Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) RELATÓRIO O DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO (RELATOR): Apelação Criminal, manejada pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de ver reformada a sentença, que, pela imputação da prática do delito tipificado no art. 339, do CP (denunciação caluniosa), absolveu Maria Ulisbrene de Sousa Queiroz, fundamentando-se na ausência de provas de que o fato delituoso por ela denunciado realmente existiu, confirmado por prova documental e testemunhal, em especial o depoimento das vítimas da retenção indevida de seus documentos pelo candidato à vereador do Município de Pereiro/CE nas eleições do ano de 2008, José Francinaldo Filho. De acordo com a denúncia, no dia 24/09/2008, perante o Ministério Público Eleitoral, a Ré deu causa à instauração de procedimento criminal (Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE n. 175/2008) em desfavor do então candidato a vereador, José Francinaldo Filho, ciente de sua inocência, ao prestar declaração falsa de crime, afirmando que ele reteve em seu poder, sob o falso pretexto de contratá-la para trabalhar na campanha eleitoral e como garantia do voto, o seu título eleitoral e a carteira de identidade. Perante o Juízo Eleitoral da 51ª Zona, durante a apuração dos fatos, a ré retratou-se e informou que "foi manipulada em troca de dinheiro a pedido de um outro candidato", incorrendo assim na conduta penal do art. 339 do CPB. Requer o Apelante a condenação da Ré, fundamentando-se em que a Apelada atribuiu falsamente delito ao candidato à vereador do Município de Pereiro/CE nas eleições do ano de 2008, José Francinaldo Filho, tendo ela posteriormente se retratado afirmando que fora manipulada em troca de dinheiro a pedido de um outro candidato, esclarecendo que ela indevidamente deu causa à instauração de procedimento criminal (Ação de Investigação Judicial Eleitoral AIJE n. 175/2008) contra o candidato indevidamente denunciado, de forma que restariam comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo do tipo –fls. 276/280. Contrarrazões do MPF às fls. 289/290. Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) Oficiando no feito, a douta Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento da Apelação, esclarecendo que realmente as provas documentais e testemunhais apontam para a prática de possível crime eleitoral pelo candidato à vereador do Município de Pereiro/CE nas eleições do ano de 2008, José Francinaldo Filho, que teria recolhido indevidamente títulos de eleitores de pessoas que trabalhavam em sua campanha, apenas restituindo-os apenas em face do mandado de busca e apreensão emitido pela Justiça Eleitoral, de forma que a Apelada, mesmo retratando-se, não teria cometido o crime de denunciação caluniosa –fls. 298/301. É o Relatório. Ao eminente Desembargador Revisor. Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) VOTO O DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO (RELATOR): Com a máxima vênia aos entendimentos dissonantes, entendo que a Apelação não merece ser provida. Adoto, como razões de decidir, a mesma fundamentação da sentença absolutória, que analisou percucientemente a matéria: “ O crime de denunciação caluniosa vem esculpido no art. 339 do CPB, nos seguintes verbetes: Denunciação caluniosa Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. § 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. A prova coligida nos autos, em que pese endossar os elementos de informação, materializados no procedimento investigatório promovido pelo MPE (fl. 10/20) e inquérito policial (fl. 23/24), não torna certa e induvidosa as elementares do tipo penal do art. 339 do CP na conduta imputada à acusada. Segundo se infere do teor da denúncia formulada pela ré ao MPE, no dia 24/09/2008, ela declara que foram retidos documentos, inclusive o título eleitoral, dela e de outras pessoas, pelo candidato a vereador, como condição de garantir o emprego na campanha eleitoral deste. O auto de constatação e apreensão de fl. 17, executado nos autos da investigação eleitoral, por outro lado, ratifica a apreensão de Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) vários documentos dos eleitores, incluindo título eleitoral, junto ao candidato José Francinaldo Filho, o que corrobora, em tese, a existência da conduta ilícita com fins eleitorais e a consequente declaração prestada (fl. 14/16) pela ré da notitia ciminis. A prova oral colhida sob o crivo do contraditório judicial, também converge para tal realidade fática. As testemunhas José Eudes Freire e Maria Eloneide Martins, as quais estavam inseridas no rol dos eleitores do respectivo mandado de busca (fl. 11 e 17), declaram nos depoimentos judiciais (fl. 70 e 1271) que efetivamente prestaram serviços publicitários ao candidato José Francinaldo Filho e este reteve seus títulos eleitorais, sendo os mesmos devolvidos somente através do cumprimento da referida medida judicial, confirmando, deste modo, as declarações inicialmente prestadas à autoridade policial (fl. 23/24) no inquérito, bem como a notícia prestada pela ré ao MPE, de retenção dos títulos. Quanto aos fatos acusatórios, estes depoentes relatam que não têm conhecimento próprio e somente a testemunha Maria Eloneide Martins informa que soube, por ouvir dizer, a notícia de que a 'ré teria recebido dinheiro do candidato Cláudio para denunciar a retenção dos títulos realizada pelo candidato José Francinaldo Filho'. Apesar de não haver elementos comprobatórios nos autos da existência de tal pagamento, a própria acusada confirma essa informação no juízo eleitoral, como se infere do depoimento acima registrado (fl. 19/20). Destarte, há controvérsia quanto ao teor da denúncia do crime, se este em verdade se verificou no mundo dos fatos, conquanto existam fortes indícios de sua prática. Neste diapasão, fora colacionado a este processo tão somente a peça inicial da investigação criminal (fl. 10/13) e dos depoimentos da denunciante e testemunhas realizados perante o juízo especial. Não há nestes autos da ação penal quaisquer informações ou prova cabal de eventual absolvição ou condenação do denunciado pelo crime de captação ilegal de sufrágio. O próprio candidato, José Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) Francinaldo Filho, no depoimento prestado nos autos (fl. 69), apenas esclarece que houve transação penal no procedimento investigatório criminal eleitoral, sem juntar qualquer documento nesse sentido no feito. Circunstância essa que torna incerta a configuração das elementares "crime" e "inocente", exigidas pelo tipo. Como se sabe, para a prática do delito tipificado no art. 339 do CP, é necessário que o autor tenha perfeita ciência de que está indevidamente imputando a outrem fato criminoso. Daí porque não se há de falar em dolo, na denunciação caluniosa, quando o autor tem, com base em indícios ou circunstâncias concretas, a percepção de que a imputação é legítima. No caso concreto, não restou demonstrada cabalmente que a conduta de retenção dos títulos, noticiada pela ré ao MPE, que deu causa a instauração do procedimento investigativo criminal eleitoral, não se constituiu no crime do art. 41-A da Lei 9.504/97, porquanto o fato em si existiu e restou ali corroborado pelo mandado de apreensão e constatação de fl. 17, confirmado ainda nesta ação penal pelos depoimentos das testemunhas, também vítimas da retenção de seus documentos pelo candidato à vereador, José Francinaldo Filho. Deveras, não há prova aqui produzida a elucidar a elementar "atribuir falsa conduta criminosa", ciente dessa falsidade. A retenção dos títulos eleitorais pelo candidato José Francinaldo Filho, tal como relatada pela ré e que deu início às investigações criminais pelo MPE, estão materializada documentalmente, conforme já discorrido. Assim, havendo prova da existência do fato, que em tese configura a conduta de sufrágio ilegal de voto, restam descaracterizadas as elementares do tipo, concernentes à "imputação de crime de que o sabe ser inocente". Ao revés, os fatos narrados pela ré naquela notitia criminis existiram no mundo real, pois houve a retenção indevida dos títulos eleitorais pelo então candidato, porquanto não se justifica a tese fantasiosa apresentada pela ré, testemunhas e o próprio candidato, de Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) que tal apreensão e retenção foram realizadas com o único fim de 'viabilizar o pagamento pela prestação dos serviços na campanha eleitoral do candidato'. Assim, resta ausente tão só a certeza do enquadramento criminoso e típico dessa conduta. Logo, a denunciante tinha plena ciência de que estava relatando acontecimentos concretamente existentes e verídicos, o que igualmente descaracteriza o elemento subjetivo do tipo, o dolo, representado pela vontade dirigida ao fim de "imputar falsamente crime a pessoa que o sabe ser inocente". Na realidade, o conjunto probatório revela que falsa foi a retratação, e não a primeira comunicação de crime. Ademais, a ré era pessoa jovem, pouco mais de 18 anos, portanto, inexperiente e, segundo relatam as testemunhas de defesa (fl. 71/72), humilde e de parcas instruções, de forma que pode ter sido manipulada por um ou outro candidato. Ausentes tais elementares, fica afastada a tipicidade da conduta do art. 339 do CP, imputada à ré Maria Ulisbrene de Sousa Queiroz”–fls. 270/272. Como bem salientou a Douta Procuradoria Regional da República, o fato de a investigação judicial eleitoral ter sido julgada improcedente ou a Apelada ter recebido o dinheiro para relatar o que presenciou não altera a situação fática de que o candidato efetivamente reteve indevidamente os títulos eleitorais de cidadãos para possibilitar o pagamento deles pela prestação dos serviços na campanha eleitoral do candidato. Inexistente o dolo de dar causa à instauração de processo judicial contra alguém que o sabe inocente, pois a convicção da Réu era de que relatava fato verdadeiro, o que efetivamente veio a ser confirmado com busca e apreensão realizada nos autos da investigação eleitoral, na qual foram apreendidos vários documentos dos eleitores, incluindo título eleitoral, junto ao candidato José Francinaldo Filho, o que corrobora, em tese, a existência da conduta ilícita com fins eleitorais e a consequente declaração inicialmente prestada pela ré na “ notitia criminis” . Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) Em face do exposto, nego provimento à Apelação. É como voto. Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) APTE APDO ADV/PROC RELATOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : MARIA ULISBRENE DE SOUSA QUEROZ : MARIA ALDENIR CHAVES SILVA : DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO EMENTA PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339, DO CÓDIGO PENAL. IMPUTAÇÃO A CANDIDATO A VEREADOR NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE PEREIRO/CENO ANO DE 2008 DO ILÍCITO DE RETENÇÃO DO TÍTULO ELEITORAL DE VOTANTES. ART. 91, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 9.504/97. FATO QUE SE REVELOU VERDADEIRO NA AÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AUSÊNCIA DE DOLO DA RÉ. INEXISTÊNCIA DO CRIME. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Apelação Criminal manejada pelo Ministério Público Federal para a reforma de sentença que absolveu a Apelada na imputação da prática do delito tipificado no artigo 339, do Código Penal (denunciação caluniosa), fundamentando-se na prova documental e testemunhal da possível prática do ilícito imputado a candidato à vereador do Município de Pereiro/CE nas eleições do ano de 2008, consistente na retenção indevida de títulos de eleitor (crime eleitoral previsto no art. 91, parágrafo único, da Lei nº 9.504/97). 2. Apelada que noticiou ao MPE, no dia 24/09/2008, que teriam sido retidos documentos, inclusive o título eleitoral, dela e de outras pessoas, pelo candidato a vereador, como condição de garantir o emprego na campanha eleitoral deste, retratando-se no curso da investigação eleitoral, afirmando que teria sido paga por outro candidato para inventar a denúncia. 3. O auto de constatação e apreensão executado no curso da Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE n. 175/2008 ajuizada em desfavor do candidato à vereador do Município de Pereiro/CE ratificou a apreensão de vários documentos dos eleitores, incluindo título eleitoral, junto a ele corroborando, em tese, a existência da Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101) conduta ilícita com fins eleitorais e a declaração prestada pela Ré na “ notitia criminis” . 4. A improcedência da investigação judicial eleitoral e o recebimento de dinheiro pela Apelada para relatar o que presenciou não altera a situação fática de que o candidato efetivamente reteve indevidamente os títulos eleitorais de cidadãos para posterior pagamento a eles pela prestação dos serviços na campanha eleitoral. 5. Inexistência de dolo de dar causa à instauração de processo judicial contra alguém que o sabe inocente, pois a convicção da Ré era de que relatava fato verdadeiro, o que efetivamente veio a ser confirmado com a busca e apreensão realizada nos autos da investigação eleitoral, na qual foram apreendidos em poder do candidato vários documentos de eleitores, incluindo título eleitoral. 6. Conjunto probatório que revela a possível falsidade da retratação, e não a primeira comunicação de crime, fato a ser considerado quando se verifica que a Ré se tratava de pessoa jovem, pouco mais de 18 anos, inexperiente e, segundo relatam as testemunhas de defesa, humilde e de parcas instruções, de forma que pode ter sido manipulada por um ou outro candidato. 7. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas. Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à Apelação, nos termos do relatório, voto do Desembargador Relator e notas taquigráficas constantes nos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife (PE), 24 de julho de 2014. Desembargador Federal Geraldo Apoliano Relator Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano NGE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 11391-CE (0000529-38.2010.4.05.8101)