de forma
desarticulada e sem objetivos claros e definidos por conceberem que escrever não
se ensina, esse saber nasce com o indivíduo. Sobre esta abordagem, Suassuna
(2006) diz que
[...] a persistência do mito do dom, segundo o qual redação é algo que já se
nasce sabendo. Acreditando nisso, muitos professores de português
encaminham a produção escrita na escola de modo espontaneísta, e não
como instância articulada da prática da linguagem em geral [...] (p.91).
Parafraseando Guix (2008)3, acreditamos que
ensinar a produzir texto
acreditando que a escrita é um dom, significa ensinar aos alunos com dificuldades
No original: “Pertencer ao grupo dos „sem dons‟ nos transforma em eternos aprendizes de algo que,
de antemão, já sabemos que nunca aprenderemos.”(p.7,8)
3
26
na escrita, que esses, pertencem ao grupo dos „sem dons‟ o que os transforma em
eternos aprendizes de algo que, de antemão, já se sabe que nunca aprenderão.
Essa dinâmica é desenvolvida muitas vezes, pelos professores na prática de
sala de aula, ensinando a escrever sem acreditar que todos são capazes de
aprender, mesmo que não tenham consciência disso. Entendemos que nossas
aprendizagens derivam das oportunidades sociais que vivenciamos: pertencer a
uma determinada cultura, a educação que recebemos em nossa família ou na
escola, nos capacitam para desenvolver habilidades, como por exemplo, a escrita.
A Sociologia da educação de Pierre Bourdieu tem como grande mérito ter
fornecido as bases para um rompimento frontal com a ideologia do dom e com a
noção moralmente carregada de mérito pessoal. A partir de Bourdieu, com o
conceito de habitus4 tornou-se praticamente impossível analisar as desigualdades
escolares, simplesmente, como fruto das diferenças naturais entre os indivíduos.
(NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2006 p. 121)
Acreditamos que para que haja uma ruptura epistemológica com o senso
comum, é necessário que essas teorias sejam tratadas nas formações de
professores e que os esses passem a refletir mais sobre a sua própria prática. É
esse movimento teoria/ prática / reflexão sobre a prática que pode contribuir para
uma mudança qualitativa em relação ao ensino da língua, em particular, em relação
à produção de texto. Dito de outra forma, é o exercício da prática pedagógica, o
estudo da teoria que fundamenta a prática, o exercício dessa teoria e a reflexão
crítica, que podem favorecer uma mudança de paradigma. Não estamos defendendo
uma postura prescritiva, mas acreditamos que o pensar sobre, ou seja, a reflexão
sobre a ação, pode contribuir para que o docente atue com mais segurança e tenha
clareza de como atingir os objetivos para o ensino.
Neste estudo investigamos a avaliação do texto escrito, para dar
continuidade a essa discussão, consideramos imprescindível tratarmos sobre os
conceitos de redação e produção textual e as implicações nas condições de
produção e avaliação do texto.
4
O habitus seria a mediação entre a estrutura e a prática. Cada sujeito vivenciaria uma série de
experiências, em função de sua posição nas estruturas sociais, que efetivariam sua subjetividade,
constituindo uma espécie de “matriz de percepções e apreciações”, que orientaria suas ações nas
situações posteriores. O habitus seria, então, produto da incorporação das estruturas sociais e da
posição de origem pelo sujeito, que passaria a “estruturar as ações e representações dos sujeitos”
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p. 28).
27
1.1.2 Algumas considerações sobre a redação escolar
Alguns autores fazem uma diferenciação entre redação e produção de texto.
Então, poderíamos nos perguntar: o que diferencia a redação da produção de texto?
Não será apenas uma questão de nomenclatura?
Estudos indicam que a
terminologia “redação escolar” traz implícita a ideia de uma escrita para fins de
treinamento, Geraldi (1993), nos ajuda a esclarecer esta questão estabelecendo
uma dicotomia entre produção textual e ensino de redação. Segundo o autor, no
trabalho com redação os textos são produzidos para a escola; já na perspectiva da
produção textual, produzem-se textos na escola.
Britto (1990), também faz algumas criticas a redação escolar. Em primeiro
lugar, atenta para o fato de a mesma não ser uma atividade real de significação,
mas “uma atividade linguística artificial,” cujo objetivo é treinar o aluno nas “técnicas
da escritura.” Dito de outra forma, o aluno não lê um texto pelo valor que possa ter,
nem o redige como um ato interlocutivo de fato, mas como treinamento. Do mesmo
modo, o professor não “lê” o texto; ele avalia a produção do aluno em função de
seus “erros e acertos.” Em segundo lugar, o autor refere-se a “coisificação” do texto,
isto é, o texto como “coisa”, sem interlocução e sem sujeito. Seu início e fim é a
correção “e por isso pode ser jogada fora depois que o professor atribui uma nota”
(BRITTO, 1990: p. 19).
Em outro momento, Britto (2002), classifica a redação como um gênero que
só se escreve na escola,
[...] caracterização da redação escolar enquanto um gênero escolar, que se
subdivide em dissertação, narração e descrição, desvinculado do exercício
efetivo de leitura e escrita, que se realiza no interior de uma disciplina.
(p.108).
Dificilmente será solicitado ao educando, fora dos muros da escola, que redija
uma narração ou uma descrição. Já à dissertação, talvez esta seja solicitada em
concursos e vestibulares, e nem todo vestibular, visto que atualmente, está sendo
adotada por algumas universidades a redação mimética, ou seja, produção textual a
partir dos gêneros discursivos.
Marinho (1997), também faz uma diferenciação entre redação e produção de
texto, segundo ela, a prática de produção de textos não deve ser confundida com o
exercício de redação. Na redação, os alunos escrevem um texto com um tema
proposto pelo professor, em que geralmente, não foi pensado e trabalhado
28
anteriormente, é o exercício de redação, que se dá numa situação artificial e forçada
no emprego da língua, constituindo-se numa atividade de produção de textos para a
escola, para o professor. Esse modelo se escora na visão de escrita como dom.
Os autores supracitados convergem em um ponto: a redação escolar é uma
proposta de escrita que não propicia situações reais de interesse, ou seja, há uma
certa artificialidade nos textos, como se produzir texto na escola fosse uma tarefa
desprovida de sentido.
Geraldi (1993) propõe que ao se produzir um texto é necessário que se tenha
o que dizer, se tenha uma razão para dizer, se tenha um interlocutor desse dizer.
Nesse sentido, mesmo em uma conversa, há um projeto discursivo em jogo, ou seja,
o interlocutor tem algo a dizer, tem um discurso a materializar, tem um interlocutor
com quem interage.
Já na redação “escolar” não, em vista disso, as redações
comumente apresentam muita escrita e pouco texto (pouco discurso), pois o projeto
discursivo não está claro para o estudante.
Ao propor produções textuais em que o aluno não tenha o que dizer e,
principalmente, para quem dizer, ou seja, interlocutores, a escola realiza uma
atividade que se desenvolve mecanicamente. São exemplos disso, produção textual
a partir da observação de uma gravura, sem o estabelecimento de uma interação,
sem que o aluno tenha algo relevante a dizer, tais atividades podem ser
consideradas apenas “preenchimento de folhas em branco”, assim, os aprendizes
repetem muitas vezes a mesma coisa no texto, com o intuito de completar a
quantidade de linhas estipuladas pelo professor. Tais exercícios de redação têm a
finalidade de preparar o aluno para um depois, como se hoje, fosse uma não vida, e
não orienta, para uma relação interdiscursiva, são atividades artificiais que não
constroem sujeitos autores e produtores de discursos.
1.1.3 Produção textual na perspectiva dos gêneros
Devido às influências que vieram de muitas direções, principalmente do
campo da pragmática, das perspectivas interacionais de linguagem que contribuíram
para uma ampliação de paradigma que afetaria a concepção de língua, de escrita,
de texto, surge uma outra compreensão
do conceito
de
redação. A redação
tradicional passa a ser questionada, ganharam força às teorias sócio-discursivas,
favorável ao ensino dos gêneros do discurso. Nessa abordagem, o texto deixa de
29
ser visto como uma estrutura tipológica, e passa a ser concebido como um gênero,
possibilitando um trabalho de produção textual mais significativo para o educando.
Tal proposta aponta para a necessidade de se priorizarem, no ensino de leitura e de
escrita, as interações discursivas entre os sujeitos, bem como, inserir os aprendizes
em práticas de escritas mais próximas da realidade.
Nesse sentido, Marcuschi (2006) traz uma reflexão sobre redação,
considerando a teoria dos gêneros, quando o gênero “redação escolar” é utilizado
como objeto de ensino, compreende pelo menos dois subgrupos: redação clássica
ou endógena e redação mimética. O primeiro grupo denominado redação clássica,
refere-se ao texto presente na tradição escolar. Pode ser solicitada a partir da
indicação de um tema, de uma tipologia textual, ou mesmo dos dois ao mesmo
tempo. O tema das redações geralmente envolve algum evento, data comemorativa
(dia das mães, dia da árvore, dia do estudante, natal, etc.), alguma ocorrência na
comunidade ou simplesmente reproduz assuntos tradicionais da cultura escolar
(minhas férias, uma aventura, um passeio). Nesses casos, o tema acaba se
transformando muitas vezes no próprio título do trabalho do aluno, costuma ser
escrito no quadro ou explicitado oralmente pelo professor, sem que seja fornecida
qualquer orientação de planejamento do texto. È a redação clássica propriamente
dita
O segundo grupo denomina-se redação mimética, relativamente recente no
ambiente escolar, não pode ser compreendida desconsiderando a enorme
contribuição oferecida pelos estudos de Bakhtin (1994) às questões discursivas da
linguagem, nem da abordagem mais ampla oferecida pela escola de Genebra,
sobretudo por Schneuwly e Dolz (2004), no que concerne a transposição didática 5
dos gêneros textuais.
A redação mimética é hibrida, pois é elaborada “a moda de um determinado
gênero textual,” sem, contudo perder as características do gênero redação, ou seja,
ao mesmo tempo em que ela preserva as características de gêneros que circulam
em contextos sociointeracionais diversos, conserva igualmente os traços de uma
redação tipicamente escolar, pois se constitui um objeto de ensino e de
5
Cf. Chevallard (1991) Transposição Didática: Trata especificamente da transformação que passa o
saber, ou seja, do processo de transposição de saberes ensinados na escola.
30
aprendizagem com função nitidamente pedagógica. A redação mimética envolve
ações que se inter-relacionam com encaminhamentos de uma avaliação formativa.
A autora destaca que apesar dos dois procedimentos mencionados (clássico
e o mimético) levarem a produção de uma redação escolar, é fundamental que o
professor dê prioridade ao trabalho com o segundo grupo, a redação mimética, dada
a contribuição que esta pode oferecer a construção da textualidade e a formação de
um aluno produtor de texto autônomo e competente. (MARCUSCHI, 2006, p. 65)
Nesse aspecto concordamos com a autora em priorizar o trabalho com a
redação mimética, por acreditarmos que a produção de textos é uma atividade em
que se produzem discursos. De acordo com Bakhtin (1994), é na interação verbal,
estabelecida pela língua com o sujeito falante e com os textos anteriores e
posteriores, que a palavra (signo social e ideológico) torna-se real e ganha
diferentes sentidos conforme o contexto. Para este autor, os modos de dizer de cada
indivíduo são realizados a partir das possibilidades oferecidas pela língua e só
podem se concretizar por meio dos gêneros discursivos. Os gêneros discursivos são
enunciados relativamente estáveis, veiculados nas diferentes esferas de atividade
humana.
Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se
tivéssemos que recriá-los pela primeira vez no processo da fala, se
tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação
verbal seria quase que impossível. (BAKHTIN, 1994 p.302).
Partindo dessa citação, podemos considerar que os gêneros discursivos são
inerentes a língua. Portanto, tornam-se objeto de ensino, uma vez que se
concretizam nos textos que circulam na sociedade. Os gêneros discursivos são
inúmeros e sofrem constantes mudanças e hibridizações, categorizá-los não é uma
tarefa fácil.
Todavia, no processo de transposição didática se faz necessário essa
categorização. Sobre esse aspecto, Soares (1999), afirma que para ensinar tem
escolarizar, que é um processo inevitável e necessário, é inerente ao âmbito escolar.
Segundo ela, a questão não está em escolarizar ou não os conhecimentos, mas em
escolarizá-los de forma adequada. Nesse sentido, a escolarização inadequada de
conhecimentos é que deve ser criticada e não á escolarização em si.
Nessa perspectiva, acreditamos que a proposta de Dolz e Schneuwly (2004),
seja mais adequada no processo de escolarização dos gêneros. Os autores
sugerem que os gêneros discursivos podem ser agrupados, no processo de ensino-
31
aprendizagem, em função de regularidades. Propõem agrupamentos dos gêneros
em ordens, a partir do domínio social (áreas de atividade humana em que circulam);
tipologia (estrutura, construção composicional) e capacidades de linguagem: do
narrar; do relatar; do argumentar; do expor e do prescrever. Nessa perspectiva, o
gênero discursivo é tomado como objeto de ensino de língua e o texto, como
unidade de significação e de ensino: elemento integrador, sem artificialidade, das
práticas de leitura, análise lingüística, de produção e refacção textual.
No tocante ao trabalho com os gêneros discursivos em sala de aula Antunes
(2009) elenca as implicações pedagógicas desse trabalho das quais vale a pena
citar as seguintes:
 os textos tanto orais como escritos, com suas normas, passariam a ser objeto
de estudo, mesmo nos primeiros anos do ensino fundamental. Poderia ter fim
o monopólio da gramática e a velha prática de usar o texto como pretexto
para encontrar classes de palavras que os alunos precisam aprender a
reconhecer e classificar;
 as atividades de escrita deixariam a perspectiva generalizada e indefinida e a
escola passaria a nomear os textos, ou seja, não seria apenas redação.
 recobraria pleno sentido o estudo das estruturas composicionais dos textos,
visto que todo texto se concretiza numa determinada forma de construção
que engloba certa sequência de elementos, mais ou menos, estipulados. Se
somos capazes de empiricamente de reconhecermos a que gênero pertence
um determinado texto, é porque identificamos as formas prototípicas de eles
se concretizarem numa determinada sequência;
 as regras gramaticais ganhariam seu caráter de funcionalidade, uma vez que
seriam exploradas de acordo com as particularidades de cada gênero são
exemplos: o estudo dos pronomes de tratamento seriam estudados no
trabalho com o gênero carta ou de outros tipos de comunicação interpessoal
e, não, a partir das sequências de classes de palavras; as diferenças nos
modos e usos dos tempos verbais ganhariam sentido quando trabalhadas em
um determinado gênero narrativo, descritivo ou expositivo; uma noticia por
exemplo, apresenta uma sequência de fatos que se evidencia pelo uso de
verbos no pretérito e por expressões que marcam sequência temporal; os
conectivos argumentativos mereceriam um estudo particular quando fossem
analisados gêneros dissertativos ou opinativos e assim por diante;
32
 as atividades de compreensão superariam a expectativa de simplesmente
entender o texto, ou a semântica de seu conteúdo, para atingirem propósitos
comunicativos com que foi posto em circulação. Ou seja, deve-se ir além do
sentido para identificar também as intenções pretendidas pelo autor, as quais
se expressam nas palavras e em muitos outros sinais;
 o estudo dos gêneros possibilitaria aos alunos perceber como a elaboração e
compreensão de um texto resultam da conjunção de fatores internos e
externos à língua, essa conjunção poderia fundamentar, inclusivamente a
prática de análise linguístico-pragmática de mal entendidos e de conflitos, de
impressões ou ambigüidades, atestados em uma comunicação;
 esses e outros objetivos influenciariam na avaliação, os conceitos de „certo‟ e
„errado‟, formas quase exclusivas de se avaliar na escola, cedessem lugar a
outras referências, reveladoras da relação entre língua e contexto, entre um
interlocutor e outro, entre dizer e fazer. Nessa perspectiva, o bom texto não
seria visto, simplesmente pela ótica da correção gramatical;
 no trabalho com os gêneros, as dificuldades de produção e de recepção dos
textos seriam mais facilmente atenuadas e progressivamente superadas,
devido a familiaridade dos alunos com a diversidade dos gêneros que os
deixaria aptos para, além de produzir, favoreceria a capacidade de alterar os
modelos e criar outros novos;
 cada gênero, constitui uma espécie de classe, de agrupamento particular,
representa um conjunto de textos com semelhanças formais muito próximas.
Assim, cada gênero admite subtipos no interior de seu próprio escopo. Cita
como exemplo, a „carta‟ que corresponde a diferentes configurações (carta de
amor, de recomendação, de cobrança, de apresentação, de solicitação de
protesto, de demissão, de leitor, etc.). Por essas e outras razões, os gêneros
textuais permitem que se apreenda o funcionamento da língua como parte de
muitas e diferentes relações histórico-sociais; por isso mesmo, um
funcionamento complexo e heterogêneo.
As implicações, observadas por Antunes (2009), são bastante pertinentes, e
nos levam a duas ideias básicas: que o trabalho na perspectiva dos gêneros
discursivos pode ser mais eficiente na produção e avaliação do texto escolar e que
pode impedir que o texto escolar seja apenas produto de treinamento ou
33
coisificação6. Por outro lado, para que isso aconteça é necessário que o docente se
instrumentalize teoricamente para que as atividades realizadas não sejam
encaminhadas apenas como técnicas em si mesmas, independente de sua base
teórica, mas que seja resultado de uma atividade consciente e reflexiva por parte do
professor. (SUASSUNA, 2006).
Em relação à avaliação, acreditamos que para avaliar é necessário
estabelecer critérios e que o professor terá mais condições de avaliar os textos dos
alunos, tomando como um primeiro critério trabalhar produção textual partindo do
gênero devido a contribuição que este pode oferecer a construção da textualidade 7.
Além desse critério, outros são relevantes, como discutiremos mais adiante.
1.2 Concepções de Avaliação
Há, pois, na avaliação, um olhar que é retrospectivo – vê o que foi feito
antes – e outro prospectivo, que aponta para futuros rumos e para futuras
opções. (Irandé Antunes)
Como já discutimos anteriormente, temos como pressuposto básico que a
prática educativa adotada pelo docente traz imbuída concepções que podem
justificar as decisões e as perspectivas priorizadas no ensino e na avaliação.
Suassuna (2006), ao abordar os paradigmas da avaliação, afirma que esta
não é uma prática neutra, ou seja, ela se dá numa sociedade historicamente
determinada, a partir de condições concretas, dentro de um quadro de valores que
confere justificativa e coerência. A opção por um determinado modelo de avaliação
relaciona-se com opções epistemológicas, éticas e políticas, as quais correspondem
a uma visão de mundo, conforme objetivos e resultados pretendidos. (SUASSUNA,
2006)
Silva (2006) corroborando com essa ideia, afirma que avaliar é um ato
político, sempre vinculado a um modelo de sociedade. Quando esse modelo é
neoliberal, a avaliação é classificatória, competitiva e excludente; quando o modelo é
não-liberal, a avaliação é educativa, solidária, includente e emancipadora (SILVA,
2006). Consequentemente, o debate sobre avaliação educacional não pode ser visto
6
Tratar o texto como coisa, que só serve para exercitar a língua, ensinar regras, mas não funciona
socialmente, como esfera de interlocução.
7
“Por textualidade, então, se pretende considerar a condição que têm as línguas de somente
ocorrerem sob forma de textos e as propriedades que um conjunto de palavras deve apresentar para
poder funcionar comunicativamente”. (Antunes,2009 p.50)
34
como um embate meramente técnico, de técnicas avaliativas, mas uma discussão
político-pedagógica e epistemológica.
Nesse sentido, podemos questionar: quais concepções de avaliação norteiam
a prática pedagógica dos docentes? Para responder a essa questão, abordaremos
duas principais concepções de avaliação. De acordo com Suassuna (2006) muitos
autores do tema convergem que
existiriam dois grandes paradigmas de avaliação: um, caracterizado pela
classificação, pelo controle, pela competição, pela meritocracia que
chamamos aqui de avaliação tradicional ou classificatória, e outro,
caracterizado pelos aspectos formativo, processual, democrático – que
chamaremos aqui de reguladora ou formativa (p.27)
Nesta discussão, utilizamos o termo avaliação somativa quando nos referimos
a avaliação tradicional ou classificatória e avaliação formativa quando nos referimos
a uma avaliação de caráter democrático e processual . O objetivo desse debate é
analisar a relação entre as concepções pedagógicas e os significados assumidos
pela avaliação no contexto escolar, em particular, relacionadas com as práticas
avaliativas da produção textual. Refletiremos sobre o papel do professor; a visão do
erro nas duas abordagens ressaltando a concepção de língua que subjaz em cada
uma delas.
1.2.1 A avaliação do texto em uma perspectiva somativa
Também conhecida como avaliação classificatória, cujo principal objetivo é
determinar o grau de conhecimento do aluno. Não leva em consideração as
subjetividades e discrimina os modos diferentes de se perceber a aprendizagem.
Todavia, o que queremos enfocar é que a avaliação deve ir muito alem do terreno de
medir, controlar e classificar.
De acordo com Marcuschi (2004), a avaliação somativa é aquela que ocorre
na escola em períodos demarcados, sem o propósito de interferir no processo de
ensino-aprendizagem, mas de fixar etapas para o tratamento do conteúdo por parte
do docente. Essa abordagem tem como função punir, premiar, rotular e classificar o
aluno. Esse tipo de avaliação enfatiza o certo ou o errado, o verdadeiro ou o falso,
não há respostas parcialmente aceitas. Nesta concepção a avaliação é vista como
um fim em si mesma, desvalorizando por conseqüência, os conhecimentos e as
35
competências dos alunos. O processo de construção do conhecimento não é
valorizado, enfatiza-se o produto cujos resultados traduzem-se em notas.
A avaliação do ensino da língua materna no Brasil tem sido tradicionalmente
realizada na perspectiva somativa, a principal preocupação é atingir uma avaliação
objetiva, que possa ser quantificada, priorizando na avaliação as violações
detectadas na estrutura da língua. Trata-se de uma perspectiva que concebe e
avalia a língua como código.
Nessa abordagem, o erro é sempre visto como falha, falta, lacuna. As
intervenções do professor, ao verificar o desvio em relação aos objetivos e
conhecimento previamente estabelecidos deveriam reconduzir o aluno a atingir
esses mesmos objetivos e conhecimentos conduzindo o aprendiz a “corrigir a rota”
(SUASSUNA, 2006).
Suassuna (2006) versando especificamente sobre o ensino da língua materna
afirma que
a avaliação não se configura como um processo dialógico, reduzindo-se
muitas vezes, a uma mera aferição do conhecimentos metalingüístico
acabado (nomenclaturas e classificações), ou de verificação de erros
presentes na superfície textual (como os de ortografia, por exemplo). (p.
2008)
De acordo com a autora, essa forma de avaliar o ensino da língua materna
tem a ver com a própria origem do ensino de português baseado nas gramáticas
normativas tradicionais, nas quais a língua é concebida como um código, exterior
aos sujeitos e deslocados dos contextos sociais de uso.
Em relação à concepção de escrita como código, Marcuschi (2004) afirma
que dificilmente um professor que trabalhe a escrita como codificação, sem requerer
investimento de autoria por parte do aluno, e que valorize, sobretudo, o acerto
gramatical e ortográfico, irá considerar na avaliação de redações, o processo de
construção textual vivenciado pelo aprendiz. Não se espera igualmente que estimule
e avalie as atividades de planejamento, revisão e refacção textual. No máximo, será
solicitado ao aluno que passe o texto a limpo, eliminando os erros cometidos no
texto, todavia não há a preocupação com uma avaliação interativa.
36
1.2.2 A avaliação do texto em uma perspectiva formativa
Em seus estudos sobre avaliação, Suassuna (2006) afirma que a abordagem
formativa é um paradigma em construção que está comprometido com uma
educação democrática; que busca qualificar o ensino e a aprendizagem; tem uma
função diagnóstica; enfatiza aspectos qualitativos, considera não apenas os
resultados, mas o processo de produção desses resultados. A natureza formativa da
avaliação remete não para a correção do rumo e a homogeneidade, mas para o
movimento próprio das relações pedagógicas e da linguagem. (SUASSUNA, 2006).
Esta
abordagem
fundamenta-se
no
paradigma
das
aprendizagens
significativas8, que se aplicam em diversos contextos e se atualizam o quanto for
preciso para que se continue a aprender, prezando por uma educação continuada.
Somente neste contexto, é possível falar em avaliação inicial e final, que contribui
para o desenvolvimento das capacidades dos alunos e amplia a qualidade de
ensino, prevendo-se que os sujeitos possuem ritmos e processos de aprendizagem
diferentes.
Ao contrario da abordagem somativa, a avaliação formativa não acontece na
escola em períodos demarcados, mas é processual, isto é, ocorre durante todo o
processo de ensino-aprendizagem. Nessa perspectiva valoriza-se o processo e não
apenas o produto, o foco avaliativo não se resume, portanto, apenas a constatar se
a tarefa foi bem resolvida ou não, atribuindo-se a partir daí uma nota, a verificar
erros e acertos, mas em observar e descrever a capacidade do aluno em mobilizar e
articular recursos da língua. Nessa concepção o que interessa é regular o ensino
para adaptá-lo ao aluno e levá-lo a construir os conhecimentos pretendidos.
O erro nessa abordagem é observado a partir de seu aspecto positivo, pois
demonstra as hipóteses construídas pelo aprendiz, ou seja, o que ele já sabe e
indica ao professor o que precisa ser ensinado sobre o conhecimento avaliado. O
erro não pode ser entendido como falta total de conhecimento, concebendo o aluno
como uma tábula rasa, mas deve ser analisado como elaborado, ainda que
parcialmente, como aponta Vygotsky (1994), com o conceito de Zona de
8
“Este paradigma está inserido em um complexo de paradigmas que seguem diversos credos
teóricos e políticos, que legitimam vários projetos de sociedade e que compõem o imenso leque de
tentativas de superação da crise da sociedade capitalista transformando-a, em oposição aos
paradigmas que intencionam apenas aperfeiçoá-las” .Cf. SILVA (200? p. 9)
37
Desenvolvimento Proximal, que se constitui como um dos níveis das funções
psicológicas
superiores,
estabelecendo-se
pelo
processo
de
elaboração
compartilhada, algo em que a criança, a pessoa ou o próprio sujeito é ajudado por
outra pessoa mais experiente a desenvolver sua aprendizagem.
Assim será possível dizer que o individuo “ajudado” reelaborará seus
conceitos, suas ideias, seus pensamentos, suas sistematizações, para depois
concretizar seu aprendizado, é o que Vygotsky denomina como Zona de
Desenvolvimento Real, estabelecendo novamente a dialética entre o aprender e o
desenvolver; é possível detectar também que a ideia de superação é fundamental
para Vygotsky, isto se pode perceber quando ao tratar dos níveis de
desenvolvimento, ele ressalta a importância da interação entre a criança e o outro
em um nível mais avançado, pois com a ajuda do outro, a criança pode ter
impulsionado o seu desenvolvimento cultural, levando a sua superação, indo além
do nível em que se encontrava. O que antes se tratava de um nível de
desenvolvimento potencial, com a ajuda do outro se torna um nível de
desenvolvimento real e, assim sucessivamente. Essa visão do erro enquanto
elemento do processo de ensino-aprendizagem trazida por Vygotsky, contempla
como deve ser a compreensão do “erro” na perspectiva da avaliação formativa.
Nesse sentido, é fundamental explicitar o papel do erro que, nesta concepção,
em lugar de provocar sanção ou falta, passa agora a ser tratado de uma outra forma,
porque demonstra os saberes do aprendiz construídos ou os que estão
em
construção. Para ilustrar, pegamos emprestado um exemplo de Marcuschi (2004),
em uma redação, o aluno introduz outros textos sem a necessária atribuição de
autoria, não é o momento de puni-lo, desqualificando sua tentativa como uma cópia,
mas de valorizar sua iniciativa, trabalhando com ele a citação e a inserção de outras
vozes no texto.
A avaliação formativa associada ao ensino da Língua Portuguesa em
particular a produção de texto, como defende a autora, deve ser regido com base
em atividades linguísticas socialmente pertinentes e motivadoras, às quais subjaz a
noção de língua como atividade, como interação, concebendo-se o texto como um
processo. Nesse caso, em relação à avaliação textual, a primeira versão de um texto
elaborada pelo aluno, nunca será a definitiva e os problemas identificados irão
assumir papel relevante no plano didático do professor. Aliás, a primeira versão será
também submetida a outros leitores, que não apenas o docente, conscientizando
38
assim seu autor de que o texto necessita de uma estruturação mínima para que
possa ser compreendido por um destinatário exterior.
1.3. Avaliação da produção textual e a adoção de critérios
Para começar a pensar o que, e como avaliar o ensino da produção textual, é
necessário que reflitamos sobre quais critérios adotar. Diversos pesquisadores têm
se dedicado a investigar essa temática Evangelista, e outros (1998), Leal e
Guimarães (1999), Geraldi (1995), Val (1991, 2009), Marinho (1997) Marcuschi
(2004), entre outros . Esses estudos defendem que o processo de avaliação deve
ser conduzido a partir de uma análise criteriosa das condições de produção do texto
na escola, apontam como deve ser tratada pelos docentes a avaliação da produção
textual, em particular os critérios que devem ser estabelecidos para ensinar a
produzir textos.
Há vários anos, Val (1991) analisou redações de candidatos do exame
vestibular da UFMG. A autora defende que um texto será bem compreendido
quando avaliado sob três aspectos: o primeiro, o pragmático, que tem a ver com seu
funcionamento enquanto atuação informacional e comunicativa; o segundo
semântico-conceitual, de que depende a sua coerência; e terceiro, o formal, que diz
respeito à sua coesão. Segundo Val, uma avaliação que pretenda respeitar o texto
do aluno e percebê-lo na sua totalidade deve levantar alguns questionamentos: dada
situação comunicativa, as características e as disposições dos interlocutores, e o
tipo textual, essa produção linguística se mostra aceitável? Tem continuidade?
Apresenta progressão? Mostra-se não-contraditória e bem articulada? Faz uso
adequado dos recursos coesivos que servem à expressão dessas qualidades? É
suficientemente clara e explícita na apresentação das informações? Comporta um
mínimo de novidade que possibilite reconhecê-la como manifestação personalizada
e capaz de atrair a atenção do leitor?
A autora afirma que as respostas a essas perguntas não são redutíveis à
exatidão de valores quantitativos, mas passam inevitavelmente pela interpretação e
pelo bom senso de quem lê o texto, isto é, estão mais diretamente relacionados com
a competência textual, que determina a capacidade das pessoas de produzir e
interpretar textos.
39
Val destaca que a preocupação da escola de avaliar as redações escolares
com objetividade tem resultado em esquemas de correção e atribuição de notas dos
quais se tiram pontos quando às convenções relativas à ortografia e pontuação são
violadas. Ou seja, a avaliação acaba privilegiando os aspectos mais superficiais do
texto escrito, que nada te a ver com a essência do texto, ou com a textualidade, mas
que são suscetíveis a avaliação objetiva.
A autora defende que o ensino do texto escrito só teria a ganhar se a escola
buscasse respeitar dizer do aluno. “A interação comunicativa de verdade é um
processo essencialmente intersubjetivo: são as pessoas que produzem e
interpretam os textos, e entram nesse jogo com toda a sua individualidade” (VAL,
1991 p.36). Nesta citação, Val sugere que o professor deve avaliar considerando
principalmente o sentido do texto e valorizar o dizer do aluno/autor.
Os resultados do estudo apontam que o maior problema de grande parte das
redações analisadas não se encontrava na superfície do texto, ou seja, não
apresentavam violações significativas da norma culta e traziam poucas falhas no
tocante à utilização do código escrito (ortografia e pontuação), mas continham
problemas relacionados aos aspectos cognitivos da macroestrutura que tem a ver
com a eficiência pragmática do discurso, que
tem relação direta com o
conhecimento de mundo. A autora constatou que os textos não se tornariam
melhores se fossem corrigidos, sem os erros gramaticais.
Esse dado aponta duas questões: a primeira, os vestibulandos revelaram um
desempenho satisfatório na aprendizagem dos aspectos superficiais (ortografia,
pontuação, forma) que dependem de instrução e treinamento, mas que, não são
suficientes para garantir a textualidade e a qualidade de um texto. A segunda
questão revela a necessidade de uma mudança no sentido de ampliar as
aprendizagens necessárias ao trabalho de escrita; para isso, deve-se criar
oportunidades significativas de produção de textos, que permitam uma progressiva
familiaridade com os mecanismos da escrita.
Para Val (1991), as redações dos vestibulandos, a maioria certinhas e
arrumadinhas, mas desinteressantes e inconsistentes, são fruto das condições de
produção a que foram submetidos os autores, não só na hora do vestibular, mas na
maioria das vezes que foram solicitados a escrever na escola. Dessa forma, ela
sugere que “é hora de mudar a rota”, e estabelecer novos objetivos para o ensino de
língua materna. Em sua pesquisa, Val adverte que o grau de textualidade de uma
40
produção linguística é determinado por sua coerência e que o fator que tem mais
importância é a informatividade. Esses componentes se localizam no plano lógicosemântico-cognitivo, e não no formal, que tem merecido destaque nas avaliações
das redações escolares. A autora reitera que é tarefa do professor dar conta da
globalidade do fenômeno da interação comunicativa, considerando o texto em suas
três dimensões básicas: a formal, a conceitual e a pragmática visando o pleno
desenvolvimento da competência natural do aluno.
Outro estudo que segue a direção apontada por Val é o de Geraldi (1995),
quando traz a ideia de que o docente não deve deter-se na observação apenas
superficial do texto, sugerindo que na avaliação deve-se privilegiar o trabalho com os
níveis: estrutural, sintático, morfológico e fonológico do texto. As atividades didáticas
devem ser encaminhadas levando-se em conta uma certa categorização, de
problemas presentes nos textos dos alunos, tal categorização, pode ser assim
detalhada:
 problemas de ordem sintática: questões relativas às diferentes formas de
estruturação dos enunciados e às correlações sintagmáticas do tipo
concordância, regência e ordem dos elementos no enunciado;
 problemas de ordem estrutural: referentes a questões de configuração do
texto como um todo, seus objetivos, suas seqüências;
 problemas de ordem morfológica: centrados nas diferentes possibilidades de
construção de expressões referenciais e nos processos de flexão e
construção de itens lexicais;
 problemas de ordem fonológica , englobariam desde as formas de inscrição,
na escrita, das entoações da oralidade, até as convenções ortográficas.
Baseando-se nesses autores Marinho (1997) propõe que se avalie o texto: no
plano semântico conceitual e no plano formal, partindo dos fatores responsáveis
pela textualidade e sugere ainda que utilizando marcas convencionais que
assinalam objetivamente todos os problemas que de alguma forma tenham
contribuído para prejudicar o texto, e ainda, incentivando o trabalho de revisão e
reescrita do texto, o professor estará se colocando como interlocutor de seus alunos.
Evangelista e outros (1998) realizaram um estudo que trata da avaliação do
texto escolar intitulado “Professor-leitor, aluno-autor”. Tal estudo, consistiu em
avaliar redações de alunos da 5ª série do Ensino Fundamental e da 2ª série do
Ensino Médio da rede escolar estadual de Minas Gerais durante os anos de 1994 e
41
1995. Esse trabalho propõe um conjunto de diretrizes teórico-metodológicas sobre o
ensino e avaliação da escrita. Em 2009 o referido estudo foi reeditado com um novo
título “Avaliação do texto escolar: Professor-leitor, aluno-autor9”, com alguns
acréscimos que não constavam na primeira versão, como a ampliação e explicitação
do conceito de gênero textual e suas implicações na avaliação.
Nesse estudo Val e outros (2009), consideram três dimensões fundamentais
para formular os critérios de avaliação de um texto: a discursiva (o texto
convenceu?), a semântica (o texto foi compreendido?) e a gramatical (o texto
apresenta uma “gramática” adequada?). De acordo com os autores, o processo de
produção textual integra três atividades diferentes, mas inter-relacionadas:
1. A atividade relativa à situação, que consiste em considerar e interpretar os
elementos que compõem o contexto comunicativo (quem fala ou escreve, para quê,
para quem, por meio de que suporte, onde e quando) e se posicionar diante deles;
2. A atividade cognitiva, que consiste em pensar sobre o tema do texto, ativando
conhecimentos armazenados na memória, relacionando-os com aqueles advindos
de novas situações interlocutivas, articulando-os de forma a produzir novas ideias e
novas maneiras de compreender a questão tratada e organizando-os num texto que
pareça lógico, coerente e interessante para seus potenciais leitores;
3. A atividade de verbalização, que consiste em traduzir em palavras e frases as
próprias intenções comunicativas, compondo um texto coeso, elaborado numa
variedade adequada à situação.
Na produção de um texto, é fundamental, ainda, que o aluno conheça as
estruturas típicas de cada gênero. Além de uma leitura global, que permite um
primeiro acesso ao conteúdo do texto, é necessária uma leitura detalhada, que
priorize os elementos textuais e os recursos linguísticos e gramaticais empregados
pelo autor.
Na verdade o que os autores atentam nesse estudo, é que o processo de
avaliação de um texto, especificamente no contexto escolar, não deve se orientar
pela simples identificação de falhas, em função de parâmetros absolutos que
separam o certo e o errado. Os autores defendem que se o objetivo do ensino é que
os alunos compreendam e dominem efetivamente o funcionamento da escrita, é
preciso, redimensionar o processo de avaliação, dando-lhe um alcance mais amplo.
9
Val e outros (2009)
42
Em outras palavras, sugerem avaliar o texto numa perspectiva discursiva,
considerando a multiplicidade de situações do uso da escrita e explicitando para o
aluno em que aspectos seu texto parece adequado ou inadequado para as
condições de leitura previstas.
Leal e Guimarães (1999) também realizaram uma pesquisa que nos serviu de
subsídio teórico, analisando como as professoras avaliavam os textos narrativos
escritos por alunos das séries iniciais. A pesquisa foi realizada com 160 professoras
das cidades de Recife (PE) e Teresina (PI) das redes municipal e particular de
ensino. Os resultados apontaram que as professoras explicitam que é importante
considerar aspectos estruturais, ortográfico-gramaticais e organizacionais, e foram
coerentes com estes critérios quando avaliaram os textos. No entanto, não houve
uma confluência dos critérios em função das características essenciais do que seria
um texto (ter unidade de sentido, ter interlocutores, objetivos, mediar situações de
interação). Foi observado que houve falta de clareza desses aspectos, parece ter
havido apenas uma compensação entre aspectos estruturais e ortográficogramaticais. Por outro lado, os aspectos ortográfico-gramaticais pareciam estar
sendo avaliados apenas pela quantidade de violações e não pela riqueza de
recursos linguísticos utilizados para manutenção temática e expressividade do texto.
Os resultados da pesquisa, segundo as autoras, remetem à necessidade de
se aprofundar questões junto aos professores: que estes não fiquem restritos aos
aspectos superficiais dos textos; possam refletir mais sistematicamente acerca do
que vem a ser realmente um texto e até a explorarem melhor as características dos
mesmos; importância de redimensionar o ensino de gramática, de modo a propiciar
ao aluno o uso de recursos que tornem o texto mais interessante e coerente, de
modo que não se use o texto como pretexto para o ensino de gramática, nem se
restrinja ao ensino de teorizações desvinculadas do texto.
Ferreira e Morais (2006), versando sobre o que avaliar quando se ensina a
produzir textos escritos citam a pesquisa de Leal e Guimarães (1999)10, explanada
anteriormente, e comentam que algumas professoras tendiam a hipervalorizar a
correção da superfície textual e julgavam “bem escritas” os textos
que não
apresentavam problemas ortográficos, pontuação, emprego de maiúscula e
segmentação de palavras. Já outras professoras, valorizavam “o que o aluno tinha
10
Como as professoras avaliam os textos narrativos das crianças? (Leal e Guimarães 1999)
43
conseguido dizer”, a originalidade, criatividade do discurso produzido pela criança,
independentemente das violações ortográficas e gramaticais cometidas pelos
alunos.
Ferreira e Moraes (2006) afirmam que aquelas duas tendências avaliadas
pelas docentes da pesquisa de Leal e Guimarães, dizem respeito a duas dimensões
inerentes a atividades de produzir textos. Uma dimensão diz respeito à
convencionalidade da notação escrita, que engloba não só ortografia, mas outros
aspectos da gramática, como, por exemplo, o emprego da concordância verbonominal e da regência, o manejo dos tempos verbais, etc. A outra dimensão, pode
variar conforme as especificidades de cada gênero, um texto precisa cumprir certas
exigências de organização: informatividade, coerência, coesão, uso de pontuação e
paragrafação, etc. Os autores acrescentam ainda, que avaliar precisa ser uma
atividade em que o professor analisa o que o aluno foi capaz de produzir, para a
partir dessa constatação, ajudá-lo a melhorar, sugerindo três critérios básicos para o
ensino e avaliação do texto escrito:” a adequação a situação
de interação;
textualidade e normatividade”.
Um outro estudo que tratou da avaliação da produção textual e que serviu de
subsídio nesta pesquisa, foi o realizado por Marcuschi (2004),
o propósito da
pesquisa era analisar como são construídas pelos professores de língua portuguesa
as categorias avaliativas dos textos escritos. A pesquisa foi realizada com trinta e
três professores de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas da
capital e região metropolitana do estado de Pernambuco, o estudo constou de
entrevistas com os professores e análise dos textos dos alunos depois de corrigidos
e avaliados dos pelos docentes.
Os resultados apresentados por Marcuschi (2004) apontam que os docentes
tanto no discurso como na prática avaliativa, acionaram valores que consideraram
importantes na construção textual. Tais valores, orientam-se do ponto de vista
lingüístico, pelos fenômenos que podem ser observados na superfície do texto,
tomada de modo holístico, quando se trata da higienização da redação e, de modo
analítico, quando se trata de cumprir os mandamentos da gramática tradicional. Isso
faz com que oscilem de uma avaliação detalhista (ortografia, concordância verbonominal, pontuação), até uma
avaliação global impressionista, sem critérios
consistentes. Tais conclusões, se semelham aos resultados encontrados por Leal e
44
Guimarães (1999), que também apontaram que os professores visualisam mais
facilmente nos textos os aspectos superficiais e não têm critérios consistentes.
Marcuschi (2004) constatou ainda que os professores valorizaram a atitude
monológica na avaliação da redação, ignorando que os alunos estão imersos em
práticas sociais. Para os docentes investigados, os alunos escrevem mal porque
lêem pouco ou não lêem. Tal afirmativa entra em conflito com a exigência desses
mesmos docentes de não serem incorporadas outras vozes na redação, com isso,
afastam ainda mais a atividade escolar dos usos sociais da escrita e de uma
concepção dialógica de linguagem.
A
autora
sugere
futuras
investigações
que
considerem
o
caráter
eminentemente sócio-interativo da linguagem e seus usos discursivos, incentivando
que esse é um aspecto promissor que exige novas e aprofundadas investigações,
que deverão levar a uma mudança de atitudes diante da língua e dos textos, bem
como, a uma renovação dos critérios de analise da produção discursiva do aluno.
De um modo geral os estudos citados convergem em um ponto, que o
professor não deve avaliar o texto superficialmente, direcionando o olhar apenas
para as violações gramaticais cometidas pelos alunos, mas devem observar o texto
em sua totalidade estabelecendo critérios claros e, sobretudo, procurar entender o
que o aluno/autor quis dizer, buscando perceber as diversas dimensões do texto, o
que e como este diz, em uma atitude de interação, partindo desse entendimento a
avaliação estará a favor do aluno e não contra ele, e o professor estará efetivamente
ensinando a escrever bons textos e não apenas apontando erros, que muitas vezes,
apenas mostram o que está errado e não ajudam as crianças a perceberem como
escrever melhor, pelo contrário faz com que percam o estímulo e o gosto pela
escrita .
Esse estudo tem como ponto de partida analisar as marcas deixadas pelos
professores nos textos dos alunos no processo de correção e avaliação, observando
os critérios estabelecidos, portanto, consideramos importante
tecer alguns
comentários acerca dos modos de se corrigir e avaliar.
1.4 A correção e avaliação da produção textual
Podemos afirmar que correção e avaliação textual são operações parecidas
que se relacionam, mas que tem funções diferentes. Por serem diferentes, implicam
45
em procedimentos também diferenciados. Na correção, o professor faz a leitura do
texto e indica para o aluno os aspectos que precisam ser melhorados, através de
anotações registradas no texto. Já na avaliação, o professor faz apreciações, ou
seja, elabora uma opinião, um parecer, ou um juízo de valor sobre o conhecimento
construído, baseado nos critérios estabelecidos.
Tanto a correção quanto a avaliação são operações bastante delicadas. No
que se refere à correção, o importante é atribuir ao aluno um papel ativo na
reelaboração de seu texto, utilizando não só as indicações do professor, mas
também as de seus colegas. A correção de um texto não é uma tarefa simples,
muito pelo contrário, trata-se de uma atividade complexa, envolvendo aspectos que
vão, desde a subjetividade, até as técnicas de corrigir e avaliar
Em relação à correção, Serafini (1987) aponta seis princípios que considera
essenciais a uma boa metodologia de correção:
1) a correção não deve ser
ambígua, o que deve ser mudado, na opinião do professor, deve estar bem
especificado/claro para o aluno; 2) os erros devem ser reagrupados, catalogados e
classificados especificados o tipo, as categorias dos erros devem ser claras não só
para o professor, mas também para o aluno; 3) o aluno deve ser estimulado a rever
as correções, compreendê-las e trabalhar sobre elas; 4) o professor deve corrigir
poucos erros em cada texto, evitando abordar muitos pontos ao mesmo tempo. A
capacidade do aluno de concentrar sua atenção sobre os erros e compreende-los é
limitada. 5) o professor deve estar predisposto a aceitar o texto escrito pelo aluno,
evitando preconceitos em relação à linguagem, ao tema, ao estilo do mesmo; e 6) a
correção deve ser de acordo com a capacidade do aluno, abordar apenas erros que
o aluno tem maturidade para corrigir. Tais princípios levam o professor a corrigir de
maneiras diferentes o texto do aluno, a autora classifica três tipos de correção a
primeira é a correção indicativa que
Consiste em marcar junto à margem as palavras, as frases e os períodos
inteiros que apresentam erros ou são pouco claros. Nas correções desse
tipo, o professor frequentemente se limita à indicação do erro e altera muito
pouco; há somente correções ocasionais, geralmente limitadas a erros
localizados, como os ortográficos e lexicais. (Serafini, 1987, p.113)
Percebemos na prática e, sobretudo, nesta pesquisa, que esse tipo de
correção é bastante freqüente, a maioria dos professores faz uso dela para corrigir
os textos dos alunos. O segundo tipo de estratégia e correção destacado pela autora
é a resolutiva que
46
Consiste em corrigir todos os erros, reescrevendo palavras, frases e
períodos inteiros. O professor realiza uma delicada operação que requer
tempo e empenho, isto é, procura separar tudo que no texto é aceitável e
interpretar as intenções do aluno sobre os trechos que exigem uma
correção; reescreve depois tais partes, fornecendo um texto correto. Neste
caso, o erro é eliminado pela solução que reflete a opinião do professor.
(Serafini, 1987, p.113)
De acordo com a autora, nenhuma das duas tendências, põe em prática os
princípios básicos de uma correção eficaz; Serafini aponta um terceiro tipo, a
correção classificatória,
Tal correção consiste na identificação não-ambígua dos erros através de
uma classificação. Em alguns desses casos, o próprio professor sugere as
modificações, mas é mais comum que ele proponha ao aluno que corrija
sozinho seu erro. (1987, p.114)
Esse método de correção, segundo a autora, respeita os princípios de uma
boa correção, porque não é ambíguo, ou seja, os erros são demarcados com
precisão, isto é, são classificados, permitindo o reagrupamento e a classificação dos
erros, nesse tipo de correção geralmente o professor cria códigos que são do
conhecimento do aluno e classifica os erros cometidos no texto. Com essa
codificação, o aluno por sua vez, quando recebe o texto, sabe que tipo de erro
cometeu e busca refazê-lo e corrigi-lo.
Ruiz (2001) parte da classificação feita por Serafini (1987), porém em sua
pesquisa, encontra mais uma forma de correção utilizada pelos professores e
complementa essa categorização, propondo um quarto tipo que denomina textualinterativa:
Trata-se de comentários mais longos do que os que se fazem na margem,
razão pela qual são geralmente escritos em seqüência ao texto do aluno (no
espaço que aqui apelidei de pós-texto). Tais comentários realizam-se na
forma de pequenos “bilhetes” (manterei as aspas, dado o caráter especifico
desse gênero de texto) que, muitas vezes, dada sua extensão, estruturação
e temática, mais parecem verdadeiras cartas.Esses “bilhetes”, em geral, têm
duas funções básicas: falar acerca da tarefa de revisão pelo aluno (ou, mais
especificamente, sobre os problemas do texto), ou falar meta
discursivamente, acerca da própria tarefa de correção pelo professor. (p.
63)
Essa estratégia é utilizada para reforçar positivamente, elogiar a tarefa
realizada ou para destacar algo que não ficou claro durante a atividade. Esse quarto
tipo de correção, segundo a autora, complementa as lacunas deixadas pelas outras
formas de corrigir um texto, acima expostas, já que estabelece comunicação direta,
estabelece um diálogo com o aluno-escritor. O que diferencia esta proposta de
47
correção da anterior é o seu caráter interativo. Tal proposta, corrobora com as ideias
apresentadas por Marinho (1997) como podemos observar nessa citação:
É necessário que o professor se coloque como interlocutor de seus alunos e
não mais como avaliador de seus textos. Nos exercícios de redação, os
textos dos alunos são corrigidos pelo professor-avaliador, que assinala seu
“erros” ou “incorreções”e, depois de devolvidos aos alunos, não são sequer
comentados, mas muitas vezes jogados fora. O professor tem o trabalho de
corrigir todas as redações assinalando os problemas encontrados, e
algumas raras vezes comentando-os, para depois, em sala, perder todo
esse trabalho uma vez que, devolvendo-os aos alunos simplesmente, sem
alertá-los para os problemas apresentados, sem levá-los a reescrever seus
textos procurando sanar esses problemas, por exemplo, não dá
continuidade ao que havia começado. (MARINHO, 1997 p. 89).
Evangelista e outros (1998), também fazem algumas considerações em
relação à correção de textos e mencionam que há duas maneiras de se olhar, ou
“reparar”, o texto do aluno, a primeira, adotada por professores concebem a língua
como código e corresponde a uma perspectiva normativa e prescritiva. Na correção
do texto do aluno são abordados apenas os aspectos gramaticais, o aluno não é
estimulado a ler o seu próprio texto e refletir sobre suas dificuldades. Essa
perspectiva reforça a afirmação das autoras de que na tradição escolar, a avaliação
tem se orientado pela busca de erros gramaticais.
A segunda, adotada por professores que concebem a linguagem como
processo de interação, para eles, o domínio da língua não depende apenas do
conhecimento de regras gramaticais, mas da relação dessas regras com as regras
pragmáticas e discursivas envolvidas no processo de comunicação. Dessa forma, o
primeiro passo, para corrigir-se o texto do aluno é o estabelecimento de um “jogo
interlocutivo”, cuja prioridade é a busca do sentido do texto. Interessa, portanto, ao
professor, observar a correspondência da produção do aluno com a proposta
solicitada, o que o aluno tem a dizer e ainda de que estratégias ele se utiliza para
dizer. O professor deve atentar, sobretudo, para a inter-relação forma, conteúdo e
contexto.
Assim, na prática pedagógica, o professor não deve privilegiar um tipo
específico de correção em detrimento de outro, visto que todos têm seu grau de
importância e se complementam mutuamente. O que ele deve fazer é realizar sua
correção de maneira clara, sem ambigüidade, para que o aluno possa realmente
entender o que precisa ser melhorado em seu texto. Além disso, esse professor
precisa ser, de acordo com Ruiz (2001), co-autor do texto do aluno e não um mero
48
observador que realiza apenas correções superficiais, sem considerar o texto em
seus aspectos temáticos e composicionais, pontos também essenciais.
CAPÍTULO 2 - Metodologia
50
Neste capítulo, inicialmente apresentamos os objetivos deste estudo. Em
seguida, explicitamos a nossa opção em relação ao caminho metodológico que
traçamos para a coletar analisar os dados empíricos aqui apresentados. Depois
apresentaremos
os
sujeitos-participantes
e,
finalmente,
especificamos
os
instrumentos de coleta os quais constituímos nosso corpus.
2.1 Objetivos
2.1.1 Geral

Analisar as práticas avaliativas da produção textual de professoras do 5º ano
do ensino fundamental.
2.1.2 Específicos

Identificar as concepções de língua, escrita e avaliação subjacente ao
trabalho das docentes através dos aspectos priorizados na correção dos
textos produzidos por seus alunos;

Compreender as estratégias de correção das mestras através das anotações
(marcas deixadas pelas professoras) nos textos produzidos pelos alunos;

Analisar os critérios de avaliação materializados na correção através das
marcas deixadas pelas professoras nos textos dos alunos.
Alves-Mazzotti e Gewandszajder (1998, p.160) partem do principio “de que
não há metodologias boas ou más em si, e sim metodologias adequadas ou
inadequadas para tratar um determinado problema”. Os autores recomendam que
antes de iniciar a descrição dos procedimentos metodológicos, o pesquisador deve
fazer referência ao paradigma adotado para tratar os dados da pesquisa. Nesse
estudo, os dados são tratados preferencialmente de um ponto de vista qualitativo,
devido à complexidade do objeto que nos propusemos analisar, as concepções do
professor e as marcas deixadas por ele nas produções textuais dos alunos. Tais
dados são carregados de subjetividade com características complexas e
diferenciadas.
Isso
não
significa
abandonar
a
quantidade,
ao
contrário,
corroboramos com Marcuschi (2001) quando defende que quantidade e qualidade
não se opõem, mas podem ser associadas:
51
A discussão da relação entre análise qualitativa e quantitativa não se limita
a contrapor interpretações e cálculos, pois ambas podem ser combinadas e
cada uma oferece suas vantagens e desvantagens. O essencial é que se
tenha presente, sempre, os objetivos da investigação e que em todos os
casos se ande bem calçado por uma teoria de base. (p.40).
Assim, os dados são tratados sob uma perspectiva quantitativa, quando
necessário utilizar cálculos para entender ou explicar resultados, como por exemplo,
tabelas com percentuais numéricos. Todavia, o viés que direcionamos esse estudo é
de cunho qualitativo. De acordo com Richardson (1999, p. 80):
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a
complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas
variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos
sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e
possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das
particularidades dos comportamentos dos indivíduos.
Desse modo, acreditamos que a abordagem supracitada é imprescindível
para compreendermos e interpretarmos a complexidade do objeto que nos
propusemos a investigar, por nos parecer mais adequada, resolvemos adotá-la
neste estudo.
O corpus desta pesquisa provém de duas fontes:
 entrevista semi-estruturada com as docentes,
cujo objetivo foi com
compreender as concepções de língua, escrita e avaliação que possuíam e a
relação das mesmas, com suas práticas avaliativas.
 a correção realizada pelas professoras nos textos das crianças, cujo objetivo
é identificar os procedimentos de avaliação através da intervenção das
docentes, materializada no texto do aluno. Essas modalidades foram
necessárias para que pudéssemos responder as questões por nós levantadas
na pesquisa.
2.2 Os sujeitos participantes do estudo
Cinco professoras do 5º ano11 do ensino fundamental que atuam em escolas
públicas da rede estadual de Pernambuco todas localizadas na cidade de Olinda. A
preferência pelo 5º ano se deu por acreditamos que os alunos já estão alfabetizados
11
Antiga 4ª série, o 5º ano é considerado ultimo ano das series iniciais.
52
e nessa fase da vida escolar já devem vivenciar uma prática efetiva de produção
textual na escola.
As professoras participantes da pesquisa, atenderam a um perfil mínimo: ser
efetiva na turma e não substituta, estar atuando na rede pública de ensino do Estado
de Pernambuco em turmas regulares. A quinta professora participante da pesquisa
entrou na pesquisa depois, ao longo da coleta de dados, resolvemos incluir mais
uma docente que tivesse uma prática considerada boa, reconhecida na comunidade
escolar, para checar se traria alguma contribuição diferenciada à pesquisa. Um outro
dado que consideramos importante ressaltar, é que, duas participantes da pesquisa
trabalham como professoras na mesma escola em que a pesquisadora exerce a
função de coordenadora pedagógica.
Traçamos o perfil das professoras a partir das informações obtidas na
entrevista. Em relação à idade, as entrevistadas tinham entre 27 e 47 anos. Quanto
ao tempo de experiência no magistério, apenas uma professora tinha menos de 10
anos de sala de aula, todas as outras mais de 15 anos de profissão. É importante
acrescentar que três das cinco entrevistadas tem uma jornada dupla de trabalho,
algumas lecionando mais de uma classe, uma delas desempenhando função
administrativa na escola.
No que diz respeito à formação escolar, todas encontram-se inseridas no
nível superior, uma tem licenciatura em Letras e quatro em Pedagogia. Duas das
cinco participantes da pesquisa já realizaram estudos a nível de pós-graduação,
duas estavam cursando especialização no momento da entrevista, e apenas uma
está concluindo a graduação em Pedagogia.
As professoras entrevistadas são identificadas por pseudônimos, ou seja,
escolhemos nomes fictícios para preservar a identidade das mestras. Vejamos a
descrição de cada participante da pesquisa:
Edina tem 47 anos, tem 28 anos de experiência no magistério. Cursou o
ensino fundamental na década de setenta
concluindo o magistério em 1978.
Graduada em Pedagogia pela Universidade de Pernambuco, na Faculdade de
Nazaré da Mata
Osana tem 27 anos e oito anos de experiência como professora, todos na
rede pública. Cursou o primeiro grau, e o magistério, na mesma escola pública
concluindo no ano de 2000. Atualmente cursa Pedagogia na Universidade Católica
de Pernambuco.
53
Vera tem 44 anos e 25 de experiência no magistério. Cursou o primeiro grau e
o magistério na mesma instituição pública. É formada em Letras com licenciatura em
Português e Francês pela Funeso (Fundação de Ensino Superior de Olinda).
Atualmente está cursando Especialização em Coordenação e Gestão Pedagógica
na Facho (Faculdade de Ciências Humanas de Olinda)
Jessica tem 40 anos e 16 anos de profissão, 15 na rede privada e 9 anos na
rede pública (jornada dupla). Cursou Pedagogia na Facho (Faculdade de Ciências
Humanas de Olinda)
e
fez Especialização em Educação Especial na Funeso
(Fundação de Ensino Superior de Olinda).
Terzia tem 44 anos e 18 anos de exercício da profissão. Cursou o ensino
fundamental e médio em uma escola particular tradicional do Recife. Graduou-se em
Pedagogia
pela
Especialização
Universidade
em
de
Arte-educação
Pernambuco,
atualmente
na
(Universidade
UNICAP
está
cursando
Católica
de
Pernambuco).
2.3 Os instrumentos de coleta
2.3.1 Entrevistas
As entrevistas realizadas com as professoras, sujeitos dessa pesquisa,
tiveram um caráter semi-estruturado, isto é, com questões abertas, assim como
apontam Lüdke e André (1986). Segundo Alves Mazzoti & Gewandsnajder, (2004)
“[...] a entrevista é uma técnica de “natureza interativa, permite tratar temas
complexos que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente
através de questionários, explorando-os em profundidade (...), a entrevista
pode ser a principal técnica de coleta de dados, ou ser parte integrante da
pesquisa” (p.168).
Iniciamos a entrevista partindo de questões constantes no roteiro (em anexo),
com perguntas flexíveis para todos os sujeitos entrevistados, através de tópicos que
consideramos fundamentais. Todavia, durante a conversa deixamos que as
professoras falassem livremente sobre a temática, e até de outros assuntos que não
estavam diretamente ligados ao tema. Em alguns momentos da entrevista, os
professores se antecipavam e respondiam as perguntas que seriam objeto de uma
indagação posterior. Fizemos outras questões que não estavam no roteiro, que
54
fluíam naturalmente. Assim, as questões não tiveram uma sequência rígida12. É
importante salientar, que a entrevista está em convergência com a proposta teórica
por nós defendida nesta pesquisa, a de língua como interação, como diálogo que
permite essas negociações.
A entrevista foi dividida em dois blocos. No primeiro bloco, as professoras
foram solicitadas a falar sobre suas concepções acerca da linguagem e avaliação,
sobre o ensino de língua portuguesa, mais especificamente, da produção de textual.
Buscamos entender um pouco como as professoras pensam sobre a própria
avaliação e sobre o próprio ensino. No segundo bloco, tratamos das memórias do
professor: como foi avaliado, como seus textos eram corrigidos pelos professores.
Essas questões foram importantes para verificar se há alguma semelhança na forma
como o docente avalia e como ele foi avaliado. Acreditamos que essas questões são
fundamentais para ajudar a perceber a compreensão do professor sobre esses
aspectos. (entrevista roteiro em anexo)
As entrevistas foram realizadas de abril a outubro de 2009, de acordo com a
disponibilidade
de
horário
das
professoras,
totalizando
cinco
professoras
entrevistadas.
Todos os relatos foram gravados em áudio e o tempo de duração das entrevistas
variou entre cinquenta minutos e duas horas. Procedemos depois da coleta de
dados a transcrição das gravações. Nesse processo, destacamos o conteúdo das
respostas e enfatizamos o que era essencial para responder as questões por nós
levantadas na pesquisa.
Após transcrever as entrevistas, como caminho metodológico, procedemos
com
a
análise
do
conteúdo
da
seguinte
forma:
primeiramente,
lemos
cuidadosamente cada entrevista. No segundo, momento organizamos uma tabela
com todas as perguntas e respostas das entrevistas objetivando ter uma visão geral
do material coletado.
No terceiro momento, voltamos diversas vezes a cada
entrevista e alternamos leituras de trechos de relatos de outras pesquisas sobre a
mesma temática. Buscamos com estas estratégias analisar os relatos das docentes
12
Durante a entrevista fizemos algumas indagações acerca das condições de produção tendo em
mãos os textos dos alunos corrigidos pelas docentes, algumas não continham enunciados, então,
perguntamos como havia ocorrido; se o texto era um resumo, ou o reconto de uma fábula, ou uma
fábula criada pelo aluno, etc. Essa conversa teve como objetivo entender as propostas de atividades,
para posteriormente fazer uma análise mais consistente das avaliações praticadas pelas mestras.
55
tentando perceber a materialidade do discurso a partir do referencial teórico que
embasa esse estudo.
2.3.2 Análise documental: a produção textual dos alunos
Escolhemos a análise documental por se constituir numa técnica valiosa de
coleta de dados, no caso da presente pesquisa, os documentos analisados foram os
textos dos alunos, cujo objeto de análise foram as correções realizadas pelas
docentes nessas produções textuais.
Considera-se como documento qualquer registro escrito que possa ser
usado como fonte de informação. Regulamentos, atas de reunião, livros de
frequência, arquivos etc. (...). No caso da educação livros didáticos,
registros escolares, programas de curso, planos de aula, trabalhos de
alunos são bastante utilizados.” (ALVES MAZZOTI e GEWANDSNAJDER,
2004, p. 169)
De acordo com Marinho (1997), ao corrigir as redações, o professor usa
certas marcas gráficas convencionais, ou seja, códigos de correção. Normalmente
usam-se tais códigos para facilitar a atribuição de nota ao texto avaliado. Um texto
todo marcado graficamente pelo professor está repleto de “incorreções” e
normalmente os códigos utilizados assinalam problemas referentes apenas ao
aspecto formal do texto: são marcados por problemas de estruturação de períodos,
morfossintaxe, pontuação e ortografia. Não se costumam usar códigos que se
refiram aos problemas textuais como contradições, circularidades, desarticulações
das ideias, entre outros. Essas marcas que o professor deixa no texto do aluno no
momento da correção e da avaliação serviram de subsídio e rica fonte de dados
nessa pesquisa.
Em relação aos documentos, foram analisadas: (a) as concepções de
linguagem, acreditamos que tais concepções se revelam nos tipos de atividades
propostas, nos gêneros textuais indicados na produção textual e nos critérios
adotados na avaliação, materializados nos aspectos linguísticos destacados na
correção (marcas deixadas pelas professoras) nos textos escritos pelas crianças.;
(b) as concepções de avaliação, materializadas nos procedimentos de correção dos
textos, nas estratégias de correção das mestras ; Desejamos ver efetivamente nos
documentos, essa materialidade da avaliação escrita.
56
No inicio da entrevista, solicitamos as mestras os textos escritos pelos alunos
após corrigidos por elas. Procuramos garantir o acesso aos textos antes de começar
a fazer as perguntas, para que estes fossem objetos de discussão durante a
entrevista. O quadro a seguir nos fornece um panorama geral do quantitativo de
textos obtidos:
Tabela 1 : Número de textos disponibilizados pelas professoras
Número de textos
com
marcas avaliativas
Número de textos
sem
marcas avaliativas
% de textos sem
marcas
avaliativas
Total de textos
disponibilizados
Osana
29
-
0
29
Edina
17
03
15
20
Vera
17
04
19
21
Jessica
12
01
07
13
Terzia
15
-
0
15
TOTAL
90
08
08
98
Professoras
Esta tabela como finalidade quantificar a presença ou ausência de indícios
avaliativos deixados pelas professoras nos textos dos alunos. Ao analisá-la,
observamos que a maioria dos textos, disponibilizados pelas docentes, trazem
alguma marca avaliativa que evidenciam os problemas identificados na produção
escrita.
É relevante explicar que dos noventa e oito textos fornecidos pelas mestras,
obviamente não utilizamos todos na análise, o critério que elegemos para incluir
como exemplo na dissertação, foi à freqüência do tipo de correção e dos critérios de
avaliação, ou seja, os exemplos de correções mais comuns, são os escolhidos como
amostra na pesquisa.
No capítulo a seguir analisamos os dados da pesquisa tomando por base o
suporte teórico previamente definido, bem como as entrevistas realizadas e as
correções analisadas.
CAPÍTULO 3 – Análise dos dados
58
Nesta etapa do trabalho, apresentamos de forma mais sistemática e
detalhada a análise dos dados coletados a partir do discurso sobre avaliação da
produção textual e das marcas produzidas pelas professoras na correção da
produção textual de seus alunos. Direcionamos nosso olhar para seus depoimentos,
buscando entender suas concepções de língua e de ensino da escrita com a
finalidade de responder as questões por nós levantadas neste estudo, sem perder
de vista nosso objetivo, que consiste em analisar as práticas avaliativas da produção
textual das professoras do 5º ano do ensino fundamental.
Analisamos o que as docentes dizem e fazem na avaliação da produção escrita:
quais as condições de produção textual oferecidas aos alunos; com a finalidade de
identificar as concepções de ensino da escrita, analisamos as correções feitas pelas
mestras no intuito de compreender as estratégias de correção através das
anotações (marcas deixadas pelas professoras) nos textos produzidos pelos alunos.
Tais marcas nos possibilitaram analisar os critérios de avaliação estabelecidos pelas
professoras.
3.1 As concepções das professoras sobre o ensino da escrita
Iniciamos nossa reflexão buscando entender as concepções de ensino da
escrita das docentes, por acreditarmos que tais concepções são determinantes na
prática do ensino da língua.
Ao analisarmos os relatos das professoras, facilmente identificamos o
discurso da ideologia do dom que consiste em atribuir a habilidade em escrever a
uma aptidão inata que o individuo já traz consigo antes de ingressar na escola, como
uma dádiva concedida pela natureza. Para captar o entendimento das professoras
sobre a escrita, propomos a seguinte questão:
P13: Você acha que produzir texto é algo que pode ser ensinado?
E14: Eu acredito que você pode orientar, você dá as ferramentas,
mas a produção do texto em si não se ensina.
13
P: pesquisadora
59
P: Porque você acha que não se ensina?
E: Eu acredito assim, não sei se eu sou metódica, mas, a produção
de texto se torna um dom. Mecanicamente qualquer pessoa faz um
bilhete, mas, um romance, só escreve quem tem um dom. É como se
fosse assim, escrever textos que emocionem é um talento, você
nasce com aquilo e desenvolve na escola ou num ambiente que
favoreça aquilo ali. Mas, escrever um bilhete, uma lista, qualquer um
consegue. (Osana)
Observamos nesse depoimento, que a professora Osana considera que os
textos mais comuns do dia-a-dia, como no caso do bilhete, pode ser ensinado, no
entanto, os textos valorizados socialmente que carregam o sentido de uma escrita
de maior complexidade e elaboração como o exemplo do romance, “só escreve bem
quem tem dom”, ou seja, é uma produção escrita destinada apenas aos escritores
de fato. Portanto, para a docente, textos que emocionem é questão de talento, não
pode ser ensinado, o indivíduo traz consigo ao nascer e apenas desenvolve na
escola as habilidades pré-existentes. Em síntese, esse dado parece apontar que, na
compreensão da professora, o papel da escola seria apenas aperfeiçoar a
habilidade em escrever, e não propriamente ensinar.
A professora Vera quando questionada se produzir texto é algo que pode ser
ensinado, diz o seguinte:
E: Também, né? Acho que tem que ser ensinado, porque tem toda
uma norma a ser seguida, diferentes tipos de texto.
Ao iniciar sua fala usa a palavra “também”, quando questionada sobre o
sentido que empregou essa palavra, explica:
E: È porque às vezes, as pessoas já nascem, já é inato do aluno, tem
coisas que ele traz que agente não ensina a ele, [...] Porque tem gente
que já tem uma certa aptidão, já como tem pra português, tem pra
matemática.
Neste trecho, vemos que professora Vera também apresenta uma concepção
de ensino da escrita como um dom. Embora afirme que tem que ser ensinado e
enfatize a norma, em seguida, expressa que tem coisas que a criança traz que não é
ensinado, e usa as palavras: inato e aptidão na explicação do “também”. Nesse
sentido, esse depoimento traz uma certa semelhança com os pressupostos
apresentados pela professora Osana.
14
E: entrevistada
60
Um dado que chamou nossa atenção no que se refere às concepções de
ensino da escrita, foi perceber o uso do verbo orientar ao invés do verbo “ensinar,
parece que a palavra ensino é algo tenso para a maioria das professoras
participantes da pesquisa, que ao serem questionadas sobre o ensino da escrita
preferiram utilizar o termo orientar. Vejamos como dizem:
E: Pode ser orientado, dando as dicas: pontuação, parágrafo, etc.
(Jessica)
E: Bom, o nosso trabalho é justamente ensinar, mas a produção de
texto, acho que tem muito a ver com orientação, é porque você
encontra alunos que tem facilidade de escrever, então,
de
pequeninho ele já fala, ele não escreve mas, ele já produz texto
oralmente.
Ele faz uma leitura de imagem pega um livro uma
gravura, faz aquela pseudoleitura. Então, nosso trabalho na quarta
série é orientar mesmo. (Edina)
A professora Jessica é sucinta em sua resposta e diz apenas que pode ser
orientado.
Já no relato da professora Edina, percebemos um conflito, no primeiro
momento, ela afirma que o trabalho do professor é justamente ensinar, mas, esse
“mas”, conjunção adversativa, se contrapõe ao que foi dito anteriormente, ou seja, o
ensino, a docente defende que tem a ver com “orientação,” que alguns alunos têm
mais “facilidade” em escrever, afirma que desde pequenina a criança fala e produz
textos oralmente, logo depois, reafirma que o trabalho do professor, é “orientar
mesmo”. Nesse relato vimos que a professora demonstra incerteza em relação ao
ensino e defende que alguns têm mais facilidade em escrever e que, tal facilidade
tem a ver com “orientação”, que percebemos aqui como dom. Sobre associar a
facilidade em escrever a um dom Lins e Silva (2004) diz o seguinte:
Associar a facilidade com a escrita a um “dom” revela uma concepção de
escrita destinada a poucos privilegiados: aqueles que, tendo facilidade para
escrever, escrevem livros a serem publicados. Um “dom” herdado na
família [...] A concepção do dom justifica a naturalidade e a facilidade em
escrever, dissimulando as desigualdades nas competências em escrever,
ao se considerar ser uma habilidade pré-destinada a poucos na cultura
escolar (p. 173).
A autora nessa citação nos ajuda a compreender as concepções sobre o
ensino da escrita das professoras, quando associaram a facilidade em escrever a
um dom ou aptidão, ressaltando que tal facilidade, dissimula as desigualdades na
escrita, criticando essa forma de conceber o ensino, nos remete a uma questão: se a
61
habilidade em escrever é inata e pré-destinada a poucos, para que se ensinar a
produzir textos?
Em contrapartida, no depoimento da professora Terzia, quando questionada
sobre o ensino da produção textual, fica claro que ela acredita que escrever pode
ser ensinado. Vejamos o que ela diz:
E: Os nortes são necessários, agora, é muito bom você também dar
o espaço para a liberdade do aluno de escrever, porque aí vai ser
uma análise muito mais ampla, quando você tenta já direcionar para
uma coisa, você às vezes, perde essa parte tão importante que é
você resgatar do aluno o que ele está tendo de compreensão.
Porque, agente vê aí o problema do letramento, que é a questão de
que você até decodifica as coisas, mas, quando chega na hora de
uma produção esbarra, porque você não sabe desenvolver, não sabe
argumentar. Né?
P: E essa argumentação pode ser ensinada?
E: A partir do momento que você dá oportunidade pra que isso
aconteça, quando você instiga o aluno aí flui naturalmente essa
argumentação. Agora, precisa que o professor também saiba como
fazer essa motivação, né? Instigar, mesmo para que essa
problematização surja, porque é com essa problematização que ele
vai conseguir, né?
P: Então, pode ser ensinado?
E: Pode ser, direcionado, com certeza!
Mesmo não citando a palavra ensino, a educadora fala na possibilidade de
instigar o aluno, e que o professor precisa “saber fazer” essa motivação, ou seja,
problematizar, e reafirma que pode ser direcionado, pelo contexto percebemos que
ela parece usar esse termo como sinônimo da palavra ensino. Em outro momento da
entrevista, ela cita um exemplo, que ratifica nossa hipótese:
E:[...] eu tenho uma aluna que é uma poetiza, a coisa mais linda!
Mas, por quê? O pai incentivou a isso, motivou a dar livros, muita
leitura.
Fica claro nesse depoimento, o entendimento por parte da professora de que
a criança escreve poemas, porque foi estimulada pelo pai, fez muitas leituras,
conhece as características do gênero, por isso escreve bem. Nesse exemplo,
mesmo citando a figura do pai da criança como incentivador da leitura, ou seja, esse
62
incentivo acontecendo em casa, fora do ambiente escolar, a mestra apresenta a
compreensão de que as influências externas ao sujeito (a aluna) proporcionaram a
facilidade na escrita, ou seja, não por um dom herdado da família ou porque
“puxou” a algum parente, mas porque estava inserida em um contexto onde as
práticas de letramento proporcionaram o aprendizado do gênero poema.
Apesar de interpretarmos o discurso da docente diferenciado do das outras,
foi possível observar que a mestra também não faz uso do termo “ensino”,
igualmente usa os termos: “orientar” e “direcionar”. Acreditamos ser um dado
relevante essa resistência a palavra “ensino”, que quase todas as professoras
participantes da pesquisa demonstraram. Sobre esse aspecto, a escolha da palavra
orientação é bem sugestiva, acreditamos que mesmo de forma inconsciente esse
dado, mascara a concepção de ensino da escrita das docentes.
Essa compreensão do “mito do dom” é algo comum ainda na concepção dos
professores, Santos (2004) em sua pesquisa, ao analisar relatos de professores
sobre as representações que fazem da escrita, trouxe a mesma questão “se
escrever pode ser ensinado”, e encontrou entendimento semelhante entre os
docentes pesquisados:
É possível recuperar nestes relatos a ideologia do dom, segundo a qual as
causas do sucesso e fracasso na escola devem ser buscadas nas
características individuais dos alunos. No que diz respeito à aprendizagem
da escrita, caberia, então, à escola motivar, fazer aflorar os possíveis dons
existentes nos alunos. Assim sendo, o ensino visando o desenvolvimento da
competência em produzir textos não seria algo necessário, mas apenas a
exposição dos alunos a diferentes textos como modelos a serem utilizados
(p. 155).
Nesse trecho, a autora se refere aos depoimentos das docentes, que também
trouxeram a ideologia do dom. Parece-nos que essa concepção, mostra a crença
que o sujeito (aluno) está acabado, pronto, e a interferência da escola seria muito
discreta, teria pouco a ser feito pelo professor no ensino da escrita, este elaboraria
atividades, tais atividades, teriam o papel de revelar o talento para escrita de alguns
e a falta de “dom” de outros.
Até bem pouco tempo na atividade docente também compartilhávamos desse
pensamento, de que escrever é um dom. Parece-nos ser senso comum entre os
docentes, essa tensão em relação ao ensino da produção textual. Mudar a forma de
pensar demanda muitas leituras, discussões com outros professores e reflexões
sobre a prática, acreditamos que esse entendimento por parte dos docentes, tende a
mudar com o acesso as novas teorias que concebem a língua como interação.
63
Buscando compreender como as concepções das professoras aparecem na
prática, discutimos a seguir as condições de produção
e avaliação dos textos
propostas pelas docentes.
3.2. Quais as concepções subjacentes às condições de produção e avaliação
dos textos?
Nesta parte do trabalho, buscamos refletir sobre as condições de produção
oferecidas pelas docentes aos aprendizes, para isso, nos reportamos a uma questão
formulada por Morais e Ferreira (2006 p. 71) “Como os textos dos alunos podem
refletir as condições de produção em que foram produzidos?” Vamos analisar os
textos propostos e corrigidos pelas docentes buscando entender as concepções que
estão implícitas nas propostas de atividades e na avaliação dos textos.
Uma condição fundamental para analisar as condições de produção dos
textos é saber das professoras qual o espaço destinado à produção escrita nas
aulas de língua portuguesa. Para isso, perguntamos com que freqüência realizam
essas atividades.
As professoras Edina, Vera e Jessica responderam que realizam produção
textual pelo menos uma vez por semana, Osana e Terzia mais de uma vez por
semana. A professora Terzia fez uma observação interessante:
E: No mínimo uma, e até três vezes por semana, porque eu foco
nisso. Até nas aulas de matemática, eu peço pra eles criarem o
problema. (Terzia)
A docente coloca que até nas aulas de matemática solicita que as crianças
produzam texto, criando problemas matemáticos, atentamos nessa fala para a
compreensão por parte da professora de que não é apenas nas aulas de língua
portuguesa que se trabalha a produção de textual. No geral, percebemos que pelo
menos uma vez na semana as educadoras realizam produção textual na sala.
A avaliação não começa na correção do texto, mas no planejamento das
atividades, Silva (2003, p. 13) defende que “a avaliação cruza o trabalho pedagógico
desde o seu planejamento até a sua execução.” Nesse sentido, julgamos necessário
abordar nesse tópico, as condições de produção oferecidas pelas professoras aos
alunos na elaboração dos textos. Tratar dessa questão é de fundamental
64
importância, pois a forma como o professor planeja e organiza as atividades revela
as concepções de língua e de ensino da escrita, e pode nos ajudar a entender quais
aspectos são priorizados pelas professoras na avaliação. Em outras palavras,
vamos analisar os tipos de atividades e os gêneros textuais propostos pelas
mestras, buscando compreender se existem critérios de avaliação, e como tais
critérios se revelam. Nossa intenção aqui é, à luz dos referenciais teóricos
explicitados, analisar algumas dessas condições, em particular, como o professor
propõe e lê os textos de seus alunos.
Perguntamos às professoras quais os tipos de atividades de escrita que
realizam em sala de aula. Não levamos em consideração apenas o relato das
docentes, porque entendemos que no momento da entrevista, é quase impossível
que lembrassem de todas as atividades que vivenciam, o que atentamos no
processo de análise, foi a comparação entre o que elas disseram e as propostas
contidas nos textos que nos forneceram. Não tivemos acesso a todos os textos
produzidos pelos alunos durante o ano15, foram disponibilizadas pelas educadoras
apenas algumas atividades realizadas, depois de corrigidas por elas. Observamos
que embora não correspondendo fielmente às atividades citadas, com as
disponibilizadas pelas docentes, percebemos que há uma certa compatibilidade nos
tipos de atividades ditas na entrevista com as atividades que tivemos acesso,
conforme podemos observar no Quadro 1 .
Quadro 1 : Gêneros textuais
Professoras
Edina 

Osana 



Jessica 


Gêneros textuais relatados
pelas professoras
Gêneros textuais
disponibilizadas pelas
professoras
Quantitativo
de textos
16
redação escolar (produção a
partir de gravuras).
20
redação escolar.
29
reconto de filmes;
fábula;
história (produção a partir de
gravuras).
03
02
08
redação escolar (produção a 
partir de gravuras).

redação escolar;

fichas de leitura;
história em quadrinho;
fábula.
reconto de filme;

fábula;

história.


15
As atividades que tivemos acesso foram às realizadas durante o período de coleta de dados (de
abril a outubro de 2009)
16
Texto em que é dado o tema para o aluno dissertar
65
Vera



Terzia 








fábula;
conto;
redação escolar.




tirinha/ historia em quadrinho; 
textos jornalísticos
resumo;

reconto de livro lido;
relatório;
propaganda;
fábula;
historia
auto-biografia;
Total Geral
fábula;
conto;
lenda;
redação escolar.
texto jornalístico:
reportagem;
poema.
05
05
03
08
notícia
e
10
05
98
Na análise do Quadro 1, dois aspectos nos chamam atenção. O primeiro é a
predominância dos tipos textuais: narração e argumentação (redação escolar) nas
atividades propostas pelas docentes. É interessante perceber como esses gêneros
prevalecem no cotidiano da sala de aula, sobretudo no ensino fundamental I (1º ao 5
º ano). A esse respeito, Mendonça (2008) afirma que
[...] o trabalho didático centrado apenas nos tipos textuais (narração,
argumentação, descrição, exposição) não contribui para que o aluno se
familiarize com os diferentes gêneros que circulam na sociedade. Ou seja,
pedir que eles escrevam uma dissertação (ou narração, ou descrição) e
expor sobre características gerais desses tipos textuais não é suficiente
para que os estudantes, fora da escola, saibam lidar com a diversidade
textual com a qual se deparam. Se assim fosse, com os conhecimentos
escolares sobre narração, os alunos poderiam, com igual facilidade,
escrever um conto, ler um romance, contar uma piada, todos eles, textos
com estruturas semelhantes (personagens, cenários, conflitos, etc.), mas
com funções distintas. Isso de fato, não acontece porque, embora todos
eles sejam textos predominantemente narrativos, se diferenciam quanto as
finalidades e aos modos como se organizam, ou seja, tem características
distintas entre si. Isso exige, do leitor/autor, estratégias de compreensão e
produção diferenciadas em cada caso. Portanto, não é mais possível supor
que basta ensinar aspectos gerais da narração para que o estudante possa
se apropriar (ler e escrever) de qualquer discurso narrativo (pp.14 e15)
Concordamos que trabalhar priorizando apenas essas tipologias textuais não
prepara os alunos para serem usuários competentes da língua. Uma professora
durante a entrevista justificou espontaneamente a escolha dos gêneros que propõe
para o ensino da escrita, o porquê da predominância dos gêneros da ordem do
narrar, a educadora esclareceu o motivo de suas escolhas, assim, consideramos
relevante comentar esse dado já que a maioria das docentes também priorizam
esses gêneros. O argumento utilizado pela professora Vera, diz respeito à Provinha
Brasil, demonstrando a preocupação em preparar as crianças para a avaliação
externa:
66
P: Que tipos de atividades de escrita você realiza em sala de aula?
Dê um exemplo:
E: Fábulas, contos e texto argumentativo, que são os mais usados
na provinha Brasil. (Vera)
Percebemos que na seleção das atividades de escritas e dos gêneros textuais
a serem trabalhados a avaliação externa é levada em consideração. Observamos
que tem exercido influência sobre o trabalho do professor, indicando objetivos,
conteúdos, metodologias e formas de avaliação; de um lado, o professor tem suas
convicções e práticas curriculares e de outro, leva em consideração as avaliações
externas (SAEPE, SAEB)17
na seleção dos gêneros textuais e das atividades,
porque sabe que será cobrado o bom desempenho dos alunos nesses gêneros. Não
estamos aqui nos contrapondo aos sistemas de avaliação ou discordando de se
levar em consideração tais avaliações, apenas entendemos que este não deve ser o
único parâmetro para selecionar os gêneros textuais a serem trabalhados.
Podemos nos perguntar então, quais gêneros propor para ao ensino da
língua? Acreditamos que os argumentos apresentados por Antunes (2009, p. 212),
sobre quais gêneros escolher são pertinentes. Segundo ela, o ensino da língua
deveria privilegiar a produção, a leitura e a análise dos diferentes gêneros e que “os
critérios de escolha desses gêneros textuais devem ocorrer de acordo com cada
estágio
da
escolaridade,
poderiam
advir
da
observação
das
ocorrências
comunicativas atuais, ou seja, daquilo que, de fato, é usado no cotidiano de nossas
transações sociais”. Ainda segundo a autora, os livros didáticos exploram certos
gêneros, mas de forma apressada e superficial, de modo que as crianças não
absorvem com muita clareza aspectos centrais desses gêneros.
O segundo aspecto a ser considerado na análise dos elementos
apresentados no quadro, é o fato que, das cinco professoras, três (Edina, Osana e
Vera) ainda propõem atividades de escrita de alguns textos indicando para o aluno o
gênero redação escolar, cuja atividade consiste apenas em dar um tema para ser
desenvolvido, o que conhecemos como redação escolar clássica. Relembrando um
pouco o que dissemos na fundamentação teórica, que, para avaliar é necessário
estabelecer critérios e que o professor terá mais condições de avaliar os textos dos
alunos, tomando como um primeiro critério trabalhar produção textual partindo do
17
SAEPE (Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco) e SAEB (Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica)
67
gênero, devido à contribuição que este pode oferecer a construção da textualidade.
Fizemos ainda, algumas considerações sobre a redação escolar e discutimos a
produção textual na perspectiva dos gêneros discursivos buscando entender a
perspectiva teórica subjacente as atividades propostas pelas docentes. Nesse
sentido, a mais de vinte anos, Geraldi (1984), como professor, criticava a
precariedade de condições oferecidas aos alunos para a produção textual. Passado
esses anos, algo mudou, logicamente evoluiu, no processo de produção textual.
Todavia como dissemos anteriormente, ainda encontramos propostas de atividades
que estão ancoradas nas concepções tradicionais de língua criticadas por Geraldi
(1984), nesta citação:
Queremos que nossos alunos escrevam, mas não lhes criamos as
condições para tal. O processo rotineiro de orientar a redação tem sido mais
ou menos assim: damos um título (silencioso por excelência porque coisa
alguma lhes sugere!) ou aumentamos o sofrimento deles, deixando o tema
livre e esperamos tranqüilos o fim da aula para recolher o produto suado
daqueles angustiados minutos. Todos sabemos o quanto nos custava atingir
os limites mínimos de linhas (estes limites são indispensáveis neste
processo, do contrário ninguém escreve nada!). Mas assim mesmo,
continuamos a submeter nossos alunos a essa tortura monstruosa que é
escrever sem ter ideias (p.19).
Nesse estudo, coletamos textos e encontramos encaminhamentos de
atividades semelhantes aos criticados por Geraldi. Tais textos são denominados por
Marcuschi (2006) como a típica redação clássica. O tema das redações geralmente
envolve algum evento, data comemorativa, alguma ocorrência na comunidade ou
simplesmente reproduz assuntos tradicionais da cultura escolar (minhas férias, um
passeio). Muitas vezes o tema acaba se transformando no próprio título do trabalho
do aluno. Selecionamos um exemplo de atividade cujo texto foi produzido no final da
2ª unidade como verificação da aprendizagem (prova), uma gravura com tema junino
o comando da atividade segundo a professora Edina foi: “Produza um texto a partir
da gravura”.
68
Exemplo1: Texto “Maria e João” /Texto produzido por aluno da professora Edina
69
O Exemplo 1 ilustra bem o que estamos abordando: a criança escreveu uma
pequena história dentro do contexto, tema junino, obedecendo a indicação da
gravura e a orientação da professora sobre os perigos dos fogos. Durante a
entrevista, a docente comentou que havia trabalhado em classe essa temática. No
final do texto o aluno escreveu carinhosamente para a professora: “beijos, tchau,” já
percebendo que a mestra, é a única interlocutora de sua produção escrita. A
educadora fez uma observação no rodapé da página, alertando que “um texto
desses” não é um bilhete ou carta para terminar com despedida. Mas também,
parece que pelo comando da atividade não indicou maiores detalhes sobre o que os
alunos deveriam escrever, por isso, a criança arriscou escrever do jeito que sabia.
Nessa proposta de produção textual encontramos elementos suficientes para
responder a pergunta que fizemos no título deste tópico: Quais concepções estão
subjacentes às condições de produção e avaliação dos textos? Percebemos que no
entendimento da docente trabalhar o tema da redação “os perigos em soltar fogos
nos festejos juninos”, é subsídio suficiente para que as crianças produzam um texto.
Tal exemplo nos indica que, nos encaminhamentos das atividades propostos pela
professora Edina, ainda não é considerado a perspectiva teórica dos gêneros, nem o
entendimento da redação mimética, cuja circulação é relativamente recente no
ambiente escolar, conforme mencionamos na fundamentação teórica. Essa atividade
exemplifica as condições de produção desfavoráveis, sinalizando uma concepção de
escrita como dom, onde se materializa a crença que a criança aprende
espontaneamente.
Outro dado importante, diz respeito à concepção de avaliação desta docente,
ao afirmar na entrevista que depois da avaliação não propõe a reescrita do texto,
logo, entendemos que se os alunos não têm a oportunidade de melhorarem suas
produções, entendemos que a única finalidade da escrita é a avaliação.
Vejamos agora um exemplo de produção textual que utiliza um gênero que
circula socialmente: a notícia.
70
Exemplo 2: texto “Gripe suína e meningite” produzido por aluno da professora Terzia
71
Transcrição
18
do texto acima: “Gripe suína e meningite”
Tema ?
Piracicaba registra a 5ª morte de gripe suína
Intertítulo ?
A cidade de Piracicaba no interior de São Paulo Regis
trou a terceira morte causada por gripe A (HGMT)
segundo a secretaria municipal de saúde
a vitima, uma mulher de 27 anos, morreu no dia
12 de agosto em decorrência de complicações
do gripe suína Ela havia sido internado três dias
antes no santa casa de piracicaba
chapéu ?
a acordo com a secretaria a vitima tinha
sindrome de dow e sofria de cardiopatia
e de pneumopatia crônicas. No município
há 20 casos confirmados de gripe suína e
108 estão em investigação
Tema ?
Confirmados 4 mortes por miningite em Porto Seguro
intertítulo?
Quatro pessoas morreram ao contrair miningite
Meningocócica em Porto Seguro litoral da Bhaia
Outras quatro estão internadas com sintomas
da doença
todas as vitimas participaram de uma festa há
cerca de uma semana. De acordo com Messias
Boaventura secretario de saúde do
município desconfia que um turista de
São Paulo quei faleceu devido a doença
a tenha transmitido aos outros
18
Esse texto é a transcrição do Exemplo 2. O texto foi transcrito da mesma maneira que o
aluno escreveu, as palavras indicadas por setas correspondem as observações da professora.
72
ilustração da notícia Gripe suína
Desenho produzido por aluno da professora Terzia para ilustrar o jornal mural
Neste exemplo, a professora Terzia propôs a escrita de uma notícia. A
finalidade da escrita desse texto foi a confecção de um jornal mural para ficar
exposto na escola, ela relatou que a atividade partiu da leitura de notícias sobre
os temas de interesse das crianças. Cada criança escolheu um tema e
construiu seu texto, cada aluno fez também um desenho ou recortou figuras
para ilustrar a notícia com o objetivo de chamar atenção dos leitores. Nesse
73
exemplo são duas notícias: uma sobre Gripe H1N1 (gripe suína) e outra sobre
meningite.
Em relação a correção e avaliação da atividade percebemos que as
observações da professora referem-se apenas aos aspectos estruturais do
texto, ela questiona fazendo uso de interrogações, a falta de alguns elementos
que compõem a notícia (tema, intertitulo, chapéu19). Durante a conversa que
tivemos com a professora, ela comentou que trabalhou esses componentes da
notícia e essa nomenclatura com as crianças. Atentamos ainda, que na
intervenção da mestra no texto ela não chamou atenção sobre outros
problemas da escrita como: ortografia, pontuação, uso de letra maíuscula, ou
conteúdo do texto. Se fossemos analisar essa correção isoladamente, sem a
os dados da entrevista, certamente, questionaríamos tal correção, por estar
focada apenas na estrutura textual. Todavia quando cruzamos os dados: as
marcas deixadas pela docente na produção textual do aluno, com a entrevista,
temos outra compreensão como podemos perceber nesse trecho da entrevista:
E: Quando eu faço essas produções, eu tento dar um foco, o
que é que eu estou querendo? Eu quero que ele faça uma
análise, desenvolver uma fábula assim: o inicio, enredo, a
moral, o desfecho da historia ou eu to querendo analisar a
parte ortográfica, porque eu também tenho minhas angustias
na questão da produção de texto. O que eu vou analisar é
tudo? É parte? O que é que eu vou querer do meu aluno nessa
avaliação? Então, pra uma avaliação ficar mais autêntica eu
vejo que o professor tem que estipular critérios nessa avaliação
desde cedo, sabe? Antes mesmo fazer uma prévia, dizer não,
dessas produções o que eu vou querer? Talvez eu vá focar
dificuldades ortográficas, no outro mês eu vou querer analisar a
parte de estrutura de um texto, certo? Então, é dessa forma
que eu tento trabalhar, tanto que nas autobiografias eu não vi
19
Intertítulo - Pequenos títulos colocados no meio do texto jornalístico. Esse artifício é usado
para tornar o texto menos denso. Há publicações que preferem destacar frases retiradas do
texto para colocar nos intertítulos.(Cf. Glossário de Jornalismo)
Chapéu – É uma palavra, nome ou expressão, sempre sublinhada, usada acima do título e em
corpo pequeno, para caracterizar o assunto ou personagem da notícia. (Cf. Glossário de
Jornalismo)
74
nada dessa parte ortográfica, eu deixei eles livres, pra eles
contarem a historia de vida deles... (Terzia)
A docente ressaltou que quando avalia, elege os critérios que pretende
trabalhar, no caso da noticia sobre gripe suina, restrigiu-se a ensinar apenas
estrutura textual, por isso, não abordou outros aspectos na correção.
No que diz respeito a intervenção da professora no texto, acreditamos
que tal interferência facilita aos aprendizes melhorarem seus textos, quando
atentam apenas para poucos aspectos, no caso, a estrutura do texto, ao invés
de ver vários aspectos ao mesmo tempo. Observamos ainda, que a professora
foi bem explícita sobre os elementos que estavam faltando na composição do
texto. Não observamos a aula, mas acreditamos que se a criança entendeu os
elementos da notícia destacados pela docente (tema, intertítulo e chapéu) é
provável que ao refazer seu texto consiga reescrevê-lo de forma mais
elaborada. De acordo com a mestra este exemplo é apenas a primeira versão
do texto e iria passar ainda pela reescrita. Diversamente da professora Edina,
que não oportuniza a reescrita do texto, a professora Terzia propõe a refacção
textual.
Sobre essa proposta textual, consideramos uma boa atividade, em
primeiro lugar, porque tem uma finalidade, a elaboração de um jornal mural da
classe, e tem um suporte onde esse texto vai circular, que é o próprio jornal
mural, exposto nas paredes da escola, onde outras pessoas vão ler além da
professora e dos colegas de sala. Em segundo lugar, porque é uma proposta
de atividade com um gênero que circula socialmente, a tarefa partiu da leitura
de notícias atuais que são do interesse e fazem parte do cotidiano das
crianças. E, em terceiro lugar, porque refletiu sobre a estrura da notícia, que é
um texto que sempre
é lido e produzido na escola na oralidade, mas
dificilmente se produz por escrito. Acreditamos que conhecer os elementos
que compõem a estrutura da notícia é importante não só para aprender a
escrever esse gênero, mas é fundamental para construir a criticidade na leitura
de notícias e reportagens, para que a criança passe a perceber que a escrita
tem intencionalidade, que os textos não são neutros, portanto refletir sobre tais
caracteristicas é interessante, porque ajuda a formação do leitor crítico como
também, a elaborar melhor a produção escrita.
75
3.2.1 As atividades de produção textual revelam as concepções das
mestras
Dando continuidade a análise das condições de produção, uma das
atividades que observamos muito presente na prática das professoras Edina e
Jessica, foi a produção de texto a partir de gravuras. Tais atividades revelam as
concepções dessas docentes sobre a linguagem e sobre o ensino da escrita.
A professora Edina em sua prática adota um caderno de redação, cada
criança tem o seu, onde são coladas gravuras retiradas de livros didáticos, os
alunos são solicitados a escrever textos partindo dessas gravuras. Sobre tais
atividades, nos chamou atenção, o fato de, no comando da tarefa não haver
nenhuma orientação sobre qual gênero deveria ser produzido. Sobre esse tipo
de atividade Antunes (2009) diz o seguinte:
Imaginemos as dificuldades para se escrever um texto com base na
seguinte solicitação: “Faça um texto a partir desta figura” (é
apresentada, ao lado a figura de uma paisagem, de um animal, de
uma pessoa etc.), mas texto de que gênero? Com que finalidade?
Para quem? Para constar em que suporte? Admira que os alunos
tenham dificuldade para escrever bons textos? (p. 213)
Essa citação exemplifica bem o que apresentamos a seguir, segundo a
professora Edina, o comando da atividade foi: escreva um texto sobre essa
gravura. Vejamos o exemplo:
Transcrição do texto: O menino e a escova produzido por aluno da prof. Edina
20
O menino e a escova
Era uma vez um menino que tinha uma escova que estava nova
Foi escovar os dentes com ela, no dia seguinte a escova estava
Velha e cheia de bactéria e teve que comprar outra escova.
A tarde seus dentes estavam podres e furados.
*precisa explorar mais a gravura acrescentando idéias
Ex: nome do menino que roupa usa, quem deu a escova, a quem pediu
dinheiro pra comprar outra...
20
Esse texto é a transcrição do Exemplo 4. O texto foi transcrito da mesma maneira que o
aluno escreveu, as palavras escritas em itálico correspondem as observações da professora.
76
Exemplo 3: texto “O menino e a escova” /Texto produzido por aluno da professora Edina
77
Em
relação
à
finalidade
da
escrita,
como
já
discutimos
na
fundamentação teórica deste trabalho, dificilmente será solicitado ao aluno fora
dos domínios escolares que produza um texto dessa natureza. Sobre esse
aspecto, Soares (2007) diz que:
A insistência e a persistência da escola em levar os alunos a usar a
escrita com as funções que privilegia, como principal instrumento, as
condições de produção da escrita na escola e a avaliação dessa
escrita, são, na verdade um processo de aprendizagem/
desaprendizagem das funções da escrita: enquanto aprende a usar a
escrita com as funções que a escola atribui a ela, e que a transforma
em uma interlocução artificial, a criança desaprende a escrita como
situação de interlocução real.( p.73).
Essa passagem foi escrita por Soares originalmente em 1988 em um
artigo, e reeditado no ano de 2007 no livro “Alfabetização e letramento”, a
autora tece observações justamente sobre esse tipo de atividade, é
interessante perceber, que passados mais de vinte anos, esse comentário é
tão atual, ou seja, ainda encontramos em nossas escolas condições de
produção de textos semelhantes às descritas a duas décadas atrás.
Além das condições de produção, é interessante salientar a correção da
professora. No texto, observamos que o aluno criou uma história partindo da
gravura, um pequeno enredo condizente com a proposta, que se corrigido de
outra forma ou com outra orientação poderia melhorar muito, até porque,
vemos que do ponto de vista gramatical o aluno tem uma boa escrita, quase
não comete incorreções ortográficas. Todavia, do ponto de vista discursivo o
texto apresenta problemas que poderia ter sido considerado pela professora,
ela deveria ter feito observações relativas ao conteúdo textual. Mas, No final do
texto, a professora escreveu um bilhete sugerindo apenas que o educando
precisa explorar mais a gravura, acrescentando ideias e citando como exemplo:
nome do menino, que roupa que usa, quem deu a escova, a quem pediu
dinheiro para comprar outra escova.” Sobre explorar mais a gravura, há
estudos que comprovam até que ponto os estímulos visuais podem ajudar ou
não na escrita da narrativa.
Há estudos que comprovam que presença ou ausência de estímulos
visuais influenciam nas habilidades narrativas dos escolares21. Dessa forma, é
21
Estudos que tratam da presença de estímulos visuais na produção do texto escrito: Soares
(2007 p.108- 113), Spnillo (1993), Lins e Silva (1994) e Silva (1996)
78
importante discutir tais pesquisas, cujos resultados devem ser considerados
pelo professor na organização e planejamento das atividades de produção de
textos. A predição de caráter mais geral, é que, tais pesquisas, observaram que
as crianças produzem histórias mais elaboradas quando na ausência de
estímulos visuais.
Lins e Silva (1994) fez um estudo que trata da influência do estímulo
visual da produção do texto, investigou o efeito de situações experimentais
sobre a produção de histórias, em crianças que já dominam a leitura e a
escrita, comparando o desempenho de escolas públicas e particulares. Os
resultados mostraram que as crianças se saíram melhor na escrita de texto a
partir de gravuras que apresentavam sequência que sugeria uma situação
problema. Silva (1996) também encontrou resultado semelhante ao realizar um
trabalho de intervenção pedagógica com crianças da terceira série de uma
escola pública. Observou que em relação à produção de história a partir de
estimulo visual, as sequências de gravuras que expunham situação problema
levaram as crianças a produzirem historias de forma mais elaborada do que as
sequências que não apresentavam um conflito. Tais resultados indicam que a
apresentação de um modelo visual que sugira uma situação problema favorece
o aparecimento de estruturas narrativas mais elaboradas do que tarefas a partir
de gravura que não apresentam uma sequência, como o exemplo do texto “O
menino e a escova”.
A professora Jessica também disponibilizou atividades de produção
textual a partir de gravuras. Porém, nessas tarefas, podemos observar que: 1)
a professora no comando da atividade indicou o gênero história. 2) As gravuras
faziam parte de uma sequência lógica que sugeriam uma situação problema, e
3) ainda continham o inicio ou o final da história para que a criança
completasse. Podemos perceber que tais atividades faziam parte de uma
sequência didática22 que tinha como objetivo ensinar o aluno a produzir texto
narrativo especificamente o gênero história, vejamos o exemplo:
22
A professora Jessica disponibilizou outras atividades de produção textual com sequência de
gravuras, que dava o final da história para que a criança criasse o inicio; sequência de gravuras
para que a criança produzisse uma historia completa.
79
Exemplo 4: texto “A bruxa”
Texto produzido por aluno da professora Jessica
80
Acreditamos que as atividades sugeridas pela professora Jessica
ajudam mais ao aluno a escrever um texto narrativo do que as tarefas
propostas pela professora Edina. Percebemos que a professora Jessica tem o
planejamento mais organizado. As atividades propostas por ela sugerem os
objetivos mais claros: o desenvolvimento de habilidades narrativas de escrita.
Tais atividades demonstram as concepções da mestra. Durante a entrevista, ao
comentar os critérios de avaliação Jessica citou a coerência e sequência
lógica, percebemos tais critérios materializados desde a proposta da atividade,
a preocupação da educadora com a categoria começo, meio e fim, e com a
sequência lógica do texto.
Nestes dois exemplos de as atividades de produção textual a partir de
gravuras, encontramos mais elementos que revelam as concepções das
mestras. A professora Edina demonstrou a concepção de escrita como dom,
tanto nas propostas de atividades como na correção, ou seja, a crença de que
dar o tema é suficiente para ensinar a escrever um texto. Já na atividade
proposta por Jessica, observamos uma preocupação maior com o ensino na
organização da atividade. Mas, na avaliação do texto da criança, a única marca
deixada na correção foi a letra maiúscula o “R” do nome Rafael que iniciava
com letra minúscula, esse indicio aponta a preocupação maior da professora
Jessica com os aspectos superficiais do texto do que com o conteúdo
propriamente dito.
Até aqui, refletimos sobre as condições de produção e avaliação dos
textos, os gêneros propostos e os tipos de atividades, no próximo tópico,
analisamos como as docentes tratam o erro, tal análise implica observar mais
especificamente, os modos de corrigir e avaliar os textos.
3.4. A correção dos textos
A observação dos textos disponibilizados pelas docentes possibilitou
traçar não apenas uma descrição da correção dos textos pelas professoras,
mas perceber que não é indiferente a forma como se dá essa intervenção, ou
seja, acreditamos que a natureza do trabalho do professor tem a ver com a
concepção de ensino da língua e de avaliação que as docentes adotam. Na
análise dos textos buscamos basicamente compreender as estratégias de
correção através das anotações deixadas pelas professoras nos textos
81
produzidos pelos educandos, observar se tais intervenções contribuem ou não
para a melhoria do texto do aluno.
O primeiro aspecto que merece ser comentado, é que na análise dos
textos percebemos que as professoras corrigem os textos de diferentes formas,
ou seja, as professoras, não têm um padrão único de correção. Em alguns
textos fazem uso da correção indicativa, em outros da resolutiva, em outros
escrevem bilhetes e lembretes e em outros textos, não escrevem nada, apenas
passam um visto (rubrica) no alto da folha, indicando para o aluno que o texto
foi visto pelo professor.
Sobre essa diversidade de formas de corrigir os textos, acreditamos que
isso se dá devido aos problemas percebidos pelos professores nos textos das
crianças, que são diferentes, cada aluno tem suas particularidades e, portanto,
problemas de escrita também diferentes. Por outro lado, cada professor tem
seu estilo próprio, suas concepções, suas idiossincrasias, sua maneira própria
de ver que é peculiar de cada um, assim sendo, manifesta esse estilo na
correção dos textos. Outro motivo que atribuímos à variedade de maneiras de
intervir nos textos, é a questão do tempo, sabemos que o dia-a-dia do
professor é bastante corrido e é praticamente impossível corrigir todos os
textos minuciosamente, por isso, supomos que em alguns momentos, o mesmo
professor corrige o texto detalhadamente e em outros momentos passa apenas
um visto.
Em relação a apenas passar o visto, essa não é uma prática tão
incomum em nossas escolas, mesmo não sendo tal prática que desejamos
evidenciar nesse estudo, achamos relevante comentá-la, porque neste estudo
alguns textos estavam apenas com um visto como marca avaliativa.
Acreditamos que a falta de correção é tão prejudicial quanto à correção
exagerada e feita de maneira autoritária, concordamos com Val e outros (2009)
quando abordam essa questão ao dizerem que
Negar a possibilidade de uma atitude avaliativa diante do texto do
aluno seria ir na direção contraria às práticas sociais comuns e
esperadas pelos interlocutores; seria distanciar e diferenciar cada vez
mais, o uso da linguagem tipicamente escolar daquele que é
praticado fora da escola. Por isso entendemos que os prejuízos de
uma atitude espontaneísta em relação ao texto do aluno são tão
grandes quanto os de uma correção autoritária e sem critérios. Não
apontar erro algum ou avaliar para punir são procedimentos
extremos, que não correspondem ao uso da língua na interação
82
social e, portanto, não contribuem positivamente para desenvolver no
aluno sua competência linguística.” (p. 32)
Os autores defendem ainda, que os aprendizes devem ser alertados
quantos aos problemas de seus textos através de uma avaliação criteriosa e
honesta, pois se não forem, há a possibilidade de internalizarem a falsa ideia
de que não existem parâmetros que orientem a produção do texto escrito.
Assim, do ponto de vista dos alunos, a avaliação dos textos que escrevem é
importante porque através dela poderão ser explicitadas as regras de utilização
da língua escrita, e do ponto de vista do professor, a avaliação é importante
porque pode orientar o trabalho, uma vez que nos textos produzidos pelos
alunos é possível perceber as dificuldades e partindo dessas, selecionar os
conteúdos a serem trabalhados na disciplina de Língua Portuguesa. (VAL e
OUTROS, 2009).
Para compreendermos melhor a dinâmica de correção dos professores,
elaboramos o Quadro 3 com os tipos de correções praticadas pelas docentes
sujeitos dessa pesquisa. Para isso, nos baseamos na classificação de Tereza
Serafini (1987) e Eliana Ruiz (2001), e criamos ainda uma outra categoria que
denominamos textual-sugestiva, para interpretar melhor nossos dados, cuja
explicação daremos mais adiante junto com os exemplos.
Quadro 2: Tipos de correção
Professoras
Tipos de correção
Indicativa
Resolutiva
Classificatória
Textual sugestiva
Edina
Sublinha palavras
com incorreções
ortográficas
Escreve no rodapé da
página palavras com
incorreções ortográficas
___
Escreve bilhetes no
rodapé da página.
Osana
Sublinha palavras
com incorreções
ortográficas
Em alguns textos Escreve
ao lado das palavras com
incorreções ortográficas
___
Escreve bilhetes no
rodapé da página.
Jessica
___
Escreve ao lado das
palavras corrigindo erros
ortográficos
___
Vera
Terzia
Circula palavras
com incorreções
ortográficas
Sublinha ou
circula palavras
com incorreções
ortográficas
Escreve ao lado das
palavras, corrigindo os
erros ortográficos
___
___
___
Escreve bilhetes
chamando atenção para
alguns aspectos que
estão faltando no texto.
___
Escreve bilhetes
chamando atenção para
alguns aspectos que
estão faltando no texto.
83
Na análise do Quadro 2, o primeiro aspecto que nos chama atenção é
que nenhuma docente realiza correção do tipo classificatória, nos textos que
nos foram fornecidos. Outro aspecto percebido é que a maioria das professoras
corrigem os textos fazendo uso do tipo indicativo e resolutivo. Dado também
observado por Ruiz (2001).
Exemplo 5: correção indicativa / Correção realizada pela professora Vera
No texto “Um sonho muito bom” a professora Vera faz uma correção do
tipo indicativa, ou seja, indica para o aluno sublinhando ou circulando os erros
cometidos na redação. Já no texto “O lobo a grande cidade e o menino da
sombra”, a mesma professora, também circula ou sublinha as palavras com
incorreções ortográficas, mas também escreve as palavras corretamente ao
84
lado ou em cima do que está incorreto, resolvendo o problema, demonstrando
uma correção do tipo resolutiva. Conforme exemplo.
Exemplo 6: correção resolutiva
Correção realizada pela professora Vera
85
De acordo com Ruiz (2001), de todos os modos de corrigir o texto, aqui
aventados, o tipo resolutivo é o que menos ajuda na reconstrução reflexiva do
texto, por já apresentar as soluções prontas, isto é, o professor não dá
oportunidade de o aluno pensar onde errou, induz apenas copiar as alterações
feitas pelo docente.
Outro aspecto importante a ser considerado, é que quase todas as
professoras, com exceção de Vera, costumam escrever bilhetes para os alunos
nas margens do texto, entretanto, tais bilhetes, em nosso entendimento, não
podem ser classificados como uma correção interativa. Diferente do resultado
encontrado por Ruiz (2001), que em sua pesquisa classificou os bilhetes
escritos nas margens dos textos na categoria textual-interativa justamente por
perceber que aqueles escritos, estabeleciam um diálogo entre professor e
aluno. Neste estudo, as missivas escritas nas margens dos textos, em nossa
concepção, não podem ser consideradas uma interação, porque não
estabelecem uma interlocução com o aluno, isto é, seu conteúdo não ajudam a
melhorar a qualidade da produção textual. Partindo dos exemplos que
analisamos, criamos uma outra categoria para classificar as correções das
docentes sujeitos dessa pesquisa,
a qual denominamos textual-sugestiva:
textual, por fazer uso do texto escrito e sugestiva, porque tais bilhetes se
configuram como sugestões para o aluno. As indicações do que deve ser
corrigido ou acrescentado no texto do aprendiz, em nossa compreensão, não
estabelecem um diálogo entre educador e educando no sentido de melhorar o
texto. As sugestões das docentes se aceitas pelos alunos na reescrita dos
textos, não farão diferença no conteúdo, por isso, consideramos tais avaliações
monológicas e unilaterais, resultado semelhante encontrado por
Marcuschi
(2004), ao verificar que os professores valorizaram a atitude monológica na
avaliação da redação, ignorando que os alunos estão imersos em práticas
sociais.
Conforme exemplificamos a seguir:
86
Exemplo 7: correção textual-sugestiva /Correção realizada pela professora Osana
No exemplo 7 “Os meus sonhos para o futuro, a professora Osana
escreve no alto da página: “Melhore,” e no final da página escreve: “o texto está
bom, mas precisa organizar melhor, treine mais”. Na escrita do bilhete a
docente comete um engano no uso do primeiro “mais” ela utiliza um advérbio,
quando seria necessário utilizar a preposição adversativa “mas”.
Sobre o comentário escrito por ela, apesar de escrever um bilhete,
acreditamos que não há uma interação com a criança, porque no recado da
professora não fica claro para o aluno o que precisa ser organizado e
melhorado no texto. Acreditamos que no conteúdo desse texto, o aluno revela
concepções de mundo equivocadas, quando se refere a ser jogador de futebol
e arrumar muitas namoradas, esse fato não é tratado na correção, ou seja, não
87
há inserção de ato discursivo na intervenção da mestra, ela apenas diz que
precisa organizar, mas não especifica o quê. Sobre a expressão “treine mais”,
esse comentário, transfere para o aluno a responsabilidade de gerar sua
própria aprendizagem, sugerindo que quanto mais treinar escreverá melhor.
Sabemos que o treino sem uma reflexão dos problemas do texto não ajuda o
educando a aprender. Tal orientação, não fornece elementos para resolver os
problemas do texto, nem aponta formas de superá-los, traduzindo a concepção
de escrita como dom, essa correção foi feita pela professora Osana, a quem
nos referimos anteriormente e que explicitou claramente tais concepções tanto
no discurso como neste exemplo na materialidade da correção textual.
No texto “Ana e a natureza”, corrigido pela professora Edina, a mestra
realizou a correção do tipo resolutiva e também escreveu uma observação na
margem direita do texto dizendo: “observar o uso de letras maiúsculas após os
sinais."
Exemplo 08: Ana e a natureza correção textual-sugestiva realizada pela professora Edina
88
Transcrição
23
do texto Ana e a natureza
Ana e a natureza
Observar
o uso de
letras
maiúscula
após os
sinais.
- Ana gosta muito da natureza! A MÃE dela dizia: Filha você gosta
muito de ver pássaros voando não é? e Ana disse: eu gosto muito mãe
certo dia um homem fez uma fabrica de mantega e Ana gostava de ir
para o rio, certa dia ela deu um mergulho no rio e percebeu que o rio
tava gordurento (gorduroso)
e vio um cano que saia gorduras e ela fio (viu) que chegou uma fabrica
de mantegas
mas ela não sabia que a fabrica tinha chegado então ela resolvel
e (ir) lar (lá)
e disse: a o dono ei você sabia que esta polindo o rio? Ele disse que
não ai resolveu tirar o cano dali e colocar em outro lugar e assim a
natureza fica em paz
Em relação ao bilhete escrito pela professora, a nosso ver, esse comentário
não ajuda muito na aprendizagem do aluno. Na avaliação do texto, a mestra
destacou para o aluno, apenas o uso de letras maiúsculas, quando haviam outros
aspectos mais importantes a serem abordados, como por exemplo: a organização
do texto, a coerência, a continuidade, já que a criança passa subitamente
de um
assunto para o outro, a pontuação que ajudaria a construir a coerência nos diálogos,
e o próprio conteúdo que a criança trouxe no texto: a destruição da natureza. A
criança até que procurou desenvolver o texto apesar das condições de produção da
narrativa: “Escreva uma historia a partir da gravura”, mas deste assunto, trataremos
mais adiante, na análise dos critérios, quando utilizamos este mesmo exemplo, por
ora nos detivemos apenas à correção.
Entendemos que é fundamental analisar em que a correção pode possibilitar
oportunidades de aprendizagem aos educandos, ou seja, como os erros são
aproveitados para entender a lógica do aluno e oportunizar novas aprendizagens.
Ruiz (2001), defende que a prática de correção deve nascer
de um encontro entre sujeitos (aluno, professor e outros) em processos
lingüísticos que se prestam para produzir significação em episódios de
interação pessoal e dialógica. E tal prática só é possível dentro de uma
postura teórica específica: a textual, a discursiva. (RUIZ 2001, P.232)
23
O texto está escrito da mesma maneira que o aluno escreveu. As palavras entre parênteses e a
observação contida na caixa de texto escritas em itálico correspondem às correções feitas pela
professora.
89
Nesta perspectiva, concebemos que não cabe mais na correção dos
textos apenas exigências de regras gramaticais, mas sim, ajudar as crianças a
melhorar os aspectos relativos à textualidade, e principalmente que o professor crie
situações de inserção do aluno na cadeia discursiva e esteja disposto a dialogar com
o aluno no ato avaliativo, isso não significa excluir a gramática, mas buscar corrigir o
texto observando o que o aluno quis dizer em atitude de interação e diálogo. Até
aqui, vimos que as formas de corrigir nem sempre favorece o aprendizado do texto
escrito.
3.4.1 Como as professoras tratam o erro: os alunos têm a oportunidade de
reescrever os textos?
Na escola, a oportunidade de revisão e refacção do texto antes de colocá-lo
em circulação ou devolvê-lo ao aluno ainda é negado. Alguns professores ainda
pensam que o texto escrito deve atingir os objetivos logo na primeira versão.
Discordamos dessa ideia, pois entendemos que a aprendizagem é um processo e
no caso especifico da escrita, para que se concretize a aprendizagem é preciso
muitas idas e vindas na elaboração do texto: o rascunho, a primeira versão, a
segunda, a terceira e quantas versões forem necessárias até atingir o objetivo da
escrita, obviamente com a intervenção do professor nesse processo de reescritura
textual.
No capítulo 1, tratamos da postura do professor em relação ao erro do aluno,
defendemos que o erro deve ser observado a partir de seu aspecto positivo, pois
manifesta as hipóteses construídas pelo aprendiz, o que ele já sabe, e aponta para o
professor o que precisa ser ensinado sobre o conhecimento avaliado.
Assim,
fizemos o seguinte questionamento às mestras, a fim de saber se elas propõem a
refacção do texto.
P: Você propõe a reescrita do texto?
E: Não. É uma coisa que eu preciso melhorar, trabalhar a produção
do texto, como eu disse pra você, eu não tenho tanta facilidade.
(Edina)
E: Eu já propus, e nas vezes que aconteceu a reescrita eles
melhoraram muito. Eu acredito que eu tenho que partir por esse
princípio, eles fazerem uma vez, eu corrigir, devolver, eles fazerem
90
outra e agente colher esse material pra averiguar o resultado final.
Eu acredito que seja por aí. (Osana)
P: Quer dizer que, quando você propôs a reescrita eles melhoraram?
E: Melhoraram. Nas vezes que eu produzi, teve pessoas que até a
utilização o parágrafo; no primeiro não fez, no segundo utilizou o
parágrafo porque tinha um lembretezinho no rodapé: “use parágrafo”.
(Osana)
Nestes relatos observamos que duas professoras afirmaram que não
costumam propor a reescrita. Ressaltamos que as mestras têm consciência da
importância de reescrever o texto, mas não o fazem. Edina justifica dizendo que não
tem tanta facilidade e Osana diz que já propôs, mas que, no momento, não está
fazendo.
Sabemos que trabalhar com a reescrita do texto não é uma tarefa fácil, pois
envolve um conhecimento mais apurado do funcionamento da língua por parte do
professor e exige também que ele queira dialogar, por parte do aluno, demanda
mais paciência e a adoção do hábito de refazer o texto. É demorado e trabalhoso
para ambos, mas é proveitoso e gratificante ao mesmo tempo. Proveitoso porque
acreditamos que é através desse trabalho de interação entre professores e alunos
na elaboração do texto, que os educandos compreenderão melhor o funcionamento
da língua e poderão melhorar suas produções linguísticas, e gratificante porque o
professor vai colher o fruto de seu trabalho, que é a aprendizagem significativa dos
alunos e o alunos a melhoria da competência discursiva.
Em relação a refacção do texto, podemos nos perguntar: como são tratados
os erros dos alunos se eles não têm a chance de refazer seus textos? Podemos
supor que os erros são apenas identificados, mas não são objeto de reflexão, nem
por parte do professor, nem por parte do aluno.
As outras professoras entrevistadas afirmaram que propõem a reescrita do
texto, selecionamos aqui, um trecho da entrevista da professora Terzia por
acreditarmos que esse depoimento ilustra positivamente como deve ser feita a
reescrita textual:
P: Você propõe a reescrita do texto?
E: sim.
P: Como é feita essa reescrita?
E: Passei uma produção, vou dando uma olhada, ali eu vejo como
estão, então, eu vejo aquele que está com mais dificuldade, é aquele
91
que eu vou colocar no quadro, escrevo aquela produção e faço
assim, por exemplo: essa palavra “olinda”, escreveu com “o”
minúsculo, mas vamos ver, aí eles vão dizer, isso é um substantivo
próprio ou comum?
P: Quando você vai fazer essa correção, você trabalha só o uso da
maiúscula ou trabalha junto no mesmo dia, ortografia, a estrutura do
texto?
E: Não, eu já saí dessa loucura na minha vida, agora é focando cada
coisa. Porque senão, até os pobres vão enlouquecer... é muita coisa
pra eles reavaliarem, né?. É uma coisa de cada vez, sem stress!!!
P: Como você faz?
E: Quando eu faço essas produções, eu tento dar um foco. O que é
que eu estou querendo? Eu quero que ele faça uma análise,
desenvolver uma fábula assim: o inicio, enredo, a moral, o desfecho
da história, ou eu to querendo analisar a parte ortográfica, porque eu
também tenho minhas angustias na questão da produção de texto. O
que eu vou analisar? É tudo? É parte? O que é que eu vou querer do
meu aluno nessa avaliação? Então, pra uma avaliação ficar mais
autêntica, eu vejo que o professor tem que estipular critérios nessa
avaliação desde cedo, sabe? Antes mesmo fazer uma prévia, dizer
não, dessas produções o que eu vou querer? Talvez eu vá focar
dificuldades ortográficas, no outro mês eu vou querer analisar a parte
de estrutura de um texto, certo? Então, é dessa forma que eu tento
trabalhar, tanto que nas autobiografias eu não vi nada dessa parte
ortográfica, eu deixei eles livres, pra eles contarem a história de vida
deles. Porque, quem sou eu pra tá corrigindo algo que é da sua vida
pessoal, né? Tá ali fazendo essas correções, letra maiúscula, me
prendendo a essa parte ortográfica, não. Eu quis ver como eles iam
colocar pra fora, tirar tudo de dentro, e teve assim, histórias que
muita gente chorou.
P: Então nesse projeto você olhou mais o sentido do texto?
E: Exatamente. Tanto que, no projeto proposto pela coordenação da
escola, não pedia: auto-retrato, nome estilizado, dedicatória,
agradecimento. Mas, eu tentei fazer como um livrinho mesmo, pra
eles terem a manhã de autografo deles, né? Então, e teve autoretrato,
nome
estilizado,
dedicatória,
agradecimento
e
o
desenvolvimento da própria autobiografia e teve auto-retrato, porque
92
ali no desenho, agente sabe, que ele tá falando muito dele, é uma
forma de escrita, também, o desenho. E o nome, porque eles
também iriam estilizar. Radicalizem! Façam bem bonito! Se
quisessem fazer grafitagem, deixei eles bem a vontade!
Sobre esse depoimento, destacamos três enfoques que consideramos
interessantes, primeiro, a correção e refacção coletiva, a mestra se refere a colocar
no quadro. Acreditamos que essa prática é favorável a aprendizagem dos alunos,
principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental. É de suma importância que
o professor eleja alguns aspectos a serem trabalhados nos textos e o faça
coletivamente, pois serve de modelo para a criança, depois, quando for refazer seu
texto individualmente, terá mais facilidade em reescrevê-lo.
O segundo aspecto a ser destacado, é que nesse relato, a professora mesmo
falando espontaneamente, enfatiza alguns dos seis princípios propostos por Serafini
para uma boa metodologia de correção, conforme tratamos no marco teórico, e
vamos relembrar aqui: 1) a correção não deve ser ambígua, o que deve ser mudado,
na opinião do professor, deve estar bem especificado/claro para o aluno; 2) os erros
devem ser reagrupados, catalogados e classificados especificado o tipo, as
categorias dos erros devem ser claras não só para o professor, mas também para o
aluno; 3) o aluno deve ser estimulado a rever as correções, compreendê-las e
trabalhar sobre elas; 4) o professor deve corrigir poucos erros em cada texto,
evitando abordar muitos pontos ao mesmo tempo. A capacidade do aluno de
concentrar sua atenção sobre os erros e compreende-los é limitada. 5) o professor
deve estar predisposto a aceitar o texto escrito pelo aluno, evitando preconceitos
em relação à linguagem, ao tema, ao estilo do mesmo; e 6) a correção deve ser de
acordo com a
capacidade do aluno, abordar apenas erros que o aluno tem
maturidade para corrigir. Na fala da professora Terzia ela explicita alguns desses
princípios e por esse motivo, cremos que a forma de fazer a reescrita descrita pela
professora ajuda a criança na reconstrução do seu texto escrito.
E por último, a finalidade da produção textual das cinco professoras
entrevistadas, Terzia foi a única que manifestou a preocupação com ter um sentido
para escrever. Vejamos como responde a essa pergunta:
P: Depois que a produção textual é corrigida por você o que é feito
com o texto?
93
E: Fica com eles, sempre trabalho com projetos que tem alguma
culminância, por exemplo: manhã de autógrafo da autobiografia.
Como no exemplo citado na entrevista, a docente esclareceu que a
autobiografia foi um livrinho onde, cada criança escrevia sobre sua vida, estes livros
tiveram como finalidade uma manhã de autógrafos no encerramento do 5º ano do
ensino fundamental. Em outros momentos da entrevista a professora citou outros
exemplos de produção de gêneros textuais que tinham alguma finalidade,
geralmente dentro de projetos didáticos, como o trabalho com poemas tendo como
culminância um sarau poético, onde as crianças recitaram e expuseram poemas
produzidos por elas e por outros autores e o jornal mural, citado como exemplo
anteriormente.
Na entrevista, ficou explicito que as outras docentes propõem o texto apenas
com a finalidade de avaliá-lo. Vejamos o que dizem:
P: Depois que a produção textual é corrigida por você, o que é feito
com o texto?
E: Devolvo para ele (aluno). (Edina)
E: Na maioria das vezes o texto fica no caderno. Quando o texto fica
comigo eu passo o visto, dou uma leiturazinha, sublinho sempre as
palavras erradas e devolvo pra eles.(Osana)
E: Corrijo, deixo que eles levem para casa e façam a auto-correção e
trazem para refazer aqui na classe. (Vera)
E: Eles fazem a reescrita, eu corrijo e devolvo pra eles.
(Jessica)
Para o ensino eficiente da produção textual é necessário que os professores
mudem sua forma de trabalhar a produção de texto. Nesse sentido, concordamos
com Marcuschi (2006), como já abordamos no primeiro capítulo, ao defender o
ensino do texto na perspectiva da redação mimética onde sugere que o professor
priorize o trabalho com os gêneros textuais e ao mesmo tempo não pode perder
de vista que aquele texto também é uma redação, pois se constitui um objeto de
ensino e de aprendizagem. Portanto, discordamos das atividades que não fazem
sentido para o aluno que o único objetivo é a avaliação.
3.5 Os critérios de avaliação dos textos no discurso e na prática das
professoras
Nesta parte do trabalho, enfocamos os aspectos que as docentes enfatizam
na correção e na avaliação das produções textuais, que servem de parâmetro para
94
sua apreciação. Em outras palavras, nossa reflexão gira em torno dos critérios que
aparecem tanto no discurso, como na prática, materializado nas marcas deixadas
pelas docentes na avaliação dos textos das crianças.
Nos depoimentos das docentes aqui parcialmente reproduzidos sobre os
critérios para avaliar fizemos algumas indagações, a primeira foi: você acha que é
preciso definir critérios para avaliar os textos produzidos pelos alunos? Todas
responderam que consideram importante definir critérios para avaliar. A segunda
pergunta foi: quais os critérios que você utiliza para avaliar os textos dos alunos? As
respostas foram às seguintes:
Quadro 3: Trechos da entrevista
Professoras
Trechos das entrevistas
“Se tem começo, meio e fim; se não fugiu do tema; as ideias dele, se não ficou
Edina
restrito ou se ele ampliou, se enriqueceu ; o uso de preposições.”
Osana
“Meus critérios são: ortografia; acentuação; coerência e coesão, se expressou
bem e conseguiu defender sua ideia durante o texto de uma forma completa.”
“Pontuação, ortografia, uso da letra maiúscula.”
Vera
Jessica
“Pontuação, ortografia, coerência e sequência lógica.”
“Primeiro é o significado do que agente vai trabalhar com eles, porque se não
tiver um significado não adianta nada [..] .Os critérios são: a estrutura e a parte
Terzia
ortográfica porque agente também não pode fugir da ortografia.”
Fazendo uma breve análise destes depoimentos, inicialmente gostaríamos de
destacar a fala da professora Terzia, quando se refere ao significado, que
interpretamos como finalidade, como já discutimos anteriormente, Terzia nesse
relato manifesta mais uma vez a preocupação com a finalidade da escrita.
Continuando nossa análise, observamos que, apenas Edina não citou
ortografia, todas as outras enfatizaram aspectos ortográficos. Outro enfoque que
aparece na fala das mestras é o conteúdo textual, que para fins de análise
agrupamos no mesmo bloco: começo, meio e fim; coerência e coesão; não fugir do
tema; sequência lógica. Apenas Vera não citou essa categoria. Logicamente na
interpretação dessas falas, consideramos que no momento da entrevista, as mestras
mencionaram alguns aspectos que vieram à memória e não outros, certamente há
outros critérios que são levados em consideração pelas professoras e não foram
explicitados, temos clareza que isso vai depender do gênero textual que está sendo
ensinado, ou das dificuldades apresentadas pelos alunos. Assim, para tirar nossas
95
conclusões não nos baseamos apenas na fala, o que de fato levamos em
consideração nesta análise, foi o cruzamento dos dados, entre o discurso e o que
efetivamente as docentes consideram na avaliação dos textos. Para isso,
construímos um quadro com os critérios avaliativos explicitados pelas professoras na
correção textual.
Tabela 2: Critérios de avaliação adotados pelas professoras.
Critérios de avaliação
Uso de letra maiúscula
Concordância verbo-nominal
Fuga do tema
Repetição de palavras
Coerência/ coesão
Pontuação
Paragrafação
Ortografia
Acentuação
Tema/título
Estrutura textual
Caligrafia
Total de textos
Osana
27
20
10
29
25
12
29
Frequência que os critérios aparecem nos textos
Edina
Vera
Jessica
93%
69%
34%
100%
85%
41%
100%
08
03
05
11
16
12
8
03
17
47%
17%
30%
65%
94%
70%
47%
17%
100%
12
15
05
17
12
17
70%
90%
30%
100%
70%
100%
05
03
02
02
06
04
04
09
05
12
40%
25%
17%
17%
50%
33%
33%
75%
40%
100%
04
05
06
10
07
14
15
Terzia
26%
33%
40%
66%
46%
94%
100%
Na análise da tabela 2, o primeiro aspecto que nos chama atenção, é o
destaque dado aos aspectos superficiais do texto: pontuação, paragrafação e
acentuação e principalmente a ortografia. Comparando com os depoimentos citados
anteriormente, vemos que há uma convergência, tanto no discurso como na prática,
os aspectos ortográficos são considerados como fundamentais para a maioria das
professoras, ou seja, na leitura do texto as professoras evidenciaram esses aspectos
com maior facilidade.
Outro elemento enfocado na fala das mestras foi o conteúdo do texto:
começo, meio e fim; coerência; não fugir do tema; sequência lógica. No entanto, no
confronto do discurso com a prática percebemos uma divergência, tais aspectos,
quase não aparecem na organização das atividades e na avaliação dos textos. Das
cinco docentes pesquisadas, apenas duas (Jessica e Terzia) destacam os
problemas relativos ao conteúdo na correção. A esse respeito Suassuna (2006) diz
que:
[...] os problemas relativos ao domínio da ortografia são os mais
evidenciados na avaliação da produção escrita, quando, na verdade, esta
96
deveria se centrar em aspectos mais globais do funcionamento do texto.
Assim é que os professores, no momento da leitura dos textos dos alunos,
detectam mais imediatamente uma troca de letras do que mesmo uma
contradição entre ideias ou conceitos. (Suassuna, 2006 p. 31).
Esta citação explica o que observamos no quadro 7, que os professores
identificam com maior facilidade os aspectos superficiais do texto, como
evidenciamos no exemplo do texto 8 “Ana e a Natureza 24”, citados como exemplo
anteriormente, onde a professora identifica na avaliação apenas dificuldade do
emprego de letras maiúsculas após os sinais de pontuação, quando havia outros
aspectos relativos ao conteúdo a serem abordados, como por exemplo: a
organização do texto, a coerência, a continuidade, entre outros. Tal exemplo, ilustra
o que atentamos no quadro de critérios.
Nesse sentido, nossa hipótese inicial parece se confirmar, que os professores
geralmente avaliam os textos considerando os erros, principalmente, quanto à
violação às normas gramaticais e ortográficas; em contra partida, os elementos
linguísticos, como coesão e coerência, parecem não ser facilmente visualizados
pelos docentes. Como já explicitamos na fundamentação teorica é fundamental que
o professor estabeleça um quadro de criterios como sugerem Val e outros (2009)
[...] é importante o estabelecimento de um quadro coerente de critérios, os
mais objetivos e coerentes possíveis, que prevejam as possibilidades de
enviesamento do olhar sobre o texto e busquem viabilizar uma avaliação
justa, consistente e racional. Esses critérios estariam baseados em
conhecimentos teóricos, metodológicos e políticos, de forma a contemplar
todos os componentes da produção escrita, tendo em vista a objetividade
nas avaliações. (2009 p. 88)
Os autores sugerem que esses critérios devem estar fundamentados em
conhecimentos teóricos, ou seja o professor deve conhecer as teorias e escolher
as que acredita
e considera mais adequada para embasar sua prática de
linguagem, mas apenas conhecer os aspectos teóricos nao é o bastante, é
necessário ter uma boa metodologia, e que avalie o tempo todo o suas escolhas isto
é, ter uma postura reflexiva de sua prática. Percebemos que construir um quadro
coerente de critérios para avaliar os textos nao é algo tão simples. Demanda
conhecimentos por parte do professor.
Defendemos que o professor não deve avaliar o texto superficialmente,
direcionando o olhar apenas para as violações gramaticais cometidas pelos alunos,
principalmente nos os primeiros anos de escolaridade, mas devem observar o texto
24
Veja o exemplo nº 8: Ana e a natureza ( p.90)
97
em todas as suas dimensões estabelecendo critérios claros e, sobretudo, procurar
entender o que o aluno quis dizer, buscando perceber as diversas dimensões do
texto, o que e como este diz, em uma atitude de interação, partindo desse
entendimento a avaliação estará a favor do aluno e não contra ele, e o professor
estará efetivamente ensinando a escrever bons textos e não apenas apontando
erros, que na maioria das vezes, não ajudam as crianças a perceberem como
escrever melhor, pelo contrário faz com que percam o estímulo e o gosto pela
escrita.
3.5.1 As professoras explicitam os critérios de avaliação para os alunos?
Outro questionamento feito às mestras, diz respeito aos critérios para
avaliar, a pergunta foi a seguinte: você expõe aos alunos os critérios de avaliação
antes da atividade de produção textual? Das cinco professoras entrevistadas, duas
(Osana e Vera) disseram que não. Não combinam previamente com as crianças o
que será cobrado no texto.
E: Não, eu digo que vou avaliar a questão dos pontos, a questão da
ortografia, que eu vou avaliar a letrinha que tá melhor, qual é o que tá
se colocando bem. Eu não dou as referencias que nós temos de
linguagem, mas as referências que eles conseguem ter, no linguajar
deles, o mais popular possível. (Osana)
A professora Osana apesar de afirmar que não explica os critérios antes da
produção textual, elenca algumas categorias, cita a ortografia, a caligrafia, e se o
aluno está se colocando bem no texto, esclarecendo que não explicita as referências
de linguagem que ela tem, mas as referências que as crianças conseguem entender,
no linguajar delas. Esse depoimento da professora expressa a crença de que, se ela
enumerar os critérios com a nomenclatura correta: ortografia, pontuação, coerência,
coesão, etc. os alunos não entenderão, por isso, cita alguns critérios e não outros.
Discordamos desse argumento, acreditamos que no quinto ano os alunos já têm
maturidade suficiente para entender os aspectos que a educadora vai observar na
avaliação dos textos, e se o professor não usa e não ensina os termos adequados,
como os alunos aprenderão? Já a professora Vera, justifica que não expõe os
critérios para os alunos porque acredita que eles ficam nervosos sabendo que estão
sendo avaliados.
98
E: Não. Porque eu acho que eles ficam nervosos sabendo que estão
sendo avaliados, eu não uso a palavra prova para que os alunos não
sintam medo. (Vera)
Também divergimos desse ponto de vista, tal acepção demonstra um sentido
equivocado de avaliação, já discutimos neste estudo, que concebemos avaliação
enquanto processo e, portanto, a todo momento estamos avaliando nossos alunos,
não apenas na prova. O medo de uma avaliação formal é normal e acontece com
todo mundo, omitir os critérios apenas mascara a avaliação, mas tais critérios são
cobrados, mesmo que o aluno não tenha consciência que eles existam. Assim,
consideramos que não se deve omitir os parâmetros que usamos para avaliar os
textos das crianças
Nos dois depoimentos a pesquisadora contra-argumentou, perguntando se
quando as docentes estão sendo avaliadas, principalmente na produção de um
texto, se elas não preferem ser informadas previamente pelo professor, sobre os
critérios que serão cobrados na avaliação. Elas pensaram, e concordaram, que é
melhor ser avaliado sabendo os aspectos que serão considerados pelo professor e
que nunca haviam parado pra pensar nessa questão.
As outras três (Edina, Jessica e Terzia) responderam que sim, costumam
informar antecipadamente os critérios de avaliação dos textos aos alunos.
E: Sim. O aluno é informado no texto o que eu vou avaliar. (Edina)
E: Sim. Sempre eu coloco no quadro o que eles devem ter atenção:
pontuação, ortografia, uso de letra maiúscula parágrafo, título.
(Jessica)
E: Sim. Penso ser necessário para a própria compreensão dos
alunos, sabendo assim como desenvolver seu texto. (Terzia)
A professora Jessica comenta que escreve os critérios no quadro e Terzia
acredita que conhecer os critérios se faz necessário, para ajudar os alunos a
desenvolver o texto. Concordamos com as docentes, que é conveniente acertar
previamente com os aprendizes os parâmetros que serão cobrados na produção
escrita. Morais e Ferreira (2006 ) afirmam que Quando o professor propõe uma
atividade de produção textual está estabelecendo um contrato didático com os
alunos, sobre o que espera deles, e sobre o que eles podem esperar do professor.
Evangelista e outros (1998) defendem que é importante o estabelecimento
de um quadro de critérios os mais objetivos e explícitos possíveis e vão mais além,
99
completam que “a própria construção de um quadro de critérios para avaliação do
texto, desde que conte com a participação do aluno, pode se tornar um mecanismo
importante de aprendizagem” (p. 72). Aderimos à opinião dos autores, para que a
avaliação possa ser um instrumento de aprendizagem coerente, é necessário que os
critérios sejam explicitados e se possível combinados previamente com os
aprendizes, de forma que eles possam participar da avaliação de modo mais efetivo
e corresponder de forma mais eficiente não só as expectativas do professor, mais ao
mesmo tempo, as suas próprias expectativas, enquanto aluno/autor de seus textos,
tendo plena consciência de suas possibilidades linguísticas. Endossamos que o
diálogo, entre professor e aluno, ou seja, a combinação, é o melhor caminho para
chegar a aprendizagem.
3.6 Os conhecimentos necessários para produzir bons textos
Indagamos as docentes a respeito dos conhecimentos necessários para que
o aluno aprenda a produzir bons textos. O primeiro relato, é o da professora Osana,
percebemos a ênfase na ortografia como conhecimento importante para produzir
bons textos. Vejamos o que disse a mestra a esse respeito:
E: A vivência dele conta muito, na maioria das vezes, eles já têm o
básico. Eu tenho o máximo de cuidado para orientar na questão
ortográfica.
P: Com a ortografia tranqüila, ou escrevendo bem ortograficamente,
eles vão produzir um bom texto?
E: Se ele tiver criatividade e se ele for estimulado pra produzir, com a
questão da ortografia e do tipo textual, faz ele ter um norte, agora, se
vai produzir bem ou criativamente aí
é um talento que ele vai
desenvolver.
Como já vimos anteriormente nos critérios de avaliação dos textos,
confirmamos que a ortografia é o aspecto que mais aparece na avaliação da
professora Osana. Os textos corrigidos por ela têm muitas observações chamando
atenção para os erros ortográficos, como também, para outros aspectos que estão
na superfície textual, entre eles o uso de letra maiúscula, a caligrafia, a pontuação, a
paragrafação, etc. A docente em seu relato refere-se ainda, que a criatividade é
justificada pelo talento do aluno, salientando a crença de que aqueles que escrevem
100
bons textos, o fazem, por méritos pessoais e não devido á aprendizagem, como já
discutimos anteriormente.
As concepção e prática a avaliativa da Professora Osana enfatizam a
gramática normativa, a qual privilegia a variedade padrão. O que estamos chamando
atenção aqui, é que, as concepções dos docentes podem determinar a
aprendizagem dos alunos, ou seja, a organização das atividades, a intervenção no
texto do aluno, esses aspectos sofrem influência direta das concepções dos
professores. Persistir na concepção de que escrever não se aprende que é um
“dom”, tem sérias consequências na prática. As atividades propostas pelos
professores são encaminhadas espontaneamente, os docentes que assim pensam,
acreditam que apenas a exposição dos alunos a diferentes textos como modelos
seria suficiente para garantir a aprendizagem. Nos contrapomos a esse tipo de
encaminhamento por acreditarmos que o ato de escrever não é apenas fruto de um
“talento do aluno, mas demanda um planejamento por parte do professor, que deve
ser realizado em vários momentos: planejamento, execução, leitura do texto,
correção pelo docente, modificação do texto, a partir da reescrita, assim como
postulam Fiad & Mayrink-Sabinson (1994).
O segundo relato é o da professora Jessica, que expressa a preocupação
com o conteúdo do texto, sobretudo com a coerência textual como conhecimentos
importantes para elaborar um bom texto:
E: Acho que os conhecimentos necessários para que o aluno
aprenda a produzir bons textos são: organização, coerência, lógica,
não fugir do tema. (Jessica)
Na análise dos dados ficou evidente tanto na organização das atividades
quanto na avaliação dos textos, a preocupação da docente com a coerência e a
organização estrutural dos textos, Jessica elaborou algumas atividades visando a
sequência lógica textual (atividades com gravuras sugerindo situação problema).
Segundo Costa Val (1991) a coerência é responsável pelo sentido do texto,
enredando fatores lógicos e cognitivos, porque depende do partilhar conhecimentos
entre os interlocutores, ou seja, um discurso é coerente, quando apresenta uma
configuração conceitual compatível com o conhecimento de mundo entre autor e
leitor. Assim, o sentido do texto é construído não só pelo autor, que o escreve, mas
também pelo leitor, a coerência do texto deriva de sua lógica interna, resultante dos
significados construídos.
101
Dessa forma, é fundamental que na avaliação dos textos, os professores
observem não apenas os aspectos que estão na superfície textual (aspectos
gramaticais), mas é fator importante atentar para a lógica do texto, buscando
compreender o que o aluno-autor quis dizer, assim, o docente, através da avaliação
pode ajudar sinalizando os problemas de construção de sentido no texto. Não que
os aspectos gramaticais não sejam importantes, são também, mas o sentido vem
primeiro. E mais o professor deve ainda, ver a forma como o aluno disse e se
posicionar diante do que foi dito.
As outras professoras entrevistadas destacaram a importância da leitura para a
aprendizagem da escrita evidenciando a crença de que se o aluno for um bom leitor
será um bom escritor:
E: Na minha opinião, ele deve ter o hábito de ler, deve ser um bom
leitor, quanto mais ele ler, vai enriquecer o vocabulário e escrever
melhor. (Edina)
E: A leitura, ser um bom leitor, e o professor, deve estimular a leitura.
(Vera)
Edina e Vera destacam apenas a leitura como importante para aprender a
escrever bons textos. Concordamos com as professoras, quando afirmam que leitura
é fundamental para a aprendizagem da escrita conforme sugerem Leal & Melo
(2006), ao refletirem sobre as relações entre ler e produzir texto, as autoras
destacam que há dois motivos para se articular leitura a escrita na produção textual
escolar. O primeiro é que, para escrever precisamos ter o que dizer, e para isso, é
necessário construir conhecimentos, tais conhecimentos, adquirimos na leitura. O
segundo motivo é ter familiaridade com uma boa diversidade de gêneros textuais
para adotá-los de acordo com as finalidades de uso.
A leitura de bons materiais de variados gêneros é de grande ajuda para
fornecer conhecimento e conteúdo e um grau satisfatório de informatividade.
Antunes (2009, p.125), explica que informatividade “é uma propriedade que diz
respeito ao grau de novidade, de imprevisibilidade que a compreensão de um texto
comporta”. Sabemos que a leitura propicia familiaridade com os diversos gêneros e
facilita na escrita. Entretanto, gostaríamos de esclarecer que não estamos afirmando
que apenas o contato com o texto, ou a simplesmente a leitura, vai garantir a
aprendizagem do gênero. Acreditamos que apenas ler não é suficiente para
aprender a escrever determinado gênero, para que isso ocorra, é necessário um
102
investimento por parte do professor, propondo atividades que levem a reflexão sobre
as características dos gêneros e suas finalidades, para tanto, é fundamental um
planejamento mais efetivo do trabalho pedagógico.
A professora Terzia também enfatiza a leitura como elemento fundamental,
porém, vai mais além, evidenciando a importância de se refletir sobre o que se lê,
ela descreve como faz a problematização depois da leitura.
E: Bem, primeiro, eu acredito que precisa ter muita leitura antes da
escrita. Porque ele vai ter o contato com aquelas produções escritas
então, tudo pra mim sempre partiu, a escrita da leitura, então, depois
que ele leu e que vê toda aquela estrutura, como aconteceu e aí,
agente vai falando, esse final aí, essa conclusão, foi o que ? Em que
deu essa historia? Mas vocês já leram algum livro que conta o final
da historia antes da historia acontecer? Já leram alguma noticia
assim no jornal? Porque agente trabalha, a questão do jornal, a
história em quadrinho, tirinhas, né? (...) Mas, para eles ter contato
com essa historia em quadrinho precisaram ter contato com o texto,
primeiro ler. Eu acredito que todo o desenvolvimento aí, está na
ligação com o título e com as perguntas que ele vai fazer com aquele
título. Porque aí, já é um bom caminho com as respostas das
perguntas sobre o titulo, ele já conseguiria desenvolver. É uma coisa
que eu também faço com eles: quais perguntas a gente pode fazer
sobre esse tema? (...) Essa questão do conhecimento prévio e a
questão da própria estrutura do texto, não é? Ele ter essa
apropriação, que é pra poder ele ter a coesão e a coerência.
(Terzia)”.
Dos depoimentos sobre leitura, a professora Terzia foi a única que elencou a
questão do gênero textual, citou vários: história, tirinha, história em quadrinho,
notícia. Fala na apropriação da estrutura através do contato com o gênero,
explicando como problematiza a leitura, fazendo a ligação do tema e do título,
instigando a compreensão do texto através de perguntas elaboradas pelos próprios
alunos. Portanto, no relato da professora Terzia, observamos que ela enfatiza a
leitura, mas que também compreende que apenas a leitura não é o bastante para
que os alunos se apropriem de determinado gênero descrevendo como costuma
fazer essa reflexão. As concepções apresentadas pela professora Terzia parecem
103
se aproximar mais da proposta que defendemos, como já evidenciamos em outros
momentos nesse trabalho.
Os dados apontam que, tanto no discurso, como na prática, as docentes
evidenciaram aspectos diferentes, mesmo ensinando na mesma rede, tendo a
mesma orientação curricular e atuando na mesma série; as docentes focam o olhar
em aspectos diferentes na avaliação dos textos e na categorização do que vem a
ser um bom texto, parece que as concepções teóricas são fator determinante na
prática e na avaliação, e que é essa perspectiva que vai direcionar o trabalho com a
língua.
3.7 As professoras têm dificuldade para avaliar?
Questionamos as professoras se elas têm alguma dificuldade para avaliar os
textos produzidos pelos alunos e quais seriam essas dificuldades. Das cinco
professoras, quatro responderam que sim, encontram algum tipo de dificuldade para
avaliar:
E: Sim. No momento que eu tenho dificuldade de passar (ensinar) eu
tenho dificuldade de cobrar (Edina)
E: Sim, quando eles não escrevem com uma letra ilegível. E
também, às vezes eu tenho muito a questão assim, tem sempre um
norte pra você corrigir, mas tem vezes que eles conseguem escapar,
às vezes ele começa com uma incoerência você acha que o texto
todo tá incoerente, mas você vai lendo, aí já volta de novo, então,
muitas vezes eu fico com um coração mole, pra que o texto sempre
esteja bom, e eu não seja tão carrasca. Na correção e eu tenho que
me colocar que, eu tenho que avaliar eles, porque no próximo ano
eles vão ser 5ª serie, e não vai ter um professor que vai passar a
mão. Então, eu me perco nessa questão de sempre usar as mesmas
ferramentas, os mesmos parâmetros de correção pra todos. (Osana)
Edina explicitou que sente dificuldades não apenas na avaliação e no ensino.
O depoimento da professora Osana foi mais categórico, por isso, vamos
comentá-lo mais detalhadamente. A docente aborda várias questões: primeiro,
ela destaca a letra ilegível, depois aponta a coerência textual, percebendo que
os textos não são totalmente incoerentes, aborda também a questão de ser
justa e fazer uma avaliação imparcial, de usar os mesmos parâmetros para
104
todos, mas ao mesmo tempo, fala do medo de ser considerada “carrasca”, e a
dúvida em promovê-los para o sexto ano (antiga 5ª série). É bastante comum
essa preocupação dos professores que ensinam o quinto ano (antiga 4ª série),
por saberem que a dinâmica de ensino a partir do sexto ano é diferente, na
escola pública, até o quinto ano, o professor é “polivalente”, ou seja, ensina
todas as disciplinas, por isso tem uma visão geral do aluno e tem aquele
acompanhamento, mais de perto, a partir do 6ª ano é um professor para cada
matéria, esse fato, faz diferença para a professora e pesa em sua avaliação.
Observamos que no relato da professora Osana, são muitas as angústias
sobre avaliação, que vão desde a legibilidade do texto à preocupação com o ano
seguinte (no caso, 6º ano), de como o próximo professor vai trabalhar com esses
alunos.
Já a professora Vera ao falar de seus saberes práticos e teóricos quando
questionada sobre as dificuldades para avaliar, respondeu o seguinte:
E: Tenho, eu ainda preciso me aprimorar nessa técnica. Você tem
que ter uma técnica, fazer um estudo para corrigir os textos dos
alunos. Eu não tenho ainda, mas já eu estou começando a adquirir.
(Vera)
Sobre esse depoimento, acreditamos ser relevante relembrar essa variável,
conforme já explicitamos na metodologia, a professora Vera ensina na mesma
escola em que a pesquisadora desempenha a função de coordenadora
pedagógica25. Realizamos enquanto coordenadora uma formação continuada sobre
avaliação do texto escrito em que a referida docente participou. Acreditamos que os
conteúdos trabalhados na formação continuada e o pensar sobre as questões da
entrevista, levaram a professora Vera a refletir sobre sua prática e a perceber que
precisa se apropriar de novos conhecimentos para melhorar sua forma de avaliar os
textos. O mesmo aconteceu com a professora Edina, que também expressou, em
outro momento da entrevista, que participar da pesquisa foi uma oportunidade de
reflexão sobre a prática, ao responder o porquê aceitou participar da pesquisa ela
disse o seguinte:
25
Realizamos a primeira parte da entrevista com professora Vera e não deu tempo de completar a
entrevista toda no mesmo dia, então deixamos para terminar depois. Na semana seguinte, fizemos
uma formação continuada em serviço. Dias depois, fizemos a segunda parte da entrevista.
Acreditamos que a afirmação de que “precisa aprimorar as técnicas de correção”, se deu devido ao
estudo que foi feito na formação. O tema específico da formação foi como avaliar o texto escrito,
baseado nas pesquisas de Serafini(1987) e Ruiz (2001).
105
E: Em algum momento eu fiquei assim, eu não estudei, eu devia ter
me preparado. Eu espero ter contribuído para enriquecer o seu
trabalho, porque com certeza o meu trabalho já foi enriquecido,
algumas perguntas que você fez, me deu alguns toques que serviram
para eu repensar a minha prática. (Edina)
Supomos que o mesmo ocorreu com a professora Vera, que tanto as
questões da entrevista, quanto nas informações obtidas na formação continuada
causaram questionamentos na compreensão de avaliação, desconstruiu alguns
conceitos e construiu outros.
Retomando a discussão sobre as dificuldades das professoras para avaliar. A
professora Jessica, também afirmou em seu relato que, sim, encontra dificuldades:
E: Sim. Medir a capacidade de conhecimentos da pessoa através de
média ou conceito não é fácil.
P: O sistema de registro de avaliação da rede estadual não mais
média ou conceito é parecer descritivo. Você também sente
dificuldades em elaborar um parecer sobre a aprendizagem dos
alunos?
E: Sim. É complicado elaborar um parecer do que a pessoa sabe.
Nesse depoimento, vemos que inicialmente a docente se refere à dificuldade
de medir o conhecimento através de média ou conceito, porém, quando é
questionada pela pesquisadora sobre a sistemática de avaliação da rede estadual,
também alegou que é complicado elaborar um parecer sobre a aprendizagem dos
alunos. Na rede estadual de Pernambuco, no ensino fundamental I (1º ao 5º ano), o
registro das avaliações ocorre por meio de parecer descritivo e não de nota ou
conceito. Desde a implantação do sistema de ciclo em substituição ao sistema
seriado, que o registro das avaliações é feito por meio de parecer descritivo das
aprendizagens de acordo Instrução Normativa nº 04/200826.
Esse relato da professora Jessica indica que, tanto na avaliação quantitativa,
que o professor atribui uma nota ou conceito no final da avaliação, quanto numa
abordagem qualitativa, a qual é a orientação da rede estadual, a professora admite
26
“II‐ nos Ciclos/Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a avaliação das aprendizagens do (a)
estudante será realizada através de instrumentos diversificados e registrada sob a forma de Parecer
Descritivo da trajetória do estudante, de acordo com o disposto no Art. 4º, incisos de I a V da
Instrução Normativa nº 01/2006 que orienta procedimentos para reorganização do ensino em Ciclos
no Sistema Educacional.” Instrução Normativa nº 04/2008.
106
que encontra dificuldades nos dois tipos de avaliação. Sobre esse aspecto, podemos
comentar que, apesar do ciclo exigir uma nova postura perante a avaliação, muitos
docentes ainda mantêm a mesma forma de pensar e agir sobre os processos de
ensino e de aprendizagem, o que nos reitera a questão de que não basta mudar as
nomenclaturas
nem
a realização de atos mecanizados. A avaliação no ciclo
pressupõe um novo paradigma na educação sob a ótica de um desdobramento na
organização do ensino. A avaliação e o ensino se constituem em eixos de reflexões
e de novas propostas. É preciso, no entanto, mudar a forma de pensar, passar a
pensar criticamente sobre o processo de ensino, o que mais uma vez nos reporta à
importância de uma formação continuada para os docentes, pois é por meio dela
que o professor pode se apropriar das novas teorias para subsidiar a prática.
A professora Terzia, foi à única que firmou não encontrar dificuldades para
avaliar:
E: Não, quando estabeleço meus critérios não encontro dificuldades.
(Terzia)
Em seu depoimento a professora faz referência ao estabelecimento de
critérios, que quando define tais critérios não encontra dificuldades no processo
avaliativo.
Continuamos indagando as professoras acerca de suas concepções sobre
avaliação com a seguinte questão: Para você o que é avaliar? Nesses relatos
identificamos diversas concepções de avaliação. Para facilitar a análise, agrupamos
os depoimentos considerando a semelhança entre eles, as professoras Osana, Vera
e Jessica têm opiniões diferentes, porém a palavra difícil está presente nos três
relatos:
E: É tão difícil, você cai em contradição o tempo todo. Na maioria
das vezes você não sabe que norte você está indo. Você não sabe
se avalia pelo quantitativo ou pelo qualitativo; se você vai pela
questão das notas, o problema que o aluno esta vivenciando, se
você aposta nele e dá uma chance de novo, é complicado. (Osana)
A professora Osana foi bastante audaz em seu depoimento, ao assumir suas
dificuldades, ela elenca muitas incertezas em relação avaliação, expressando sua
dificuldade em conceituá-la, admitindo insegurança quando afirma que “na maioria
das vezes não sabe que norte seguir.” A dúvida entre avaliação quantitativa
/somativa ou qualitativa/ formativa; se investe no aluno e dá uma nova chance, isto
107
é, como tratar o erro. São muitas as angústias dessa professora em relação à
avaliação e confirmamos essas dúvidas na materialidade da correção/avaliação dos
textos que nos foram fornecidos pela docente.
Já professora Vera, foi bem sucinta em sua declaração, e também falou que é
difícil, definindo avaliação como “testar o conhecimento”.
E: É difícil, viu? É testar o conhecimento. (Vera)
No relato da professora Jessica, parece que ela tem a compreensão da
avaliação como processo, quando se refere a conhecer o aluno dia-a-dia e não
somente no momento da prova, indicando traços da avaliação formativa.
E: É conhecer o aluno no dia-a-dia, não somente no momento da
prova, a avaliação é continua. É a parte mais difícil. Aprendi no
magistério com uma professora a corrigir sem observar o nome do
aluno para não cometer injustiça. (Jessica)
Mas, também afirma que é a parte mais difícil, como vimos em seu relato
sobre as dificuldades para avaliar.
Em seu depoimento expressa ainda, a
preocupação com a questão da imparcialidade do professor na avaliação, e explica
que no magistério aprendeu com uma professora, a corrigir sem observar o nome do
aluno, ou seja, no momento da correção, tem a preocupação em ser justa, procura
observar apenas o desempenho do aluno sem considerar as preferências pessoais,
preocupação demonstrada também pela professora Osana quando se refere às
dificuldades em avaliar, em usar os mesmos parâmetros para todos.
Os depoimentos das professoras Edina e Terzia se assemelham porque
ambas fazem referência ao planejamento, uma fala dos critérios e a outra dos
objetivos, vejamos o que dizem:
E: Avaliar é você medir aquilo que você ensinou ate que ponto o
aluno aprendeu. Diante dos critérios que você formulou, vê o que ele
aprendeu. (Edina)
E: É o momento de observar o desempenho do aluno e o meu,
analisando os objetivos que foram alcançados ou não. (Terzia)
Edina diz que avaliar é “medir” e fez a ligação dos critérios estabelecidos no
planejamento. Já a professora Terzia, fez a ligação da avaliação com os objetivos,
se foram alcançados ou não. No entanto, foi à única das cinco docentes, que se
coloca no processo avaliativo, ela diz que avaliar é observar o desempenho do aluno
e o dela enquanto professora, demonstrando a consciência de que compreende que
108
na avaliação está em jogo, não apenas o desempenho do aluno, mais também, o do
professor. Nesse sentido concordamos com Teixeira e Nunes (2008) quando
afirmam que
Cabe, mais do que nunca, ressaltar aqui que, quando o professor avalia,
não avalia somente o aluno e os processos de ensino e de aprendizagem,
mas, sobretudo avalia a si próprio e o trabalho que desenvolve. Como
também, o aluno que é avaliado não passa por esse processo de forma
passiva, avalia de modo intermitente o professor e as atividades
desenvolvidas, mesmo que isso ocorra inconscientemente, o que se torna
algo valioso, se feito de maneira consciente... (p. 90)
Consideramos a interpretação do ato de avaliar da professora Terzia como
algo valioso, porque demonstra a consciência de que o professor é co-responsável
pelo sucesso ou fracasso da aprendizagem. Acrescentamos ainda, que a avaliação
também é um momento de aprendizagem para o aluno, e se no final de um período
de ensino, os objetivos não foram alcançados é o momento de traçar novas
estratégias de ensino para que se alcance a aprendizagem desejada.
Todos esses relatos sobre o que é avaliar apontam várias concepções de
avaliação, das cinco entrevistadas, três consideram avaliar uma tarefa difícil. A
professora Vera afirmou que avaliar é testar, Edina disse que é medir, podemos
então, enquadrar avaliação da aprendizagem, em um contexto paradoxal: o de medir
e outro de se sobrepor a esta perspectiva, de encarar a avaliação como processo
contínuo. Sobre essa dicotomia Teixeira e Nunes (2008) dizem que
A avaliação adquire um aspecto (caráter) dicotômico, sabendo-se que,
apesar de estar ligada às atividades de exame, que englobam o medir, o
corrigir e o qualificar, não pode ser reduzida e confundida com elas, pois
não começam nem terminam em si mesmas. O ato avaliativo para progredir
na trajetória escolar precisa romper com a ideia de linearidade. E, além
disto, deixar de ser ato fracionado, que se realiza em determinado momento
e se esquece em outro. A avaliação não é uma ação estanque, que ocorre
somente em determinado momento e desconsidera a aprendizagem em
outro. Tal condicionamento empobrece consideravelmente o leque de
possibilidades das atividades praticáveis em sala de aula. (TEIXEIRA &
NUNES, 2008, pp. 87 e 88)
As autoras defendem que o ato avaliativo para progredir na trajetória escolar
precisa romper com a ideia de linearidade. Sobre essa ideia Suassuna (2006),
baseada na teoria sóciointeracionista de Mikhail Bakhtin, defende que para
ultrapassar ideia de linearidade na avaliação, é necessário que esta funcione como
um mecanismo efetivo de ampliação e garantia da aprendizagem, é preciso também
que na prática de ensino-aprendizagem ela seja concebida como discurso/
interação. A autora propõe que se adote uma concepção ampliada de avaliação e
afirma que seria benéfica em dois níveis:
109
institucional – na medida em que ela funciona como indutora de políticas
educacionais, visando a melhoria da qualidade de ensino, à garantia da
aprendizagem e à socialização do trabalho escolar; epistemológico - na
medida em que propicia uma nova abordagem do erro: ao invés de
considerá-lo como uma produção linguística diferente da estabelecida nas
gramáticas normativas, ou mesmo como índice de fracasso do ensino e da
aprendizagem da leitura/escrita, deve-se entende-lo como uma produção
linguística resultante da relação do usuário com a situação de discurso e do
seu nível de conhecimento da língua, gerado pelas situações de ensino e
manifestado na forma de um conjunto de hipóteses (que podem ser
inadequadas, incompletas, provisórias...) (SUASSUNA 2006 p. 209).
Concordamos com a autora, ao afirmar que ampliar a concepção de avaliação
concebendo-a como interação é o caminho mais favorável para se ultrapassar a
linearidade e consolidar uma prática avaliativa significativa, tanto a nível institucional,
impulsionando as políticas educacionais, através da promoção de formações em
serviço, como a nível epistemológico, contribuindo para que a mudança aconteça
na escola nas práticas avaliativas dos docentes e que resultem na melhoria do
ensino e da aprendizagem da língua materna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
111
Neste trabalho, buscamos analisar as práticas avaliativas de docentes do
ensino fundamental. Partimos do pressuposto de que as concepções das
professoras refletem e retratam a prática da produção textual no espaço escolar.
Nesse sentido, o primeiro aspecto observado nos resultados das análises, refere-se
à resistência ao termo “ensino”, que todas as professoras participantes da pesquisa
demonstraram quando responderam se produzir texto é algo que pode ser ensinado.
As docentes sentiram-se mais seguras em usar a terminologia “orientar”. Verificamos
que a noção de dom parece perpassar o ensino da escrita. Tais concepções
demonstradas pelas professoras se refletem no ensino e na avaliação da escrita,
vimos materializada nas condições de produção textual arraigada à perspectiva da
redação escolarizada.
Outro aspecto importante a ser considerado na avaliação refere-se a
correção, a análise dos textos possibilitou traçar não apenas uma descrição da
maneira de corrigir os textos das professoras, mas foi possível perceber que não é
indiferente a forma como se dá essa intervenção, ou seja, verificamos que a
natureza do trabalho docente demonstrou ter relação direta com as concepções que
as docentes adotam. Constatamos que na maioria das vezes, as estratégias de
correção não contribuem para a melhoria do texto do aluno. As professoras realizam
uma avaliação monológica da qual o aluno não participa efetivamente, não há uma
atitude de diálogo, nas observações deixadas pelas mestras nos textos corrigidos,
logo fica evidente que a avaliação não tem um caráter interativo e dialógico, como
defendemos neste estudo.
Analisamos também como o erro é concebido pelas docentes na correção, em
alguns casos a oportunidade de refazer o texto é negado aos alunos. Averiguamos
que os erros são apenas identificados, mas não são objeto de reflexão, nem por
parte das professoras, nem por parte dos alunos. Entendemos
que
se os
aprendizes não têm a oportunidade de refazerem suas produções, o erro não é
analisado sob seu aspecto positivo, que diz respeito ao diagnóstico do que o aluno
sabe ou nao sabe. Defendemos que a correção e avaliação dos textos pelos
docentes deve possibilitar oportunidades de aprendizagem aos educandos, ou seja,
os erros devem ser aproveitados para entender a lógica do aluno e oportunizar
novas aprendizagens.
Quanto aos critérios
definidos pelas mestras para avaliar os textos, nas
marcas deixadas nas correções, as docentes destacaram valores que consideram
112
relevantes na construção textual, observamos que a maioria das delas percebem
com maior facilidade aspectos presentes na superfície textual do que aspectos
mais globais do funcionamento do texto. Evidenciando uma concepçao de língua
que privilegia o ensino de regras gramaticais e ortográficas, aproximando-se de uma
abordagem de linguagem, em que a língua é concebida como um sistema de
normas. Observamos ainda, que nem sempre os critérios de avaliação são
explicitados aos alunos, as mestras em suas práticas, não costumam negociar as
categorias que são objeto de avaliação na produção textual.
Em relação aos conhecimentos necessários para produzir bons textos, foram
citados pelas professoras diversos aspectos: ortografia, organização, coerência,
lógica, mas a maioria das entrevistadas citou a leitura como fundamental para
desenvolver essa habilidade, evidenciando a crença de que se o aluno for um bom
leitor será um bom escritor. Tanto no discurso, como na prática, as docentes citaram
aspectos diferentes, mesmo ensinando na mesma rede, tendo a mesma orientação
curricular, todas com formação no ensino superior e atuando no mesmo ano do
Ensino Fundamental; as mestras focam o olhar em aspectos diferentes na avaliação
dos textos e na categorização do que vem a ser um bom texto. Parece que as
concepções são o fator determinante na prática e na avaliação, e que é essa
perspectiva que vai direcionar o trabalho com a língua
Percebemos que há a necessidade de se mudar a concepção de linguagem
que rege o ensino e, consequentemente, a prática de avaliação dos textos.
Acreditamos que o caminho mais lógico para se converter a novas concepções seria
a apropriação por parte dos professores dos estudos mais recentes do ensino da
linguagem, sobretudo aqueles advindos de áreas específicas, como a Linguística
textual, Sociolinguística e Análise do discurso.
Neste estudo vimos que as docentes que avançaram na perspectiva de
propor textos com uma finalidade; que funcionam e circulam socialmente; e que
avaliam o texto de uma forma mais interativa, considerando aspectos referentes à
textualidade na avaliação, demonstram ter concepções diferenciadas de escrita, de
língua e de avaliação, parece-nos que esse aspecto faz toda diferença na prática
docente.
Vale ressaltar ainda, que a prática avaliativa da produção textual parece
constituir um terreno difícil de ser trilhado pelas professoras. Na análise dos
resultados, vimos que as educadoras sabem muitas coisas sobre avaliação, mas
113
que a maioria reconhece que encontra dificuldades de cunho teórico, prático e
metodológico para avaliar.
Percebemos que existe ainda uma distância entre o saber teórico acadêmico
e a elaboração didática da sala de aula; distância esta que precisa ser posta em
discussão na formação inicial ou acadêmica e na escola, na formação continuada.
Para que haja compreensão das novas concepções (que afinal, não são tão novas
assim!), entendemos que esse processo leva um tempo, para que essas teorias
sejam discutidas e compreendias. Porém não simplesmente “um tempo” precisa
principalmente, que esse tempo seja dedicado ao processo de reflexão coletiva na
escola, para que os professores possam construir caminhos que lhes pareçam
coerentes para desenvolver uma nova prática e de forma mais consciente.
Se há algo importante para o contexto escolar que essa pesquisa pode
ressaltar, ou seja, a relevância educacional que este estudo trouxe, ao explicitar as
concepções e as práticas dos docentes, diz respeito à necessidade dos professores
repensarem sua prática avaliativa em relação ao texto, tomando por base uma
postura discursiva de linguagem que, dê condições para se reflita sobre os conceitos
de língua, escrita, e avaliação.
Entendemos que esta pesquisa respondeu a uma questão principal: que as
concepções podem determinar a prática. Nos cinco estudos de caso abordados, as
concepções
das
professoras
explicitadas
na
correção
ou
na
entrevista,
possibilitaram a compreensão do que estava implícito na prática avaliativa. Todavia,
uma outra questão vem à tona, ao constatar que as correções não propiciam uma
interação entre professor e aluno, para futuras pesquisas seria interessante abordar
o outro lado da moeda: os alunos. Investigar como ficam as produções das crianças,
reescritas a partir das correções realizadas pelos professores, considerando outro
campo de estudo muito relacionado ao tema deste trabalho que é a revisão textual.
Esse estudo não pretendeu esgotar o tema, ao contrário, esperamos que
este, sirva para suscitar novos estudos que supram as lacunas existentes na
avaliação da produção textual, principalmente no que diz respeito à interação
professor e aluno na avaliação do texto escrito e nos encaminhamentos de sua
reescrita, pois acreditamos que essa perspectiva pode promover a melhoria da
qualidade do ensino da língua materna.
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,
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APÊNDICE
ENTREVISTA
Dados Pessoais
1. Nome completo:
2. Idade:
3. Tempo de experiência no magistério:
4. Ocupa outra função além de professor(a)?
5. Formação:
Ensino fundamental: ano de conclusão:
Instituição:
Ensino médio: ano de conclusão:
Instituição:
Ensino Superior: ano de conclusão :
Curso:
Instituição:
Pós-Graduação: ano de conclusão :
Curso:
Instituição:
6. Grau de instrução dos pais:
7. Profissão do pai: / Profissão da mãe:
Concepções de linguagem e avaliação
Escrita e Ensino
1. Que tipos de atividades de escrita você realiza em sala de aula?
2. Com que freqüência você realiza produção textual em sua turma?
3. Você acha que produzir texto é algo que pode ser ensinado?
4. O que deve ser ensinado para a produção de bons textos?
5. O que você considera um bom texto?
O aluno, a escrita e reescrita
6. O que o aluno deve aprender para ser um bom produtor de textos?
7. Quais as dificuldades mais freqüentes apresentadas pelos alunos na produção
escrita?
8. Por que você acha, que os alunos têm tais dificuldades?
9. O que deve ser feito, na sua opinião, para sanar essas dificuldades?
10. Quais os erros mais comuns cometidos pelos alunos na escrita de textos?
11. Depois que a produção textual é corrigida por você (ou coletivamente), o que é
feito com o texto?
12. Você propõe a reescrita do texto? Como é feita essa reescrita?
Escrita e avaliação
13. Como você avalia as produções dos alunos: individual, coletiva em dupla outra
forma?
14. Você acha que é preciso definir critérios para avaliar os textos produzidos pelos
alunos?
15. Quais os critérios que você utiliza para avaliar os textos dos alunos?
16. Você expõe aos alunos os critérios de avaliação antes da atividade de produção
textual?
17. Você tem alguma dificuldade para avaliar os textos produzidos pelos alunos?
Qual(is)?
18. Para você o que é avaliar?
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ABDA ALVES VIEIRA DE SOUZA OS PROFESSORES E A