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Hidroelétricas no Brasil: a vitória do obscurantismo
Ivan Dutra Faria 1
O anedotário da caserna nos conta que, ao assumir o comando de um quartel, um
coronel indagou de seu oficial imediato acerca de um posto de sentinela permanente em
frente a um banco de praça. Percorreu-se, sem sucesso, toda a cadeia hierárquica atrás
da resposta, até que o soldado mais antigo do quartel acabou com mistério: há muitos
anos, o banco fora pintado e, por isso, providenciou-se uma sentinela para evitar que
alguém, inadvertidamente, sentasse sobre a tinta fresca. Desde então, o posto nunca
mais ficou sem vigilância.
É inevitável a lembrança da sentinela do banco quando se assiste a alguém do
Governo Federal, compungida e conformadamente, informar à platéia que “a sociedade
decidiu que não se pode mais construir hidroelétricas com grandes reservatórios”. A
sociedade quem, cara-pálida? Quando, onde e por quem essa decisão foi tomada?
Fala sério, autoridade! Isso nunca foi discutido adequadamente no Brasil e,
menos ainda, definido por meio de mecanismos da democracia representativa. Nem
quem vota nem quem foi votado escolheu coisa alguma. Essa decisão é de
responsabilidade exclusiva de gente amedrontada por meia dúzia de bumbeiros
tonitruantes. Gente que, passivamente, ouve os parlapatões midiáticos dizerem que a
energia eólica substitui, com vantagens, a hidroeletricidade. Gente que afirma que Belo
Monte vai afetar o Parque Nacional do Xingu, aquela maravilha situada rio acima – a
“apenas” 1.300km, aproximadamente.
A Comissão Internacional de Grandes Barragens, uma entidade de reconhecida
qualificação técnica que realiza levantamentos sistemáticos em diversos países,
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Especialista em Avaliação de Impactos Ambientais de Barragens. Mestre e Doutor em Política,
Planejamento e Gestão Ambiental. Consultor Legislativo do Senado Federal (Área de Minas e Energia).
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periodicamente publica uma lista dos países com mais de duzentas grandes barragens
em operação. Trata-se aqui de estruturas com altura igual ou superior a 15m e, também,
as que possuem altura variável entre 10 e 15m, desde que tenham capacidade de
armazenar mais de 3 milhões m3 de água em seus respectivos reservatórios.
Como esperado, a China, os Estados Unidos e a Índia ocupam as primeiras
posições na lista. O Japão e a Coreia do Sul, surpreendentemente, ocupam a quarta e a
quinta posições, respectivamente, superando, sucessivamente, o Canadá, a África do Sul
e o Brasil.
Quando nos lembramos das condições climáticas adversas do enorme território
canadense, ficamos nos perguntando sobre certo país privilegiado, em cujos corpos
d’água se encontram 12% da água doce superficial do planeta – muito mal distribuídos,
diga-se de passagem. Chega-se à conclusão de que a razão entre a quantidade de
barragens e a extensão do nosso território é bem modesta, nomeadamente quando
comparada com os dois países asiáticos que, obviamente, não se destacam no panorama
internacional pela extensão territorial e, tampouco, pela geração hidrelétrica.
Há atualmente cerca de 50 mil grandes barragens em operação mundo afora. O
Brasil mal ultrapassa o milhar, enquanto a Coreia do Sul, um país menor do que o
Estado de São Paulo, tem um terço a mais, e o Japão, o triplo. Isso nos leva a pensar que
essas sociedades priorizaram a regularização das vazões de seus rios, como forma de
controlar os seus múltiplos usos, tais como o controle de inundações, a mitigação dos
efeitos das secas, a irrigação de lavouras, o suprimento de água potável, a navegação e o
controle de doenças de origem hídrica.
É interessante notar que, no Brasil, quanto mais sectários são os opositores aos
empreendimentos hidroelétricos, mais eles se utilizam da palavra “barragem”, em vez
de “usina” ou de “hidroelétrica”, sugerindo que os barramentos ao curso natural dos rios
não podem ser feitos, em nenhuma hipótese. Eles falam em impactos “irreversíveis”.
Não usariam esse termo se tivessem prestado atenção às aulas de química nos cursos de
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ensino médio – especialmente às que tratam de equilíbrios e seus deslocamentos.
Lembrariam que há uma quantidade fixa de água no planeta e que os reservatórios são
uma forma milenar de gestão desse recurso. Distinguiriam os argumentos coerentes
daqueles contaminados por avaliações subjetivas, desprovidas de consistência técnica
ou científica.
Aqui, os conflitos vêm sendo criados, predominantemente, por crenças e
convicções preestabelecidas, colidentes com os fundamentos das abordagens científicas
dos impactos ambientais. Em vez de ciência, o licenciamento ambiental é uma notável
coleção de opiniões. Neste país paradoxal, ao tempo em que se dá espaço na mídia a
palpiteiros que combatem as hidroelétricas e seus reservatórios, não se toma
conhecimento das diversas manifestações da Agência Nacional de Águas (ANA), onde
gente que estuda seriamente o assunto defende o armazenamento de água como
essencial para o desenvolvimento sustentável.
Não se trata de construir barragens apenas para que o setor elétrico utilize a
energia hidráulica dos nossos rios. Trata-se de contar com “registros no encanamento”,
controlando a disponibilidade hídrica, guardando e usando com moderação e
responsabilidade, de acordo com o atávico conhecimento dos usos múltiplos de
reservatórios. É fazer o maior número possível de barragens permitido pelo
conhecimento científico atual. Isso não é para “achistas” que, deturpando o Princípio da
Precaução, pretendem estancar a marcha do conhecimento humano. Houvessem
prestado atenção às aulas de matemática e de biologia, saberiam por que “risco zero”
pode significar “custo infinito” e por que a energia mais poluente é a que não se tem.
Na versão 2012 do Programme for International Student Assessment (PISA),
uma medida da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
para avaliar a qualidade da educação no mundo em 65 países, o Brasil aparece em 53ª
posição, entre os 15 com pior desempenho. A China lidera o ranking, seguida de Coreia
do Sul, Finlândia, Hong Kong e Cingapura.
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Entre os países que pertencem à OCDE, há seis que apresentam um elevado
nível de proficiência em ciências ambientais na escala do PISA. Isso quer dizer que os
alunos conseguem aplicar o conhecimento científico na busca do entendimento das
questões ambientais. Entre esses países, estão o Japão, a Coreia do Sul e o Canadá –
nações que apresentam proporções particularmente altas nessa avaliação e que – ora
vejam – utilizam intensivamente o armazenamento de água em barragens.
O Brasil possui seis engenheiros para cada grupo de 100 mil pessoas. O Japão
possui cinco vezes mais. Em 2012, o Brasil formou menos de 40 mil engenheiros, e a
Coreia do Sul, com menos de um quarto da nossa população, formou o triplo. Tudo isso
deve ser coincidência.
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