Demonstração de Fluxos de Caixa Esqueça tudo o que sabe sobre a Demonstração de Fluxos de Caixa. Esqueça aqueles métodos que lhe ensinaram na faculdade. Faça esse esforço de amnésia seletiva e vamos recomeçar do zero. Não se arrependerá. Em primeiro lugar, devemos ter em mente um conceito muito simples: a demonstração de fluxos de caixa serve para nos informar sobre as entradas e as saídas de dinheiro que conduziram ao saldo final de caixa e seus equivalentes, desde um determinado período de referência (por norma o início do exercício). Este conceito parece-nos à primeira vista simples. No entanto, por vezes somos confrontados com questões que nos desviam deste conceito simples. Por exemplo: “os pagamentos que as empresas fazem ao Estado das retenções de IRS, Segurança Social (SS) e a própria SS a cargo da entidade patronal é um pagamento ao pessoal ou um pagamento ao estado?”. Nesta matéria, não existe nenhum esclarecimento dado pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC) e as opiniões divergem largamente. Eu cá tenho uma opinião: “pagamentos por conta de” é equivalente a “pagamentos a”. Ou seja: os pagamentos ao estado de retenções efetuadas a trabalhadores, ou seja IRS e SS, devem ser considerados pagamentos aos trabalhadores. No entanto, a SS a cargo da entidade patronal, não constituindo um pagamento ao trabalhador nem por conta deste, é meramente um pagamento ao Estado. No que ao IVA diz respeito, o IVA liquidado e entregue ao Estado foi recebido de clientes e pago ao Estado e o IVA dedutível, deduzido ao IVA liquidado a pagar ou reembolsado pelo Estado, foi pago a fornecedores e recebido do Estado. Estas ideias são fundamentais para percebermos claramente algo de que iremos falar mais à frente. A “Demonstração de Fluxos de Caixa” é uma das demonstrações financeiras obrigatórias para as entidades abrangidas pelo SNC. Segundo o método tradicional que é ainda ensinado em universidades e politécnicos, (de que certamente já se esqueceram como vos pedi), os recebimentos de clientes são iguais ao saldo inicial, mais as vendas, menos o saldo final, mais o saldo inicial de acréscimos de proveitos relacionados com vendas, menos o saldo final de acréscimos de proveitos relacionados com vendas, menos o saldo inicial dos proveitos diferidos relacionados com vendas, mais o saldo final dos proveitos diferidos relacionados com vendas, etc., e a meio do cálculo já não temos bem a noção se havemos de somar ou subtrair o que quer que seja. Impõe-se, portanto, uma questão: não haverá um método mais simples para chegarmos ao valor 1 dos recebimentos de clientes por via de variações das contas do balancete? Há, sim. Mas este método nunca foi ensinado em parte alguma. Sabemos facilmente identificar que os acréscimos de proveitos relacionados com vendas têm impacto na rubrica de recebimentos de clientes, que as variações das contas de existências têm impacto na rubrica de pagamentos a fornecedores, que os acréscimos de gastos com pessoal têm impacto na rubrica de pagamentos ao pessoal e por aí em diante. Identificar a rubrica onde cada conta do balancete tem impacto é relativamente simples. Basta pensar na rubrica da Demonstração de Fluxos de Caixa com a qual ela está relacionada. A parte difícil parece estar em identificar se havemos de somar ou subtrair uma determinada rubrica. Por exemplo, no cálculo dos pagamentos ao pessoal, haveremos de somar o saldo inicial dos acréscimos de gastos relacionados com pessoal, ou haveremos de subtrair este valor? Com alguma ginástica mental até conseguiríamos chegar lá, mas há um método mais simples. O nosso método baseia-se numa derivação matemática da fórmula “Ativo = Passivo + Capital Próprio”. Se considerarmos um balancete com uma coluna com o saldo líquido de cada conta (Débito – Crédito), em que as contas do passivo aparecerão naturalmente com saldo negativo (Credor), a igualdade acima é reescrita como “Ativo + Passivo + Capital Próprio = 0”. Assim, temos "Ativo n" + "Passivo n" + "CP n" = 0 "Caixa e equivalentes n" + ("Ativo n" - "Caixa e equivalentes n") + "Passivo n" + "CP n" = 0 "Caixa e equivalentes n" = [-1] x [("Ativo n" - "Caixa e equivalentes n") + "Passivo n" + "CP n"] "Ativo n-1" + "Passivo n-1" + "CP n" = 0 "Caixa e equivalentes n-1" + ("Ativo n-1" - "Caixa e equivalentes n-1") + "Passivo n-1" + "CP n-1" = 0 "Caixa e equivalentes n-1" = [-1] x [("Ativo n-1" - "Caixa e equivalentes n-1") + "Passivo n-1" + "CP n-1"] "Variação de caixa e equivalentes de caixa" = "Caixa e equivalentes n" - "Caixa e equivalentes n-1" = [-1] x [("Ativo n" - "Caixa e equivalentes n") + "Passivo n" + "CP n"] - [-1] x [("Ativo n-1" - "Caixa e equivalentes n-1") + "Passivo n-1" + "CP n-1"] … chegando finalmente à seguinte fórmula: 2 "Variação de caixa e equivalentes de caixa" = [-1] x [("Ativo n" - "Caixa e equivalentes n") + "Passivo n" + "Capital Próprio n"] + [("Ativo n-1" - "Caixa e equivalentes n-1") + "Passivo n-1" + "Capital Próprio n-1"] Ou seja, de forma muito simples, a fórmula acima diz-nos o seguinte: devemos inverter o sinal das contas do balancete do período de referência1, mantendo os sinais do balancete comparativo inalterados. Depois, só temos de seguir os seguintes passos: - Classificar cada conta dos dois balancetes (o balancete do período de referência e o balancete do período comparativo) com a devida rubrica da Demonstração de Fluxos de Caixa. Refira-se que as contas de resultados do período comparativo devem ser classificadas numa única rubrica, que poderá chamar “Dividendos”. Se não houver qualquer distribuição de dividendos, a variação das contas de resultados transitados ou de reservas corresponderá ao valor do resultado do período comparativo, e o valor de dividendos será nulo. Caso tenha havido distribuição de dividendos, esta corresponderá à diferença entre o resultado do período comparativo e a variação de resultados transitados e reservas. 1 Nota: invertemos também o saldo das contas de caixa e equivalentes, muito embora este volte ao seu sinal inicial na Demonstração de Fluxos de Caixa. O sinal das contas do balancete do período comparativo mantem-se inalterado. 3 - Depois, será necessário agregar os saldos das contas dos balancetes2 por cada rubrica da Demonstração de Fluxos de Caixa. Isto poderá ser efetuado recorrendo a uma tabela dinâmica (Pivot table), colocando em Rótulos de Linha (Row Labels) as rubricas da Demonstração de Fluxos de Caixa e em Valores (Sum Values) a coluna que contem o valor a considerar2. Após esta agregação, deverá efetuar os seguintes ajustamentos: 1. Ao valor dos recebimentos de clientes, adicionar o valor do IVA liquidado aos clientes durante o período, uma vez que as vendas anteriormente consideradas se encontram líquidas de IVA e os saldos de clientes, pelo contrário, contêm IVA a receber, e retirar esse mesmo valor aos “outros pagamentos/recebimentos”, dado se tratar de um recebimento (ou abatimento ao valor a pagar) do Estado. 2. Ao valor dos pagamentos a fornecedores, adicionar o valor do IVA dedutível, uma vez que o valor das compras anteriormente considerado se encontra líquido de IVA e os saldos de fornecedores, pelo contrário, contêm IVA a pagar, e retirar esse mesmo valor aos “outros pagamentos/recebimentos”, dado se tratar de um pagamento ao Estado. 3. Ao valor dos pagamentos aos trabalhadores, retirar o valor da contribuição da entidade empregadora para a Segurança Social, e acrescentar ao valor dos “outros pagamentos/recebimentos”, dado se tratar de um pagamento ao Estado. 4. Segregar o valor de financiamentos obtidos entre recebimentos e pagamentos, uma vez que o valor obtido é o agregado entre recebimentos e pagamentos. 5. Segregar o valor de pagamentos e recebimentos de activos fixos tangíveis, intangíveis, bem como de outros investimentos, uma vez que o valor obtido é o agregado entre recebimentos e pagamentos. 2 No caso do balancete do período de referência deve aparecer com os saldos invertidos e no caso do balancete do período comparativo devem aparecer com saldos não invertidos. 4 Elaborar uma Demonstração de Fluxos de Caixa utilizando o PowerTools®, da L.A.INNOVATIS. Exemplo: 1.º Dispor o balancete do período de referência e o balancete do período comparativo em coluna. Indicar numa coluna, se se trata do balancete do período de referência com o nome “Final” ou se se tratar do balancete do período comparativo com o nome “Inicial”. 2.º Inverter o saldo das contas do balancete “Final” numa nova coluna (chamemos a essa coluna “Sinal”, tal como indicado na figura abaixo). 3.º Classificar as rubricas do TB com a ajuda da função “RUBRICADFCAIXA( INICIAL/FINAL ; CONTA )”, tal como indicado abaixo. Note-se que os saldos do “balancete final” está com o sinal invertido. 4.º Fazer uma tabela dinâmica (pivot table) numa nova folha com as colunas "Rubrica" e "Sinal". A tabela dinâmica deverá começar na célula A1. 5 5.º Posicionar-se na célula D1 ou D2, por exemplo, e carregar no botão "Automate DF Caixa": 6.º Alocar manualmente as rubricas indicadas com "#Alocar manualmente à devida rubrica", como feito para as 3 primeiras linhas abaixo. 7.º Se tudo foi feito corretamente, a variação de caixa deve estar justificada pelos movimentos indicados na Pivot e a diferença abaixo assinalada deverá ser nula. 8.º Efetuar os ajustamentos identificados na página 4 nas colunas A e B, tal como pode ser visto na imagem abaixo. 6 9.º Rever criticamente a Demonstração de Fluxos de Caixa. Verificar se todas as linhas dos dois balancetes estão corretamente classificadas. Nota final: O método acima explicado é um método indireto de construção da Demonstração de Fluxos de Caixa pelo método direto. [Leu bem: é um método indireto de fazer pelo método direto.] De referir que o método teoricamente mais indicado é o método direto de construção da Demonstração de Fluxos de Caixa pelo método direto, o qual passa pela classificação integral de todos os movimentos de Caixa e seus equivalentes. Bom trabalho! 7