Artigo original
Prevenção de infecção hospitalar em pacientes
submetidos à cirurgia cardíaca eletiva
Hospital infection prevention in cardiac surgical patients
Simone Aparecida Biazzi de Lapena1, Leila Ribeiro dos Santos2,
Ana Maria do Espírito Santo3, Drauzio Eduardo Naretto Rangel4
Resumo
A prevenção de infecções no sítio cirúrgico de cirurgias cardíacas eletivas em conjunto com controle de antibiótico e a
profilaxia por meio do conhecimento da epidemiologia hospitalar e o estudo dos fatores de risco pertencentes ao paciente
foram monitorados pela assistência farmacêutica. Foi realizado um estudo incluindo pacientes submetidos a cirurgias cardíacas eletivas entre 2002 a 2008, avaliaram-se 3.447 pacientes com idade superior a 18 anos. A metodologia utilizada foi a
identificação dos pacientes desde a data de internação, pré- e pós-operatório, para o acompanhamento da prescrição do
antibiótico profilático padronizado no hospital e a avaliação dos fatores de risco predispondo a uma possível infecção no sítio
cirúrgico. Em média, houve uma redução da taxa de infecção de sítios cirúrgicos e do período de internação de cirurgias
cardíacas eletivas devido à adoção de novos protocolos. Os micro-organismos mais prevalentes nas hemoculturas dos pacientes que apresentaram infecção no sítio cirúrgico foram Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureus, Klebsiella
pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Escherichia coli. O estudo mostrou que o controle do uso de antimicrobianos
profiláticos pela ação da assistência farmacêutica reduziu a taxa de infecções no sítio cirúrgico desses pacientes.
Palavras-chave: Infecção hospitalar, assistência farmacêutica, procedimentos cirúrgicos cardíacos
Abstract
This study evaluated the monitoring by a pharmaceutical assistant to prevent surgical site infections in elective cardiac surgery with antibiotic therapy through their knowledge of hospital epidemiology and assessment of the patient’s risk factors. The
study included 3,447 patients over 18 years of age who underwent elective heart surgery from 2002 to 2008. The methodology
was to identify patients from their time of admission. Their pre- and post-operative care with prophylaxis antibiotic prescription
in the hospital was monitored, as well as the standard assessment of risk factors which may predispose them to possible infection in the surgical site. On average, pharmaceutical care reduced surgical sites infections and the hospitalization period for
elective heart surgery. The most prevalent microorganisms in patients’ positive blood cultures in surgical site infections were:
Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa and Escherichia coli.
The study showed that the controlled use of prophylactic antimicrobials by pharmaceutical assistants reduced the rate of
surgical site infections in patients.
Key-words: Cross infection, pharmaceutical services, cardiac surgical procedures
Mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade do Vale do Paraíba de São José dos Campos (Univap). Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP)
- Campus Urbanova - Avenida Shishima Hifumi, 2911- Urbanova - CEP: 12244-000 - São José dos Campos (SP), Brasil - Tel.: (12) 3322-2210 - E-mail:
[email protected]
2
Doutora em Química pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Univap.
3
Doutora em Física pela Universidade de São Paulo (USP). Professora e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Univap.
4
Doutor em Microbiologia pela Utah State University. Professor e Pesquisador do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Univap.
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Simone Aparecida Biazzi de Lapena, Leila Ribeiro dos Santos, Ana Maria do Espírito Santo, Drauzio Eduardo Naretto Rangel
Introdução
O surgimento de infecção pós-operatória no sítio cirúrgico de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca é uma das
complicações cirúrgicas mais frequentes que os pacientes podem sofrer, dificultando a continuidade do tratamento (Grinbaum, 1997; Abboud et al., 2004), pois representa um desafio
ao apresentar uma alta taxa de morbidade e mortalidade,
além do que pacientes com infecção pós-operatória da ferida
cirúrgica permanecem um período maior hospitalizados,
resultando em um aumento de gastos médico-hospitalares
(Lissovoy et al., 2009).
A infecção do sítio cirúrgico é o processo pelo qual o
micro-organismo penetra, se estabelece e se multiplica na
incisão operatória (Gelape, 2007). A ferida mais comum é da
região esternal que pode variar de infecção superficial, em
que só a pele e o tecido subcutâneo são afetados (Guaragna
et al., 2004; Dohmen et al., 2009), a uma infecção com maior
profundidade, como a mediastinite pós-esternotomia (Souza
et al., 2002), osteomielite esternal (Jonkers et al., 2003) e, no
pior dos casos, septicemia (Filgueiras et al., 1997).
Os maiores fatores para cirurgia cardíaca que devem ser
avaliados previamente são: idade, sexo, obesidade, diabetes
mellitus (Zerr et al., 1997), etilismo (Rantala et al., 1997),
hipertensão arterial, hiperlipidemia, tabagismo, doença
pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência renal crônica,
desnutrição, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca
congestiva, infarto agudo do miocárdio e, quando houve, cirurgias cardíacas anteriores (Dohmen et al., 2009) e avaliação
das condições dentárias (Deppe et al., 2007).
Os esforços para reduzir a taxa de infecção no sítio cirúrgico em cirurgias cardíacas têm procurado tratar os fatores
de risco antes do procedimento cirúrgico (Ridderstolpe et
al., 2001) e adotar procedimentos preventivos, centrados
na redução da contaminação bacteriana do sítio cirúrgico,
administrando antibióticos profiláticos adequados (Cooke,
2007). Outro procedimento preventivo é a limpeza da pele do
paciente no local da cirurgia com uma solução antisséptica
antes de sua realização (Haas et al., 2005) que é reconhecida como procedimento padrão. Enquanto esta última reduz
substancialmente a microbiota da pele, muitos micro-organismos permanecem nas profundezas dos folículos pilosos e
glândulas sudoríparas (Grice et al., 2009) e persistem após a
limpeza e assim a completa esterilização da pele não é possível
(Dohmen et al., 2009).
O uso de antimicrobianos profiláticos em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca eletiva tornou-se um consenso
(Aparecida et al., 2002), com o objetivo de diminuir os riscos
de uma infecção no sítio cirúrgico desses pacientes (Dohmen,
2008). Com a indicação de antibióticos profiláticos pretende88
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se que a ferida cirúrgica pós-operatória não seja contaminada
permanecendo classificada como limpa (Wilson, 2008), ou
seja, isenta de micro-organismo favorecendo a recuperação
clínica do paciente num menor período de internação e com
diminuição de custos hospitalares (Lissovoy et al., 2009).
A assistência farmacêutica surgiu como uma proposta
de uma prática cuja principal finalidade é melhorar a qualidade de vida do paciente, que faz uso dos medicamentos,
e prevenir problemas relacionados ao seu uso (Renovato;
Bagnato, 2007). Um exemplo é como o controle da dispensação dos antibióticos contribui com a prevenção de infecções hospitalares (Ibrahim et al., 2001) porque, embora
as taxas de infecção do sítio cirúrgico tenham diminuído
com o uso profilático de antibióticos, a inadequação da
profilaxia antimicrobiana cirúrgica ainda é um problema
(Aparecida et al., 2002). Há, portanto, a necessidade da
implantação de uma rotina e de um protocolo (Gagliardi
et al., 2009), o que enfatiza a contribuição do farmacêutico
(Katayama et al., 2007).
O objetivo deste estudo foi demonstrar que a ação da assistência farmacêutica contribui com a prevenção de infecção
hospitalar e, consequentemente, com a diminuição do tempo
de internação dos pacientes, além de promover o uso racional
de antibióticos prevenindo resistências bacterianas e redução
dos custos.
Metodologia
Este estudo incluiu pacientes que realizaram cirurgia
cardíaca eletiva no período de janeiro de 2002 a dezembro
de 2008 pela equipe de cirurgia cardíaca do Hospital Pio XII,
referência em cirurgias de alta complexidade na cidade de São
José dos Campos, São Paulo, Brasil. Foram avaliados 3.447
pacientes todos possuíam idade maior ou igual a 18 anos. A
partir da internação, os pacientes foram acompanhados pela
prescrição do antibiótico profilático por 48 horas contadas a
partir da primeira dose administrada no centro cirúrgico. Os
pacientes que apresentavam algum fator de risco predispondo
a infecção no sítio cirúrgico pós-operatório foram avaliados
quanto aos outros medicamentos prescritos, evitando interações medicamentosas que pudessem alterar o efeito terapêutico do antibiótico profilático, a fim de prevenir complicações
clínicas. A rotina contemplou a avaliação e o uso racional
de antibióticos nos casos de infecção hospitalar. Esses foram
selecionados de acordo com o antibiograma (resultados de
hemoculturas) e nos casos de tratamentos empíricos (aguardando os resultados das culturas).
Os pacientes que foram analisados neste estudo tiveram
sangue coletado para realização de culturas, para identifica-
Prevenção de infecção hospitalar em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca eletiva
ção do possível patógeno infeccioso, e tiveram seus resultados
acompanhados pela farmacêutica que avaliou o tratamento
antimicrobiano dispensado com o patógeno identificado.
Em casos de inadequação do medicamento em relação ao
micro-organismo, foi solicitada avaliação pelo médico infectologista. Todos os dados obtidos foram registrados em fichas
individuais por pacientes e, posteriormente, em livros atas
para arquivo caso houvesse necessidade de uma busca ativa
de dados em internações posteriores, além disso, os dados
foram disponibilizados em um software de logística do hospital. Os dados estatísticos foram obtidos a partir dos pacientes
avaliados até o momento da alta hospitalar e de pacientes que
retornaram ao hospital apresentando sintomas de possível
infecção no sítio cirúrgico.
O período em número de dias em que os pacientes permaneceram hospitalizados sob regime de internação também foi
avaliado neste estudo.
Resultados
Entre 2002 a 2008 foram coletados dados referentes a 3.447
cirurgias cardíacas identificadas como cirurgias eletivas. A
média anual do número de cirurgias cardíacas permaneceu
constante durante este período (Figura 1). Do total de procedimentos cirúrgicos, foi observada, a partir de junho de 2005
(ano de implantação das rotinas pela assistência farmacêutica),
uma redução na média do número de infecções por ano (Figura 2). Notou-se também que a partir do mesmo ano (2005) o
número de dias em que os pacientes permaneceram internados
após a realização das cirurgias cardíacas foi reduzido por causa
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Média de Infecção
Média de Cirirgias Cardíacas
Discussão
Os procedimentos (1) avaliação dos fatores de risco e seu
tratamento; (2) antibiótico profilaxia no ato da anestesia; e
(3) cuidados com o sítio cirúrgico, foram determinantes para
diminuição da taxa de infecção e redução do período de internação no Hospital Pio XII.
O tratamento da infecção de ferida com presença
de exsudação consiste na abertura da incisão cirúrgica e
drenagem de secreções (Gelape, 2007). São procedimentos
importantes a retirada manual dos tecidos necrosados,
fios cirúrgicos, hematomas e coágulos (Ridderstolpe et
al., 2001), e a administração de antimicrobianos adequados (Dohmen, 2008) e que deve ser individualizado de
acordo com o perfil da microbiota e resistência bacteria-
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da diminuição da infecção hospitalar (Figura 3). A análise de
variância das comparações cruzadas entre as médias de internações de 2002 a 2008, realizadas pelos métodos de Bonferroni, Schefeys e Tukey, foram significantemente diferentes e
resultaram a um nível de significância de 0,05 após o ano de
2006. Os micro-organismos mais prevalentes nas hemoculturas positivas dos pacientes que apresentaram infecção no
sítio cirúrgico foram Staphylococcus epidermidis (consideradas
como provável contaminação das hemoculturas), Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa
e Escherichia coli (Figura 4). Foi verificado que a média do
número de micro-organismos se manteve constante durante
os anos de 2006, 2007 e 2008, exceto para K. pneumoniae, cujo
um aumento foi significativo no ano de 2008.
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ns = valores não significativos (p > 0,05) método de Tukey-Kramer para
significância de médias estatísticas comparadas com as médias do ano
de 2002.
ns = valores não significativos (p > 0,05) método de Tukey-Kramer para
significância de médias estatísticas comparadas com as médias do ano
de 2002.
Figura 1 - Média do número de cirurgias cardíacas eletivas no
período de 2002 a 2008
Figura 2 - Média de infecção de sítios cirúrgicos de cirurgias
cardíacas eletivas no período de 2002 a 2008
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ns = valores não significativos (p > 0,05) método de Tukey-Kramer
para significância de médias estatísticas comparadas com as médias
do ano de 2002.
Figura 3 - Média de internação em dias dos pacientes submetidos a
cirurgia cardíaca eletiva no período de 2002 a 2008
na do hospital (Abboud, 2001; Lissovoy et al., 2009). O
tratamento antimicrobiano inicial geralmente é empírico
(Abboud, 2001; Richtmann, 2005) e esse esquema pode
ser adequado posteriormente, de acordo com os resultados das culturas das amostras coletadas do paciente, com
o objetivo de prevenir e ou tratar uma infecção e de não
causar alterações no perfil de sensibilidade dos microorganismos, prevenindo possíveis resistências (Aparecida
et al., 2002; Katayama, 2007). Devido ao fato de a pele estar
muitas vezes envolvida na origem desse tipo de infecção,
os estafilococos tornam-se os micro-organismos mais frequentes (evidenciado na Figura 2) e esperados nesse tipo
de infecção (Guaragna et al., 2004; Dohmen et al., 2009).
As bactérias mais prevalentes identificadas nesse estudo
foram Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureaus,
Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Escherichia coli, que também são mencionadas por outros autores
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Número de micro-organismos (hemoculturas positivas)
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Espécies de microorganismos
Figura 4 - Resultados das hemoculturas positivas de pacientes com infecção no sitio cirúrgico de cirurgia cardíaca no período de
2006 a 2008
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como prevalentes nesses tipos de infecções (Gelape, 2007;
Dohmen et al., 2009; Reitzel et al., 2009).
A rotina criada teve como objetivo a prevenção da infecção
de sítio cirúrgico, avaliando os possíveis riscos associados ao
paciente e os relacionados à infraestrutura do hospital (Reitzel
et al., 2009). O uso do antimicrobiano, aproximadamente uma
hora antes do início da cirurgia ou na indução anestésica, até
48 horas do pós-operatório (Abboud, 2001; Richtmann, 2005)
também compõe o protocolo estabelecido pelo farmacêutico
junto ao serviço de controle de infecção hospitalar (Gagliardi
et al., 2009). Nessa situação, as cefalosporinas de primeira
geração são, na maioria dos casos, as que melhor se enquadram na profilaxia (Richtmann, 2005; Dohmen et al., 2009;
Reitzel et al., 2009). Quando o farmacêutico rastreia o uso
das drogas antimicrobianas avaliando suas indicações clínicas
(Aparecida et al., 2002; Katayama, 2007; Lissovoy et al., 2009),
bem como o tratamento farmacoterapêutico contribuirá na
prevenção das infecções hospitalares, principalmente, como
profissional multidisciplinar (Cooke, 2007).
Conclusão
A ação da assistência farmacêutica reduziu a taxa de infecção no sítio cirúrgico de pacientes submetidos à cirurgia
cardíaca eletiva ao controlar o uso de antimicrobianos, prevenindo e corrigindo seu uso inadequado.
A avaliação dos procedimentos invasivos e o cuidado com
a ferida cirúrgica no pós-operatório também reduziu infecção por micro-organismos da própria microbiota da pele dos
pacientes.
A assistência farmacêutica compõe a prática da farmacologia clínica e, para sua aplicação, rotinas e protocolos, que
permitam a busca ativa de dados e o acompanhamento destes
tendo como foco o paciente, devem ser estabelecidos.
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Recebido em: 08/10/2010
Aprovado em: 07/02/2011
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