Desenvolvimento econômico e pensamento desenvolvimentista
O caso de Minas Gerais (1933-1968)
Daniel Henrique Diniz Barbosa1
Resumo
Este texto sugere a investigação de um conjunto de elementos relacionados ao
pensamento desenvolvimentista brasileiro, em especial aqueles relativos aos
desdobramentos regionais desse tipo específico de política econômica, salientando, para
tanto, o caso peculiar de Minas Gerais, no período compreendido entre 1933 e 1968.
Palavras-chave: Desenvolvimentismo – Planejamento Econômico – Corpo Técnico –
Minas Gerais
Este texto se propõe a discutir alguns aspectos de pesquisa de doutoramento em
andamento no Programa de Pós-Graduação em História Econômica da Universidade de
São Paulo. Dessa forma, pauta-se largamente em algumas discussões centrais do projeto
original de pesquisa, conquanto avance em alguns aspectos e, sobretudo, altere algumas
premissas que, inicialmente, eram capitais ao referido projeto. Assim, esta discussão
pretenderá abordar elementos do planejamento econômico brasileiro e suas relações
com as realidades regionais, com pleno destaque ao caso em estudo, o de Minas Gerais.
O recorte cronológico aqui sugerido determina o ano de 1933 como marco
inicial e o ano de 1968 como final. O marco inicial assim se determina pela ascensão do
interventor varguista em Minas, Benedito Valadares que, conforme se pretenderá
demonstrar, promoverá gestão significativa ao longo de doze anos, especialmente no
tocante ao papel do setor público no desenvolvimento econômico regional. Já o marco
final, 1968, é determinado a partir do lançamento, no mesmo ano, do “Diagnóstico da
Economia Mineira”, compêndio em seis volumes elaborado pelo Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais e que corresponde, sugere-se aqui, ao último grande
documento em uma tradição de outros congêneres que, no limite, visavam à
1
Aluno do Programa de Pós-Graduação em História Econômica da Universidade de São Paulo, nível
doutorado, sob orientação do Prof. Dr. Nelson H. Nozoe. Mestre em História e Culturas Políticas pelo
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais.
verticalização do papel do estado no que concernisse ao planejamento e
desenvolvimento da economia regional.
Tentando melhor exposição do argumento, dividir-se-á este texto em seções
sendo a primeira, uma rápida discussão sobre a questão do planejamento econômico no
Brasil, a segunda uma abordagem sobre o mesmo processo no caso de Minas Gerais, na
terceira as principais hipóteses que essa pesquisa investiga serão sintetizadas para,
enfim, na quarta seção se apresentar uma rápida discussão acerca da pertinência dos
planos econômicos regionais, elaborados pelo Estado ou por órgãos a ele vinculados de
alguma maneira, na tradição desenvolvimentista mineira.
I
A questão do desenvolvimento econômico aliado ao planejamento e à
intervenção estatal na economia é, a partir da década de 1930, do colapso econômico de
1929 e das primeiras experiências soviéticas de planejamento, de importância vital para
a compreensão do pensamento econômico e político no período em tela. Mesmo nos
países capitalistas já plenamente desenvolvidos, cujo contexto entre-guerras e seus
desdobramentos econômicos trouxeram necessidades conjunturais novas, a emergência
de propostas de planificação e intervenção estatal na arena econômica ganhou
repercussão.
No caso brasileiro, será também a partir de 1930, e das conseqüências do
colapso econômico mundial de 1929, que se perceberá a ênfase no papel do Estado
como um proeminente articulador do desenvolvimento econômico, gradativamente mais
disposto ao planejamento e ao investimento direto no setor produtivo. Será a partir da
Revolução de Outubro que, dada a ruptura do modelo vigente que até a crise econômica
de 1929 regia o mundo público brasileiro, emergirá a base para o novo papel que ao
Estado brasileiro caberá definir na agenda política e econômica nacional. Embora, de
acordo com Ianni (1979:44), desde o princípio do século XX, fosse perceptível o debate
acerca das possibilidades de intervenção estatal nos rumos econômicos, somente a partir
de 1930 é que o arranjo institucional será reformulado da forma vertical que
possibilitasse ao Estado uma atuação mais efetiva. Evidentemente, conforme sugerem
Gomes (1980) e Pandolfi (2002), essa reorientação institucional não se efetivará de
forma definitiva, coesa ou homogênea. Ao contrário, a partir da ascensão de Vargas,
será perceptível o arranjo de forças constantemente ampliado nas esferas de atuação do
poder público brasileiro, não tendo havido uma Era Vargas uniforme, cujas propostas e
formas de ação fossem, desde 1930, rígidas e inquestionáveis2.
Aliás, conforme Abreu (1989), ao pensar o período aqui em evidência, torna-se
premente à interpretação a observação do cenário econômico externo e, por
conseguinte, a inserção da economia brasileira nesse cenário. Assim, se no âmbito
político essa indefinição apresenta-se constante, no âmbito econômico a profunda
dificuldade na política cambial, acrescida das dificuldades constantes no pagamento do
serviço da dívida pública, especialmente entre 1934 e 1937, são elementos essenciais
para a definição de uma política econômica que, no geral, seguiu um caminho
relativamente homogêneo. Será, apenas, a partir de 1939 que, com o desenvolvimento
de uma agenda entre Brasil e EUA mais propícia ao auxílio para a produtividade
brasileira, e menos para o auxílio na solução dos problemas cambiais, que o governo
Vargas ampliará sua atuação no rumo de uma política desenvolvimentista3. Segundo
Abreu (1989:95),
(...)1942 corresponde a um ponto de inflexão do ponto de vista
econômico no Brasil: acelerou-se o crescimento industrial; pela
primeira vez desde a década de 20 começaram a acumular-se reservas
cambiais; observa-se a entrada de capitais privados norte-americanos
após longo período de desinteresse. A retomada do nível de atividades
não esteve, também, dissociada das políticas fiscal, monetária e
creditícia claramente expansionistas adotadas pelo governo a partir de
1942.
Além disso, a decisão de se fundar a primeira usina siderúrgica integrada
brasileira, a partir de 1941, é ponto crucial na medida em que reorientou, de maneira
efetiva, a forma de atuação do Estado brasileiro, o fazendo transitar “(...) da arena
normativa da atividade econômica para a provisão de bens e serviços” (Abreu,
1989:91).
Não deixa de ser significativa, contudo, a emergência de uma série de órgãos e
conselhos técnicos com função de assessoramento do poder público durante todo o
2
Gomes (1981), inclusive, propõe que esta concepção de uma Era Vargas que, desde o princípio, seguisse
uma mesma direção inquestionável é muito mais o fruto de uma construção discursiva estado-novista que,
necessariamente, o reflexo da realidade. Assim, a autora apostará em fases distintas dentro da arena
pública, ora sob o predomínio do pensamento político liberal, ora sob o predomínio do pensamento
antiliberal. Essa divisão seria fruto, ao cabo, da força política de grupos distintos que, em cada momento,
conseguiram canalizar suas reivindicações com maior ênfase na arena pública. Assim, se o período entre
1930 e 1932 é caracterizado pela autora como uma etapa de profunda contradição sobre os rumos
institucionais, o período entre 1933 e 1937 se define pela premência liberal, consagrada, inclusive, na
Carta Constitucional de 1934. Já a partir de 1937, do Estado Novo e da nova Carta Constitucional, os
rumos institucionais se definiriam, até o final da primeira Era Vargas, pela presença do autoritarismo.
3
É evidente que os desdobramentos da II Guerra Mundial, e as necessidades de política externa norteamericanas, são pontos essenciais para se compreender esta reorientação (Abreu, 1989).
período compreendido pelo primeiro Governo Vargas (Draibe, 1985). Também é
sugestivo que, muito embora a agenda econômica nacional estivesse lastreada nos
rumos da economia mundial, e que no que tange às indefinições políticas pudessem ser
perceptíveis marchas e contramarchas que impedissem a concretização de um só e
homogêneo projeto, a emergência desses órgãos e conselhos técnicos tenha sobrevivido
a todas essas fases e descontinuidades. Conquanto, na maioria dos casos, com pouca
contribuição efetiva por parte desses no que concerne à concretização de suas propostas,
a existência desses espaços indica a consolidação, no aparelho estatal, de uma estrutura
que gradativa, mas efetivamente, indicava para a importância do planejamento, da
técnica e do desenvolvimento industrial brasileiro como questões a serem enfrentadas,
de forma definitiva, pelo poder público4.
O ano de 1942 também será importante dada a fundação da Coordenação da
Mobilização Econômica que, conforme Ianni (1979), se caracterizará como um
superministério para a coordenação dos assuntos econômicos, financeiros, tecnológicos
e organizatórios da economia nacional. Segundo o autor (1979:50-1),
(...) pouco a pouco a idéia e a prática da planificação são incorporadas
à política econômica governamental. (...) A verdade é que as mesmas
crises e transformações que afetavam o sistema econômico-social e
político (as quais puseram em evidência as limitações do subsistema
capitalista brasileiro) criaram também as condições para a elaboração
de novas técnicas de ação.
A queda de Vargas, em 1945, e a eleição de Dutra, não obstante possa
representar uma reorientação no tocante aos rumos da política econômica estatal até
1947, não parecem representar uma inflexão efetiva no papel do Estado, no Brasil, nos
rumos do desenvolvimento econômico. De acordo com Vianna (1989), embora o
princípio do Governo Dutra tenha apresentado uma tendência ortodoxa, procurando
inserção em um mundo organizado de acordo com os princípios liberais de Bretton
Woods, a partir de 1947 e dos reflexos da Doutrina Truman, esse governo também teria
dado prosseguimento à agenda de desenvolvimento econômico em que o Estado e o
planejamento ganhavam centralidade. Para Vianna (1989:116), “ (...) o Governo Dutra
4
Torna-se premente que se ressalte, contudo, que não se apresenta a importância do corpo técnico na
arena pública, a partir de 1930, como exclusiva. Mesmo dentro dos conselhos e departamentos técnicos, a
presença de industriais e bacharéis em direito era marcante. O que se pretende ressaltar é a importância
destes órgãos e de suas agendas específicas, em que pese não apenas definidas por técnicos. A respeito da
participação dos industriais nos rumos do poder público brasileiro a partir de 1930, ver Diniz (1978).
revela, de certo modo, sua preocupação de dar seguimento à acumulação industrial e à
manutenção dos investimentos iniciados no Estado Novo (...)”5.
Do mesmo modo, o retorno de Vargas ao poder, em 1950, não caracterizará,
necessariamente, uma guinada de cunho nacionalista e desenvolvimentista6. Antes, será
a continuação de um estratagema do poder público voltado para o desenvolvimento
econômico nacional ligado aos ditames da economia mundial, mesmo que, em seus
primeiros dois anos, tenha adotado uma política ortodoxa de estabilização financeira e
monetária (Vianna: 1989)7.
Deve-se ponderar também que, a partir do advento da CEPAL e da formulação
da tese estruturalista, houve um incentivo musculoso ao planejamento nas economias
latino-americanas. Por certo, esse será um elemento sine qua nom na orientação do
poder público nacional, especialmente na transição do governo Vargas para o Governo
de Juscelino Kubitschek em que, com o Plano de Metas e o Conselho de
Desenvolvimento, se possibilitou uma agenda de planejamento econômico que, ao cabo,
concretizou boa parte das metas planejadas no espaço de tempo proposto (Lafer, 2002;
Faro & Silva, 2002), em que pese, segundo Ianni (1979), tenha sido responsável menos
por constituir uma via de desenvolvimento capitalista nacional e mais por ser um
5
Embora essa hipótese não seja consensual, acreditamos que a análise dos dados econômicos do governo
Dutra, a partir de 1947, representam uma importante contribuição no que concerne à leitura produzida,
por parte da historiografia, acerca deste governo. Segundo dados trabalhados por Vianna (1989), a alta na
cotação do café, no mercado mundial, oxigenou a economia brasileira que desde 1947 havia estabelecido
um sistema de controle das importações voltado exclusivamente ao intuito de racionar a pouca quantidade
de moeda estrangeira. Para o autor, esse sistema teve grande importância na promoção desenvolvimento
industrial por substituição de importações, no período. Em sentido oposto encontra-se, por exemplo, a
argumentação de Ianni (1979) que, de um modo geral, acredita que o Governo Dutra representou um
interregno entre o primeiro e o segundo governo Vargas, chegando mesmo a afirmar que “a
industrialização verificada nesses anos [do Governo Dutra] era um processo em curso, a despeito das
ações e omissões do poder público”(1979:99).
6
Ianni (1979) defende que o segundo governo Vargas foi o último momento em que se pretendeu
consolidar um capitalismo cujo centro decisório fosse interno. Em sua argumentação, propõe que o
nacionalismo econômico deste período fundava a percepção de que seria possível se fundar um
capitalismo nacional no Brasil. Para Vianna (1989), entretanto, tanto a política monetária e financeira
ortodoxa dos dois primeiros anos do segundo governo Vargas como o abandono de alguns projetos
ligados à Comissão Mista Brasil- Estados Unidos deve-se não ao predomínio de uma corrente
nacionalista expressiva. Antes, as causas decisivas destas mudanças teriam sido “a mudança de governo
nos Estados Unidos [com a eleição de Eisenhower]; a tentativa do Banco Mundial de exercer uma função
tutorial sobre a política econômica dos países demandantes de crédito, assim como o conflito entre essa
instituição e o Eximbank (...) e o colapso cambial do país, que forneceu pretexto para a mudança de
atitude do Banco Mundial” (Abreu, 1989:132).
7
Segundo destacar-se-á adiante, a questão do planejamento econômico e as possibilidades de intervenção
do Estado na arena econômica são elementos que em nenhum momento, a partir de 1930, seguiram uma
linha coesa de argumentação e prática. O pensamento desenvolvimentista, portanto, se se caracteriza por
definir esta agenda, também se constrói na divergência de interesses que, em maior ou menor grau,
defendem a intervenção e o planejamento estatal, a aplicação ou não do capital estrangeiro, o macro
planejamento ou a planificação setorial. A respeito ver Bielschowsky (1995).
importante redefinidor da inserção da economia brasileira no desenho do capitalismo
mundial, reforçando o seu caráter dependente. O colapso do populismo como alternativa
política viável (Ianni, 1979) aliado à crise do modelo desenvolvimentista brasileiro
(Martins, 1968) engendra o final de uma etapa de aceleração do desenvolvimento
industrial, reorientando os modelos político e econômico que, com o Golpe de 1964,
assumem perfis diferenciados dos pregressos.
Esse breve sumário acerca dos caminhos da economia brasileira a partir da
década de 1930 se nos mostra importante na medida em que realça tanto a relevância
que, aos poucos, a perspectiva do planejamento assume nos cenários político e
econômico nacionais bem como demonstra a primordialidade que a industrialização
passa a assumir na mentalidade brasileira. É nesse sentido que, conforme Bielschowsky
(1995), a problemática do desenvolvimentismo se forjará no Brasil. Evidentemente,
contudo,
não
de
maneira
única
ou
homogênea;
antes,
dividindo
os
“desenvolvimentistas” em ao menos três grupos: desenvolvimentistas do setor privado8;
desenvolvimentistas do setor público não-nacionalistas9 e desenvolvimentistas do setor
público nacionalistas10. Além disso, também segundo esse autor, a plataforma
desenvolvimentista define, por oposição, a corrente de pensamento neoliberal brasileira
(à direita do desenvolvimentismo) e a corrente socialista (à esquerda do
desenvolvimentismo).
De um modo geral, o que definiria as correntes desenvolvimentistas seria a
importância do planejamento econômico visando a um processo ampliado de
industrialização, embora o grau de atuação e intervenção do Estado e a posição maior
ou menor do capital estrangeiro no processo delimitassem as principais divergências
entre as correntes.
Se houve um fortalecimento, a partir de 1930, do papel do Estado na condução
da economia brasileira, e se esse processo pode ser compreendido como o espaço de
construção e engrandecimento de uma plataforma desenvolvimentista, torna-se
8
Grupo composto pela burguesia industrial brasileira, favorável ao planejamento estatal e ao
investimento estrangeiro controlado, mas reticente em relação à intervenção estatal no setor produtivo.
9
Grupo composto por técnicos do setor público, prioritariamente oriundos do BNDE e da Comissão
Mista Brasil-EUA, favorável ao planejamento parcial da economia, favorável ao investimento
estrangeiros, tolerante a empresa estatal quando capital privado (nacional e estrangeiro) não mostrasse
interesse.
10
Grupo compostos por técnicos do setor público, oriundos do Clube dos Economistas, do BNDE, do
ISEB e da CEPAL, fortemente favorável ao planejamento geral e ao planejamento regional, fortemente
favorável à empresa estatal, reticente ao investimento estrangeiro que deveria, exclusivamente, ser
aplicado fora das áreas de serviço público e mineração e, inclusive, rigidamente controlado. Para esta nota
e para as notas 8 e 9, ver Bielschowsky (1995: 242-3).
importante investigar como que, em paralelo ao processo nacional, a idéia de
planejamento econômico, industrialização e, enfim, de desenvolvimentismo foi
trabalhada nas esferas econômicas regionais. Mais especificamente, como foi
interpretado e ressignificado esse desenvolvimentismo em situações regionais
periféricas em relação ao centro dinâmico do processo nacional. É nesse sentido que se
sugere, aqui, a investigação das questões específicas de Minas Gerais e da importância
que temas como planejamento econômico estatal e industrialização assumiram no poder
público regional. E isso não apenas para considerar como as questões nacionais podem
ter influenciado o debate e a condução da coisa pública regionalmente, mas, também,
como o contrário pode ter ocorrido. Ou seja, como determinados arranjos institucionais
característicos do processo regional podem ter influenciado, e se influenciaram, o plano
federal.
Essa perspectiva de investigação tende a se justificar dadas as especificidades de
Minas Gerais no arranjo econômico nacional e, especialmente, dada a realidade
econômica regional desde os anos finais do século XIX, período sobre o qual se fará, na
seqüência, rápida digressão.
II
De um modo geral, a economia de Minas Gerais na passagem do século XIX
para o século XX pode ser caracterizada por uma profunda crise. Não obstante a
historiografia venha apontando para um cenário, no século XIX, de acomodação
evolutiva da economia regional (Libby, 1988), em que as relações comerciais (Chaves,
1999) e a produção agropecuária (Almeida, 1994) tenham conseguido diminuir o
impacto da crise da mineração em fins do século XVIII, a crise da cotação do café, em
1897, veio demonstrar a fragilidade do arranjo regional. A realidade política
fragmentada de um amplo território, definido pela variedade produtiva e pela baixa
produtividade das diversas regiões, pelo problema de uma crescente migração
populacional e pela profunda desarticulação de suas elites regionais demonstram, de
forma bastante elucidativa, que a situação de atraso econômico verificada pelos
discursos oficiais era, principalmente em relação ao cenário paulista, bastante
acentuada.
Assim, as articulações políticas forjadas quando do advento republicano, e que
resultaram na formação do Partido Republicano Mineiro (PRM), refletem não apenas as
necessidades políticas específicas de se estruturar uma organização que se inserisse,
com sucesso, no arranjo institucional republicano que, em nível federal, se desenhava.
Representavam, também, a necessidade de se potencializar as forças produtivas para
que, no cenário nacional, contando com a maior bancada de deputados, tivesse força
suficiente para influenciar nos rumos nacionais. Ou seja, à perda do poder político
somava-se uma perda de poder econômico, enfatizando um quadro de atraso, em relação
a São Paulo que, na ordem política, possuía menor bancada legislativa (Mello, 1997). É,
portanto, eivada por uma intencionalidade política e por um viés econômico que a
questão do atraso relativo de Minas, em relação a São Paulo, e a questão migratória (que
diminuía a oferta regional de mão-de-obra, mas que, também, subtraía eleitores do
maior colégio eleitoral do país – o mineiro) tornam-se problemas centrais na
argumentação das classes conservadoras11 de Minas Gerais.
Também por uma articulação de interesses políticos e econômicos que, a partir
de então, as elites regionais se unirão no entorno de um projeto minimamente coeso de
desenvolvimento regional. Se eram, como assinalou Guimarães Rosa, muitas Minas e
várias Gerais, a construção de Belo Horizonte, inaugurada em 1898, veio fazer das
Minas e das Gerais, Minas Gerais (Bomeny, 1994). A nova capital se demonstraria vital
para o projeto político-econômico das classes conservadoras mineiras, na medida em
que se apresentava como uma edificação política (posto que, segundo Mello, 1997,
representava o ideal do progresso que se objetivava imprimir como um tipo muito
específico de republicanismo em Minas), assim como uma realização econômica que,
no centro da região, congregasse as diferentes áreas do “mosaico mineiro”, interligandoas definitivamente por meio da nova e moderna capital (Dulci, 1999).
Ao lado da construção de Belo Horizonte, um segundo marco da unificação dos
interesses regionais a partir do final do século XIX foi o I Congresso Agrícola,
Industrial e Comercial (CAIC), realizado em 1903, e que, segundo Bomeny (1994), será
a inauguração efetiva de Belo Horizonte, na medida em que, ao reunir na cidade os
diversos setores políticos e econômicos mais proeminentes de Minas Gerais, construiu,
simbolicamente, a certeza de uma cidade vocacionada para a unificação dos interesses e
voltada para o progresso econômico regional.
Nesse sentido, estavam representadas, no referido evento, a maioria das cidades
de Minas, todas as suas regiões e, naturalmente, a gama de interesses diversos das
classes conservadoras locais buscando, então, a formulação de um conjunto de
11
O termo “classes conservadoras” era constantemente utilizado, em discursos oficiais e documentos,
para definir a elite econômica e regional mineira.
interesses das classes conservadoras mineiras como um todo. A própria preparação do
evento, realizada por uma “Comissão Fundamental”12, desde ao menos um mês antes de
sua realização, oferece mostras dessa diversidade de interesses. Na pauta dos debates
realizados por essa comissão, ocorridos no plenário do Senado Mineiro, e que
encetariam as principais preocupações do próprio Congresso, encontram-se temas como
mineração, trabalho, impostos, café, instituições bancárias, indústrias manufatureiras e
indústria pastoril.13
Realizado pelo poder público, sob a presidência de Francisco Salles, e presidido
pelo ex-presidente do Estado, João Pinheiro da Silva, o I CAIC caracteriza uma inflexão
nos rumos da economia mineira. De suas considerações finais sobressaem ao menos três
pontos centrais: um projeto de diversificação produtiva (sem, com isso, se abandonar a
cultura do café); uma proposta de modernização agrícola e, por fim; a perspectiva de
uma política mineral arrojada. Além disso, um ponto também significativo é a
emergência do papel do poder público entendido como um agente privilegiado na
concepção e na condução dos projetos de desenvolvimento econômico, não obstante
essa participação fosse apresentada, pelo Congresso, como essencialmente indireta,
incentivando a organização de cooperativas e associações classistas.
Segundo Dulci (1999), o I CAIC proporcionou uma agenda para que, por
conseguinte, o poder público regional pudesse se nortear intentando satisfazer os
interesses do conjunto das forças produtivas mineiras mas que, também, pudesse fazê-lo
de forma sistemática e planejada. Uma série de medidas foi tomada pelo Estado, a partir
do evento, diretamente relacionadas às suas considerações finais. Do mesmo modo, é a
partir de seus desdobramentos que se funda a Revista Mineira de Agricultura (1909),
preocupada com a difusão de conhecimento técnico apto a melhorar e modernizar a
produção agrícola, bem como se organiza, em 1909, a Sociedade Mineira de Agricultura
(SMA), principal entidade classista de Minas até, ao menos, a fundação da Associação
Comercial de Minas (ACM) e da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
(FIEMG), ambas em fins da década de 1920. Também será a partir do Congresso de
12
A Comissão Fundamental responsável pela organização do evento era composta por João Pinheiro da
Silva (advogado), Joaquim Monteiro de Andrade, João Ribeiro, Carlos Sá Fortes, Francisco Mascarenhas
(coronel), Ignácio Burlamaqui (coronel) e P. Chalmers (industrial). Ainda estamos pesquisando a
ocupação daqueles que não a apresentamos. “Minas Gerais”: nº 86, ano XII, 15/04/1903, p.1.
13
Ver “Minas Gerais”: nº 83, ano XII, 09/04/1903, p.1; nº 85, ano XII, 11,12,13,14/04/1903, p.1; nº87,
ano XII, 16/04/1903, p.1; nº88, ano XII, 17/04/1903, p.2; nº89, ano XII, 18/04/1903, p.1; nº91, ano XII,
20,21/04/1903, p.1; nº 93, ano XII, 24/04/1903, p.1; nº94, ano XII, 25/04/1903, p.2; nº95, ano XII,
26/04/1903, p.2; nº96, ano XII, 27/04/1903, p.1. Nessas edições os temas foram apresentados e um
primeiro estudo sobre cada um deles foi publicado.
1903 que a perspectiva do ensino técnico agrícola tornar-se-á uma preocupação de
Estado, conforme salienta Faria (1992).
A eleição de João Pinheiro novamente à presidência do Estado, em substituição
a Francisco Salles, indicou, por conseguinte, o desejo das elites regionais de, por meio
de uma reestruturação do poder público, promover a pauta do I CAIC ao centro das
preocupações políticas e econômicas de Minas. A morte prematura de João Pinheiro,
ainda no princípio de sua gestão, contudo, impediu a aceleração do processo que sua
eleição indicava. Advogado de formação, embora tendo cursado metade do curso de
engenharia de minas na Escola de Minas de Ouro Preto (EMOP), e industrial do ramo
de cerâmica, João Pinheiro trazia consigo traços republicanistas, segundo Bomeny
(1994). Nesse sentido, boa parte do que propunha o Congresso de 1903 refletia, ao
cabo, o ideário de Pinheiro, seu presidente.14
A variedade dos temas abordados nos diversos grupos de trabalho organizados
no I CAIC, portanto, ao lado das considerações finais desse, que diagnosticavam um
quadro sombrio da economia regional e prescreviam ação firme do poder público, não
deixa de ser significativo do quanto a mobilização mineira em torno do
desenvolvimento econômico da região pressupunha certo grau de planejamento e
atuação sistematizada. As conclusões de que se precisava, para a dinamização da
economia regional, de uma modernização agrícola, de uma diversificação produtiva e
de uma política mineral arrojada (Dulci, 1999)15, somadas à idéia de que caberia ao
poder público regional o incentivo e a organização dessas propostas são elementos
fundamentais para que Dulci (1999 e 2005) aponte para esse evento como o fundador de
um desenvolvimentismo mineiro.
14
Especialmente questões como o cooperativismo e o associativismo.
É importante ressaltar quanto ao ponto relativo à política mineral que, em certo sentido, este é um traço
bastante original do caso mineiro. Em primeiro lugar por que antecede uma discussão que, até aquele
momento, não se colocava nem em âmbito federal. Deve-se considerar, por exemplo, que a primeira Carta
Constitucional republicana não trata da questão da propriedade ou exploração do subsolo brasileiro e que
a primeira comissão federal efetivamente voltada para o tema data de 1909 (Serviço Geológico e
Mineralógico Brasileiro). Dado que a maioria absoluta dos quadros do SGMB era composta por ex-alunos
da Escola de Minas de Ouro Preto (Carvalho, 2002), que boa parte destes engenheiros atuaram no I CAIC
como assessores técnicos dos grupos de trabalho e que será um ex-aluno da Escola, João Pandiá
Calógeras, o autor da primeira legislação acerca do direito à exploração do subsolo brasileiro (Carta de
Minas, 1915), pode-se mensurar a importância que esta instituição terá, seja nas questões de mineração e
siderurgia, em escopo federal e regional, e, principalmente, no que concerne ao caráter da atuação estatal
em relação às questões mineralógicas e siderúrgicas. Acerca dessa questão tratar-se-á adiante de forma
mais detalhada.
15
Cabe ressaltar que se a construção de Belo Horizonte e o I CAIC são marcos
desse suposto desenvolvimentismo regional, e se decorrem das necessidades específicas
surgidas em quadro de crise da economia mineira, concomitantemente também podem
ser percebidos como frutos de um elemento importante que, a partir do princípio do
século XX, caracterizará a atuação das elites regionais: a emergência, segundo Barbosa
(1993), de uma elite técnica, portadora de uma visão divergente da até então
consolidada e que, no limite, significou a introdução de um novo agente na cena pública
definindo, inclusive, o princípio de um processo de mobilidade social no seio da elite
regional16. A isso se pode somar, também, uma mentalidade de tipo burguesa que,
conforme salienta Dutra (1989), embora não se fizesse hegemônica, passava a orbitar o
poder público mineiro desde então.
Para Barbosa (1993), o vetor responsável pela emergência desse pensamento de
corte industrializante e moderno, no período aqui apresentado, foi a Escola de Minas de
Ouro Preto (EMOP). Fundada em 1876 por D. Pedro II, e organizada e dirigida até 1892
pelo professor francês Claude Henri Gorceix, essa instituição se firmará, ao longo do
tempo, como um dos principais centros de definição do desenvolvimento econômico
regional, sendo contribuinte importante também da formação dos quadros técnicos em
nível federal. Nesse sentido, não deixa de ser sugestivo que, quando da fundação da
Escola, o professor Gorceix tenha afirmado que
Em todas as éphocas e em todos os povos a exploração das riquezas
mineraes enterradas no sólo tem sido objecto da mais viva solicitude
do governo; e com effeito, bem merece tamanha attenção... é obvio
que todo governo tem o mais subido interesse em ver o subsólo
estudado com o maior cuidado, e certificar-se de que as minas são
exploradas de modo mais vantajoso para o thesouro publico, como
para os interesses dos particulares. Para attingir a esse duplo fim, é
indispensavel que o Estado possa dispôr de engenheiros de minas
capazes de dirigir as explorações metallurgicas e de se entregarem às
pequizas e aos estudos necessarios ao desenvolvimento dessa
industria. (GORCEIX, 1875 APUD Revista da Escola de Minas).
Desde sua fundação, a Escola de Minas colaborou, ao menos no âmbito
discursivo, em princípio, com uma reorientação das elites regionais. É bastante
significativo que Gorceix chame a atenção para a importância do Estado e das pesquisas
mineralógicas, sobretudo se consideradas duas questões. A primeira, a de que a Escola
se funda em um momento em que a mineração não representava um problema efetivo
16
Para a autora “os engenheiros tornam-se o paradigma de uma nova linhagem de intelectuais da elite.
Isso acontece justamente por que, no novo arranjo das forças produtivas que começa a se instalar, sua
posição é estratégica: esses profissionais são os agentes portadores dos conhecimentos mais adequados,
mais próximos do núcleo fundador da legitimidade do arbítrio cultural que vai se tornando dominante (a
ciência e a técnica)” (Barbosa, 1993:45-6).
para as elites regionais, havendo inclusive certa má-vontade para com a questão por
parte dos grupos políticos e econômicos proeminentes ao fim do período imperial. Para
Carvalho (2002), a EMOP teria surgido mais por vontade política de Pedro II que,
necessariamente, por uma necessidade econômica da região. A segunda questão é a de
que tanto a Escola como seu diretor, Gorceix, sofrerão uma forte oposição no cenário
político regional, provavelmente decorrente daquilo que se considerou como primeira
questão17.
Não obstante as dificuldades iniciais, já no princípio do século XX a Escola,
então já com mais de 25 anos de pesquisas e com vários engenheiros nela graduados,
passa a ter uma influência ampliada no pensamento regional. É importante ressaltar,
entretanto, que a assimilação pelo poder público dos quadros técnicos oriundos da
Escola de Minas somente acontecerá de forma lenta e assistemática, ao menos, até 1933
(Barbosa, 2005). Na mesma medida, boa parte do programa de planejamento e ação
concebido a partir do I CAIC apenas gradual e lentamente será efetivada ao longo das
três décadas subseqüentes à sua proposição (Dulci, 1999). O predomínio da perspectiva
liberal no âmbito nacional, além das próprias descontinuidades no poder público
regional podem ser elementos que expliquem essa dificuldade de concretização. Mesmo
assim, é relevante a observação da importância da indústria siderúrgica no
desenvolvimento industrial mineiro, especialmente na década de 1920 (Diniz, 1981)18,
assim como também são significativos os esforços do governo estadual de implantação
17
Não deixa de ser curioso, portanto, que o I CACI coloque, entre suas preocupações centrais a questão
mineralógica.
18
Deve-se, inclusive, considerar que o desenvolvimento dessa indústria siderúrgica mineira na década de
1920 se relaciona a dois elementos: o apoio do poder público regional em alguns casos (como o da
instalação da Indústria Siderúrgica Belgo Mineira) e a participação de ex-alunos da Escola de Minas que
fundaram pequenas e médias usinas siderúrgicas no estado (caso, por exemplo, da Usina Gorceix,
fundada por Euvaldo Lodi). É preciso ressaltar, também, quanto ao apoio estatal às usinas siderúrgicas
nesse período, que este é um esforço que se insere em um problema maior. Dada a exploração do subsolo
mineiro pela companhia estrangeira Itabira Iron Co. que, desde meados da década de 1910 propunha-se à
exploração do minério de ferro regional, exportando-o e não o beneficiando em Minas Gerais, motivou o
poder público a deflagrar uma intensa campanha contrária à empresa. Principalmente no Governo Artur
Bernardes, tanto no plano federal como no estadual, a empresa sofreu revezes importantes em seus
planos. Agente importante nessa questão será Clodomiro de Oliveira. Ex-aluno da Escola de Minas, seu
professor e diretor, Oliveira será secretário da Agricultura na gestão estadual de Bernardes, valendo-se do
cargo tanto para impulsionar usinas siderúrgicas, e não apenas empresas extrativas, no estado de Minas,
como para arregimentar apoios a sua causa. A campanha contrária à Itabira Iron será iniciada por
Oliveira, embora tenha contado com a participação de amplos setores técnicos regionais, especialmente
aqueles ligados à EMOP. O caso Itabira Iron é importante, também, por que divide o corpo técnico
regional já na década de 1920 e, essencialmente, por que será a partir da definitiva invalidação do
contrato assinado entre a empresa e o governo federal que, em 1937, as jazidas sobre sua responsabilidade
voltariam para o patrimônio da União. É na órbita dessa discussão que, inclusive, ganham tonicidade as
discussões sobre a Companhia Siderúrgica Nacional, embora este não seja fator exclusivo.
do ensino superior agrícola, definido no I CACI como propulsor privilegiado da
proposta de modernização agrícola regional (Faria, 1992)19.
Se Dulci (1999) considera que 1903 denota o surgimento de um
desenvolvimentismo mineiro, se se pode compreender esse período como o de uma
tendência a uma hipertrofia estatal precoce, em Minas, em relação ao Brasil, se se deve
considerar que muitas dessas questões foram mais discursivas que essencialmente
práticas, o ano de 1933 marcará, nesse sentido, uma reorientação fundamental do poder
público regional em que esses temas assumiram novos contornos.
O ano de 1933 marca a ascensão de Benedito Valadares como interventor,
nomeado por Getúlio Vargas, na arena estatal mineira. Assumindo um governo
financeiramente quebrado pela crise de 1929, cujo antecessor havia, em três anos,
nomeado seis secretários de finanças diferentes sem, com isso, minimizar a crise
regional, coube a Valadares a árdua tarefa de recompor a situação econômica do Estado.
Para tanto, nomeou um secretário especificamente para a questão financeira e outro para
o setor produtivo. Será Israel Pinheiro, ex-aluno da Escola de Minas de Ouro Preto,
aquele que, responsável pela Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio, Trabalho,
Viação e Obras Públicas20, congregará os esforços regionais visando à recuperação
produtiva de Minas Gerais. Para isso, em sua pasta abrigará boa parte dos quadros
técnicos mineiros, em sua maioria formados pela Escola de Minas, e em menor mas
importante parte formados pela Escola de Engenharia de Belo Horizonte.
A SAICT será um espaço de importância capital não apenas para a recuperação
econômica estadual. Antes, será fundamental como centro de reunião e de definição do
projeto de desenvolvimento regional. Será, nesse período, aliás, o embrião da
tecnocracia mineira (Diniz, 1981), demarcando 1933 como uma inflexão importante no
quadro político e econômico de Minas Gerais.
Entre 1933 e início de 1939, essa Secretaria organizará um planejamento de
desenvolvimento regional baseado na diversificação da produção agrícola e em sua
modernização, priorizando produtos que pudessem gerar, por decorrência, alguma
estratégia de industrialização. Nesse sentido, serão criados conselhos técnicos para a
19
É o caso, por exemplo, da fundação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV) que, a
partir de 1926, cumprirá um papel determinante no que concerne à tarefa de propiciar, ao homem do
campo, elementos efetivos para a modernização do seu trabalho. A respeito do caráter extensionista da
ESAV, ver Barbosa, 2004.
20
Esta pasta será transformada, em 1935, em duas: Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e
Trabalho (SAICT) e Secretaria de Viação e Obras Públicas (SVOP). A SAICT, entretanto, continuará
comandada por Pinheiro, ao menos até 1942.
cultura do fumo e do algodão, por exemplo, com projetos de industrialização desses
produtos dentro do próprio estado (Dulci, 1999).
A partir de fins de 1938 será iniciada a campanha pela grande siderurgia
nacional implementada em Minas Gerais, lançada pela Revista Mineira de Engenharia
por meio da publicação do documento “Siderurgia Nacional e exportação de minério de
ferro” (RME, vol.7, 1938). A essa campanha se ligou boa parte do corpo técnico
regional, embora o papel da Secretaria tenha sido mais discreto. Em linhas gerais, o
projeto mineiro previa a construção da grande siderurgia brasileira no Vale do Rio
Doce, região com altíssima concentração de minério de ferro, utilizando carvão vegetal
e energia elétrica complementar para a alimentação dos altos fornos. Além disso,
pressupunha que ao Estado deveria caber os investimentos e, principalmente, a
propriedade da empresa21. A defesa do projeto, que foi amplamente apoiado pela
incipiente burguesia mineira (Vieira, 1984), possuía um viés nacionalista e advogava,
por conseguinte, que seria a melhor forma de se resolver o problema siderúrgico
brasileiro (em um momento de expansão da necessidade de ferro no plano mundial,
dadas as necessidades emergentes com a Segunda Grande Guerra) na medida em que
também se caracterizaria como a maneira ideal de se resolver o problema da
industrialização de Minas Gerais, atacando assim a questão do atraso econômico
regional (Barbosa, 2005).
A definição do modelo de grande siderurgia no Brasil, que consagrou o Rio de
Janeiro e o coque mineral como escolhas do poder público para o tema, trouxe reflexos
importantes para Minas Gerais. Em primeiro lugar, desarticulou amplamente o corpo
técnico22 e a burguesia mineira que, por meio de suas instituições de classe e de
categoria (Sociedade Mineira de Engenheiros; Federação Industrial de Minas Gerais;
Associação Comercial de Minas etc), haviam defendido o projeto. Em segundo lugar,
condicionou o poder público mineiro a reorientar suas preocupações no sentido de
atender à demanda regional por desenvolvimento econômico. Mas, por seu turno,
21
Sobre o debate acerca da grande siderurgia brasileira e o modelo desenvolvido em Minas Gerais, e
defendido pelos técnicos mineiros, ver Conselho Técnico da Sociedade Mineira de Engenheiros.
Siderurgia Nacional e exportação de minério de ferro. Parecer. Revista Mineira de Engenharia. Ano 1.
Nº7. 1938.
22
A desarticulação do corpo técnico mineiro, no período, correspondeu a uma disputa profunda intra-elite
técnica a partir de então. Os desdobramentos desse processo serão sentidos nos projetos do poder público
e, essencialmente, no ostracismo a que foram relegados determinados atores, no que concerne à dianteira
decisória do processo de desenvolvimento regional. Deve-se ressaltar, inclusive, que a disputa técnica
aqui em tela teve como resultado o enfraquecimento da Escola de Minas de Ouro Preto como formuladora
de parte destes projetos, em detrimento de uma participação, a partir daí, gradativamente ampliada da
Escola de Engenharia de Belo Horizonte. A respeito, ver Barbosa (2005).
imprimiu a partir de então uma centralidade da industrialização como perspectiva de
desenvolvimento regional, colocando a questão agrícola em segundo plano23.
Em 1942, a SAICT passou a ser comandada pelo engenheiro Lucas Lopes, exaluno da Escola de Engenharia de Belo Horizonte. Uma das principais características da
gestão Lopes à frente da pasta será dar prosseguimento, ampliando e verticalizando, o
projeto de construção de uma grande cidade industrial no entorno de Belo Horizonte,
servida por farta infra-estrutura propiciada pelo investimento público, que atraísse
investimentos de capital privado24. A partir desse momento, serão intensificados os
estudos acerca das possibilidades de oferta de energia elétrica, preocupados com a
questão de sua produção e de sua distribuição. Essa será a base para a fundação, uma
década mais tarde e sob o governo estadual de Kubitschek, da Companhia Energética de
Minas Gerais (CEMIG), primeira empresa de capital misto brasileira e modelo para a
Eletrobras (Diniz, 1981; Dias, 1968).
Deve-se ponderar que, em linhas gerais, a gestão de Lucas Lopes à frente da
SAICT corresponde, em âmbito regional, ao cenário nacional que, conforme já foi aqui
salientado, se inflexiona a partir de 1942. Nesse sentido, a opção pela industrialização
privada e pelo papel do poder público de garantir infra-estrutura para o desenvolvimento
do capital privado em escopo regional pode ser compreendida em relação, também, à
expansão industrial brasileira e ao significativo aumento do investimento norteamericano na economia brasileira a partir de 1941 (Abreu, 1989).
Embora com um pequeno sucesso a princípio, os efeitos econômicos da cidade
industrial fundada em 1943 somente fizeram-se sentir na década seguinte. A partir de
1947, com a queda de Valadares e a chegada de Milton Campos, udenista e crítico da
gestão valadarista, ao governo estadual, assumirá a Secretaria de Agricultura o também
ex-aluno da Escola de Minas, Américo Giannetti. Sua gestão será marcada pela
formulação do Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção. Segundo
Dulci (1999:78), o Plano “Foi, seguramente, a primeira experiência de macroplanejamento em escala regional no Brasil”.
23
Quadro que se alterará, como será discutido adiante, a partir de 1947.
Ressalte-se que, desde sua gestão a frente da SAICT, Lucas Lopes já defendia a idéia de planejamento
por parte do Estado, intentando o desenvolvimento econômico. Contudo, defendia que este planejamento
tivesse caráter parcial. Ou seja, defendia que pontos específicos da economia, tidos como insuficientes,
fossem priorizados pelo poder público, tornando-se, no futuro, aquilo que, a partir do Plano de Metas de
JK passou a ser conhecido por pontos de germinação. Esta perspectiva, conforme abordado na seqüência
deste texto, difere-se do caminho tomado regionalmente a partir de 1947.
24
Contando com as experiências anteriores, no âmbito da Secretaria, o Plano
Giannetti (como ficou conhecido) traçou um diagnóstico da economia regional,
buscando evidenciar o tipo de apoio que deveria caber ao poder público, em caráter de
investimento infra-estrutural inclusive, se definindo como uma estratégia que
identificasse o conjunto dos problemas e planejasse um conjunto de soluções, e se
caracteriza por ter trazido para o centro das discussões acerca do desenvolvimento
regional, a possibilidade de se constituir um modelo integrado em que indústria e
agricultura deveriam ser incentivadas e trabalhadas paralelamente. A superação do
atraso mineiro, portanto, voltava a ser pensada, também, pelo escopo agrário25.
A construção de um modelo integrativo de desenvolvimento regional, portanto,
era uma tentativa mineira de se concretizar uma estratégia alternativa ao modelo
nacional. O Plano Giannetti, por decorrência, cumpriu um papel importante na medida
em que arregimentou esforços visando à recuperação econômica regional, lastreada em
uma perspectiva de crescimento produtivo, na indústria e no setor agrário, que
desacelerasse a migração dos mineiros para outras regiões e que, principalmente,
propiciasse a superação do atraso de Minas em um arranjo endógeno de suas
possibilidades.
Além disso, é digno de destaque o tom “devastador” que preenche as páginas do
documento para o qual a economia mineira enfrentava um processo de esgotamento,
exposta que estava a perturbações, desprovida de meios de defesa. A população estava,
de acordo com o Plano, reduzida aos termos de profunda miséria, caminhando para o
pauperismo extremo. Metaforicamente, sugeria-se um dique ao processo de exaustão,
de esgotamento do nosso organismo econômico-financeiro. O poder público, por sua
vez, encontrava-se em processo de desaparelhamento. População, Estado, setor
produtivo, enfim, Minas Gerais e sua economia estavam, nas palavras do Plano de
Recuperação Econômica e Fomento da Produção, em pleno processo de exaurimento de
suas energias. Assim, afirma-se, “É fato inegável que a economia mineira está
25
Este é um elemento curioso e intrigante da gestão Giannetti. Américo Giannetti era, dos três secretários
aqui destacados, certamente o mais ligado ao setor industrial. Havia sido presidente da Sociedade Mineira
de Engenheiros e presidente da Federação Industrial de Minas Gerais. Diferentemente de Lopes, que não
era industrial ou de Pinheiro, que era industrial mas que não houvera tido uma participação exponencial
como representante de classe, Giannetti era um dos mais bem sucedidos industriais de Minas Gerais. Foi
dele a iniciativa da fundação da primeira companhia produtora de alumínio da América Latina, a
Companhia Saramenha de Alumínio, em Ouro Preto. A questão do apoio ao desenvolvimento agrícola
pode estar relacionada ao perfil udenista de Milton Campos e aos apoios recebidos quando de sua eleição
ao governo estadual.
desprotegida e abandonada à sua própria sorte” (PREFP, 1947: 7,8,9).26 Além dessa
tônica ser fundamental ao discurso produzido pelo Plano, será também importantíssima
para a argumentação de ao menos dois outros documentos fundamentais do
planejamento da economia regional no período em tela (e sobre os quais discorreremos
adiante): o “Plano de Eletrificação de Minas Gerais” (1950) e o “Diagnóstico da
Economia Mineira” (1968).
Voltando ao Plano, entretanto, a tentativa integrativa será frustrada quando da
eleição de Kubitschek ao governo do Estado, em 1950, denotando uma segunda
inflexão no cenário mineiro. A partir de então, o centro da dianteira decisória do
processo de desenvolvimento regional e o espaço de congregação do corpo técnico
mineiro deixam de ser a Secretaria de Agricultura que será, segundo Dulci (1999),
fortemente esvaziada. Assumem relevo, nesse sentido, as agências técnicas específicas
para a condução dos pontos a serem desenvolvidos. Concomitantemente, o abandono da
perspectiva de macroplanejamento regional impõe uma agenda setorizada, de
planejamento e atuação do poder público mineiro.
A partir da definição dos pontos de estrangulamento regionais, potenciais pontos
de germinação futuros, a gestão JK em Minas será caracterizada por dois fatores. O
primeiro, pela escolha do poder público regional pela especialização industrial,
dirimindo gradativamente a importância do setor agrário como ponto de investimento
do Estado. Assim, a escolha de dois pontos-chave para a atuação do governo revela a
tendência à industrialização regional: o Binômio Energia e Transportes. O papel
secundário assumido então pela Secretaria de Agricultura, a ênfase na construção e na
pavimentação rodoviária, pensada como crucial para o escoamento, especialmente, da
produção industrial, e a fundação da CEMIG, geradora e distribuidora de energia
elétrica abundante para a indústria se instalar em Minas Gerais, são pontos sugestivos
dessa etapa de especialização industrial regional. Concomitantemente, a estratégia
política para a concretização do Binômio também se demonstra importante, sendo o
segundo fator a caracterizar a gestão JK no plano estadual. Ao esvaziar a Secretaria de
Agricultura, o governo Kubitschek priorizou grupos administrativos paralelos ao poder
público, conciliando, assim, os interesses tradicionais institucionalmente representados
e os interesses técnicos e administrativos nas estruturas paralelas. Essa característica,
por sinal, será amplamente adotada em âmbito federal, quando da organização do Plano
26
As palavras em itálico, nesse parágrafo, correspondem a expressões utilizadas na “Exposição
Preliminar” do Plano, entre as páginas 7 e 9, para designar a situação econômica mineira no período.
de Metas, sendo, aliás, evidenciada como estratégia fundamental para o seu sucesso
(Benevides, 2002).
A partir da década de 1950, por decorrência, a perspectiva do planejamento da
economia regional e do desenvolvimento industrial mineiro ganham tonicidade. A
importância da CEMIG, nesse sentido, será fundamental na medida em que passou a ser
o vetor do corpo técnico regional, tendo sido, ainda, a responsável pela fundação do
Instituto de Desenvolvimento Industrial (INDI), órgão vital, a partir da década de 1960,
para a promoção da industrialização mineira.
Com o advento do governo Magalhães Pinto, na primeira metade da década de
1960, a perspectiva do desenvolvimento industrial e do planejamento e financiamento
estatal se amplia, principalmente, com a fundação do Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais (BDMG), em 1962. Segundo Dulci (1999), o BDMG denota uma inflexão
importante nos rumos do desenvolvimentismo mineiro, na medida em que promove a
transição da dianteira decisória do processo, no que tange ao corpo técnico, da
influência da categoria profissional do engenheiro para a da categoria profissional do
economista.
Segundo Diniz (2002), o BDMG será vital para os novos rumos do
desenvolvimentismo regionalmente, na medida em que se debruçou sobre o problema
do atraso relativo de Minas Gerais de forma sistemática. Em dois momentos essa
preocupação mostrar-se-á latente. O primeiro, em 1965, quando o Banco organiza o I
Congresso Brasileiro de Desenvolvimento Regional, em que elabora o documento
“Ensaios de Desenvolvimento Regional”. O segundo, e mais importante momento,
quando elabora e publica, em seis volumes, o “Diagnóstico da Economia Mineira” que,
segundo Diniz (2002:118-9) “sistematizou as interpretações acerca do atraso
econômico de Minas Gerais”, propiciando a arregimentação de ampla equipe técnica
que, para o autor, tornou-se primordial em detrimento da classe política.
A visão panorâmica que aqui se resenhou, seja a respeito das questões mineiras
seja no tocante ao quadro nacional, revela, em princípio, algumas considerações
importantes. Primeiramente, expõe a conexão entre momentos específicos da economia
nacional e estratégias regionais de desenvolvimento econômico. Em segundo lugar,
salienta uma suposta e precoce vocação mineira para a intervenção estatal,
vislumbrando o desenvolvimento econômico regional e a superação de seu atraso
relativo. Sugere ainda uma participação efetiva, e também precoce, das categorias
profissionais técnicas (especialmente da categoria profissional do engenheiro) tanto na
atuação na arena pública estatal como no debate acerca dos rumos do desenvolvimento
regional. Aliás, uma participação decisiva e, em relação ao quadro nacional, ampliada.
Além disso, apresenta certa homogeneidade entre as elites regionais que, desde o final
do século XIX, teriam sabido utilizar a conciliação como uma estratégia crucial de
manutenção da ordem vigente. Ou seja, parece ter havido um fio condutor, na maioria
das vezes homogêneo, entre os interesses regionais (econômicos e políticos) que, a
partir do princípio do século XX, teriam norteado a ação do poder público regional
intentando o desenvolvimento econômico de Minas Gerais.
Muito embora alguns pontos específicos da agenda pública tenham se alternado,
conforme se tentou aqui observar, parece ter existido uma coesão entre as elites
regionais o que, ao cabo, teria condicionado o processo mineiro. Vieira (1984) aponta,
por exemplo, para um dado importante: a unificação de interesses variados se dava,
aliás, pelo perfil desses grupos regionais. Assim, por exemplo, boa parte das diretorias
da Sociedade Mineira de Agricultura contava com a participação de engenheiros e
industriais. Além disso, a influência das instituições de ensino de Engenharia, em
Minas, parece ter tido uma contribuição ímpar no que tange ao modo de agir do corpo
técnico regional, bem como demonstra ter contribuído nas características dos projetos
levados a efeito em Minas. Ao mesmo tempo, a participação de alguns quadros
regionais no plano federal, como o caso de Lucas Lopes ou o de Euvaldo Lodi, revela a
possibilidade de que alguns arranjos institucionais específicos do processo mineiro
tenham tido importância quando da efetivação de alguns elementos ligados ao
desenvolvimentismo brasileiro. É sugestivo pensar, por exemplo, que a organização de
grupos gestores paralelos ao poder institucional, quando da organização do Plano de
Metas, tenha sido testada no governo mineiro alguns anos antes tendo, aliás, o mesmo
Lopes à frente.
Se o quadro mineiro, por sua vez, pode ser compreendido como de uma suposta
homogeneidade, como se pode interpretar a disputa havida no bojo da elite técnica
regional, após a derrota do projeto siderúrgico mineiro? Ao se pensar nessa elite técnica,
como percebê-la como setor estritamente técnico se, em muitos e proeminentes casos,
representavam também interesses classistas, sendo industriais ou produtores agrários27?
27
Ver o caso de Giannetti, já aqui explicitado; ver Israel Pinheiro, engenheiro, Industrial e Secretário de
Estado; ver Pedro Rache, Industrial e membro do Conselho Federal de Comércio Exterior; ver Benjamin
Jacob, engenheiro e Prefeito de Belo Horizonte; Demerval José Pimenta, engenheiro, economista,
Secretário de Viação e Obras Públicas, presidente da Rede Mineira de Viação, Industrial; Euvaldo Lodi,
engenheiro, industrial, membro do Conselho Federal de Comércio Exterior, deputado federal, por Minas
Como se pode compreender, por exemplo, que tenha sido um grupo de juristas
mineiros, opositores a Valadares e ao seu governo, aqueles que redigiram o Manifesto
dos Mineiros, em 1943, e que é tido, por parcela considerável da historiografia, como o
estopim da crise política que derrubou Vargas, em 194528?
Pensando nas correntes desenvolvimentistas apresentadas para o quadro
nacional, por Bielschowsky (1995),
como
se pode entender um possível
desenvolvimentismo mineiro? Seria ele desligado completamente do quadro nacional?
Teria sido influenciado pelas correntes do desenvolvimentismo brasileiro ou, caso tenha
existido um modelo mineiro, esse teria influenciado, de alguma maneira, as correntes
desenvolvimentistas
nacionais?
Ao
mesmo
tempo,
como
explicar
que,
na
homogeneidade desse fio condutor do desenvolvimentismo mineiro, duas das principais
medidas de planejamento e desenvolvimento regional (o Plano Giannetti e a fundação
do BDMG) tenham emergido, justamente, durante a gestão de udenistas, em tese mais
propensos ao pensamento político neoliberal?
Para encaminharmos essa discussão, apresentar-se-á, na seqüência, o conjunto
de hipóteses que está sendo investigado na tentativa de lançar luz sobre os pontos ainda
obscuros do processo aqui resenhado para, por conseguinte, se discutir o relevo que os
planos de desenvolvimento econômico regional assumiu ao longo das primeiras décadas
em Minas.
III
As hipóteses que norteiam a pesquisa da qual aqui se trata podem ser
apresentadas na seqüência abaixo.
a) Pode ter havido, em Minas Gerais, a construção de um modelo específico de
desenvolvimento econômico, característico de uma região periférica, em que o
papel do poder público regional foi demarcado pela capacidade de planejamento
e intervenção nos ditames econômicos, desde o princípio do século XX;
Gerais por diversas gestões, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na década de 1940.
Estes são alguns exemplos selecionados dentre vários outros. Ver: A Escola de Minas. 1876-1966. Ouro
Preto, 1966. Este catálogo contém uma pequena biografia de todos os engenheiros formados pela
instituição.
28
Cabe ressaltar, nesse ponto, o recrudescimento apontado por Gomes (1994) na diferenciação entre uma
elite técnica e outra, ligada ao Direito. Para a autora, a década de 1930 verá emergir a “invenção da
tradição” do técnico como mais apto a prover o poder público de ação e racionalidade que o bacharel em
direito, cuja categoria profissional predominava na área da burocracia pública brasileira até então. Dada a
importância assumida pelo corpo técnico no poder público mineiro, cabe ponderar qual o papel assumido
pela burocracia tradicional, ligada ao direito, em Minas.
b) Se esse caráter específico do processo de desenvolvimento econômico de Minas
Gerais existiu, ele dificilmente pode ser pensado em processo de isolamento ao
que se propunha em escopo nacional, embora possa guardar especificidades;
c) Se esse modelo mineiro pode ser compreendido como desenvolvimentismo, ele
pode
ter
sido
diretamente
influenciado
pelo
debate
acerca
do
desenvolvimentismo brasileiro, e pode, também, ter fornecido contribuições
importantes no que concerne aos arranjos institucionais regionais formulados;
d) A existência de conexão entre interesses de técnicos, industriais e elite agrária,
em Minas, que muitas vezes se efetivava, também, no cruzamento das posições
dos representantes (sendo um engenheiro também um industrial e um
representante nas associações agrícolas), dificulta a definição precisa dos grupos
na órbita do Estado. Assim, tendo havido um desenvolvimentismo mineiro,
houve uma divisão de grupos desenvolvimentistas específicos no cenário
regional que podem ou não ser equiparados aos setores desenvolvimentistas
nacionais;
e) A formulação do Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção, em
1947 e a fundação do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, em 1962,
ambos sob governos ligados à União Democrática Nacional (UDN),
sensivelmente mais propensa ao pensamento neoliberal, podem representar a
existência de uma força amplificada dos quadros técnicos sobre os quadros
políticos regionais, baseada em uma matriz de pensamento em que o Estado e
sua participação na economia são fundamentais. E essa matriz pode ser
encontrada na formação ofertada pelas duas principais escolas de engenharia de
Minas no período proposto: a Escola de Minas de Ouro Preto e a Escola de
Engenharia de Belo Horizonte.
IV
Um dos elementos mais significativos da questão aqui abordada, em Minas,
provavelmente é a sucessão de planos regionais de desenvolvimento que, especialmente
a partir da década de 1930, vão se tornando mais presentes e, sobretudo, mais
aprofundados no que tange i) à capacidade de verticalização dos estudos e da análise
dos dados da economia regional, ii) à formulação de caminhos que ressaltem a
premência do poder público como centro definidor para o desenvolvimento econômico
mineiro, por meio de planejamento efetivo e iii) a constante definição de Minas Gerais
como região periférica, especialmente contida em seu desenvolvimento ou por seu
atraso interno ou pelos interesses externos que, em ambos os casos, minam qualquer
tentativa interna de progresso econômico e esvaziam qualquer política pública.
Assim, ao se observar a seqüência de planos em questão, mesmo que inserindo
os Anais do I Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de 1903, que nem foi um
plano propriamente – conquanto tenha sido fundamental na fundação de uma tradição,
como se salientou anteriormente, em que se sublinha o papel do poder público e do
planejamento da economia – pode-se perceber uma articulação e um diálogo entre todos
eles, mesmo que formulados e elaborados em gestões políticas distintas e opositoras.
Pode-se observar, a princípio, o projeto siderúrgico elaborado pela Sociedade
Mineira de Engenheiros que, conforme buscou aqui se salientar, estava diretamente
ligada ao poder público por meio da Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e
Trabalho, no governo de Valadares. Conquanto um projeto voltado para a implantação
da grande siderurgia nacional em Minas, não deixa de representar um estudo – mesmo
que parcial – da história da siderurgia brasileira, apresentando a relevância que a mesma
alcançou, sempre, para Minas. Ao mesmo tempo, representa um trabalho sobre a
importância coeva de tal produção siderúrgica na vida econômica mineira além de, por
conseguinte, ser efetivo no que toca ao apontamento do estado como principal definidor
da agenda de desenvolvimento siderúrgico a ser implantada a partir da possível
aceitação da proposta em questão, não sem antes se apontar ou o desinteresse do capital
privado – insuficiente quando nacional, e com outros interesses quando estrangeiro
(como a exportação do minério de ferro e não seu beneficiamento interno) – ou mesmo
a falta de empenho do empresariado nacional e, em especial, mineiro para tarefa de
tamanho vulto.
Já na gestão Milton Campos, conforme já aqui salientado, em posição política
muito distinta da de Benedito Valadares, tanto o Plano de Recuperação Econômica e
Fomento da Produção, elaborado pelos técnicos da Secretaria de Agricultura comandada
por Giannetti, como o Plano de Eletrificação de Minas Gerais, encomendado pela
mesma secretaria, mas produzido por companhia privada e comandado pelo exsecretário da Agricultura Lucas Lopes, são importantes registros do quadro econômico,
social e geográfico de Minas (especialmente o Plano de Eletrificação – documento em
seis volumes e muito dedicado à geografia econômica do Estado), bem como ressaltam
a importância do poder público e a leniência do empresariado local para a solução dos
problemas básicos exigidos pelo desenvolvimento econômico regional. A situação,
descrita sempre como caótica, requer sempre a ação pública como planejadora
consciente, uma vez que, de acordo com o Plano de Recuperação de 1947, na realidade
mineira da época
As fontes de produção e as atividades econômicas dispersamse pelo Estado, distanciadas umas das outras, sem comunicações nem
transportes fáceis; por isso, o nosso arcabouço econômico e financeiro
não se concentra, em proporções consideráveis, em nenhuma região
especial do Estado. Não há centralização de riquezas em determinadas
zonas capaz de influir decisivamente, pelo vulto e poder, nos destinos
econômicos da comunhão. (PREFP, 1947:7).
Mas, atente-se, não se propõe um estado que adentre, definitivamente, a esfera da
produção; antes, um poder público que permita a potencialização de uma economia que,
conforme se apreende do excerto acima, está desmotivada e, sobretudo, desarticulada.
Sugere-se, assim, que
IEntende o Estado que as atividades industriais deverão
processar-se sob o primado da iniciativa particular;
IIque a ele incumbe estimular a iniciativa, promovendo
medidas que lhe facilitem a ação;
IIIque lhe cumpre agir supletivamente, a fim de encorajar e
auxiliar a iniciativa privada;
IVque só deve intervir na atividade industrial onde a iniciativa
particular for omissa ou incapaz, limitada essa interferência às
indústrias fundamentais e de caráter básico. (...) (PREFP,1947:27).
É nessa perspectiva que se elabora o Plano de Eletrificação, em 1950. Eivado
pela mesma lógica de que o empresariado regional é frágil e pouco afeito à mudanças e
de que, quando insuficiente, o setor privado deveria ser substituído pelo setor público,
especialmente no tocante às obras infra-estruturais, o Plano reconstrói toda a história da
produção e da distribuição energética em Minas ao longo do tempo, buscando mostrar a
fragilidade de um sistema baseado nas pequenas usinas ligadas às unidades produtivas
específicas. Pautado pela noção de que é a eletricidade abundante que precede a
industrialização e não o contrário, o Plano de Eletrificação tonifica boa parte do
discurso elaborado por Lucas Lopes ainda quando secretário de Agricultura mas,
também, e substancialmente, formula documento de vulto capaz de ser o alicerce para
que, um ano depois, já na gestão JK – opositor a Milton Campos, ressalte-se – fosse
implementada a CEMIG.
A gestão JK no estado e, em especial, no governo federal, e as relações dessas
gestões com as experiências trabalhadas em Minas, sobretudo no tocante aos arranjos
institucionais regionais voltados ao planejamento econômico por parte do poder
público, tem sido nosso interesse mais direto, embora ainda em fase de pesquisa.
Poderíamos, nesse sentido, levar nossa discussão somente até o final do governo
Juscelino, no plano federal. Contudo, alguns elementos parecem sugerir a pertinência de
se observar um pouco além, especialmente a década de 1960. Nela estão situados,
historicamente, a fundação do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, em 1962 e
o lançamento do Diagnóstico da Economia Mineira, documento produzido pelo Banco
em 1968.
Ambos os elementos, conforme já se evidenciou neste texto, são fundamentais
para a década e ocorrem mesmo que nas descontinuidades. A primeira delas, a
substituição do governador udenista Magalhães Pinto, em 1965, pelo pessedista Israel
Pinheiro e, a segunda, mas não menos significativa, a culminância do golpe civil militar
de 1964. O Banco, enquanto agência de fomento ao desenvolvimento regional se
consolida já na primeira década de funcionamento e o Diagnóstico, que aqui nos
interessa
mais
objetivamente,
pode
ser
caracterizado
por
dois
elementos
complementares. Em primeiro lugar, é provavelmente o mais completo e aprofundado
estudo realizado em Minas Gerais acerca de sua história econômica, de seus problemas
de crescimento e de suas potencialidades naturais. Nesse sentido, se os Anais do I CAIC
são relevantes como fundadores de uma tradição regional ligada à formulação de
documentos arregimentadores da elite técnica e econômica mineira em prol do
desenvolvimento econômico, o Diagnóstico talvez tenha sido o momento definitivo,
conquanto final, dessa tradição. Assim, pode-se considerá-lo mais completo que todos
os demais (talvez a ele se compare, em aprofundamento e relevância, apenas o Plano de
Eletrificação), mais ambicioso que os anteriores e, nitidamente, o mais politicamente
orientado em sua análise sobre a estagnação da economia regional.
Que aos planos anteriores faltasse filiação teórica29, ou mesmo interesse em,
taxativamente, inserir suas análises no bojo do pensamento da economia brasileira essa
afirmação do Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção, concernente à
sua exeqüibilidade, parece evidenciar:
Não há gigantismo no conjunto das medidas preconizadas
[pelo Plano]: tudo se enquadra num programa mínimo e exeqüível.
São modestas as características gerais das diretrizes traçadas, apesar
de se orientarem estas no sentido do estabelecimento de bases para a
recuperação de toda a economia do Estado, particular ou pública.
Poderia ter sido organizado um programa de linhas mais amplas (...)
29
Excetuando-se, talvez e mais uma vez, o Plano de Eletrificação de Minas Gerais que, em linhas gerais,
parece propor uma análise da economia regional amplamente pautada pela observação geográfica. Esse
dado é importante tendo em vista que, em concomitância a sua elaboração, seu organizador, Lucas Lopes,
assumira como catedrático da Faculdade de Administração e Ciências Econômicas da Universidade de
Minas Gerais, justamente na cadeira de Geografia Econômica.
Entre ser modestos ou exagerados, preferimos a primeira norma de
proceder. (PREFP, 1947: 9).
“São modestas as características gerais das diretrizes traçadas”, na medida e
proporção em que pouco, ou nada, se trata do quadro econômico nacional. Conquanto
não faltem, desde o projeto siderúrgico de 1938, apontamentos sobre a situação de
atraso relativo da economia mineira, arrastada pela economia paulista, e que o Plano de
Eletrificação bem como o de Recuperação Econômica salientem de forma expressiva
essa relação de atraso e sujeição de Minas ao centro econômico em que se transformara
São Paulo (e nesse sentido, desenvolvimento econômico era, na leitura empreendida
então, superar justamente esse atraso relativo – e compreendê-lo em suas origens nunca
deixou, desde o I CAIC, um desejo real das elites mineiras), esses elementos sempre
foram apresentados conjunturalmente. Não é assim no Diagnóstico. Para o documento
lançado pelo BDMG em 1968, Minas Gerais possui uma economia em situação de
atraso relativo pois é, necessariamente subdesenvolvida (nos moldes específicos em que
o conceito de subdesenvolvimento é trabalhado pelas análises cepalinas). Minas
guardava, então, para o Diagnóstico, todos os traços do subdesenvolvimento
econômico, arregimentando esforços internamente para, no limite, potencializar a
economia vizinha mais forte e dinâmica. Se o I CAIC, com suas atas, pode ser pensado
como a fundação dessa tradição, o Diagnóstico pode ser avaliado como a sua
culminância, especialmente por que, ao caracterizar a economia mineira como
subdesenvolvida, acaba por estruturar uma leitura que qualifica as análises apresentadas
anteriormente pelos planos econômicos regionais e, substancialmente, lhes dá sentido
histórico.
Embora esses planos tenham uma efetiva preocupação técnica, apresentando e
analisando dados e tabelas, gráficos e mapas, retrospectivas e projeções, eles possuem,
acima de tudo, um vertical discurso político que ora parece querer convencer
internamente ora parece destinado ao convencimento dos estados vizinhos, ou mesmo
do governo federal, seja em busca de acordos econômicos mais vantajosos ou assuntos
congêneres.
Finalmente, a questão que parece emergir diz respeito à precocidade do
planejamento regional e, sobretudo, o quanto disso pode ser tributado a um tipo
específico e precoce de desenvolvimentismo que, conforme já aqui se apontou, Dulci
(1999) considerou por desenvolvimentismo mineiro. Pautado pela lógica do
planejamento, pelo poder público e sua capacidade de atuação como formulador e
gerente desse planejamento e de seus grupos de interesse, esse desenvolvimentismo não
seria o mesmo desenvolvimentismo que Dutra da Fonseca (1988) vê emergir, também
precocemente, para o Rio Grande do Sul, plenamente pautado pela razão positivista.
Seria, no caso mineiro, pragmático, desprendido de racionalidade intelectual e,
principalmente, tributário da forma como as elites locais se estruturaram em torno do
estado ao longo do período republicano, ao menos, até o final da década de 1960. Não
deixa de ser sugestivo pensar, contudo, que tendo havido esse desenvolvimentismo
mineiro (se é que podemos considerar as políticas públicas e os planos regionais
mineiros por esse conceito) ele pôde se expressar com certa força na década de 1950,
especialmente por meio do governo federal de JK. Isso explicaria os arranjos regionais
que Kubitscheck leva de sua experiência como governador de estado, em Minas, para o
plano federal (além mesmo de nomes capitais que o acompanham, como Lucas Lopes).
Mas que, ao mesmo tempo, se foi testado em âmbito federal – e essa ainda é uma
hipótese que precisamos investigar com maior cuidado – não trouxe grandes
contribuições para a realidade econômica regional, tendo em vista que o Diagnóstico de
1968, embora muito melhor produzido, muito mais ambicioso e amparado teoricamente
que o Plano de Recuperação de 1947, continuasse, em seu discurso, apontando para o
atraso de Minas, a dificuldade de industrialização do estado, os gargalos ao
desenvolvimento regional, a importância de uma agenda pública de planejamento da
economia regional, dentre outras. Assim, um mesmo discurso de atraso relativo da
economia regional liga o primeiro ao último desses planos avaliados, tendo o governo
federal de JK como importante divisor entre duas etapas distintas da economia regional
mas, também, do capitalismo brasileiro.
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