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ENSINO UNIVERSITÁRIO DE ÉTICA E CIDADANIA: um relato de
experiência na cidade de Franca (SP)
Maria Cherubina de Lima Alves - UNESP/Franca
Mário José Filho - UNESP/Franca
Este trabalho objetiva refletir sobre a experiência de ensino de ética e
cidadania para universitários da cidade de Franca-SP, visando avaliar as estratégias
de ensino adotadas na prática profissional de docência. Esta análise se pauta na
experiência de ensino em um curso universitário que tem um Projeto Pedagógico
elaborado em cima de competências e habilidades a serem desenvolvidas nos
profissionais a serem formados, sendo que dentre estas estão a autonomia, a ética
profissional, o respeito pela diferença, uma postura de responsabilidade social,
dentre outras.
Neste contexto, um dos cursos de uma Instituição de Ensino Superior (IES)
da cidade de Franca tem em sua grade curricular uma disciplina denominada
Cidadania e Ética durante todo o primeiro ano do curso. Esta disciplina visa
proporcionar o desenvolvimento de uma postura crítica nos alunos, através do
estudo de conceitos como valores, moral, ética e cidadania. O estudo destes
conceitos, para os alunos do primeiro ano do curso, tem sido difícil, uma vez que
estes alunos parecem, em sua grande maioria, não estar familiarizados com
reflexões complexas e que não tem conclusões simplistas ou unicistas, bem como
se pode perceber uma postura de retraimento ou repulsa de alguns deles em
relação aos questionamentos ético-morais em função de sua não-resolutividade
direta.
A ética é uma ciência que procura estudar a moral, buscando compreender
os fundamentos e justificativas dos diferentes comportamentos morais dos homens
em sociedade (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 2004). Para Rodrigues (2002), o objetivo da
ética é aprimorar as atividades das pessoas na busca do bom, do justo e do que é
adequado. Desta forma, estudar a ética permite que se possa debater e
problematizar os valores morais, questionando as imposições sociais de valores
mais adequados ou desejáveis.
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Neste sentido, a ética auxilia na diferenciação entre moral e moralismo,
podendo esclarecer aspectos vinculados às diferenças interpessoais e intrapessoais
expressas pelos comportamentos morais, às tentativas de imposição de valores
morais, aos juízos morais feitos sobre o comportamento de outras pessoas, à forma
de relacionar com as diferenças, entre outras questões.
Sabe-se que toda sociedade elege uma série de valores definidores do que
consideram, por exemplo, como o bem e o mal, com o que é permitido e o proibido,
ou seja, toda sociedade tem definidos os seus valores morais mais aceitáveis e
desejados. Estes valores morais vigentes socialmente podem ou não estar
sintonizados com os valores morais de cada um dos indivíduos que constituem esta
sociedade, sendo que, quando há uma equivalência entre eles, a pessoa consegue
adaptar-se às expectativas sociais, porém, quando há divergências entre eles,
surgem os dilemas morais: devemos agir conforme nossos próprios valores
pessoais, sendo fiéis a nós mesmos ou devemos agir conforme determinados
padrões sociais para estarmos adequados à sociedade a qual pertencemos?
Estes dilemas morais podem ser resolvidos de formas diferentes em cada
época da vida da pessoa, sendo determinados pelo grau de consciência que se tem
das responsabilidades e das consequências dos atos. Muitos “escolhem” certos
comportamentos sem pensar nas conseqüências que virão deste, sem nem mesmo
se responsabilizar ou se comprometer com a própria ação. Costa (1994) aponta que
a grande maioria da população brasileira tem agido conforme atributos degradantes
(ou vícios) visando apenas levar vantagem nas diversas situações que enfrentam,
reagindo, inclusive com cinismo caso sejam chamados a “responder” pelos seus
atos. Desta forma, podemos conjecturar que podemos estar vivendo numa época
em que as pessoas agem de forma “descontectada” com seus valores, deixando-se
guiar pelos “modismos”.
Salvador (2009) coloca que, na contemporaneidade, apesar de encontramos
a aceitação da pluralidade de valores vigentes, havendo um relativismo de valores,
esta diversidade moral não oferece bases para resolução de conflitos morais e
sociais, favorecendo a transitoriedade e a banalização de todas as coisas. Salvador
(2009) coloca ainda que diante da desestabilização de valores, a ação pedagógica
perde referência e a ética expõe os limites da educação. Neste sentido o autor
acredita que o processo de educação que pode contribuir para tornar as pessoas
verdadeiramente livres e autônomas.
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Apresentação e discussão da experiência de ensino de ética e cidadania
O processo de ensino da disciplina de Cidadania e Ética em um curso de
uma Instituição de Ensino Superior da cidade de Franca é mediado por um Projeto
Pedagógico específico, delineado através do estabelecimento de competências e
habilidades básicas a serem trabalhadas a fim de garantir que os egressos tenham
um perfil crítico-avaliativo, questionando e interpretando as informações a eles
apresentadas, bem como um comprometimento social com o desenvolvimento de
uma sociedade melhor.
Conforme este Projeto Pedagógico concebeu-se a disciplina de Cidadania e
Ética, sendo que esta tem a duração de um ano e tem um grande papel no que se
refere à inserção dos alunos no universo da análise crítica dos fatos e da percepção
da parcela de responsabilidade social de cada ser humano.
Este relato de experiência está circunscrito no período de três anos, quando
se assumiu esta disciplina num curso de ciências humanas que conta com uma
turma de alunos por ano.
Inicialmente, no primeiro ano em que se assumiu a disciplina, seus conteúdos
foram trabalhados através de vivências e dinâmicas de grupo que ilustrassem
questões relacionadas aos temas ética, moral e cidadania, em função do contato
com a forma com que o docente anterior trabalhava a ementa. Tendo-se focado em
passar o conteúdo por meio de dinâmicas, nesta primeira experiência, pouca teoria
foi discutida e debatida, tendo-se avaliado que os alunos não conseguiram
apreender a complexidade das temáticas de forma aprofundada, pois as
experiências
vivenciais
proporcionadas
não
foram
capazes
de
abarcar
profundamente todo conteúdo a ser trabalhado na disciplina. A avaliação qualitativa
dos alunos revelou que estes consideraram a disciplina mais um apoio inter e
intrapessoal para o grupo de alunos do que uma possibilidade de reflexão sobre as
questões de cidadania e ética.
No segundo ano em que se teve a experiência de ministrar a disciplina,
considerou-se de grande importância o contato dos alunos com mais material
teórico, proporcionando-se um leque de textos que tratavam das reflexões iniciais
acerca dos referidos temas. Quanto às vivências, foram desenvolvidas apenas
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dinâmicas capazes de instigar o debate dos textos estudados. Desta forma, os
alunos puderam ter maior sustentação teórica para suas reflexões, conseguindo-se
maior desenvolvimento de formas críticas e não-ingênuas de perceber o “mundo”.
Nesta época entrou-se em contato com o Programa de Ética e Cidadania do
Ministério de Educação (MEC, s/d) que objetiva desenvolver virtudes e atitudes
ligadas à cidadania, autonomia moral e comportamentos consoantes com a moral.
Dentro deste Programa encontram-se textos e propostas para trabalho dentro das
seguintes vertentes: ética, convivência democrática, direitos humanos e inclusão
social. Diante deste material, foi proposto que os alunos estudassem estas
temáticas e desenvolvessem projetos de intervenção a respeito destas temáticas
para serem desenvolvidos em algum tipo de instituição. O objetivo é que eles se
apropriassem destas temáticas e fossem levar o que considerassem importante
delas para alguma parcela da comunidade, interagindo com este conteúdo e
podendo sentir “na pele” as dificuldades do papel de transmissão de conhecimento.
Os alunos conseguiram desenvolver projetos interessantes, mas não se sentiram
confiantes em realizá-los na prática, o que foi considerado válido por não se ter tido
tempo para prestar orientações aprofundadas sobre cada projeto. Desta forma, eles
não foram a campo executar suas propostas, apenas relatando-as em sala de aula
para os colegas.
A avaliação qualitativa dos alunos revelou um grande aproveitamento da
disciplina, bem como o despontamento de atitudes de preocupação e de
responsabilidade social na turma, de modo geral. Com a conclusão da disciplina, os
alunos desta turma convidaram a professora para coordenar um grupo de atividades
de extensão universitária, pois, apesar de não terem clareza do que queriam fazer,
estavam dispostos a realizar trabalhos voluntários junto a pessoas economicamente
desfavorecidas com intuito de melhorar a qualidade de vida destes.
No terceiro ano de condução da disciplina, foi repetida toda a experiência
teórico-metodológica de trabalho do conteúdo da disciplina conforme o relatado no
segundo ano, porém, uma vez que os projetos de intervenção do ano anterior não
tinham sido realizados, foi proposto que os alunos os analisassem, realizassem as
alterações que julgassem necessárias e, posteriormente, colocassem o projeto em
prática. Foram feitas muitas orientações com os grupos de alunos, tendo se
chegado a projetos interessantes tais como: palestra sobre reciclagem em uma
creche da periferia (para as funcionárias e comunidade), atividade lúdica com
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crianças para trabalhar os direitos humanos, dinâmica de grupo com adolescentes
para trabalhar as diferenças impostas pelas deficiências físicas e seus preconceitos,
dinâmica de grupo para discutir a eticidade de determinados comportamentos entre
pré-adolescentes.
A avaliação qualitativa da disciplina, neste último ano, revelou que, apesar do
grande medo de ir à prática desenvolver a intervenção proposta, todos os grupos
conseguiram atingir os objetivos da atividade de apropriação das temáticas que
trabalharam e da experiência de vivenciar as dificuldades do papel de transmissão
de conhecimento para a comunidade. Os alunos desenvolveram as suas
habilidades de avaliação crítica do conhecimento, tendo demonstrado certa
autonomia moral em suas reflexões acerca do próprio grupo de alunos e de outras
questões de sua vida universitária e de seu desenvolvimento profissional.
Entende-se que a possibilidade de ter contato com o conteúdo estudado na
dimensão vivencial, por meio de dinâmicas de grupo e outras técnicas de trabalho
com grupos, é essencial para possibilitar a aproximação e a apropriação das
temáticas, saindo do campo apenas filosófico. Porém, verificou-se nesta
experiência, que apenas a prática não pode promover o aprofundamento necessário
para um curso universitário que contemple os conteúdos elencados na ementa da
referida disciplina. Faz-se necessário uma associação entre as duas vertentes – o
estudo teórico e a vivência.
Verificou-se ainda o avanço no processo de apropriação conceitual obtido
através da implementação dos Projetos de Intervenção baseados no referido
Programa Ética e Cidadania. Os alunos que estiveram envolvidos com a elaboração
e, principalmente, com a execução dos projetos puderam ver-se como
transmissores daquele conhecimento, tendo que escolher a forma e para quem
iriam passá-lo, confrontando-se com suas inseguranças e incertezas, respaldandose no restante do grupo de alunos que estavam junto com eles e, muitas vezes,
tendo que improvisar em função das adversidades tecnológicas e humanas.
Considerações finais
A ética, segundo Rodrigues (2002), é uma ciência que objetiva refletir e
clarear a realidade histórica. Além disto, a ética é um conceito que representa
contínua luta pela liberdade, inclusive pela liberdade de escolha de atitude
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(SALVADOR, 2009). Assim, ela trabalha com a necessidade de levar o outro em
consideração sem querer submetê-lo, de tolerância das diferenças e de aceitação
de si mesmo.
O ensino da ética, neste sentido, está intimamente ligado ao desenvolvimento
da cidadania. Canôas (2008) afirma que ser cidadão é compreender e saber situar a
própria existência e, junto com seus parceiros, lutar pela conquista, ampliação e
defesa dos direitos coletivos, sociais e sindicais.
Para o indivíduo se tornar cidadão ele precisa passar por um
processo de compreensão da própria individualidade para depois
poderem compreender sua participação nos sujeitos coletivos e
entenderem sua condição humana. (CANÔAS, 2008, p.129-130)
Uma educação para desenvolvimento da cidadania e da ética não aceita
verdades absolutas, sua preocupação é com o bem comum e não aceita a moral
individualista: ela dá perspectivas de igualdade e solidariedade. Salvador (2009)
afirma que a educação verdadeira é a que educa para a vida e amplia o
conhecimento com a finalidade de produzir bens e tecnologia para satisfazer
desejos e necessidade de todos.
Esta pesquisa objetiva refletir sobre a experiência de ensino de ética e
cidadania para universitários da cidade de Franca-SP, visando avaliar as estratégias
de ensino adotadas na prática profissional de docência.
Verificou-se um aprimoramento no processo de ensino-aprendizagem e no
desenvolvimento crítico dos alunos que participaram da disciplina posteriormente a
inserção das atividades de intervenção. Considera-se que os alunos, através desta
experiência,
puderam
ver-se
como
transmissores
de
conhecimento,
responsabilizando-se por este e, consequentemente, se envolvendo com a temática
de forma a apropriar seus conteúdos.
Faz-se necessário continuar o registro desta experiência de modo a
aumentar a amostra analisada, aprofundando-se ainda na análise nos fatores que
interferem no processo de ensino-aprendizagem que possam estar envolvidos nesta
experiência.
REFERÊNCIAS
700
CANÔAS, Cirlene S. A cidadania na velhice. In: SOARES, Nanci; JOSÉ FILHO,
Mário (orgs.). UNATI: construindo a cidadania. Franca: UNESP, FHDSS, 2008.
p.123-137.
COSTA, Jurandir F. A ética e o espelho da cultura. 2 ed. Rio de Janeiro: Rocco,
1994.
MEC, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa Ética e Cidadania. s/d. Disponível
em http://mecsrv04.mec.gov.br/seif/eticaecidadania/index.html.
RODRIGUES, Zita A.L. Ética, educação e cidadania. Florianópolis, SC: Secretaria
Municipal de Educação de Florianópolis, 2002.
SALVADOR, Roberto. Ética e Educação: compromisso com o ser humano. In:
SILVEIRA, Ubaldo (org.). Trabalho, Ética e Sociedade: reflexões sociais, éticas e
agrárias na contemporaneidade. Franca, UNESP: Praxis, 2009. p.91-105.
SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. 25 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2004.
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