CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO “UM COMPUTADOR POR CRIANÇA” (One laptop per child - OLPC) Valdemar W. Setzer Depto. de Ciência da Computação, IME-USP Ver artigo em meu site: www.ime.usp.br/~vwsetzer www.ime.usp.br/~vwsetzer 1 ÍNDICE 1. Levantamento 2. Argumentos locais 3. Tese 4. Estudos estatísticos recentes 5. Argumentos universais 6. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 2 1. LEVANTAMENTO O ser humano é uma máquina? Favor responder SIM ou NÃO no papelzinho www.ime.usp.br/~vwsetzer 3 ÍNDICE 1. Levantamento 2. O projeto 3. Argumentos locais 4. Tese 5. Estudos estatísticos recentes 6. Argumentos universais 7. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 4 2. O projeto Apenas de hardware Desenvolvimento de um computador barato Para os governos doarem para as crianças de escolas estatais N.Negroponte já governos convenceu vários Planejado: US$ 100; atual: US$175 Plano para o Brasil: 1.000.000 de máquinas Segundo a Veja de 16/5/07, um porcada aluno de escola estatal: 30 milhões www.ime.usp.br/~vwsetzer 5 2. O projeto (cont.) Não há NENHUM projeto educacional Veremos citação mais adiante O único “projeto” educacional é dando um computador para cada criança, ela automaticamente terá uma educação melhor www.ime.usp.br/~vwsetzer 6 ÍNDICE 1. Levantamento 2. O projeto 3. Argumentos locais 4. Tese 5. Estudos estatísticos recentes 6. Argumentos universais 7. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 7 3. Argumentos locais Alguém tem dúvida da corrupção que estará envolvida nesse projeto? Dividendos políticos – alguém duvida de que esse seja um dos motivos principais? Baseado na ignorância geral e no oba-oba Inclusão digital Sc. American, Aug. 2003, pp. 34-39: inclusão digital só funciona quando salas/quiosques têm um técnico/orientador (“intermediador”) à disposição dos usuários www.ime.usp.br/~vwsetzer 8 3. Argumentos locais (cont.) Total inversão de prioridades (p.ex. professores ganhando uma miséria – alguns analfabetos ou semi-analfabetos –, escolas que têm chão de terra ou não têm banheiro, etc.) Ler Veja p. 90 Escolas deveriam ser bonitas, e não como prisões Para que os alunos e professores gostem de lá estar Custos – questão crítica no Brasil (NYT, 4/5/07 – ver em meu site, no artigo) A escola de ensino médio Mataoca em Richmond, na Virginia, "começou a eliminar o seu programa de laptops já de 5 anos no último outono [setembro de 2006] depois de concluir que os estudantes não tinham mostrado qualquer ganho escolar comparado com escolas sem laptops. A continuação do programa iria custar mais US$1,5 milhão no primeiro ano apenas, e um levantamento de professores e pais mostrou que um quinto dos alunos da Mataoca raramente ou nunca usavam seus laptops para o aprendizado." www.ime.usp.br/~vwsetzer 9 3. Argumentos locais (cont.) Custos – questão crítica no Brasil (cont.) (NYT, 4/5/07 – ver vínculo em meu site, no artigo) O distrito escolar do município de Broward, na Florida, "abandonou uma proposta de US$275 milhões para dar um laptop para cada um de seus mais de 260.000 estudantes depois de reavaliar os custos de um projeto piloto. O distrito, que pagou US$7,2 milhões para fazer leasing de 6.000 laptops para o piloto em 4 escolas, estava gastando mais do que US$100.000 por ano em consertos de telas e teclados, que não eram cobertos pelas garantias." Numa escola da cidade de Liverpool, NY, "Logo uma sala que era usada pelo clube do livro anual da escola [esses livros são feitos pelos alunos], tornou-se uma oficina de consertos para as 80 a 100 máquinas que quebravam cada mês." www.ime.usp.br/~vwsetzer 10 3. Argumentos locais (cont.) Não preparar os professores é um crime Preparar para o quê? Saber usar a máquina? Onde estão os maravilhosos recursos educacionais com computador? Os laptops serão quebrados, roubados das crianças, sujados... Existe um problema cultural anterior! www.ime.usp.br/~vwsetzer 11 ÍNDICE 1. Levantamento 2. O projeto 3. Argumentos locais 4. Tese 5. Estudos estatísticos recentes 6. Argumentos universais 7. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 12 4. Tese Sou TOTALMENTE CONTRA o uso de computadores na educação, pelo menos até o ensino médio Idealmente: depois dos 17 anos A menos de casos de certas deficiências, como incapacidade de segurar um lápis No ensino médio: até a 2a. série, somente CST (Computer Skill Training) www.ime.usp.br/~vwsetzer 13 4. Tese (cont.) Podem achar que eu sou maluco e/ou alienado, mas a grande questão é a influência que os computadores exercem sobre qualquer usuário, principalmente na sua maneira de pensar, e se essa influência não é maléfica para crianças e adolescentes www.ime.usp.br/~vwsetzer 14 4. Tese (cont.) Computadores são máquinas matemáticas; qualquer comando que se dê a elas ativa uma função estritamente matemática de manipulação lógica de símbolos. O usuário é forçado a empregar pensamentos lógico-simbólicos, algorítmicos, que podem ser introduzidos no computador (“pensamentos maquinais”); usar uma linguagem estritamente formal www.ime.usp.br/~vwsetzer 15 4. Tese (cont.) Pergunta crucial Qual a idade mínima para que esses tipos de pensamento e de linguagem não prejudiquem o desenvolvimento sadio de uma criança e de um adolescente? www.ime.usp.br/~vwsetzer 16 4. Tese (cont.) Usando os conceitos de desenvolvimento individual da Pedagogia Waldorf (sucesso desde 1919 – ver www.sab.org.br), mais estudos e observações minhas, cheguei à conclusão de que a idade mínima deveria ser de 17 anos Maturidade mental (capacidade de abstração e formalização, como para a prova de teoremas – isso levaria a 15 anos) Até 15 anos: criança ou jovem só querem brincar com o computador Exigência de enorme auto-controle (leva a 17 anos). Principalmente a Internet, pois ela apresenta um ensino libertário www.ime.usp.br/~vwsetzer 17 4. Tese (cont.) Com conceituação e observação corretas não é preciso fazer estatísticas P.ex. para saber o que acontece quando um trator passa em cima de uma plantação de morangos Basta ter a conceituação correta do que é um trator e o que é uma planta de morango Ver detalhes em meu livro Meios Eletrônicos e Educação: uma visão alternativa, Ed. Escrituras, 3a. ed. 2005 e vários artigos em meu site Estudos recentes comprovam o que venho escrevendo desde 1976 (Anais do I Simpósio da Academia de Ciências do E.S.P. e em meu site) www.ime.usp.br/~vwsetzer 18 ÍNDICE 1. Levantamento 2. O projeto 3. Argumentos locais 4. Tese 5. Estudos estatísticos recentes 6. Argumentos universais 7. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 19 5. Estudos estatísticos recentes Angrist (MIT) e Lavy (9/2001) Analisaram o programa “Tomorrow 98” de instalação maciça escolas em Israel de computadores em Meta era 10 alunos/computador em 1998 Análise: 200 escolas; testes de matemática e de hebraico Resultados “There is no evidence that increased educational use of computers actually raised pupil test scores.” “... negative effect on 8th grade math scores...” “... (marginally) statistically significant decline in test scores in 4th grade classes...”www.ime.usp.br/~vwsetzer 20 5. Estudos estatísticos recentes (cont.) Fuchs e Woesmann (11/2004), Univ. Munique Usaram o PISA 2000 (estudo internacional de nível de escolaridade por meio de testes) c/ 174.000 alunos de 15 anos Chamam a atenção para o fato de a disponibilidade de computadores estar associada à disponibilidade de outros recursos educacionais (problemas c/ análises bivariadas – em geral dão resultado positivo) Com análise multivariada mostraram que “... correlation becomes small and statistically indistiguishable from zero once other school characteristicas are held constant.” www.ime.usp.br/~vwsetzer 21 5. Estudos estatísticos recentes (cont.) “... Students who use computers at school several times a week perform sizably and statistically worse in both math and reading.” “... there is also a negative relationship between home computer availability and student achievement, ...” “Having a computer at home and using it at school will almost certainly raise some computer skills. What our results suggest is only that this may come at the expense of other skills. However, Borghans and ter Weel (2004) show that these other (math and writing) skills are the ones that yeld significant labor-market returns, not the computer skills.” www.ime.usp.br/~vwsetzer 22 ÍNDICE 1. Levantamento 2. O projeto 3. Argumentos locais 4. Tese 5. Estudos estatísticos recentes 6. Argumentos universais 7. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 23 6. Argumentos universais Não há NENHUMA necessidade de se aprender a usar um computador muito cedo Já é fácil aprender a usar um, e vai ser cada vez mais fácil (melhores ícones, tutoriais, helps) Quantos adultos de hoje aprenderam quando crianças? Pelo contrário, esse uso é altamente prejudicial P.ex. (Orion, 9-10/2005) Lowell Monke salientou a alienação que traz o computador em relação a experiências da realidade – sociais, da natureza, etc. Isso já estava em nosso artigo conjunto “Computers in education: why, when, how” e em escritos meus anteriores (inclusive no artigo de 1976) www.ime.usp.br/~vwsetzer 24 6. Argumentos universais (cont.) Pelo contrário, é altamente prejudicial (cont.) Acelera indevidamente o desenvolvimento intelectual “Andador mental” Mata a imaginação e portanto a criatividade Prejudica a sociabilidade Induz indisciplina (da pior espécie: a mental) Induz mentalidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo; produz fragmentação do pensamento; prejudica a concentração mental Induz mentalidade e ânsia de fazer tudo rapidamente Só o que parece jogo eletrônico é interessante www.ime.usp.br/~vwsetzer 25 6. Argumentos universais (cont.) Pelo contrário, é altamente prejudicial (cont.) Deturpação da linguagem (tende a ser sintética, abreviada - não é coincidência que os programadores sempre abreviaram os nomes das variáveis!) Prejuízo do pensamento claro (quem não consegue escrever claramente, não consegue expressar-se claramente e vice-versa – altíssima correlação entre testes de nível intelectual e de português) Aliena da realidade Todo ensino é altamente contextual Transforma o ensino num jogo eletrônico Veja, p. 91 www.ime.usp.br/~vwsetzer 26 6. Argumentos universais (cont.) Pelo contrário, é altamente prejudicial (cont.) Da página “One laptop per child”, http://www.laptop.org : “Laptops are both a window and a tool: a window into the world and a tool with which to think. They are a wonderful way for all children to ‘learn learning’ through independent interaction and exploration.” Tudo errado! “Janela” deveria ser para o mundo real e a imaginação, e não para o mundo virtual! Crianças não devem pensar abstratamente, formalmente – não seriam mais crianças! Está confundindo a interação e exploração sadia da natureza e do convívio social, com o mundo formal e virtual do computador Crianças não devem aprender conscientemente a aprender, o que seria correto para adultos www.ime.usp.br/~vwsetzer 27 6. Argumentos universais (cont.) Pelo contrário, é altamente prejudicial (cont.) Pior influência: na visão de mundo Nunca houve uma metáfora tão forte para a indução da mentalidade de que o ser humano é uma máquina » Errado! Toda máquina foi projetada e construída, os seres vivos não » Vou ser radical: não existe nada puramente mecânico nos seres vivos Principalmente com crianças e jovens! » Toda criança tem uma religiosidade inata www.ime.usp.br/~vwsetzer 28 6. Argumentos universais (cont.) Ser humano como máquina elimina Sentimentos, compaixão (ver meu site o artigo “I.A. - Inteligência Artificial ou Imbecilidade Automática? As máquinas podem pensar e ter sentimentos?”) Liberdade Responsabilidade Amor altruísta Individualidade Dignidade, respeito, veneração Vai levar (já levou?) a pensamentos puramente racionais, desensibilização (falta de sentimentos) e ações bestiais O QUE ESTAMOS VENDO POR AÍ? MISÉRIAS INDIVIDUAL E SOCIAL CRESCENTES (psicológicas e psíquicas) DESTRUIÇÃO DA NATUREZA (falta de respeito para com ela) www.ime.usp.br/~vwsetzer 29 ÍNDICE 1. Levantamento 2. O projeto 3. Argumentos locais 4. Tese 5. Estudos estatísticos recentes 6. Argumentos universais 7. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 30 7. Epílogo “O problema não é o mundo que vamos deixar para nossos filhos, mas que filhos vamos deixar para o mundo.” Federico Mayor, ex-Diretor da UNESCO COMO EDUCAR NOSSOS FILHOS PARA MELHORARMOS O MUNDO??? www.ime.usp.br/~vwsetzer 31 7. Epílogo (cont.) Deixem as crianças serem infantis: não lhes dêem acesso a TV, jogo eletrônico e computador/Internet! A escola do futuro deve ser mais HUMANA, não mais TECNOLÓGICA. As máquinas, que deveriam nos dar liberdade estão nos aprisionando cada vez mais (ver meu artigo “The mission of technology”, em meu site), www.ime.usp.br/~vwsetzer 32 7. Epílogo (cont.) O que os alunos precisam é Um local agradável de estudo Mais vivência da realidade, abstração na idade certa Atividades artísticas e artesanais Atividades sociais/jogos cooperativos Entusiasmo, calor humano, e compreensão individual por parte dos professores. NÃO PRECISAM DE COMPUTADORES, PELO CONTRÁRIO, ELES PREJUDICAM! www.ime.usp.br/~vwsetzer 33 ÍNDICE 1. Levantamento 2. Argumentos locais 3. Tese 4. Estudos estatísticos recentes 5. Argumentos universais 6. Epílogo www.ime.usp.br/~vwsetzer 34 FIM CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO “UM COMPUTADOR POR CRIANÇA” (One Laptop per Child) Valdemar W. Setzer Depto. de Ciência da Computação, IME-USP Ver artigo no site: www.ime.usp.br/~vwsetzer www.ime.usp.br/~vwsetzer 35