25 NOV | 2014 QUARTETO DE CORDAS DE MATOSINHOS 19:30 SALA 2 Vítor Vieira violino Juan Maggiorani violino Jorge Alves viola Marco Pereira violoncelo Vasco Mendonça Caged Symphonies [2007; C.15min.] 1. Fluxo 2. Responsório 3. Mecanismo Fernando Lopes-Graça Catorze anotações para quarteto de cordas [1966; c.10min.] Felix Mendelssohn Quarteto de cordas nº 2 em Lá menor, op.13 [1827; c.30min.] 1. Adagio – Allegro vivace 2. Adagio non lento 3. Intermezzo: Allegretto con moto – Allegro di molto 4. Presto – Adagio non lento Vasco Mendonça (n. 1977) Caged Symphonies Caged Symphonies é constituída por três andamentos: Fluxo, Responsório e Mecanismo. Cada um obedece a um plano formal pré-composicional, de elasticidade reduzida, no qual o material se vai progressivamente inscrevendo. Essa rigidez estende-se, por sua vez, aos processos de proliferação do material, através da utilização de um sistema modal de transposições limitadas e da restrição dos modelos rítmicos. Fluxo desenvolve-se sobre um fluxo rítmico de unidade constante, desdobrado em duas métricas simultâneas, a partir do qual os gestos temáticos vão sendo apresentados e desenvolvidos. Ao longo do andamento, esta textura vai sendo interrompida por objectos de natureza contrastante, que vão sinalizando um (aparente) recomeço da actividade. Em Responsório, é definida uma oposição inicial solista/grupo: a uma intervenção solística irá corresponder sempre uma resposta do grupo. Esta geografia, inspirada na prática do canto responsorial, irá sofrer transformações ao longo do andamento, à medida que cada uma destas entidades é afectada não só pela resposta da outra, mas pela própria natureza da convenção formal. MECENAS PROGRAMAS DE SALA A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE Mecanismo é, dos três andamentos, o que mais claramente apresenta uma natureza circular. Baseando-se numa sobreposição de quatro ciclos de alturas deduzidos de quatro campos harmónicos, faz corresponder aos pontos estruturais de desenvolvimento os momentos de coincidência dos ciclos. Este universo silencioso de restrição formal e semântica tem como objectivo exercer uma pressão sobre o que ouvimos: ao fazê-lo, realça inevitavelmente a componente informal, transcendente, do acto composicional, permitindo a afirmação clara desse acto como um profundo acto de liberdade: o momento em que o som, apesar da clausura, mais intensamente se ouve. vasco mendonça [2008] Fernando Lopes-Graça (1906-1994) Catorze anotações para quarteto de cordas Lopes-Graça foi um compositor atento e permeável às linguagens do seu tempo, ainda que sem adesão a dogmas estéticos e sem a preocupação de se manter integrado nas correntes dominantes europeias. Isso permitiu-lhe explorar sem espartilhos um percurso fortemente individual: “Há contrastes, diferenças ao longo desse percurso, mas tudo o que de diferente nele acontece é testemunho de um mesmo imperativo de autenticidade, de coerência estética e ética, que ele se impôs a si próprio.” (M. Vieira de Carvalho). Isso explica que a sua música para quarteto de cordas assuma contornos diversos e não reflicta a preocupação de criar um repertório consequente para a formação. Os quartetos surgiram no seu percurso quando a vontade ou as circunstâncias o impuseram. Por outro lado, a sua linguagem, sem escolas ou normativas estéticas, passa tanto pela tonalidade como pelo atonalismo, pela influência tradicional como pela da grande música erudita. Assim, se a Suite Rústica nº 2 (1965) coloca o quarteto a interpretar, re-harmonizar e desenvolver melodias dos cantos e dançares tradicionais, e o premiado Quarteto de Arcos nº 1 (1964) se assume como herdeiro da grande tradição dos quartetos clássicos com uma linguagem moderna que percorre os MECENAS CASA DA MÚSICA MECENAS CICLO JAZZ APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA seus cinco andamentos contrastantes, as Catorze anotações (1966) encontram-se num outro plano – e repare-se como são obras temporalmente muito próximas. É uma obra mais marcada pela liberdade de meios, pela despreocupação formal e pela experimentação. São pequenos trechos, quase todos com menos de um minuto, em que um curto motivo é apresentado e brevemente desenvolvido, formando como que exercícios demonstrativos das possibilidades texturais e dinâmicas do quarteto. Os motivos são frequentemente melodias de apenas 3 ou 4 notas, com predilecção – mas não exclusividade – pelos intervalos de terceira menor e segunda menor. O que diferencia as várias anotações, para além do motivo exposto em geral logo ao início e do seu desenvolvimento, é o tratamento que é dado ao quarteto: acompanhamentos em notas longas ou com ritmos frenéticos, homorritmia ou contraponto, uso de pizzicatos numa das vozes ou nas quatro em simultâneo, clusters nas regiões agudas ou médias dos instrumentos, entre outras técnicas, imprimindo uma personalidade individual a cada anotação. Felix Mendelssohn (1809-1847) nome composto pouco antes do quarteto, e Mendelssohn escreve a pergunta na partitura, tal como Beethoven tinha deixado inscrito, no último andamento do op.135, a pergunta “Muss es sein?”, “Terá de ser?”. O motivo dá unidade a toda a obra, já que aparece em todos os andamentos de forma mais ou menos explícita. O segundo andamento, Adagio, tem uma secção fugada inspirada no Quarteto op.95 de Beethoven, que irá fazer uma nova aparição no andamento final. O Intermezzo inicia-se com um tema lírico e simples acompanhado de pizzicatos, seguido de uma secção de contraponto animado e marcado pelas notas em staccato, em jeito de scherzo e trio. O Finale reúne temas dos andamentos anteriores, mas merece especial destaque a forma como termina, retomando o motivo “Ist es Wahr?” depois de alguns capítulos bem mais tempestivos. Desta vez a pergunta desenvolve-se um pouco mais e encontra resposta, concluindo em serenidade com uma citação da parte final da canção original, cujo texto se poderá traduzir livremente por: “O que eu sinto é apenas compreendido por ela, que partilha do meu sentimento e que se mantém sempre fiel a mim.” fernando pires de lima [2014] Quarteto de cordas nº 3 em Lá menor, op.13 “Ele é o Mozart do século XIX, o músico mais límpido, aquele que mais claramente revela as contradições do seu tempo e que, primeiro que todos, as reconcilia” – Schumann A comparação que Schumann faz entre Mendelssohn e Mozart pode estender-se a aspectos biográficos como a enorme precocidade musical e uma vida breve, que ainda assim pôde dar origem a uma obra extensa. Aos 13 anos começa a publicar a sua música, e no ano em que surge o Quarteto op.13, conta o compositor 18 anos, já são conhecidos três quartetos com piano, um ciclo de canções, a 1ª Sinfonia em Dó menor, o significativo Octeto para cordas e a famosa abertura Sonho de Uma Noite de Verão para orquestra, entre outras. Mas Mendelssohn, herdeiro de uma família abastada e esmerada na educação e cultura que incute nos seus filhos, torna-se também um entusiasta da grande música alemã esquecida no passado – da Paixão segundo São Mateus de Bach, que dá a conhecer após um século de obscuridade, à Nona Sinfonia de Beethoven, que interpreta ao piano. A morte de Beethoven em 1827 marca definitivamente o espírito que paira sobre o Quarteto de cordas em Lá menor. Mendelssohn tinha estudado aprofundadamente os últimos quartetos do compositor de Bona, numa época em que já estavam muito pouco em voga, e são várias as citações que aparecem ao longo desta obra, sua herdeira directa. Uma das grandes referências é o Quarteto op.132 (1826), cuja secção lenta inicial influencia a forma como está escrita a abertura do Quarteto de Mendelssohn. Só após um trilo da viola e uma passagem em semicolcheias é que entra o primeiro tema do Allegro, com uma frase descendente em ritmo pontuado, não sem antes ter surgido o motivo interrogativo que serve de epíteto ao quarteto – “Ist es Wahr?”, “É verdade?”. Este motivo, definido pelas notas dó sustenido (longa), descendo para si (curta) e subindo para ré (longa), é oriundo de um Lied com o mesmo quarteto de cordas de matosinhos O Quarteto de Cordas de Matosinhos (QCM), actualmente no seu sexto ano de actividade artística, é agora uma das ECHO Rising Stars, e como tal realizará em 2014-2015 uma tournée em algumas das mais importantes salas de concerto europeias, como o Barbican em Londres, o Concertgebouw em Amesterdão e o Muzikverein em Viena. Criado através de uma iniciativa da Câmara Municipal de Matosinhos, o QCM vem beneficiando de uma residência e temporada de concertos em Matosinhos desde 2008, e estabeleceu-se como um conjunto de referência em Portugal, apresentando-se na maioria dos festivais e salas de concerto, como os “Dias da Música” no Centro Cultural de Belém, os Festivais de Espinho e Póvoa de Varzim, Casa da Música, e também no Auditório Nacional de Música de Madrid e do Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela. Desde a sua criação, o QCM assumiu um forte compromisso com o repertório português para quarteto de cordas. Nos seus mais de 100 concertos, estreou obras de Carlos Azevedo, Carlos Guedes, Fernando Lapa, Vasco Mendonça, Miguel Azguime, Eurico Carrapatoso, António Chagas Rosa, Álvaro Salazar, Nuno Côrte-Real, Eduardo Patriarca, Paulo Ferreira-Lopes, Telmo Marques, Sérgio Azevedo e António Pinho Vargas (incluindo o seu Tríptico para quarteto de cordas e orquestra, estreado com a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música). O outro principal objectivo artístico do QCM vem sendo cumprido com a interpretação em Matosinhos do grande repertório para quarteto de cordas: as obras completas de Mozart e Mendelssohn foram já apresentadas, estando em curso as integrais de Haydn, Beethoven e Chostakovitch.