RESUMO 19ªEXPANDIDO RAIB 159/014 181 ANÁLISE MORFOLÓGICA E QUANTITATIVA DOS LEUCÓCITOS EM INDIVÍDUOS PORTADORES DA DOENÇA DE CHAGAS L. Omena, E.F. Moraes, A.C.C. Araújo, L.C. Alves, F.A.B. Santos, M.J. Simões, V. Wanderley-Teixeira, A.A.C. Teixeira Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Laboratório de Histologia, CP 23, CEP 52171-900, Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO A doença de Chagas ou tripanossomiase americana é causada pelo protozóario Tripanosoma cruzi, o qual é transmitido pela penetração de tripomastigotas metacíclicos eliminados nas fezes e urina do vetor, durante ou após o hematofagismo, onde a vítima, ao coçar o local da picada, espalha as fezes do vetor sobre o ferimento, dessa maneira os parasitas penetram na pele e atingem a circulação sangüínea. Ao ser adquirida, a doença de chagas produz alterações imunológicas e inflamatórias que levam a diferentes formas clínicas e ao desenvolvimento dos mecanismos responsáveis pelas formas graves, como a cardiopatia chagásica crônica. É sabido que os leucócitos ou células brancas do sangue estão envolvidos nas defesas celulares e imunológicas do organismo. Objetivou-se investigar os aspectos morfológicos e quantitativos dos leucócitos em amostras de sangue periférico de pacientes portadores da doença de Chagas. Utilizaram-se 20 amostras de sangue de pacientes chagásicos e 20 amostras de pacientes não chagásicos, cedidas pelo Hospital Osvaldo Cruz, Recife, PE, as quais foram submetidas à contagem absoluta para análise quantitativa, e preparação de esfregaços sangüíneos corados pelo panótico. Os resultados mostraram que houve uma diminuição no percentual dos neutrófilos, linfócitos e monócitos no sangue dos indivíduos portadores da doença de Chagas quando comparados aos percentuais dessas células nos indivíduos não chagásicos. No entanto, esses resultados não mostraram diferenças estatisticamente significantes. Com relação aos basófilos e eosinófilos observou-se aumento nos percentuais dessas células nos indivíduos chagásicos, sendo, porém este aumento estatisticamente significante apenas nos eosinófilos. Não houve alterações na morfologia dos leucócitos nas amostras de sangue dos indivíduos chagásicos. Conclui-se que a doença de chagas leva a um aumento significativo do percentual de eosinófilos, produzindo uma acentuada eosinofilia. PALAVRAS-CHAVE: Doença de Chagas, Tripanossoma cruzi, leucócitos. ABSTRACT MORPHOLOGICAL AND QUANTITATIVE ANALYSIS OF LEUCOCYTES IN PATIENTS WHO ARE CARRIERS OF CHAGAS DISEASE. Chagas disease or American trypanosomiasis is caused by the protozoan Tripanosoma cruzi, which is transmitted by the penetration of metacyclic trypomastigots eliminated in the feces and urine of the vector, during or after hematophagism, when the victim, scratching the place of the bite, spreads the feces of the vector on the wound, enabling the parasites to penetrate the skin and reach the circulatory system. Once acquired, Chagas disease produces immunological and inflammatory alterations that lead to different clinical manifestations and the development of mechanisms responsible for the serious forms, such as chronic cardiopathy. It is known that the leukocytes or white blood cells are involved in the organism’s cellular and immunological defenses. Therefore, the present study was aimed at investigating the morphologic and quantitative aspects of the leukocytes in samples of the peripheral blood of patient who were carriers of Chagas disease. Twenty samples of the blood of patients with Chagas disease and 20 samples of patients without the disease (received from Hospital Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.181-184, 2006 182 19ª RAIB Osvaldo Cruz, Recife, PE) were submitted to absolute counting for quantitative analysis, and preparation of blood smears stained by panotic. The results showed a decrease in the percentage of the neutrophyles, lymphocytes and monocytes in the blood of the individuals who were carriers of Chagas disease as compared to the percentile of those cells in the individuals without the disease. However, these results did not show statistically significant differences. In regard to the basophiles and eosinophyles, there was observed an increase in the percentile of these cells in the individuals with Chagas disease, though this increase was only statistically significant in the case of the eosinophyles. There were no alterations in the morphology of the leukocytes in the samples of blood from the individuals with Chagas disease. Therefore we can conclude that Chagas disease leads to a significant increase of the percentage of eosinophyles, producing an accentuated eosinophily. KEY WORDS: Chagas disease, Tripanossoma cruzi, leukocytes. INTRODUÇÃO A doença de Chagas ou tripanossomiase americana é causada pelo protozóario Tripanosoma cruzi, o qual é transmitido pala penetração de tripomastigotas metacíclicos eliminados nas fezes e urina do vetor, durante ou após o hematofagismo, onde a vítima, ao coçar o local da picada, espalha as fezes do vetor sobre o ferimento, dessa maneira os parasitas penetram na pele e atingem a circulação sangüínea (CAROBREZ, 1990). No entanto, outras formas de contaminação estão associadas às transfusões sanguíneas e transmissão congênita (GRISOTTO, 1998). Durante a fase aguda, na maioria dos casos, não há manifestação de sintomas. Porém, quando ocorrem, as vítimas apresentam forte reação local à picada e febre alta, logo se não é diagnosticada na fase aguda, quando ainda tem cura, a doença evolui para a forma crônica (MATSUMOTO, 1991). Os tripanossomos instalam-se nos músculos, especialmente no coração. Ao atingirem e destruírem fibras musculares, os parasitas provocam insuficiência e arritmia cardíaca, que podem levar à morte (STRACIERI, 1994). Ao ser adquirida, a doença de Chagas produz alterações imunológicas e inflamatórias que levam a diferentes formas clínicas e o desenvolvimento dos mecanismos responsáveis pelas formas graves, como a cardiopatia chagásica crônica (SILVA, 1999). Segundo JUNQUEIRA & CARNEIRO (2005) os leucócitos ou células brancas do sangue são corpúsculos incolores implicados nas defesas celulares e imunológicas do organismo. Constantemente os leucócitos deixam os capilares (diapedese), passando entre as células endoteliais e penetrando no tecidos conjuntivos, sendo tão freqüentes nesse tecido que são consideradas células normais. Todavia, quando os tecidos são invadidos por microrganismos, os leucócitos são atraídos por quimiotaxia, ou seja, substâncias originadas dos tecidos, do plasma sanguíneo e dos microrganismos, que provocam nos leucócitos uma resposta migratória, dirigindo estas células para os locais onde existe maior concentração de fatores quimiotáticos (GARTNER & HIATT, 2001). Objetivou-se investigar os aspectos morfológicos e quantitativos dos leucócitos em amostras de sangue periférico de pacientes portadores da doença de Chagas. MATERIAL E MÉTODOS Utilizaram-se 20 amostras de sangue de pacientes chagásicos e 20 amostras de pacientes não chagásicos, cedidas pelo Hospital Osvaldo Cruz, Recife, PE, as quais foram submetidas à contagem absoluta para análise quantitativa e preparação de esfregaços sangüíneos. O sangue dos pacientes foi colhido por punção venosa e colocado em tubos de hemograma de 4mL, contendo anticoagulante EDTA K2. Posteriormente, as amostras foram centrifugadas por 5min e em seguida levadas para a contagem absoluta dos leucócitos no aparelho SF-3000 do setor de Hematologia do Hospital Oswaldo Cruz. Para a obtenção dos esfregaços sangüíneos colocou-se uma gota de sangue, sem anticoagulante, sobre uma lâmina previamente limpa, seca e desengordurada. Em seguida, com auxílio de outra lâmina, a qual teve um dos seus lados menores colocado sobre a gota de sangue formando um ângulo de aproximadamente 45o, a gota de sangue foi espalhada, obtendo-se os esfregaços que foram corados pelo kit panótico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Houve uma diminuição no percentual dos neutrófilos, linfócitos e monócitos no sangue dos indivíduos portadores da doença de Chagas quando comparados aos percentuais dessas células nos indivíduos não chagásicos. No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa (Tabela 1). Com relação aos basófilos e eosinófilos observamos um aumento nos percentuais dessas células nos indivíduos Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.181-184, 2006 19ª RAIB chagásicos, sendo, porém este aumento estatisticamente significante apenas nos eosinófilos (Tabela 1). A análise morfológica dos leucócitos nas amostras de sangue dos indivíduos chagásicos, quando comparadas às amostras dos indivíduos não chagásicos, revelou que a morfologia dessas células não foi alterada, apresentando as seguintes características: Neutrófilo: célula esférica apresentando lobulações bem definidas (Fig. 1); Linfócito: célula esférica, com núcleo volumoso e escasso citoplasma (Fig. 1); Eosinófilo: célula de forma arredondada, com núcleo bilobulado e granulações citoplasmáticas bem acidófilas (Fig. 2); Basófilo: célula arredondada, com núcleo retorcido e citoplasma de difícil delimitação em virtude da grande quantidade de grânulos (Fig. 3); Monócito: célula bastante volumosa, de formato esférico e apresentando núcleo riniforme (Fig. 4). Fig. 1 - Fotomicrografia mostrando esfregaço sangüíneo de um indivíduo chagásico. Observar neutrófilo (seta) e linfócito (ponta de seta). Coloração pelo Panótico ± 1070X. Fig. 2 - Fotomicrografia mostrando esfregaço sangüíneo de um indivíduo chagásico. Observar eosinófilo (seta) com núcleo bilobulado e granulações citoplasmáticas. Coloração pelo Panótico ± 1070X. Fig. 3 - Fotomicrografia mostrando esfregaço sangüíneo de um indivíduo chagásico. Observar basófilo (seta) com núcleo retorcido. Coloração pelo Panótico ± 1070X. Fig. 4 - Fotomicrografia mostrando esfregaço sangüíneo de um indivíduo chagásico. Observar monócito (seta) com núcleo riniforme. Coloração pelo Panótico ± 1070X. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.181-184, 2006 183 184 19ª RAIB Tabela 1 - Médias1 da contagem absoluta dos leucócitos. Leucócitos Pacientes não chagásicos Pacientes chagásicos C.V. (%) Neutrófilos Linfócitos Monócitos Eosinófilos Basófilos 59,95a 27,27a 8,12a 3,32a 0,51a 57,97a 25,13a 6.83a 8,44b 0,78a 14,95 31,90 43,38 79,26 35,99 Médias seguidas da mesma letra nas linhas não diferem estatisticamente entre si pelo Teste de Tukey (P ≤ 0,05). 1 É sabido que o número de leucócitos por milímetro cúbico de sangue no humano adulto normal é de 6.000 a 10.000, sendo esses valores constituídos por 60 a 70% de neutrófilos, 20 a 30% de linfócitos, 2 a 4% de eosinófilos, 3 a 8% de monócitos e 0 a 1% de basófilos (KESSEL, 2001). Segundo DELLMANN & BROWN (1982), o número total de leucócitos, bem como os percentuais de cada célula, varia nas diferentes espécies de animais. Num mesmo indivíduo podem ocorrer grandes flutuações na contagem e forma dos leucócitos, devido a alguma forma de tensão, influências circadianas, exercício, alimentação, idade, raça, processos infecciosos e parasitários. Em decorrência de um desses fatores pode ocorrer uma leucocitose, aumento do número de leucócitos, ou uma leucopenia, diminuição do número de leucócitos (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). Observou-se uma pequena diminuição nos percentuais dos neutrófilos, linfócitos e monócitos nas amostras de sangue dos indivíduos chagásicos, embora essa diminuição não tenha sido estatisticamente significante. Este fato pode ser explicado devido a essas células estarem envolvidas em funções bactericidas (neutrófilos), imunológicas (linfócitos) e na internalização e apresentação de antígenos (monócitos quando se transformam em macrófagos), não agindo assim em infestações parasitárias (KESSEL, 2001). Além disso, segundo LEAVELL, & THORUP (1979) existem variações quantitativas leucocitárias em indivíduos com saúde perfeita, independente de enfermidades, sendo consideradas como variações fisiológicas. Com relação aos basófilos, observou-se um pequeno aumento no percentual dessas células, o qual não foi estatisticamente significante, podendo também ser considerado como uma variação fisiológica (LEAVELL & THORUP, 1979). Os eosinófilos apresentaram um aumento significativo nas amostras de sangue dos indivíduos chagásicos, caracterizando uma acentuada eosinofilia, devido ao fato de que os eosinófilos estão envolvidos no combate as infecções parasitárias, onde o número dessas células é exageradamente aumentado, indicando, segundo a literatura, um possível envolvimento na destruição de parasitas maiores, dentre estes, os protozoários (GARTNER & HIATT, 1999; KESSEL, 2001; JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). Deve ser ressaltado ainda que, segundo LAGUENS (1987), a eosinofilia estabeleceu-se de maneira mais uniforme quando a infestação se realiza de modo invasivo ou migratório, a qual é desencadeada pela migração de larvas nos tecidos, que resultará numa resposta tecidual a infestação na forma de um granuloma. CONCLUSÃO Conclui-se que a doença de chagas leva a um aumento significativo do percentual de eosinófilos, produzindo uma acentuada eosinofilia. REFERENCIAS CAROBREZ, S.G. Mecanismos imunológicos envolvidos na forma indeterminada da doença de chagas induzida experimentalmente. 1990. 139f. Tese (Doutorado) – USP -Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, São Paulo, 1991. DELLMANN, H.D. & BROWN, E.M. Histologia veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982. p.71-76. GARTNER, L.P. & HIATT, J.L. Tratado de histologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. p.180-186. GRISOTTO, M.AG. Expressão das isoformas da molécula CD45 pelos linfócitos esplênicos durante as fases aguda e crônica da Doença de Chagas experimental. 1998. 161f. Dissertação (Mestrado) – USP - Instituto de Ciências Biomédicas, São Paulo, 1998. JUNQUEIRA, L.C. & CARNEIRO, J. Histologia básica. 10.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p.195203. KESSEL, R.G. Histologia médica básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. p.156-165. LAGUENS, R.P. Patologia. Montividéu: Inter-Médica, 1987. p.147-148. LEAVELL, B.S. & Thorup, O.A. Hematologia clínica. 4.ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1979. p.150-156. MATSUMOTO, T.K. Amastigota do Trypanosoma cruzi utilização nas técnicas de dot-elisa e imunofluorescencia para a detecção de anticorpos ‘IG’g, ‘IG’m e ‘IG’a na doença de chagas. 1991. 146f. Dissertação (Mestrado) – USP - Faculdade de Ciências Farmacêuticas, São Paulo, 1991. NASCIMENTO, M.C.F. Dependência da interação PAS/FASL no mecanismo de lise celular de alvos infectados por Trypanosoma cruzi. 1999. 98f. Dissertação (Mestrado) – USP - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São Paulo, 1999. STRACIERI, A.B.P.L. Função citotoxica de células linfóides na doença de chagas humana. 1994. 82f. Dissertação (Mestrado) – USP - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São Paulo, 1994. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.181-184, 2006