FÍSICA DO NÚCLEO APLICADA AO ESTUDO DO SANGUE
a
Zamboni, Cibele B. [[email protected]]
b
Dalaqua, Leonardo Jr. [[email protected]]
a,c
Lins, Patricia S. [[email protected]]
1
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN/CNEN-SP, Brasil
2
Promon Engenharia, SP, Brasil
3
Universidade Santo Amaro – UNISA – SP, Brasil
Palavras chave: núcleo, radioatividade, ativação neutrônica, sangue, análise clínica
Resumo
O objetivo do presente estudo é mostrar a viabilidade do uso de metodologia nuclear como alternativa
para realização de análises clínicas em amostras de sangue. A relevância do uso de ferramentas
nucleares na área médica, particularmente em analises hematológicas, reside no fato de que a maioria
dos métodos utilizados no diagnóstico tradicional de patologias diversas necessita de várias análises
clínicas, geralmente em soro e/ou plasma (como apresentado na Tabela 1). De acordo com esta tabela
observa-se que o procedimento adotado nos laboratórios de Análises Clínicas requer a centrifugação do
sangue para separação do plasma (parte líquida) das células (parte sólida) e a utilização de diferentes
técnicas. Com o emprego do método nuclear é possível utilizar sangue total e realizar simultaneamente
várias analises com menor quantidade de material biológico. Para entender os mecanismos físicos dos
processos nucleares envolvidos na análise do sangue é preciso ter em mente o conceito de núcleo, de
radioatividade e de algumas de suas propriedades, bem como o conhecimento da composição
sangüínea os quais são abordados neste trabalho.
Tabela 1. Exames clínicos necessários para o acompanhamento das funções biológicas.
Exame Clínico
Material Biológico/ Coleta
Elemento medido/ Método
Natremia
Calemia
Cloremia
Calcemia
Manganês
Magnésio*
Bromo*
Alumínio*
Ferro
plasma / 3,0 ml
soro / 1,0 ml
soro / 0,5 ml
soro / 0,5 ml
soro / 2,0 ml
soro / 0,5 ml
sangue / 4,0 ml
soro / 2,0 ml
soro/ 1,0 ml
Na/ eletrodo íon-específico
K/ eletrodo íon-específico
Cl / Titrimétrico
Ca / Colorimétrico
Mn / Espectrofotometria de absorção atômica
Mg / Química seca
Br / Colorimétrico
Al/ Espectrofotometria de absorção atômica
Fe/De lauber
* tempo de execução, em média, 15 dias.
1. PROPRIEDADE DO NÚCLEO
1.1 Núcleo Atômico
O Átomo é constituído por elétrons, prótons e nêutrons, que estão dispostos de forma similar ao nosso
sistema planetário, isto é, os prótons e nêutrons estão muito próximos uns dos outros, numa região
central muito pequena do átomo chamada núcleo, enquanto que uma nuvem de elétrons giram ao seu
redor a distâncias variáveis e relativamente grandes. Para a utilização do método nuclear é preciso
tornar radioativos os núcleos presentes no átomos de sangue.
1.2 Radioatividade
É a emissão espontânea, por certos núcleos, de partículas (elétrons, nêutrons, prótons, etc) e/ou
radiação eletromagnética (Raios X e γ). Praticamente todos os nuclídeos contêm componentes
radioativos, mas a grande maioria em concentrações baixas. Hoje em dia, cerca de 2000 nuclídeos são
conhecidos, mas apenas 271 não são radioativos. Materiais radioativos naturais são aqueles que contêm
uma preponderância de radionuclídeos naturais, como o Urânio, Potássio e Tório, que sofrem
sucessivas etapas de decaimento, com emissão de partículas ou radiação, até que se tornem núcleos
estáveis. Mas, pode-se obter também radionuclídeos por meio de reações nucleares induzidas em
Reatores e/ou Aceleradores de partículas, processo denominado por radioatividade artificial. Cada
núcleo tem uma forma de decair própria que está relacionada com o tempo de emissão das partículas.
Para saber quantas
partículas um núcleo radioativo emite com o passar do tempo os físicos
estabeleceram o parâmetro nuclear “Meia-Vida” (T1/2), isto é, o tempo decorrido para que ocorram
emissões de partículas que reduzam o número de átomos à metade. Usando este conceito é possível
identificar os núcleos radioativos, presentes no sangue, pois cada núcleo possui um valor distinto de
T1/2 .
2. COMPOSIÇÃO DO SANGUE
O plasma sangüíneo corresponde a 60% do volume de sangue de um adulto normal (~60kg) cuja água é
o principal componente, da ordem de 91% . Os 9% restantes correspondem a proteínas (7%) e outros
elementos, tais como: Potássio, Sódio, Cloro, Cálcio e Ferro, Magnésio, Br, que embora em pequenas
quantidades (2%), são de grande importância, pois variações em sua concentração estão diretamente
relacionadas a disfunções no organismo. Para cada um desses elementos tem-se associado seu valor de
referência (normalidade). Como exemplo temos a falta de ferro (concentração de ferro abaixo de sue
valor de referência) que caracteriza anemia.
3. METODOLOGIA NUCLEAR
3.1 Ativação com nêutrons
Basicamente o método consiste em tornar o sangue “radiativo” por meio de reações nucleares induzidas
em um reator. O método nuclear lança mão de um bombardeio de nêutrons na amostra de sangue que
atingem os núcleos dos elementos presentes no sangue tornando-os radioativos. Assim, cada elemento
constituinte do sangue ao tornar-se radioativo emitirá radiações gama característica, processo este
denominado desexcitação nuclear. Já existe tabela padronizada, a Tabela de Nuclídeos, identificando a
energia contida na emissão dessas radiações γ e sua respectiva meia – vida, facilitando assim a
identificação de cada elemento radioativo. O sangue possui vários elementos que podem ser
mensurados a partir desse método (ver Figura 2). Na prática o procedimento consiste em irradiar
amostras de sangue (~100µl) no Reator IEA do IPEN, por alguns minutos, e analisar os espectros de
raios gama dos isótopos ativados utilizando instrumentação nuclear e software [1,2] desenvolvidos
para esta finalidade.
3.2 Isótopos Radioativos
A composição isotópica é o conjunto de formas que um elemento químico pode se apresentar na
natureza sob aspecto de sua condição nuclear. Por exemplo, o elemento ferro, encontra-se na natureza
com diferentes numero de massa. Para ilustrar na Tabele 2 é apresentada a composição dos isótopos de
Fe na natureza e as reações nucleares possíveis com nêutrons.
Tabela 2. Composição Isotópica do elemento Ferro
Composição
Isotópica [2]
Isótopos Fe A
5,9
Reação Nuclear
NA (n, γ) NP→ (T 1/2)
Fe54
56
Energia do raio γ (keV)
emitido por NP
Fe54 (n, γ) Fe 55 → (~2,7 anos)
não emite raios γ
Fe (n, γ) Fe
57
estável*
56
91,7
Fe
2,1
Fe57
Fe57 (n, γ) Fe 58
estável*
0,28
Fe58
Fe58 (n, γ) Fe 59 → (~44 dias)
1099, 1291
A : é número de massa ( número de prótons e nêutrons presentes no núcleo)
NA : núcleo alvo (sangue)
NP: núcleo produzido após o bombardeio com nêutrons (sangue radioativo)
∗ não há formação de núcleo radioativo
Como se pode observar, somente o Ferro na forma de Fe58 , que representa 0,28% da composição
total de Ferro, torna-se radioativa ao ser submetido à irradiação com nêutrons . Da mesma forma,
todos os elementos (isótopos) passíveis de ativação com nêutrons no sangue podem ser avaliados
pelo método nuclear.
4. RESULTADOS
Realizada a ativação do sangue com nêutrons foi possível identificar vários elementos
constituintes do sangue como mostra a Figura 1. Na Tabela 3 encontram-se informações a
respeito dos elementos e dos isótopos radioativos que podem ser quantificados via metodologia
nuclear.
Tabela 3. Elementos ativados no sangue e algumas propriedades nucleares associadas.
Elemento
Alumínio
Bromo
Cálcio
Cloro
Manganês
Magnésio
Ferro
Potássio
Sódio
Características dos radionuclídeos: [T 1/2 ]; Eγ (keV) [3]
28
Al (2,24min); 1779
Br (17,7min); 616
49
Ca (8,7min); 3084
38
Cl (37min); 1642, 2168
56
Mn (2,5h); 846
27
Mg (9,4mim); 843
59
Fe (44d ); 1099
42
K (12,2 h); 1525
24
Na (15 h); 1368, 2754
80
Bg
Bg
0
4000
Na)
38
2754 keV (
24
2168 keV (
28
contagens
Bg
Bg
49
42
59
Bg
6000
3084 keV ( Ca)
Bg Bg
1524 keV ( K)
Mn)
56
27
Bg
Bg
1099 keV ( Fe)
10000
846 keV (
843 keV ( Mg)
Br)
79
20000
616 keV (
contagens
24
8000
1779 keV ( Al)
1368 keV ( Na)
38
30000
Cl)
1642 keV ( Cl)
40000
20000
80000
Bg
Bg
2000 Bg
x10
0
640
800
960
1120
canal
1280
1440
1600
2000
2400
2800
canal
Figura 1. Espectros de rios γ do sangue irradiado com nêutrons onde as energias referentes aos
isótopos ativados estão em destaque. (Bg indica a ocorrência da radiação de fundo do meio
ambiente).
5. CONCLUSÕES
A partir do conhecimento de algumas propriedades do núcleo atômico foi possível mostrar a
viabilidade do uso da técnica de ativação neutrônica para realização de análises clinicas de
sangue. Pode-se concluir que a metodologia apresentada é eficaz, pois não necessita do preparo
convencional (separação soro/plasma), o que reduz a quantidade de material a ser coletado e num
período de algumas horas possibilita a medida da concentração de vários elementos
simultaneamente agilizando as analises e minimizando custos. Trata-se de uma aplicação
relevante também para área de medicina veterinária, onde a quantidade de material biológico é
restrita, principalmente quando envolvem (cobaias) animais de pequeno porte como
camundongos, coelhos, etc.
Referências
[1] GOUFFON, P. Manual do programa Idefix. Universidade de São Paulo. Instituto de Física.
Laboratório do Acelerador Linear. São Paulo, 1987.
[2] MEDEIROS, J.A.G. Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN. São Paulo,
Private communication, 2002.
[3] FIRESTONE, R.B., Table of Isotopes, 8 Ed. New York. N.Y.: Wiley, 1996.
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