1 VÂNIA MARIA ROMANCINI DE SOUZA CONSELHOS DE DIREITOS E GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS Monografia apresentada à Diretoria de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em Direito, Políticas Públicas e Cidadania. Professor Orientador: Daniel Cerqueira Criciúma, 2004. 2 RESUMO Ser cidadão é ter acesso à participação e à decisão política. Historicamente, várias foram as formas de manifestação da sociedade com vistas a atingir este ideal, mas poucas foram as formas adotadas para sua efetivação. No Brasil, especialmente durante as décadas de 1970 e 1980, percebemos a explosão de movimentos sociais que visavam a transformação do sistema político da época, inspirados, na sua grande maioria, no modelo socialista de Estado. Após a Constituição de 1988, porém, os objetivos principais dos movimentos sociais brasileiros mudaram de foco, alterando conseqüentemente sua caracterização. No lugar de organizações sindicais, de classe ou religiosas, surgem a partir desta data movimentos pluriclassistas, que ao invés da transformação do modelo de Estado, lutam pela efetivação dos direitos conquistados. Com toda esta mudança, a sociedade civil garantiu, a partir da Constituição de 1988, um espaço de participação direta na administração da coisa pública: os Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas, órgãos fiscalizadores e consultivos do Poder Executivo, em alguns casos, deliberativos. Sua existência é obrigatória em todas as esferas de poder, sendo o executivo responsável por sua manutenção. Um Conselho, porém, não é parte deste Poder, é independente, autônomo, tendo sua composição paritária com representantes governamentais e não governamentais, dependendo ainda de sua área de atuação. O mandato não é vitalício, sendo estabelecido pelas leis que criam os Conselhos, geralmente de dois ou três anos, podendo ser reconduzido por igual período. 3 O papel principal dos Conselhos é garantir a manutenção e ampliação dos direitos já conquistados, estendendo-os à todos. Assim, em Criciúma por exemplo, temos o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, o Conselho Municipal de Educação, de Saúde, Anti-Drogas, entre tantos outros que trabalham diariamente para garantir a efetividade desse seu papel. Na verdade, um Conselho pode ser visto como a união de vários movimentos de um mesmo segmento em apenas um órgão, que irá fiscalizar o Poder Executivo e propor políticas públicas na sua área com o objetivo de atender à todos os cidadãos. A participação da sociedade é fundamental para a boa atuação dos Conselhos que, para tanto, garante a abertura de reuniões e demais atividades à população, que pode propor, criticar e fiscalizar, por sua vez, os trabalhos do próprio Conselho. 4 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 06 1. ORIGENS HISTÓRICAS ...................................................................................... 07 1.1. Etimologia das palavras Conselho, Comissão e Comitê ................................... 07 1.2. Evolução Histórica ............................................................................................. 08 2. CONSELHOS NO BRASIL ................................................................................... 21 2.1. Movimentos Geradores ..................................................................................... 21 2.2. Conceituação .................................................................................................... 26 2.2.1. Representatividade e paridade na formação dos Conselhos .........................30 2.2.2. Necessidade de capacitação para os conselheiros ....................................... 32 2.2.3. Publicização das ações ................................................................................. 33 2.2.4. Poder e Mecanismos de aplicabilidade das ações ........................................ 34 2.2.5. Atuação do Ministério Público ....................................................................... 38 3. CONSELHOS MUNICIPAIS DE CRICIÚMA: NOSSA EXPERIÊNCIA ................. 40 3.1. Estrutura ............................................................................................................ 47 3.1.1. Estrutura Física .............................................................................................. 47 3.1.2. Estrutura Financeira ...................................................................................... 49 3.1.3. Estrutura Política ........................................................................................... 50 3.2. Capacitação ...................................................................................................... 51 3.3. Publicização das Ações .................................................................................... 53 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 55 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 57 ANEXO ..................................................................................................................... 58 5 LISTA DE ABREVIATURAS a) apud: significa citado. Utilizado para citações indiretas, quando o autor pesquisado fez referência a outro, que se está citando. b) Idem: mesmo autor, mas não a mesma obra. c) in: texto utilizado dentro de uma obra que não é de sua autoria. d) p.: página. 6 INTRODUÇÃO Acompanhando as alterações políticas pelas quais passaram nosso país nas últimas décadas, com o fortalecimento dos movimentos sociais e mesmo o surgimento das Entidades da sociedade civil organizada, deparamo-nos, no ano de 1988, com a legalização de um dos maiores anseios da sociedade brasileira e, porque não dizer, de todas as sociedades divididas entre opressores e oprimidos espalhadas pelo mundo ao longo da história: a participação popular na gestão da coisa pública. A Constituição Federal de 1988, adotando os princípios de democratização e participação comunitária, criou um espaço primordial para o efetivo exercício da cidadania, através dos Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas. É claro que não podemos nos iludir ao ponto de acreditar que a adoção de princípios e direitos na Constituição garantem sua efetivação, mas a criação dos Conselhos, com certeza, facilita a fiscalização e a própria cobrança por parte da sociedade ao Executivo, Poder responsável pela implantação das políticas públicas que irão enfim garantir a efetivação dos direitos Constitucionais. 7 1. ORIGENS HISTÓRICAS 1.1 Etimologia das Palavras Conselho, Comissão e Comitê As expressões “conselho”, “comissão” e “comitê” vêm sendo usadas de indistintamente e a escolha delas prende-se mais ao costume do que ao significado original destas palavras. Contudo, a análise etimológica destas expressões é importante e pode esclarecer muito o significado e a evolução histórica delas. Conselho vem do latim consilium, que significa parecer, juízo, sugestão. Seu significado original se liga a idéia de um grupo seleto de pessoas provenientes de uma classe privilegiada e que cercavam o rei para aconselhá-lo em suas decisões. Esta é a origem do ministério (conselho de ministros). Contudo, por força do próprio processo de partilha do poder, no âmbito do segmento dominante, os grupos que cercavam o centro de poder também o pressionavam, impondo limites ao seu arbítrio e abrindo espaço criavam centros autônomos de poder que não admitiam a submissão completa. Nesta modalidade de conselhos estão o senado, os estados gerais e os parlamentos. Um processo que vai do aconselhamento à participação efetiva no processo decisório. Comissão vem da palavra latina commissio. É o encargo feito a uma pessoa ou grupo delas para tratar de um dado assunto. Neste particular, a idéia de comissão liga-se mais ao de um segmento autônomo que tem poder de decisão e não um mero grupo que aconselha o centro de poder. Parece até mais adequando para denominar os Conselhos Gestores na medida que estes implicam em participação. Finalmente, a expressão comitê tem sua origem, igualmente, no latim commissio, tendo passado pelo inglês committee e pelo francês comitê. Tem, 8 portanto, o mesmo caráter da expressão comissão, remetendo a um encargo conferido pela comunidade para tratar de um dado assunto. Tanto comissão quanto comitê ligam-se a idéia de divisão de poder e não ao aconselhamento ou assessoramento. O que se depreende claramente é que todas as formas de organização política e social apresentam um centro de poder assessorado ou pressionado por um órgão coletivo. Na expressão conselho, pela sua origem etimológica, temos ressaltado o aspecto de aconselhamento que dá origem ao ministério, ou seja, grupo de confiança do centro de poder. Nas expressões comissão e comitê, temos maior destaque para o caráter participativo de um grupo autônomo no poder. Na linguagem moderna, estas sutilezas desapareceram e as expressões tornaram-se equivalentes. Mas o que importa é o conhecimento de que estes órgãos colegiados vão desde meros apêndices do poder com funções decorativas ou de assessoramento até o de centros efetivos cujo poder supera o do centro executivo. Com os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, a participação vai além do caráter meramente político para abranger a comunidade como força ativa e determinante do processo decisório. Agora, não mais restrito a um grupo seleto pertencente a um segmento privilegiado, mas a própria comunidade consciente de sua cidadania. 1.2 Evolução histórica A pesquisa acerca das origens históricas dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas nos remete às sociedades primitivas. Não porque nelas já estivessem plenamente delineados estes órgãos, mas porque este tipo de formação social apresenta um alto grau de participação da comunidade no processo decisório, 9 mais do que na sociedade contemporânea, malgrado o desenvolvimento do terceiro setor. Por isso, não podemos nos restringir a apontar algumas antecipações históricas recentes dos Conselhos como mera explanação ilustrativa da tese principal. No caso em tela, a compreensão do desenvolvimento das formações sociais é fundamental para a própria compreensão do conceito de Conselhos Gestores. Isto porque estes órgãos surgem, na atualidade, como mais um importante passo na estruturação de uma democracia mais participativa e que não se satisfaz com os mecanismos clássicos de controle do Estado pela sociedade. Sua compreensão só é possível se determinada historicamente, pois, de outra forma, pareceria ficarmos tratando de um conceito vazio de significado. Certos elementos só podem ser compreensíveis em sua dimensão temporal. Por sociedades primitivas entendemos aquelas onde ainda não se formou o excedente produtivo e que, portanto, não ativaram a cobiça e o individualismo humanos. São sociedades características da Era Paleolítica (cassadores – coletores) e até meados do período Neolítico, mas que ainda persistem nas áreas periféricas de nosso planeta, tal como os nossos índios e os aborígines australianos. São sociedades com relações bastante singelas e que ainda não desenvolveram uma autoridade centralizada e apartada da comunidade, sobretudo na condição de classe privilegiada. As lideranças destes pequenos grupos humanos são fundadas na autoridade moral e representam os autênticos interesses e valores de suas comunidades. Ainda não há um distanciamento entre quem manda e o conjunto dos indivíduos. Observa-se, igualmente, um significativo grau de solidariedade nestas sociedades, onde não se admite que alguns passem fome enquanto outros acumulam alimentos, mesmo porque, são comunidades pequenas, onde todos se conhecem ou mesmo são aparentados. 10 Estas comunidades são dirigidas por conselhos formados pelos elementos mais experientes ou que se destacam dos demais por suas qualidades. Não se trata de conselhos de indivíduos formalmente eleitos, mas de pequenos grupos que, pelos costumes e tradições comunais e pela competência demonstrada nos momentos mais graves, conquistam a admiração e respeito de sua gente. O dado importante, neste caso, é a intensa participação da comunidade e o fato de não existir um déspota a decidir conforme seu arbítrio. Nas sociedades primitivas, o indivíduo tem perfeita consciência de sua liberdade e a exerce, costumeiramente, mesmo contra a vontade do grupo. Trata-se de um nível de participação que realiza os ideais da democracia direta. Com o desenvolvimento das técnicas produtivas, sobretudo a agrícola, surge o excedente produtivo a ser cobiçado por uma pequena elite. Aumenta a população, as aldeias tornam-se cidades, as trocas se intensificam e aparecem profissionais especializados. Surgem os comerciantes, os mercadores, os sacerdotes, os soldados, os juízes etc, todos sustentados pelos trabalhadores comuns. Então, as lideranças comunais usurpam o excedente produtivo e tem início o processo de exclusão que vai marcar toda a História da Humanidade. Evidentemente, para assegurar a posse do excedente produtivo e do poder decisório, a liderança social precisa transformar-se em estrato superior. Então os canais de ingresso na elite social são obstados permanecendo a hereditariedade como acesso principal. É mister excluir a comunidade, ou seja, impedir sua participação de qualquer forma, pois se não o estrato superior não se sustenta como classe dominante. Isto leva a uma ideologia da desigualdade e ao uso quase ilimitado da força para acomodar as massas. No aspecto ideológico, buscava-se 11 convencer a sociedade que as diferenças sociais entre as classes eram uma decorrência da ordem natural das coisas e da própria vontade divina. Não obstante, a História está repleta de revoltas populares numa contínua luta pela repartição do poder e do excedente produtivo. E este espaço participativo, tão amplo nas sociedades primitivas, vem sendo resgatado pelos povos, através de uma resistência prolongada que, por vezes, explode com a força de uma revolução. O nível de concentração de poder político e econômico variou muito durante a Antiguidade. Em algumas civilizações, como no Egito e na Pérsia, os soberanos tinham um poder incontrastável, enquanto na maioria dos povos, o estrato superior participava bem mais do poder decisório. Neste caso, entretanto, não se trata de uma maior participação da sociedade, mas de uma repartição de poder e riqueza nos limites de uma classe dominante. Mas a experiência mais notável na construção da cidadania e da democracia ocorreu nas cidades-estado do Mediterrâneo. Em lugar do poder se concentrar num pequeno grupo, formaram-se verdadeiras associações de agricultores que visavam a defesa de suas propriedades. Surgia o cidadão como titular de direitos e participante ativo da res publica. Desta forma, não se tratava de uma mera partilha de poderes nos estreitos limites de uma classe, mas de uma autêntica partilha de poderes que alcançava parte considerável da sociedade, ou seja, todos aqueles que se associavam e construíam uma cidade, bem como seus descendentes. Mas não era uma cidadania ampla como entendemos em nossos dias. Estavam excluídas as populações que não fossem descendentes dos fundadores da cidade, bem como homens mais jovens e as mulheres. As cidades-estado gregas eram governadas por uma aristocracia e a população excluída pressionava por uma maior participação. Com as reformas, as distinções entre os segmentos sociais 12 deixaram de ser feitas pelo nascimento e passaram a ser pautadas pela riqueza. A aristocracia era derrotada e dava lugar a oligarquia. Roma teve um tipo de cidadania mais aberta que foi, paulatinamente, abrangendo as populações de outras cidades até atingir vários povos considerados bárbaros. É interessante lembrar que, no período de sua fundação, Roma conferia cidadania a todos que viessem a ela se juntar. Mas o Direito Romano só era aplicado aos romanos. Os escravos eram considerados coisa, res. Havia ainda os semilivres, como os estrangeiros e os que haviam se rendido a Roma. Justapunhamse duas dicotomias: a que dividia a sociedade em nacionais (cidadãos) e estrangeiros e a que a dividia em homens em livres e escravos. Foi neste contexto que surgiu a discriminação contra o trabalho manual (vícios mecânicos) que serviria de elemento ideológico fundamental para a exclusão das classes trabalhadoras no sistema estamental. O fato de a concessão da cidadania ter alcançado quase todos os habitantes do Império Romano de início parece bom, mas na realidade foi uma perda, já que a posição de cidadão agora não significava muito – a justiça e as benesses do Estado só eram alcançadas pelos mais ricos. Em síntese, a cidadania antiga, malgrado suas limitações, construiu um modelo que chamava para o processo de decisório uma parcela bem maior da sociedade. O conceito de cidadania dos antigos acabou sendo entendido de forma exagerada pelos pensadores da Idade Moderna e utilizado como modelo para a formação de uma nova cidadania. De qualquer forma, tinha sido mesmo uma grande conquista para a humanidade. Com a desintegração do Império Romano, o poder político foi fracionado dando lugar a formação social feudal. Era uma autêntica regressão da civilização e dos direitos políticos e sociais. Os homens livres tornaram-se colonos, entregando 13 suas terras ao potentiore, em troca da defesa contra o fisco e os excessos do rei. Os escravos ascenderam à condição de semilivres e se igualaram socialmente aos antigos pequenos proprietários formando uma imensa massa de servos da gleba. A ideologia da desigualdade se reforçou dividindo a sociedade em três classes estratificadas: clero (gentes de oração) – oratoribus, nobreza (gentes de guerra) – pugnatoribus e povo (trabalhadores) - agricultoribus. Era a sociedade de ordens, sociedade estamental, em que as classes não se misturam e o acesso ao estrato superior é quase totalmente obstado. A hereditariedade impõem-se como canal para o ingresso na nobreza e no próprio alto clero. Esta ordem desigual é inspirada num artifício ideológico interessante. Justifica-se a desigualdade terrena baseada numa imaginária ordem celestial igualmente desigual. Mas as lutas pela inclusão não cessaram durante a Idade Média sendo a mais célebre a jacquerie, na França. As revoltas camponesas se sucediam até que a nobreza foi sendo forçada a ceder direitos aos trabalhadores. Um bom exemplo é a substituição da odiosa corvéia pelo pagamento em dinheiro. Isto foi uma das causas que levou a concentração do poder político nas mãos do rei, pois a nobreza já não reunia as condições materiais para submeter o povo. O absolutismo, portanto, era um recurso do estrato superior para garantir a manutenção da sociedade de ordens. Não importa o quanto tenha se desenvolvido o comércio, as ciências e o espaço geográfico, pois a velha ordem estamental era mantida para afastar a maioria da população do processo decisório e dos frutos do desenvolvimento. Como exceção ao sistema de ordens, embora baseada também na desigualdade, encontramos as cidades renascentistas do norte da Itália. Inspiradas no modelo idealizado das cidades antigas formam-se repúblicas dominadas pelas corporações mais ricas que, por sua vez, eram manipuladas por um grupo ainda 14 mais seleto de pessoas. Repúblicas oligárquicas onde o processo eleitoral era conduzido por poucas famílias. Não foram antecipações da democracia cidadã, mas representaram núcleos de desenvolvimento mercantil e de exceção ao sistema trinitário, pois abriam espaço para o surgimento de uma nova classe social, a burguesia. Começavam a ser liquidadas as relações feudais, o comércio se desenvolvia, as cidades cresciam e os pensadores, tal como na Antiguidade Clássica, voltavam a abordar os temas políticos. Hobbes viu a sociedade civil como a anárquica guerra de todos contra todos, onde se tornava necessária a presença do Estado Leviatã, que retirava a liberdade dos indivíduos em troca da segurança. Locke, Montesquieu, Rousseau, Diderot e muitos outros pensadores perceberam a necessidade de se estabelecer limites ao monstro estatal construindo uma teoria liberal e democrática que foi se impondo até desaguar na Revolução Francesa. Todo este desenvolvimento das idéias políticas tinha causas econômicas e foi sendo influenciado pelo processo revolucionário inglês. A Revolução Inglesa, malgrado suas limitações no que concerne a inclusão social, foi um passo decisivo na liquidação das relações feudais e na limitação política dos poderes reais. Uma revolução atípica, fruto de um desenvolvimento histórico muito peculiar, que contrastava com o da Europa continental. Quando Henrique VIII confiscou as propriedades da Igreja, estava reunindo as condições para estruturar uma monarquia absoluta. Com as rendas destas terras, que passavam de um quarto da superfície do país, poderia prescindir do Parlamento. Mas as aventuras militares do rei custaram caro e as terras 15 confiscadas foram vendidas e, indiretamente, acabaram nas mãos da gentry1 e dos yeomen2. O volume de negócios fez nascer um ativo mercado de terras e dissolveu os antigos vínculos de obrigações e serviços substituindo-os por relações de mercado. A gentry crescia em número e em renda. Nascia uma nova força que mudava o quadro de poder político e econômico da Inglaterra. Além disso, o desenvolvimento econômico, principalmente na agricultura, atuava para destruir a velha ordem e introduzir relações de produção baseadas na economia de mercado. Com o tempo, duas posições opostas se definiram. De um lado estava o rei, seus cortesãos, os ricos mercadores beneficiados com monopólios reais, a aristocracia e o alto clero anglicano. Do outro lado, o Parlamento, a gentry, a yeomanry, pequenos comerciantes, advogados, médicos e outros grupos profissionais enriquecidos. A maioria da população, o povo miúdo que trabalhava nos campos e nas indústrias, permaneceu neutro, participando apenas quando era convocado a servir em um dos exércitos. Como resultado, houve uma inclusão dos segmentos médios, a modificação das relações de produção e o controle político do Parlamento. Esta inclusão foi restrita a um pequeno segmento da sociedade, mas o sistema baseado em estamentos e monopólios estava superado. Então, não mais se distinguia um gentlemen de um comerciante enriquecido e as formas políticas (coercitivas) de extração do excedente produtivo davam lugar a formas econômicas (mercado). Em que pese que apenas as classes médias foram beneficiadas, estavam abertos novos 1 Gentry é o coletivo de gentlemen, ou seja, o conjunto dos gentis homens que não precisam usar as mãos para se sustentarem. Mas há um segundo sentido, que é o de pequena e média nobreza, em oposição ao de nobreza de espada (grande nobreza). No século XVI e século XVII, na Inglaterra, a gentry podia ser entendida neste segundo sentido e não era necessária a estirpe nobre para pertencer a este segmento. Valia mais ser bem sucedido nos negócios, comprar propriedades e brasões. 2 Yeomen é o próspero pequeno proprietário rural com diretos políticos de votar e ser jurado. 16 caminhos que levariam a uma expansão da inclusão social, ainda que num futuro não muito próximo. É interessante, também, observar a Revolução Inglesa pela efervescência de idéias e de discussões na sociedade. O Parlamento e as Quarter Sessions – câmaras dos condados – funcionavam como importantes fóruns. Por outro lado, alguns segmentos radicais como os niveladores se colocaram claramente a favor de uma inclusão muito mais ampla. A repercussão desta importante fase histórica da Inglaterra teria conseqüências para todo o mundo. A independência dos Estados Unidos foi a segunda grande revolução liberal. Quando os ingleses iniciaram a colonização do norte da América não encontraram metais preciosos e nem produtos valiosos para a carreira das Índias. Evidentemente, sendo uma área de clima idêntico ao europeu, o colonizador só podia produzir aquilo que já existia no velho continente por preços que deveriam incluir os do caríssimo transporte marítimo. As plantations não eram viáveis numa região temperada, salvo nas colônias mais ao sul como a Virgínia. E foi assim que as colônias do norte transformaram-se em área de desterro de minorias religiosas que, comungando as mesmas idéias de grupos envolvidos na Revolução Inglesa, se dedicaram a agricultura de sobrevivência e criaram uma sociedade organizada, colônias de povoamento. Com o estabelecimento das plantations de cana de açúcar no Caribe, surgiu a chance das colônias inglesas do norte fornecerem os gêneros de subsistência para estas colônias tropicais por preços muito inferiores aos da Europa. E foi assim que a burguesia americana se desenvolveu criando uma área americana de acumulação de capitais. Quando o rei da Inglaterra quis impor o sistema colonial mercantilista às suas colônias do norte, encontrou uma forte resistência e foi 17 arrastado para uma guerra civil. Os americanos venceram e criaram um país fundado nas idéias liberais e na obsessão pelo lucro. A Independência dos Estados Unidos, com sua primeira declaração de direitos, teve uma grande importância na formação da cidadania, mas não era uma revolução de caráter universal. Mais uma vez, tal como na Revolução Inglesa, tratava-se da ascensão dos segmentos mais ricos da sociedade gerando um tipo de cidadania limitado pelo poder econômico. Afinal, não se pode falar em democracia quando exclui-se a maioria absoluta da população. Dizer quem era cidadão – ao contrário de hoje, em que supomos se tratar da maioria – era uma maneira de eliminar a possibilidade de a maioria participar, e garantir os privilégios de uma minoria. Admitir o conceito de cidadania como um processo de inclusão total é uma leitura contemporânea (KARNAL, 2003, p. 144). Não obstante, trazia grandes inovações na esfera política com a criação do presidencialismo e estruturação um sistema democrático com o equilíbrio dos poderes. Era uma experiência inovadora que influenciaria os demais países da América. O mercantilismo francês não foi tão eficiente quanto o inglês. Não se fundava na eficiência da agricultura e permanecia fechado aos segmentos burgueses. Na Inglaterra, as diferenças sociais de origem eram dissolvidas pelo enriquecimento dos yeomen e dos homens de negócios. A gentry abrangia quem, mesmo não tendo o sangue azul, podia ser proprietário e exibir um status de gentil homem. O absolutismo inglês também já era coisa do passado e o Parlamento era quem de fato governava. Na França, o absolutismo fez surgir uma imensa nobreza cortesã, sustentada pelo erário real e pelos segmentos economicamente ativos. Uma grande nobreza parasitária que pesava sobre a nação e fazia o rei sol, profeticamente afirmar: après moi le déluge. 18 O dilúvio veio em 1889, quando o povo se revoltou e fez eclodir a primeira revolução universal da História da Humanidade. Pela primeira vez, todos os homens eram reconhecidos como sujeitos de direitos inalienáveis sem distinção. E a revolução foi ultrapassando fronteiras, derrubando tiranos por toda a Europa e fomentando a independência das colônias americanas. Tratava-se de entender todos os seres humanos como cidadãos livres e senhores da vontade geral formadora das leis. Naturalmente, passados os primeiros anos da revolução, houve o refluxo que limitou a cidadania política e os direitos da população em geral, mas o processo de libertação da humanidade estava em movimento e tornaria a se manifestar em muitos outros episódios. Do lema da revolução, liberdade, igualdade e fraternidade, é certo que o primeiro prevaleceu sobre os demais. Era a cidadania política, enquanto os direitos sociais, contidos no conceito de igualdade deveriam esperar um pouco mais. Nunca mais o mundo foi o mesmo e a Revolução Francesa, mesmo depois de duzentos anos, continua como um símbolo e uma marca que ainda causa arrepios no imaginário das elites de todo o mundo, com a idéia do povo nas ruas fazendo justiça e decapitando os privilegiados. A Europa foi sacudida por ondas revolucionárias durante o século XIX. Primeiro na década de 30, depois na década de 40 e, finalmente, a Comuna de Paris. É que a concepção política de liberdade como mera limitação ao poder estatal, tão útil ao desenvolvimento do capital, vinha cedendo lugar a ideologia socialista, que exigia a participação das massas trabalhadoras numa riqueza que ela mesma gerava nas fábricas e nas fazendas. Consolidava-se um conceito de cidadania que não se limitava à liberdade, mas que exigia a igualdade, ou seja, em 19 lugar da mera contenção do Estado, a exigência da intervenção desta instituição para estabelecer a justiça social. É neste contexto que começam a surgir os primeiros traços dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas. Apenas nas sociedades primitivas, quando os conselhos tinham efetiva participação no processo decisório, se podia falar em participação da comunidade. Desde então, com a evolução histórica, os conselhos se converteram em órgãos auxiliares do poder ou representantes de interesses de uma pequena parcela privilegiada. Mesmo na Antiguidade Clássica, os conselhos estavam dominados pela aristocracia ou pela oligarquia. Nas grandes revoluções liberais, tratava-se do enquadramento do Estado num sistema legal que não prejudicasse o desenvolvimento dos negócios e da partilha do poder entre grupos poderosos organizados. O conceito de cidadania que surge é limitado e ligado à questão da liberdade com uma participação restrita. Quando a questão da igualdade ganha relevo, a participação passa a ser ampla e os sistemas de controle político do Estado e de garantias de liberdades tornam-se insuficientes. A equação política fundamental do sistema liberal, baseada num órgão eletivo que controla o centro de poder, com destaque para a inovação da ordem jurídica (função legislativa) e para o controle do poder tributário, cede lugar a outros mecanismos de controle do aparelho político pela sociedade. Surgem órgãos de participação muito mais amplos e que remetem a participação no excedente produtivo e na formação das políticas públicas. Então, já não se trata de mero controle político institucionalizado, mas de participação no âmbito sócio-econômico. O cidadão não se restringe a eleger cidadãos ilustres aos quais se delega o poder político, mas exige opinar sobre o seu direito ao produto do trabalho social e a forma como a máquina política deverá se articular para garantir a 20 saúde, a educação, a segurança, a habitação etc. É a participação na proposição e elaboração das políticas públicas. 21 2. CONSELHOS NO BRASIL 2.1 Movimentos Geradores Resumidamente, podemos dividir em duas esferas o conceito de cidadania. A cidadania individual, construída historicamente durante os séculos XVII e XVIII, remete-se aos direitos civis e políticos. A cidadania coletiva, por sua vez, remete-se aos direitos sociais e de participação na tomada de decisões referentes aos assuntos de interesse coletivo. Esta possui dois marcos referenciais, sendo o primeiro na pólis grega, a partir da reunião dos cidadãos que tinham o direito ao voto (como exposto no Capítulo anterior), e a Segunda nos tempos pós-modernos, a partir dos movimentos e lutas sociais pela busca de direitos e garantias. Fazem-se presentes, em todos os momentos, os anseios dos homens pela liberdade e igualdade, para o alcance da democracia plena, afinal, direitos civis e políticos, sem os sociais, não asseguram a democracia. Para concebermos a importância da existência de órgãos que permitam a participação direta da sociedade na administração da coisa pública, como os Conselhos, é importante verificar a ineficácia do exercício indireto da democracia, através do voto, na conquista, garantia e efetivação de direitos. Considerando democracia como a relação do indivíduo com o Poder Público, em se tratando de democracia indireta e verificando o contexto histórico das eleições e do voto em nosso país, percebemos que este veio, na realidade, disciplinar o cidadão, substituindo outros meios de revolução política utilizados anteriormente, como revolta armada, grandes comoções populares e barricadas. Esta conquista fez com que nos acomodássemos, acreditando que o simples fato de, a cada quatro anos, escolhermos aqueles que irão nos governar garantiria a 22 manutenção de direitos conquistados através de violentas revoltas ou, ainda pior, a conquista de novos direitos. A simbologia deste ato cívico, materializada nos objetos que lhe dão sentido dentro e fora do espaço da sessão eleitoral (urnas, listas, cabines, textos jurídicos, sondagens e porcentagens), faz todo mundo saber, ou acreditar saber, o que é o voto. As iconografias eleitorais, por sua vez, contribuem para que ele apareça a cada um de nós como um fato natural e, por extensão, um fato universal, modelo ecumênico de acesso ao bem comum. Pouco importa que as eleições muitas vezes tenham servido para garantir regimes autoritários, ou que Tocqueville, o mais agudo filósofo e sociólogo da política que o século XIX produziu, por exemplo, tenha visto nelas, como muitos ainda nelas enxergam, o reino da opinião e do dinheiro. Não importam as críticas feitas em nome dos “verdadeiros” princípios democráticos: a democracia se confunde com eleição(CANÊDO, 2003, p. 518) Aliado a isso, o princípio da soberania nacional, na última década, cedeu espaço para os interesses de grandes corporações internacionais, diminuindo as forças dos movimentos nacionais internos, que perderam sua capacidade de pressão sobre o Estado. Este um quarto de século de neoliberalismo conseguiu destruir conquistas sociais construídas durante toda a história da humanidade, subordinando os direitos sociais a uma suposta “eficiência econômica”. Essa lacuna no poder do Estado de garantir o suprimento das necessidades básicas dos cidadãos e a baixa credibilidade da população nos políticos faz surgir novas formas de organização – sociedade civil organizada. Não mais fundadas em ideologias políticas de novas formas de organização do Estado, estas Entidades, cada qual da sua maneira e de acordo com suas origens, que variam desde o antigo conceito de filantropia aos movimentos das décadas de 1960 e 70, visam garantir os direitos políticos, civis e principalmente os sociais, necessários para o pleno exercício da cidadania. O século que concluiu acabou pondo a cidadania efetiva, e a autodeterminação nacional, diante de uma alternativa cada vez mais clara: sua destruição, ou sua vigência apenas formal, no quadro do regime social existente; ou sua vigência e desenvolvimento efetivos num regime social completamente diverso, baseado em uma total reorganização econômica 23 em favor e realizada pelos trabalhadores e as maiorias populares do mundo inteiro (COGGIOLA, 2003, p. 339). Enquanto nas décadas de 1970 e 1980 as lutas foram travadas por grupos partidários, sindicais e religiosos, a partir da década de 90 estas características foram alteradas. Os grupos que hoje lutam pelos direitos dos cidadãos estão além das condições político-partidárias, religiosas ou de classe; são pluriclassistas e mais difusos do ponto de vista sócio-político. As causas que levam às reivindicações e à própria formação destas organizações afetam, em geral, todo o conjunto da população, sendo trabalhadas por pessoas das mais diversas camadas sociais, religiões, raças ou posições partidárias. Exemplos destas causas são a violência, a degradação do meio ambiente ou o preconceito e a discriminação de grandes segmentos da sociedade, o que difere-se completamente das motivações anteriores, baseadas em mudanças político-sociais, de ordem estrutural, tendo como grande elemento inspirador o modelo socialista de Estado. É certo que muito nos foi garantido na Constituição Federal de 1988 no que se refere a direitos políticos, civis e sociais, e à participação da sociedade nas ações do poder Público. Talvez por isso tenha havido esta mudança de foco. Não lutamos hoje por novos direitos que seriam garantidos através da criação de novas leis, mas pela efetivação do que já existem. Afinal, nossa Lei Maior não nos garante o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, entre tantos outros, sem que grande parte da população possa sequer acessá-los? A sociedade civil, a partir da década de 1990, passou a desacreditar completamente nas ações do Estado, nas políticas e nos políticos, muitas vezes 24 cercados de corrupção e ineficiência. A partir disso, os grupos passaram a buscar a qualidade de vida através de políticas próprias, acreditando na sua capacidade independente, mas ao mesmo tempo, não esquecendo nunca de brigar pelos valores de ética e moral na administração da coisa pública, em uma atuação “bifocal”, mesmo em conseqüência à pluralidade de posições dentro de cada grupo. Dentro de todo esse contexto apresentado relativo à atuação dos movimentos sociais atuais no Brasil, surge, também a partir da Constituição de 1988, um novo espaço de atuação e participação da sociedade civil na elaboração e fiscalização de políticas públicas dentro do próprio Poder Público – os Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas. No Brasil, os Conselhos encontram sua origem em realidades de caráter informal nos Conselhos Populares e nas Comissões de Fábrica, mecanismos encontrados por movimentos sociais e por trabalhadores, e em realidades de caráter formal nos Conselhos Comunitários, estabelecidos pelo Poder Público, permitindo a adesão da sociedade. Mesmo durante a década de 1980 já era iniciada uma discussão sobre Conselhos, enquanto canais de participação da sociedade civil no Estado, onde esta seria qualificada, deixando de ser uma simples pressão pela demanda. (GOHN, 2001, p. 51). Esta foi a nova categoria de participação construída na década de 1980, com vários modelos diversificados de conselhos: conselhos comunitários, de escolas, da saúde, de transportes entre outros, juntamente com os conselhos populares, sendo os primeiros articulados pelos poderes públicos como forma de representação e participação indireta, e os últimos fundados nos princípios de participação direta dos movimentos sociais, o que causava grandes confusões quando dos seus “encontros”. 25 Estas experiências, embora muito recentes e pouco testadas nas décadas de 70 e 80, são trazidas para dentro da Assembléia Nacional Constituinte e incorporadas nos debates. O resultado é a conquista, em várias citações no texto da Constituição Federal de 1998, do “Princípio da Participação Comunitária”. A participação da sociedade, prevista na Constituição Brasileira, é uma participação ativa e não meramente observadora ou consultiva. Isso significa que o cidadão tem o direito de participar da tomada de decisões e da gestão administrativa do governo, ou seja, decidir para onde serão destinados os recursos públicos. Este Princípio Constitucional, garante a participação dos cidadãos na gestão do poder político e do poder administrativo das coisas públicas, e a forma encontrada para esta participação são os Conselhos. Os conselhos são um dos instrumentos previstos para o exercício da democracia participativa, fazendo a ponte de relação entre o Estado e a sociedade. Posteriormente, leis específicas passaram a regulamentar a criação e instalação destes conselhos, bem como suas atribuições. Este movimento de regulamentação iniciou-se na esfera federal, inclusive com algumas leis que obrigam a criação de Conselhos de áreas sociais nas três esferas de governo, articulando a isso, inclusive, o repasse de recursos financeiros de uma esfera à outra. A obrigatoriedade da criação de conselhos municipais para o repasse de recursos destinados às áreas sociais parte de 1996 e isso explica porque a maioria dos Conselhos surgiu após esta data. Vale lembrar que as áreas básicas para a implantação de conselhos gestores nas leis federais são educação, saúde, assistência social, habitação, criança e adolescente e emprego. Apesar disso, o número de áreas contempladas por conselhos criados, nas três esferas de poder, está muito acima disto. Afinal, 26 muitos conselhos já foram criados nas áreas de ações de serviços públicos, como saúde, educação e assistência social, ou na defesa de interesses de grupos específicos da sociedade, como criança e adolescente, mulher e portadores de deficiência, contando-se, ainda, com aqueles criados por conta de alguma particularidade desta ou daquela região – em Salvador, Bahia, por exemplo, há um Conselho Municipal do Carnaval. Ao longo da história, como sabemos, tivemos várias formas de governo, desde monarquias até as democracias que encontramos hoje. Junto com estas formas, vivemos momentos de tiranias, de ditaduras e muita repressão por parte dos governantes, o que levou a população a lutas, às vezes politicamente, às vezes em verdadeiras guerras, pela paz, pela liberdade, pela igualdade e pela própria vida. O papel dos Conselhos é justamente o da manutenção e ampliação dos direitos já conquistados, promovendo sua extensão à todos. 2.2 Conceituação Os Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas são organismos especiais públicos, de participação popular, previstos na Constituição Federal de 1998, e criados por leis próprias de acordo com sua finalidade, sendo de caráter obrigatório em todo o território nacional, para todas as esferas de poder: municipal, estadual e federal. Independentes, os Conselhos gozam de autonomia de gestão administrativa e política, reúnem representantes da sociedade civil e da área governamental e é obrigação do poder executivo garantir e assegurar sua existência e manutenção. 27 Portanto, os Conselhos não são uma extensão dos poderes instituídos, aqueles que já conhecemos, ou seja, o executivo, o legislativo e o judiciário, mas sim uma ampliação do Estado até a sociedade, garantindo dessa forma um espaço de debate de posições políticas e ideológicas, bem como de proposições de políticas públicas. A principal maneira de estender esses direitos a todos os cidadãos de uma mesma comunidade, é através de Políticas Públicas, ações que tem por finalidade garantir a todo cidadão o acesso aos bens, serviços e riquezas da sociedade. Através das políticas públicas é que os Conselhos encontram a forma de executar as suas funções, além de propor, promover, formular, fiscalizar, e monitorar programas de políticas públicas, os Conselhos promovem parcerias entre as instituições do Estado e da sociedade. Nem sempre os Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas são chamados desta forma, sendo encontrados às vezes com outras denominações nos diversos níveis de governo, porém com as mesmas funções e atribuições, por exemplo: conselhos gestores, de co-gestão ou de autogestão, conselhos populares, de participação popular ou comunitários, ou ainda, conselhos cidadãos, de políticas setoriais ou de controle social. No entanto, a princípio, os Conselhos poderão ser de dois tipos distintos, os consultivos e os deliberativos, sendo as suas funções muito semelhantes. Os consultivos são aqueles formados com a finalidade de garantir, fortalecer, resgatar, reconhecer, divulgar, esclarecer, e defender os nossos direitos, além de propor, promover, formular, fiscalizar, implementar e monitorar políticas públicas. Já os deliberativos, além de acumularem as atribuições dos consultivos, dispõe de força legal para deliberarem sobre fundos (no caso dos que possuem), 28 orçamentos de projetos e políticas públicas a serem implementadas pelo Poder Executivo. Conforme já mencionado, os Conselhos contam também com a participação dos representantes do Governo, geralmente pessoas indicadas para comporem os quadros do Conselho por ocuparem funções de relevante importância técnica. A lei quando institui o Conselho já define a sua paridade, equilibrada, reunindo membros do Governo e da comunidade. As vagas destinadas à comunidade jamais deverão ser inferiores àquelas destinadas ao Poder Público, podendo um Conselho ser constituído apenas por membros da comunidade. São inúmeras as modalidades dos Conselhos existentes, e ainda muitos outros estão sendo criados, com a necessidade de assuntos específicos, geralmente referindo-se a alguma área carente de atendimento e de muita importância para a sociedade. Por se referirem a áreas ou temas específicos, passam a ser chamados de Conselhos Temáticos, como é o caso do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Direitos da Mulher, da Saúde, da Educação, entre tantos outros. Existem, ainda, os Conselhos multitemáticos, que abordam vários temas, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico. Os Conselhos têm a principal função de serem os guardiões dos direitos, e são formados com a finalidade de garantir, fortalecer, resgatar, reconhecer, divulgar, esclarecer e defender esses direitos, promovendo a sua universalização e não permitindo jamais sua redução. Para exercer as suas funções, os Conselhos são independentes e gozam de autonomia de gestão administrativa e política, e sempre que necessário poderão acionar o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o Judiciário. 29 Conforme citado anteriormente, os Conselhos devem ser criados por lei e esta deve definir claramente, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a participação popular. Caso a lei que cria o Conselho não garanta esse Princípio Constitucional, ela não terá valor e deverá ser reformulada. A ninguém cabe a prerrogativa de indicar ou escolher conselheiros senão e própria comunidade. Portanto, cabe aos poderes constituídos e ao Ministério Público garantir tal participação, dissolvendo imediatamente qualquer Conselho irregular, ou seja, que não tenha promovido eleições lícitas e promovendo a imediata reestruturação da ordem, encaminhando a julgamento qualquer irregularidade ou arbitrariedade e providenciando a devida punição, pois trata-se de crime contra a Constituição e a ordem estabelecida qualquer tentativa de impor conselheiros, diretoria, etc. A duração dos mandatos dos conselheiros geralmente é de dois ou três anos, conforme estabelecido em sua lei de criação. Para que as políticas públicas não corram o risco de serem interrompidas, o ideal é que os mandatos dos conselheiros não tenham vínculo com os mandatos do executivo local. Por se tratar de mandato de participação popular é prudente que o conselheiro não exerça dois mandatos ao mesmo tempo, para garantir o maior número de participantes possível nos Conselhos. O conselheiro deve dispor de parte do seu tempo para as atividades do Conselho. Além disso, deve retornar à sua instituição e/ou comunidade para repassar tudo o que foi debatido e decidido. As funções de conselheiros não são remuneradas e seu exercício é considerado serviço público relevante. Apenas os Conselhos Tutelares remuneram seus membros, por se tratarem de funções executivas e por terem este expediente a cumprir. 30 Após esse apanhado geral, analisando a atual situação dos conselhos em todo o Brasil, encontramos algumas questões que são comuns à todos, dividem opiniões e devem ser analisadas: paridade e representatividade, necessidade de capacitação para conselheiros, publicização das ações, ligada à fiscalização sobre as ações dos próprios conselheiros, os mecanismos de aplicabilidade de suas ações e finalmente a atuação do Ministério Público junto aos Conselhos. Estas questões diferem muito de um Conselho para outro, já que estes são criados de formas completamente divergentes, muitas vezes, dentro de um mesmo Município. 2.2.1 Representatividade e Paridade na Formação dos Conselhos Conforme já mencionado, os membros de um Conselho são indicados por aqueles que irão representar – área não governamental pelas Entidades que possuem cadeira no Conselho e área governamental pelo Executivo, que irá posteriormente editar o respectivo Decreto de Nomeação Nestes simples procedimentos, que são apenas o início dos trabalhos de um Conselho (mesmo que seja em uma renovação de mandato), já podem ser levantados alguns questionamentos que dividem opiniões de autores, autoridades representantes do Estado e os próprios conselheiros. Inicialmente, devemos ressaltar que o instrumento adequado para a criação de Conselhos é a lei. A criação de Conselhos por Decretos ou Portarias facilita a sua alteração, que pode ser feita a critério de cada governo que assume. De modo geral, a iniciativa deve partir do Executivo, através da elaboração do Projeto de Lei, que deverá posteriormente ser aprovado pelo Legislativo. Não podemos nos esquecer, é claro, que estamos falando aqui apenas de iniciativa, já que durante todo o processo de criação de um Conselho a comunidade deve estar 31 presente e ser ouvida. Caso esta iniciativa não parta do Executivo, o caminho contrário também pode ser percorrido, com a mobilização da sociedade, que deverá levar o debate para o Poder Público. É dentro deste primeiro ponto a ser abordado que verificaremos a importância da presença das áreas governamental e não governamental na criação de um Conselho. Estamos falando da lei que cria / regulamenta o funcionamento do Conselho, no que se refere à sua composição. Excetuando-se a escolha dos órgãos que irão representar a área governamental no Conselho, dois procedimentos podem ser adotados na escola das Entidades que representarão a sociedade civil: a indicação na própria lei das entidades que irão participar do Conselho, procedimento este que, se não nega, dificulta em muito a inclusão de entidades que possuam interesse e não tenham, por exemplo, participado do debate de criação do Conselho em questão, pelos mais diversos motivos, como terem sido criadas após a instalação do Conselho ou, ainda, pelo número excessivo de Entidades interessadas em participar. O outro procedimento defendido por boa parte das pessoas envolvidas com a questão e já praticado por alguns Conselhos – inclusive em Criciúma, é a escolha de Entidades através de eleição. Neste caso, a lei estabelece apenas critérios básicos, como as Entidades que poderão candidatar-se, quem poderá votar (em geral é o público envolvido com a área) e de quanto tempo será o mandato, sendo as demais questões regulamentadas por edital específico. Este, com absoluta certeza, é o procedimento mais democrático, tendo em vista que as Entidades serão escolhidas por um número muito maior de pessoas, não mais as poucas que participam da elaboração do Projeto de Lei de criação do Conselho. Além disso, ele garante a promoção de rotatividade de entidades dentro do Conselho e conseqüente ampliação do espaço de participação da sociedade civil. 32 Além disso, temos que considerar a praticidade do sistema já que, ao menos por este motivo, a lei de criação do Conselho não necessitará de alteração por um longo período de tempo, mesmo com a dissolução de entidades que obtiveram cadeira no Conselho ou com a criação de novas. Ligada a este “sistema de seleção”, na criação de um Conselho deve ser também observada a paridade entre poder público e sociedade civil. A grande maioria dos Conselhos divide-se em apenas duas partes iguais – área governamental e área não governamental, porém, é importante ressaltar que alguns Conselhos, como por exemplo os Conselhos de Saúde, dividem-se de forma diversa, com 50% de usuários, 25% de profissionais da área da saúde e 25% divididos entre gestores e prestadores de serviços. Aqui, a questão divergente, principalmente em casos como este último, é relativa a prioridade de participação de usuários - vale lembrar a mobilização feita na última Conferência Nacional de Assistência Social pela maior participação dos mesmos dentro dos Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas. Quanto ao mandato, este é geralmente de dois anos, podendo ser renovado por mais dois, porém, a falta de clareza das leis e de fiscalização sobre o próprio Conselho permite a perpetuação destes mandatos, o que mais uma vez nega uma participação mais abrangente da sociedade civil. Alguns analistas sugerem que o mandato dos conselheiros não coincida com o mandato dos Governos Municipais, podendo a renovação ser feita de forma parcial. 2.2.2 Necessidade de Capacitação para Conselheiros A falta de preparo dos conselheiros para o desempenho de seu papel está presente nos três níveis de governo, nas mais diversas áreas. Em geral, as pessoas 33 indicadas para representar tanto a sociedade civil quanto o governo em um Conselho possuem capacitação na sua área de atuação profissional, porém, isto não garante a qualidade da atuação de um Conselho, pela falta de conhecimento em políticas públicas, legislação pertinente e nas próprias atribuições dos Conselhos. Muitas confusões são criadas e perpetuadas por esta falta de conhecimento, ocupando o tempo e as energias que deveriam estar sendo utilizadas na elaboração de políticas públicas. Na realidade, ainda são muitas as lacunas existentes na própria legislação no que se refere às atribuições dos Conselhos, abordadas aqui como questões que dividem opiniões, são praticadas de diferentes formas de um Conselho para outro, mesmo dentro de um único Município, e necessitam de definição. Assim mesmo, muitos conselheiros não têm a mínima noção de seu papel, o que pode ser resolvido com capacitação adequada, que deveria ser obrigatória para a inserção no Conselho em cada início de mandato. Conforme já exaustivamente mencionado, os Conselhos são resultado de anos de luta pela democratização da coisa pública, portanto, é indispensável mencionar a importância que deve ser data para a qualificação da participação da sociedade civil. 2.2.3 Publicização das Ações Inicialmente, um conselheiro deve ter em mente, a cada momento de sua atuação, que foi indicado como representante da sociedade civil, e não de si mesmo. O próprio mandado, legalmente, pertence à Entidade e não ao conselheiro. Este deve falar e agir em nome da coletividade, do segmento que representa, prestando 34 contas de todas as suas ações à Entidade que representa, bem como passar as informações relativas à atuação do Conselho. Infelizmente, porém, não é o que ocorre. Muitos conselheiros, depois de indicados, chegam a afastar-se do seu movimento, afastando por conseqüência este do Conselho e, mais uma vez, desqualificando sua atuação. Deve-se ter plena consciência de que o conselheiro é apenas um mediador, que irá fazer o caminho de ida e volta de demandas e políticas públicas entre sociedade civil e governo. Mais amplamente, o Conselho enquanto colegiado deve publicizar todas as suas ações no âmbito de sua atuação. Desta forma, a sociedade em geral poderá tomar conhecimento da importância deste espaço e também participar, já que as próprias reuniões dos Conselhos são abertas. A publicização das ações também facilita a relação entre Conselhos de diferentes temáticas e esferas Nacionais, Estaduais e Municipais, essencial para sua atuação. Além disso, tendo em vista o poder garantido aos conselhos, de aprovação de projetos e orçamentos, por exemplo, muitas vezes são despertados interesses particulares, que podem chocar-se com àqueles essenciais de um Conselho, de aprovar o que for melhor para a população e não para um indivíduo, Entidade ou mesmo de uma Empresa. Neste caso, a publicização das ações via jornais, rádio, Tv ou internet, facilita também a fiscalização por parte da sociedade aos próprios Conselhos. 2.2.4 Poder e Mecanismos de Aplicabilidade das Ações Várias questões podem ser levantadas neste item, tanto quanto à indefinição existente relativa ao poder dos Conselhos, se deliberativos ou apenas consultivos, quanto à aplicabilidade das decisões, quando aceita a primeira hipótese. 35 Muitas vezes, mesmo quando a Lei que cria um Conselho caracteriza-o como deliberativo, existem dúvidas quanto ao poder de suas resoluções no que se refere ao cumprimento pelo Poder Executivo. Para que possa cumprir com o seu papel, é necessário que haja toda uma estrutura para o seu funcionamento. Inicialmente, um Conselho necessita de estrutura física, que englobaria sala de reuniões (também para as comissões), equipamentos e material de escritório e funcionários que fiquem à disposição dos conselheiros, basicamente, para o exercício de secretaria executiva, bem como para o atendimento de qualquer cidadão que queira ter acesso às informações do Conselho ou mesmo que necessite do seu apoio. Considerando que toda esta estrutura seria oferecida pelo Executivo para todos os conselhos de direitos e gestores de políticas públicas, que não são poucos, vários analistas têm sugerido a criação de um só local que serviria como estrutura para todos, é claro, devidamente equipado com recursos materiais e humanos. Esta estrutura é oferecida em Criciúma, experiência que será abordada posteriormente, e tem se mostrado eficiente, economizando recursos públicos e facilitando a integração entre os diversos conselhos. É importante ressaltar, porém, que deve-se levar em consideração as particularidades de alguns Conselho na disponibilização desta Estrutura. Dependendo do seu nível de atuação e da relação que tem com os usuários, conforme a área de atuação – é o caso da saúde, por exemplo, talvez estes Conselhos necessitem de estrutura exclusiva para poder oferecer também exclusividade à população atendida. Além da estrutura física, é necessário que sejam garantidos, ainda, recursos para a capacitação de conselheiros, cuja importância já foi mencionada, e 36 para a participação destes em encontros, fóruns e conferências. O grande problema que se apresenta é que não há, na grande maioria dos Estados e Municípios, previsão orçamentária para gastos com Conselhos. Esta questão, juntamente com a falta de estrutura física adequada, leva vários envolvidos a defenderem a destinação de orçamento específico para os Conselhos, separadamente, através da criação de Fundos, com os quais também já temos algumas experiências. Através destes Fundos os próprios conselheiros decidem sobre os seus gastos e adquirem maior autonomia e independência dos Governos. Isto, porém, seria desnecessário com a desburocratização do sistema e, principalmente, com a boa vontade por parte dos Gestores, afinal, se fosse garantido o saneamento de todas as necessidades dos Conselhos para sua perfeita atuação, não haveria necessidade de criar-se ainda mais procedimentos burocráticos com repasse entre fundos e prestação de contas. Quanto à aplicabilidade das decisões dos Conselhos, existem ainda grandes dificuldades. Uma característica importantíssima das leis federais que criam os conselhos de direitos e gestores de políticas públicas é que elas preconizam seu caráter deliberativo, apesar dos vários pareceres contrários fornecidos pelos representantes dos poderes estatais, que os concebem apenas como órgãos consultivos do Estado, sem poder para deliberar, apenas opinar. Mesmo quando o Conselho rompe a barreira da mera opinião e faz com que seja visto como deliberativo, inclusive com menção em lei, a efetivação de suas deliberações, muitas vezes, fica a critério do Poder Executivo. Esta disparidade ocorre em função da lacuna existente em nosso ordenamento jurídico quanto a aplicação das decisões do Conselho pelo Poder Executivo, já que não existem normas que regulamentem quando podem ou não ser desconsideradas ou mesmo descumpridas suas deliberações. 37 Temos um forte exemplo disso na ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade instaurada pela Governadora do Rio de Janeiro, Sra. Rosinha Matheus contra a o Conselho Nacional de Saúde, questionando a sua competência para normatizar o Sistema Único de Saúde (SUS), por meio de resoluções. A motivação da ADIN é uma Resolução do CNS que regulamenta a aplicação de recursos públicos na área da saúde, de acordo com a Emenda Constitucional nº 29/2000. Por não poder, de acordo com esta Resolução, utilizar o Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza na soma dos montantes aplicados na saúde para atingir o mínimo exigido pela emenda 29, a Governadora ataca a Resolução fundamentando sua defesa na falta de legitimidade do Conselho Nacional de Saúde para regulamentar o assunto. O parecer final está nas mãos do Superior Tribunal Federal que, se decidir favoravelmente à Governadora, poderá causar um completo esvaziamento das atribuições dos Conselhos em todo o país, o que significaria um tamanho retrocesso e uma perda incalculável para a sociedade brasileira. Sabedores deste perigo, vários Conselhos e Organizações ligadas direta ou indiretamente à área da saúde mobilizaram-se de diversas formas, inclusive enviando ao Superior Tribunal Federal petições contrárias a Ação, já que a legislação que regula a Ação direta de Inconstitucionalidade permite a participação de pessoas jurídicas, aderindo a causa. É este tipo de atitude que deve ser tomada cada vez que for desrespeitado o papel deliberativo e fiscalizador dos Conselhos, seja em qualquer uma das três esferas de Governo, reafirmando o poder que nos foi fornecido, enquanto sociedade civil, desde a Constituição Federal de 1988, de exercer efetivamente a democracia. 38 2.2.5 Atuação do Ministério Público Também a partir da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público adquiriu o papel de fiscalizador dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, diferentemente do que acontecia antes, quando sua atuação resumia-se em “ação penal, que é o papel tradicional da persecução penal, das denúncias de crimes e como fiscal da lei, em alguns processos como nos que havia a presença de “incapazes”” (FRISCHEISEN, 2000, p.78). Para tanto, é assegurada, também Constitucionalmente, sua autonomia funcional e administrativa. Em seu Artigo 127, a Constituição Federal define o Ministério Público como (CF, Art. 127) “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Quando o Ministério Público age na defesa destes interesses sociais, como os relativos à saúde, educação, habitação, entre tantos outros, pode agir perante o Judiciário ou extrajudicialmente, dependendo do caso em tela. Quando, por exemplo, o Ministério Público atua para que um Conselho seja criado e passe a funcionar regularmente em determinada cidade, está agindo extrajudicialmente. No entanto, quando este propõe uma ação civil pública contra as pessoas que tinham obrigação de criar um Conselho e não o fizeram, atua judicialmente. O poder de enfrentar com igualdade de condições o Executivo, o Legislativo e o Judiciário se dá justamente pelo fato de o Ministério Público não ser um Poder e não pertencer a nenhum deles. É autônomo para fiscalizar e intermediar as demandas da sociedade civil. 39 Com esta mudança brusca de atribuições, o Ministério Público torna-se tão novo quanto os Conselhos, necessitando também de capacitação. Esta não seria jurídica, a respeito das leis, mas das demandas sociais e políticas públicas. O papel de fiscalização do Ministério Público, basicamente, é trabalhado de duas formas: os Conselhos podem acioná-lo no caso de encontrarem alguma irregularidade, inclusive no descumprimento de suas deliberações, quando o Governo não cumpre com a execução das políticas públicas devidas, o que ocorre muitas vezes. A outra forma de fiscalização é feita em cima dos próprios Conselhos, onde o Ministério Público observa se os mesmos estão trabalhando de forma legal; neste caso, a comunidade e a sociedade civil organizada é que devem encaminhar as demandas. Este é um dos mecanismos que antecedem o Poder Judiciário quando há ocorrência de irregularidade, já que este deve ser procurado apenas em último caso, pois devido a sua própria dinâmica, muitas vezes este não tem capacidade de trabalhar com determinadas questões de políticas públicas. O problema é que a sociedade e os próprios Conselhos não estão “acostumados” a utilizar este Poder instaurado justamente para defender e apoiar aqueles que lutam pela efetivação dos direitos sociais. 40 3. CONSELHOS MUNICIPAIS DE CRICIÚMA: NOSSA EXPERIÊNCIA Os primeiros Conselhos Municipais a serem criados em Criciúma, ainda no ano de 1989 com a edição da Lei Municipal nº 2.378, de 25 de maio de 1989, foram: • Conselho Municipal de Desenvolvimento Industrial • Conselho Municipal de Desenvolvimento Agrícola • Conselho Municipal de Saúde • Conselho Municipal de Educação • Conselho Municipal de Esportes • Conselho Municipal de Transportes Coletivos • Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano • Conselho Municipal de Meio Ambiente • Conselho Municipal de Cultura • Conselho Municipal de Assistência Social • Conselho Municipal de Entorpecentes • Conselho Municipal de Organização Comunitária • Comissão Municipal de Defesa Civil Conforme já mencionado, embora a Constituição Federal de 1988 tenha garantido a criação dos Conselhos, a grande maioria, em todo o país, foi criada após o ano de 1996, quando tornou-se obrigatória a sua existência, inclusive vinculando a isso o repasse de recursos destinados às áreas sociais. Levando em consideração este fato, percebemos que o Município de Criciúma esteve à frente da grande maioria dos Municípios brasileiros, já que os Conselhos supra citados foram criados ainda no ano de 1989, logo após a promulgação da Constituição Federal, o que nos 41 leva a crer que o debate social e a própria abertura por parte do Poder Público para sua formação estavam bem avançados. Segundo esta primeira lei de criação dos Conselhos Municipais de Criciúma, estes faziam, como ainda muitos fazem, parte da estrutura administrativa da Prefeitura Municipal, sendo chamados de Órgãos de Deliberação Coletiva. É interessante ressaltar que, na sua criação, os Conselhos Municipais de Criciúma foram caracterizados como deliberativos, porém posteriormente, no ano de 1996, alguns foram transformados em órgãos consultivos do Prefeito, através da Lei Municipal nº 3.370, de 13 de dezembro de 1996. Com exceção dos Conselhos Municipais de Educação e Saúde, que eram regulamentados por legislação federal, os demais Conselhos criados eram compostos por um representante da Administração Municipal, um representante da Câmara de Vereadores e cinco representantes de Entidades de Representação Comunitária, sendo que o exercício da função de conselheiro nunca implicou em nenhum ônus para a administração municipal. Foram apontados ainda, na Lei 2.378, as atribuições básicas dos Conselhos: - definir a política municipal de ação relativa a sua área de abrangência; - manifestar-se sobre todas as questões que envolvam interesses diretos da comunidade criciumense. Tendo sido criados por apenas uma Lei, de forma geral e abrangente, os Conselhos foram depois sendo regulamentados por outras leis ou por regimentos internos. A única exceção à regra é o Conselho Municipal de Entorpecentes, que antecedeu aos demais, sendo criado no ano de 1988, pela Lei Municipal nº 2.301, de 42 14 de junho de 1988, que cria o Sistema Municipal de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao uso de Entorpecentes, como órgão central deste sistema, ligado diretamente ao Gabinete do Prefeito. Este Conselho foi novamente mencionado na Lei nº 2.378, que criou os demais, também como Órgão de Deliberação Coletiva. Nestes quinze anos, vários outros Conselhos foram criados, e alguns dos já mencionados deixaram de funcionar, voltando às atividades nos últimos anos. Atualmente, possuímos em Criciúma 28 Conselhos atuantes, sendo: 1. Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Programa de Garantia de Renda Mínima – a Cargo do Conselho Municipal de Educação. 2. Comissão Municipal de Defesa Civil – COMDEC 3. Comitê de Relações Internacionais 4. Conselho Diretor do FUNREBOMPM (Bombeiro e Polícia Militar) 5. Conselho Integrado de Segurança Pública 6. Conselho Municipal de Entorpecentes – COMEN 7. Conselho Municipal da Juventude – COMJUV 8. Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério de Criciúma – FUNDEF 9. Conselho Municipal de Alimentação Escolar 10. Conselho Municipal de Assistência Social 11. Conselho Municipal de Contribuintes 43 12. Conselho Municipal de Defesa do Consumidor 13. Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente 14. Conselho Municipal de Desenvolvimento Agrícola 15. Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico 16. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano 17. Conselho Municipal de Educação 18. Conselho Municipal de Habitação 19. Conselho Municipal de Saúde 20. Conselho Municipal de Trabalho E Emprego 21. Conselho Municipal de Turismo 22. Conselho Municipal dos Direitos Da Criança E Do Adolescente 23. Conselho Municipal dos Direitos da Mulher 24. Conselho Municipal dos Direitos do Idoso 25. Conselho Municipal dos Portadores de Deficiência 26. Conselho Superior Municipal do Plano Diretor 27. Conselho Municipal de Trânsito 28. Conselho Municipal de Contribuição Para o Custeio da Iluminação Pública – COSIP 44 Além destes, outros Conselhos foram criados por Lei e, pelos mais diversos motivos, não estão em funcionamento, sendo que alguns iniciaram os seus trabalhos, parando posteriormente, e outros nem chegaram a ser instalados, conforme segue: 1. Conselho Municipal de Esportes 2. Conselho Municipal de Cultura 3. Conselho Municipal de Transportes Coletivos 4. Conselho Municipal de Organização Comunitária 5. Conselho do Prefeito Sendo estes somados aos atuantes, totalizam 33 Conselhos existentes no Município de Criciúma. Desde esta época, muitas idéias foram sendo transformadas no que se refere às atribuições e ao próprio conceito de Conselho. Estas mudanças tornam-se ainda mais visíveis quando comparamos as primeiras leis que criaram os Conselhos com as atuais. A primeira diferença está na caracterização dos Conselhos, sendo inicialmente todos deliberativos e posteriormente, a partir de 1996, alguns transformados em órgãos consultivos. Quanto as suas atribuições, em 1989 os Conselhos iriam definir a política municipal de ações em sua área, mas a partir de 1996 estes passaram a participar da definição. Analisando a Lei 2.301, de 14 de junho de 1988, que criou o Conselho Municipal de Entorpecentes em 1988, encontramos ainda mais disparidades. Tanto a escolha do Presidente quanto a recondução dos mandatos dos conselheiros ficavam a critério do Prefeito Municipal, enquanto hoje o Presidente é escolhido entre os membros do Conselho, e a possibilidade de recondução está expressa em Lei. Uma questão interessante 45 constante da Lei de 1988 que não foi citada em nenhuma das atuais é a obrigatoriedade do cumprimento das decisões do Conselho por parte dos Órgãos da Administração Municipal, sob pena de responsabilidade de seus dirigentes. Outro ponto também bastante interessante de ser abordado é a participação de representantes do Poder Legislativo nos Conselhos Municipais. Há algum tempo, a grande maioria das leis citavam a representação da Câmara de Vereadores nos Conselhos e, ainda hoje, nos deparamos com vários conselheiros de outros Estados e Municípios reivindicando a participação do legislativo dentro dos Conselhos. Em Criciúma, no início do ano de 2002, surgiu a dúvida quanto a legalidade desta participação. Com o objetivo de sanar o problema, foi solicitado à Procuradoria Geral do Município parecer jurídico acerca do tema. Resumidamente, conforme Parecer Jurídico nº 022/02 em anexo, esta manifestou-se contrária a participação do Poder Legislativo na composição dos Conselhos, dizendo ser esta inconstitucional pelo princípio da independência dos três poderes. Afinal, sendo o Conselho parte da Estrutura Administrativa da Prefeitura Municipal, enquanto órgão integrante da mesma, não possui personalidade jurídica, apenas representa a vontade do Município, não podendo, assim, sofrer interferência do Legislativo. Da mesma forma, não poderia um representante deste subordinar-se ao Chefe do Executivo, enquanto Conselheiro nomeado pelo mesmo. Este Parecer nos faz refletir sobre a verdadeira essência dos Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas. Conforme supra citado, os órgãos da administração municipal não possuem personalidade jurídica e representam a vontade no Município. Considerando os Conselhos órgãos integrantes da administração municipal, estes não teriam nem mesmo vontade própria. Como falar, 46 então, em autonomia, independência e, principalmente, em uma das funções primordiais dos Conselhos, de fiscalizar o Executivo? De fato, algumas leis que criam os Conselhos Municipais de Criciúma caracterizam-nos como órgãos integrantes da administração municipal, o que com certeza foi um ponto fundamental para a elaboração deste parecer. Não podemos, porém, manter esta idéia de subordinação; devem ser providenciadas as alterações necessárias para garantir o máximo de independência e autonomia dos Conselhos em relação ao Poder Público. Afinal, mesmo que esta caracterização não acarrete problemas cotidianamente na relação entre um Conselho e o Governo Municipal, futuramente podem ocorrer problemas quando, por exemplo, forem encontradas irregularidades na administração e o Conselho decidir agir judicialmente. Existe, sim, justificativa para a não participação de representantes do Poder Legislativo no Conselho, mas não precisamos subordiná-lo ao Chefe do Executivo para encontrá-la. Esta justificativa faz-se presente quando verificamos as atribuições dos Conselhos, seja este deliberativo ou consultivo. Afinal, além da função de fiscalizar o Poder Executivo, que seria exercida duplamente pelos representante do Legislativo, já que esta também é de sua competência, um Conselho irá propor ou deliberar sobre as políticas públicas que devem ser executadas pela administração na sua área. Aí está a maior interferência de um Poder no outro, onde os representantes do Legislativo estariam exercendo funções que não são de sua competência. Se, em uma cidade com 27 Conselhos, a Câmara tivesse representação em pelo menos metade destes, estaria atuando diretamente na definição das políticas públicas a serem implantadas no Município, o que é, desta forma, inconstitucional. Também há o argumento de que o Vereador, tendo sido eleito pela comunidade e já representando a mesma na Câmara de Vereadores, 47 estaria representando-a duplamente nos Conselhos, tirando a oportunidade de outro órgão ou Entidade de participar. 3.1 Estrutura Conforme já mencionado anteriormente, todo e qualquer Conselho necessita de uma estrutura física, orçamentária e mesmo política para o seu bom funcionamento. Anteriormente, porém, estas necessidades foram citadas de forma geral, com seus avanços e dificuldades no Brasil, tanto para Conselhos Municipais quanto Estaduais e Nacionais. Abordaremos, agora, a situação atual dos Conselhos em Criciúma. 3.1.1 Estrutura Física. Em se tratando de estrutura física, em Criciúma, foi adotada a opção de organizar apenas um local para atender a todos os Conselhos Municipais. A Coordenação dos Conselhos Municipais de Criciúma, vinculada à Secretaria Municipal de Governo, foi o órgão criado para fornecer o apoio técnico e administrativo aos Conselhos, sendo responsável pela a orientação, articulação, acompanhamento e avaliação do andamento dos trabalhos técnicos e administrativos de todos os Conselhos Municipais com o propósito de cuidar para que os objetivos, metas e cronogramas sejam executados e alcançados nos prazos estabelecidos. O Departamento está localizado no próprio prédio da Prefeitura Municipal – Paço Municipal, e possui os equipamentos básicos necessários para o bom funcionamento dos Conselhos, como arquivos, computadores ligados à internet, linhas telefônicas entre outros, bem como sala de reuniões. Atualmente, cinco 48 pessoas, dois funcionários e três estagiários, estão disponíveis para atender aos conselheiros e ao público interessado em geral. As tarefas realizadas por este Departamento são as mais diversificadas possíveis. Diariamente, os funcionários acompanham cada passo de cada Conselho, elaborando as Atas, pautas, ofícios e declarações, entre outros documentos, que são todos arquivados no mesmo local. Durante o período de recesso dos Conselhos, no mês de janeiro, são realizados os levantamentos de faltas e vencimento de mandatos. No caso de a situação apresentada estar infringindo a Lei que cria cada Conselho, as Entidades ou Órgãos representados são comunicados, indicando novos conselheiros. Além destas tarefas realizadas cotidianamente, a Coordenação dos Conselhos está sempre pronta a sanar as dúvidas que venham a surgir quanto ao funcionamento dos Conselhos, muitas vezes consultando as Secretarias Executivas de Conselhos Nacionais ou Estaduais. O auxílio é dado, ainda, na realização de eventos, que podem ser de pequeno porte, como a capacitação dos conselheiros, ou de grande porte, como as Conferências Municipais. Tendo em vista o número de Conselhos hoje atuantes no Município e o montante de tarefas advindas de seu trabalho, esta ainda não é a estrutura adequada; muito ainda precisa ser feito, mas o Departamento vem se aperfeiçoando e, atualmente, garantindo o bom funcionamento dos Conselhos Municipais, não apenas no seu dia-a-dia, mas principalmente com a realização de eventos, capacitações e com a promoção da intersetorialidade entre os Conselhos e entre estes e as Secretarias Municipais. É importante ressaltar, no entanto, que alguns Conselhos, por trabalharem mais diretamente com os usuários e talvez possuírem uma demanda maior de atendimento, preferem que sua estrutura física seja 49 instalada em outro espaço, já que desta forma sentem-se mais autônomos e independentes. É o caso, por exemplo, do Conselho Municipal de Entorpecentes – COMEN, que há algum tempo possui esta estrutura separada, porém mantém uma forte relação com a Coordenação e com os demais Conselhos, e do Conselho Municipal de Saúde, que está providenciando no início de 2004 sua transferência, que se dará principalmente pelo fato de este trabalhar diretamente com os Conselhos Populares de Saúde, que atualmente totalizam quarenta e três, trazendo continuamente grande quantidade de demanda para o Conselho Municipal. 3.1.2 Estrutura Financeira Quanto à estrutura financeira, até o final do ano de 2003, apenas um Conselho possuía fundo próprio – o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, utilizado tanto na execução de projetos elaborados por entidades que trabalham na área da criança e do adolescente, aprovados pelo Conselho, quanto na realização de capacitação do próprio Conselho e do Conselho Tutelar, Conferências, Seminários, eventos de conscientização e participação de conselheiros em eventos realizados em outros Municípios. O FIA – Fundo da Infância e Adolescência, porém, não é mantido pelo Executivo. Os recursos deste Fundo são destinados por pessoas físicas ou jurídicas, através do desconto do Imposto de Renda. Está sendo providenciada, também, destinação orçamentária, através do Fundo Municipal de Saúde, para o seu respectivo Conselho que, passando atualmente pelos trâmites legais, deve estar disponível ainda no início do ano de 2004. 50 Os demais Conselhos contam com as verbas fornecidas pelo Executivo, que são solicitadas pelos próprios Conselhos quando estes sentem necessidade, para os fins já mencionados. O problema maior deste sistema é que não há previsão orçamentária específica para os Conselhos, como acontece na grande maioria dos Municípios, o que acaba dificultando no momento do repasse. Um forte exemplo, já vivenciado várias vezes por nossos conselheiros, acontece quando um representante da área não governamental é escolhido pelos demais para representar o Conselho em eventos em outros Municípios, isto gera demanda de custos, cabendo à Coordenação dos Conselhos a responsabilidade de providenciar a verba, pois legalmente não é possível que este conselheiro possa solicitar a mesma, por não ser funcionário do Poder Público. Além disso, os Conselhos tem que sempre contar com a boa vontade do Governo, o que pode tornar-se um problema. 3.1.3 Estrutura Política Para garantir o bom funcionamento dos conselhos é necessário que haja uma certa abertura por parte do Poder Executivo. Afinal, para propor a implantação e implementação de políticas públicas, os Conselhos precisam saber, por exemplo, qual a demanda real do Município, quais as políticas que já vem sendo executadas e qual a disponibilidade de recursos para a implantação de novos projetos. Estas informações, em geral, são repassadas pelo Executivo, que atualmente vem atendendo as solicitações. Quanto aos Conselhos deliberativos, em Criciúma, estes vêm sendo respeitados pelo Governo Municipal quando das suas decisões. Caso isto não ocorra, os mesmos estão bem informados quanto à sua defesa, inclusive na questão 51 de apoio do Ministério Público, que já foi inclusive utilizado pelo Conselho Municipal de Saúde, quando este buscava melhor estrutura física e orçamento. A Procuradoria da República no Município de Criciúma instaurou um processo, que está em curso. A estrutura própria deste Conselho, porém, já está sendo providenciada de acordo com suas solicitações. 3.2 Capacitação Já tratamos aqui da importância da capacitação para o aperfeiçoamento e qualificação dos trabalhos dos conselheiros. Em Criciúma, esta importância é reconhecida e as capacitações estão sendo realizadas, quando solicitadas pelos conselheiros. Durante o ano de 2003, por exemplo, foram realizadas capacitações nas áreas da saúde e dos direitos da criança e do adolescente. Na área da saúde, o curso de capacitação foi realizado para conselheiros populares tendo como tema central o papel destes Conselhos, durante um dia inteiro, contando com a participação de cerca de 370 pessoas, entre conselheiros, usuários e trabalhadores na área da saúde. Na área dos direitos da criança e do adolescente, os cursos em geral são realizados para os conselheiros de direitos e tutelares, envolvendo tanto o papel e a atuação dos Conselhos quanto os próprios direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o seu Estatuto. Porém, o ideal ainda não foi atingido, que seria a obrigatoriedade de capacitação para todos os conselheiros a cada início de mandato, sem espetar por sua solicitação, mesmo porque muitas vezes a própria necessidade de capacitação demora a ser reconhecida pelos mesmos. 52 Eventos também capacitam. A realização e participação de conselheiros em Conferências, Foruns e Seminários sempre fazem com que os mesmos fiquem mais interados das demandas sociais e das políticas públicas que podem ser implementadas no Município. Muitas vezes, a solução de um problema local pode ser encontrada em uma outra cidade, com experiências inovadoras. A Conferência é a instância máxima para a discussão e aprovação das políticas públicas em temáticas específicas. Na Conferência a população discute os problemas, sugere soluções e elabora um documento com as propostas. Os conselheiros devem, durante o mandato, conduzir atividades que venham tornar esse documento uma realidade para o Município, Estado ou Nação. A Conferência é também um espaço informativo onde a população tem a oportunidade de ficar sabendo o que está sendo realizado e o que ainda deve ser feito em sua área, por isso mesmo é um evento aberto a toda comunidade, ao qual deve ser dado ampla publicidade, sendo vedada a cobrança de qualquer valor para ingresso. Durante o ano de 2003, foram realizadas Conferências Municipais de Saúde, Assistência Social e de Direitos da Criança e do Adolescente, ligadas às Estaduais e Nacionais, sendo que nossa cidade esteve representada nas estaduais e nacionais de saúde e assistência social, inclusive com a participação de delegados. Nestes casos, tendo em vista a impossibilidade de participação de todos os conselheiros nos eventos realizados em outras cidades ou Estados, aqueles que são escolhidos para representarem os Conselhos do Município, no seu retorno, devem e atualmente repassam todas as informações aos demais. Também o 53 material que é recebido (livros, informativos, entre outros) é colocado à disposição de todos os conselheiros, na Coordenação dos Conselhos Municipais. Além das Conferências, foram realizados Foruns e Seminários como o de Turismo, de Acessibilidade (promovido pelo Departamento de Assistência aos Portadores de Necessidades Especiais, mas com a participação maciça dos conselheiros), dos Direitos da Mulher e Anti-Drogas, entre outros. Atualmente os conselheiros estão ainda participando de grupos temáticos do Congresso da Cidade, importante fórum de debates que estará planejando a cidade de Criciúma para os próximos vinte anos – espaço indispensável para a atuação dos Conselhos, garantindo a intersetorialidade entre os mesmos. 3.3 Publicização das Ações Atualmente, as ações realizadas pelos Conselhos tornam-se públicas através da realização de eventos, conforme supra citado, e da imprensa. Dependendo da relevância de cada ação desenvolvida, são elaborados releases, através da Secretaria Municipal de Comunicação, e enviados para a imprensa que abre espaço para sua publicação. Algumas vezes os conselheiros são também solicitados para dar entrevistas para rádios e jornais. Já as resoluções são sempre publicadas nos jornais da cidade, independentemente do seu teor. Durante o ano de 2004, esta divulgação das ações dos Conselhos será extremamente ampliada, com o acréscimo de informações no espaço dos Conselhos na página da Prefeitura da Internet. Neste local, além das resoluções, alterações de leis e decretos e realização de eventos, serão publicadas as pautas e atas das reuniões de todos os Conselhos, que serão atualizadas mensalmente. 54 Todos esses procedimentos fazem com que a sociedade se intere das ações que vem sendo realizadas pelos Conselhos e pelo próprio Poder Público Municipal, afinal, o trabalho é conjunto e de interesse coletivo. Em contrapartida, a publicização das ações também implica mais responsabilidade por parte dos conselheiros na tomada de posições, já que todas as discussões e decisões das reuniões estarão acessíveis para toda a população. 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de colocarmos a criação dos Conselhos a cargo da Constituição Federal de 1988, sabemos que a criação real de Conselhos, nas três esferas de Governo e nas mais diversas regiões do país, deu-se em função da forte atuação dos movimentos sociais da época. Aliás, a manutenção dos papéis essenciais dos Conselhos, após estes quinze anos, deve-se às pessoas que, não importando as trocas de governo, estão continuamente lutando pela efetivação dos direitos sociais através do Estado, e sabem da importância dos Conselhos para esta luta. De forma geral, os Conselhos são a participação da sociedade dentro do Poder Executivo, fiscalizando, elaborando e aprovando a política a ser implantada em cada área de atuação. Pelo pouco tempo de existência, porém, e pela falta de clareza em algumas questões legais, é na prática que perdemos o poder que nos foi conferido, enquanto cidadãos. Afinal, muitos Conselhos ainda são criados como parte do Executivo, subordinando-se a ele, sofrendo a interferência direta do Legislativo, com pouca representatividade da sociedade civil, sem uma estrutura mínima para seu bom funcionamento, sem capacitação para os Conselheiros e, enfim, sem o mínimo de respeito por parte do Poder Público. É certo que um longo caminho ainda deverá ser trilhado para que possamos atingir o nível ideal de atuação dos Conselhos, onde muitas questões divergentes deverão ser definidas. É importante ressaltar que todas estas dificuldades, provenientes geralmente de dúvidas relativas muitas vezes ao próprio conceito de Conselhos de Direitos e Gestores de Políticas Públicas, estão presentes nas três esferas de 56 governo, em todas as áreas, em pequenas ou grandes cidades. Nossa experiência no Município de Criciúma é um exemplo disso. Apesar de termos começado cedo nosso trabalho com Conselhos, já que não esperamos pela obrigatoriedade de sua criação, percebemos que os avanços e dificuldades que temos estão muito próximos àqueles vividos por Conselhos de outros Municípios. Cada qual com suas particularidades, os Conselhos em todo o país caminham juntos rumo ao mesmo objetivo: garantir que a coisa pública seja gerida de forma correta, e que os recursos públicos sejam aplicados primordialmente em políticas sociais, como saúde, educação, habitação e lazer, visando sempre e em todas as áreas o bem estar da população. 57 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. FRISCHEISEN, Luiza Cristina In: CARVALHO, Maria do Carmo A. A. e TEIXEIRA, Ana Cláudia C. Conselhos Gestores de Políticas Públicas. São Paulo: Pólis, 2000. 144p. GOHN, Maria da Glória. História dos Movimentos Sociais: A Construção da Cidadania no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2001. 215p. Idem. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica. São Paulo: Cortez, 1995. 120p. Karnal, Leandro; CÂNEDO, Letícia Bicalto; COGGIOLA, Osvaldo In: PINSKI, Jaime e PINSKI, Carla Bassanezi. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. 591p. Criciúma (SC). Lei nº 2.378, de 25 de maio de 1989. Dispõe sobre a Estrutura Administrativa da Prefeitura Municipal de Criciúma e dá outras providências. www.camcri.com.br, visitado em 03 de janeiro de 2004. Criciúma (SC). Lei nº 3.370, de 13 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a Estrutura Administrativa da Prefeitura Municipal de Criciúma e dá outras providências. www.camcri.com.br, visitado em 03 de janeiro de 2004. Criciúma (SC). Lei nº 2.301, de 14 de junho de 1988. Cria o Sistema Municipal de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao uso de Entorpecentes e dá outras providências. www.camcri.com.br, visitado em 03 de janeiro de 2004. 58 ANEXO 1 Parecer Jurídico nº 022/2000, da Procuradoria Geral do Município de Criciúma 59 VÂNIA MARIA ROMANCINI DE SOUZA CONSELHOS DE DIREITOS E GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS Criciúma, 2004.