A Teoria de Piaget1
José Nilton Lima Fernandes2
Jean Piaget (1896-1980), médico suíço que desenvolveu uma teoria chamada
psicologia genética.
Segundo essa teoria, não há inteligência inata, porém a gênese da razão, da
afetividade e da moral se faz progressivamente em estágios sucessivos em que a criança
organiza o pensamento e o julgamento.
Vale lembrar que as referências às idades se referem aos padrões de Genebra,
cidade onde Piaget fez suas observações e experiências. Dependendo do grupo social a
que pertença a criança, haverá variação nas faixas etárias, e pode ser que as últimas
etapas nem sejam atingidas.
Os Quatro Estágios do Desenvolvimento
1º Estágio – Sensório-motor
A maneira pela qual o bebê (de zero a 2 anos) conhece o mundo é sobretudo
sensório-motora, ou seja, predomina o desenvolvimento das percepções sensoriais e
dos movimentos, não se podendo ainda dizer que a criança pensa. Nesse estágio, a
inteligência do bebê evolui à medida que ele aprende a coordenar as sensações e os
movimentos.
Daí a preocupação em estimular os sentidos com chocalhos, móbiles, brinquedos
de encaixe para coordenação motora, sem falarmos no esforço pessoal da criança em
engatinhar, subir nos móveis, andar e levar tudo à boca. Pode-se até dizer que o bebê
conhece o mundo levando coisas à boca. Também Freud se refere a esse período como
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PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. 3ªed., Rio de Janeiro, Forense, 1969.
Educador e operador do Direito. Formado em Teologia; Filosofia (Bacharelado e Licenciatura Plena pela
Universidade São Judas Tadeu); Direto (Bacharelado e Licenciatura Plena pela Universidade São Judas Tadeu);
Especialização em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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constituindo a “fase oral”, quando a zona erógena (geradora de prazer) se localiza na
boca.
Na relação do bebê com as pessoas, há uma indiferenciação, ou seja, a separação
entre ele e o mundo não é percebida muito nitidamente. É como se ele fizesse parte de
uma totalidade da qual não consegue distinguir-se como sujeito individual. Podemos ver a
descoberta gradativa que faz do seu corpo quando, por volta dos 3 meses, o encontramos,
fascinado, olhando a própria mão.
O psicanalista Lacan se refere à “experiência do
espelho”, pela qual, por volta dos 18 meses, a criança reconhece a dualidade,
descobrindo-se separada da mãe e de todo o resto.
2º Estágio – Intuitivo ou simbólico
O segundo momento (dos 2 aos 7 anos) começa quando a lógica infantil sofre um
salto, resultante da descoberta do símbolo. A realidade pode então ser representada, no
sentido de que a palavra torna presente aquilo que está ausente.
Nesse período a inteligência é intuitiva porque não se encontra separada da
experiência vivida, isto é, não consegue transpor abstratamente o que foi vivenciado pela
percepção.
Por exemplo: mesmo sabendo ir até a casa da avó, a criança é ainda incapaz de
reproduzir o caminho num conjunto de pequenos objetos tridimensionais de papelão
(representando casas, ruas, igrejas, etc.). Isto acontece porque suas lembranças são
motoras, e a representação implica uma descentralização da experiência que se acha
centrada no próprio corpo da criança quando ela vai de fato à casa da avó.
Outra evidência da incapacidade de abstração e descentralização (ou seja, de
colocar-se do ponto de vista do outro) aparece quando pedimos à criança que imite nosso
gesto, estando defronte a ela: se levantamos a mão direita, ela levanta a esquerda,
repetindo a ação como um espelho.
Trata-se de uma forma de inteligência egocêntrica, que persiste também no nível da
afetividade.
O egocentrismo infantil não pode ser sumariamente confundido com
egoísmo: não é um defeito da criança, porém constitui a própria condição humana nesse
estágio da vida. Egocentrismo significa estar centrado em si mesmo, tanto no aspecto da
afetividade como no do conhecimento.
Em outras palavras, a criança é o ponto de
referência, pensa a partir de si mesma.
Afetivamente acha que o mundo gira em torno dela, quer todas as atenções, não
reparte brinquedos, quer o seu desejo satisfeito no instante em que se manifesta; a
conversa não é propriamente uma interação, pois é incapaz de discutir e de ouvir o outro:
o que há são verdadeiros “monólogos coletivos”. Frequentemente, aos 3 ou 4 anos, é
vista falando sozinha, com seus brinquedos “animados”.
Do ponto de vista moral, de início não se pode dizer que exista a introjeção de regra
alguma: vive em um mundo que seria propriamente pré-moral, em que predomina a
anomia (ausência de leis). Além dos exemplos da sua relutância em aceitar as regras do
convívio social, é interessante lembrar que ainda não está pronta para os jogos com
regras. Após os 3 ou 4 anos, começa a tornar-se capaz de heteronomia3, ou seja, de
aceitar a norma exterior, tornando-se mais sociável.
3º Estágio – Operações concretas
No terceiro estágio (dos 7 aos 12 anos), a lógica deixa de ser puramente intuitiva e
passa a ser operatória. Isso quer dizer que a criança é capaz de interiorizar a ação
(processo que não ocorria no exemplo da visita à casa da avó).
Passar da intuição para a operação significa tornar-se capaz de constituir sistemas
de conjuntos, passíveis ainda de composição e revisão. É o processo que permite realizar
as operações matemáticas, perceber a relação lógica do sistema de parentesco na família,
classificar, tornar as intuições móveis e reversíveis.
Ora, as percepções intuitivas da
primeira infância eram irreversíveis (lembre-se do exemplo da mão levantada); tornar essa
percepção reversível é ser capaz de operacionalizá-la, por exemplo, inverter mentalmente
sua própria posição, colocando-se no lugar do outro.
A operacionalização desse terceiro estágio ainda é concreta, pois depende de
certa forma das percepções fornecidas pela intuição, achando-se presa à experiência
vivida. Mesmo assim, o pensamento já se torna mais coerente e permite construções
lógicas mais aprimoradas.
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Sujeição a uma lei exterior ou à vontade de outrem; ausência de autonomia.
A força do egocentrismo diminui, pois o discurso lógico tende a ser mais objetivo,
estabelece o confronto com a realidade e com outros discursos e procura alicerçar-se em
provas que ultrapassem o nível das explicações mitológicas da fase anterior. O relato das
histórias deixa de ser fragmentado e passa a apresentar organização mais estruturada,
com começo, meio e fim, já sendo possível um início de discussão.
Do ponto de vista afetivo, os progressos na sociabilidade são percebidos na
formação dos grupos que antes se baseavam na contiguidade4, e agora são coesos e
expressam formas claras de companheirismo. Essa nova organização se dá debaixo da
ação da liderança e confronto de grupos antagônicos5. Ilustram bem esse estágio o livro
“Os meninos da rua Paulo” (de Ferenc Molnár) e o filme “A guerra dos botões”.
Do ponto de vista moral, afirma-se a heteronomia, com a introjeção das normas da
família e da sociedade. Também nos jogos essa tendência se revela de maneira clara na
preferência por aqueles de regras rígidas, como os de botão e bola de gude, cujas normas
são seguidas rigorosamente.
4º Estágio – Operações formais
Finalmente, o último estágio é o da adolescência, quando aparecem as
características que marcarão a vida adulta.
O pensamento lógico atinge o nível das operações formais ou abstratas. Isso
significa que, além de interiorizar a ação vivida (fase das operações concretas), o
adolescente é capaz de distanciar-se da experiência, de tal forma que pode pensar por
hipótese.
É o amadurecimento do pensamento formal ou hipotético-dedutivo.
O
desenvolvimento da reflexão atinge tal estágio que torna possível o pensamento científico,
matemático e filosófico.
Exemplificando: as discussões entabuladas pelos jovens a respeito da família
podem partir das experiências vividas particularmente, mas se orientam para a abordagem
do tema geral e abstrato da família como instituição. A teorização leva à crítica da própria
vivência e à elaboração de um projeto de mudança. Os debates se desenvolvem no nível
do discurso, da argumentação apoiada em conceitos.
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5
Significa = proximidade; vizinhança.
Que opõe duas forças ou princípios; contrário, incompatível, oposto.
O processo de desprendimento da própria subjetividade é sinal de que o
egocentrismo intelectual está em vias de ser superado.
Afetivamente, a superação se realiza pela cooperação e pela reciprocidade. Os
grupos em que persistia a idéia de mando e obediência são substituídos por outros
baseados na discussão e no consenso.
A capacidade de reflexão dá condições para o amadurecimento moral, pela
organização autônoma de regras e pela livre deliberação.
Reflexão, discussão, reciprocidade, autonomia são termos que aqui se acham
enlaçados. Refletir é desdobrar o pensamento, é pensar duas vezes, é tematizar. É como
se trouxéssemos o outro para dentro de nós: refletir é discutir interiormente. Ora, isto é
possível porque de fato descobrimos o outro como um alter ego6, um outro sujeito, exterior
a nós, capaz de uma argumentação que respeitamos.
Da mesma forma, a discussão é a exteriorização da reflexão. Se nos dispusermos
a discutir partindo do pressuposto de que não mudaremos de idéia, não haverá discussão,
porém “diálogo de surdos”. Portanto, a discussão supõe reciprocidade: disponibilidade
para ouvir o outro, mas também preservação de nossa individualidade e autonomia.
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Um segundo eu; meu substituto perfeito.
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Artigo explicativo sobre a teoria psicogenética do educador suíço