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Classificação do artigo 30 mar 2015 O Globo
RENNAN SETTI rennan. setti@ oglobo.com. br Colaborou Marlen Barbosa (estagiário)
Financiamento mais caro
Aluno que ficar de fora do novo Fies pagará 15% mais e terá prazo menor em
crédito privado
O aluno que não se adequar às novas regras do Fies, que entram em vigor hoje, encontra crédito 15%
mais caro no setor privado. Há casos de faculdades que pagam os juros. Com as regras mais rígidas do
Financiamento Estudantil (Fies) a partir de hoje, os alunos que não conseguirem financiar a graduação
pelo programa federal terão que recorrer a alternativas privadas com prazos mais curtos e, na maioria das
vezes, juros mais pesados. Na linha de crédito mais disseminada no mercado, o valor total pago pelo
estudante é 15% superior e deve ser quitado em dez anos, oito menos que no Fies. Com a perspectiva de
redução nas matrículas, já há universidades dispostas a pagar os juros pelo aluno. As instituições
pretendem lançar nos próximos meses programa similar ao Fies, com taxas mais suaves que as dos
bancos — embora mais altas que as do governo.
GUSTAVO STEPHAN
Tempo para estudar. Karen Kiarelli conta com o Fies para concluir o curso de Engenharia Civil.
Sem o financiamento, ela teria que recorrer a um emprego em horário integral
A principal novidade das regras mais rígidas para concessão do Fies é a exigência de que o aluno tenha
nota mínima de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sendo que a redação não pode
ser zerada. Até então, mesmo estudantes que obtinham zero no Enem conseguiam financiamento no
Fies.
‘PAGAR JURO É MELHOR QUE PERDER ALUNO’
A nova regra deve tornar inacessível o Fies a milhões de alunos. Segundo dados da Hoper Consultancy
citados em relatório do Banco Votorantim, 26% dos 4,2 milhões de candidatos do Enem de 2012 ficaram
abaixo dos 450 pontos. O percentual sobe para 37% na Região Norte e para 32% no Nordeste. A
mudança afetará o caixa das universidades privadas, uma vez que cerca de um terço dos estudantes de
graduação são financiados pelo Fies. Desde que foi ampliado, em 2010, o programa já concedeu 1,9
milhão de financiamentos, desembolsando R$ 28,4 bilhões — mais que o orçamento anual do Bolsa
Família.
— O potencial de crescimento das matrículas será reduzido — disse Guilherme Moura Brasil, analista
de Educação do Banco Fator. — Mas as alterações no Fies são positivas, pois vão no sentido de dar mais
sustentabilidade ao programa e incentivar maior qualidade no ensino. O problema foi a forma como foi
comunicada, sem consulta prévia ou negociação — disse, repetindo a reclamação das faculdades, o que
motivou ações na Justiça.
Com juros considerados simbólicos (3,4% ao ano), prazos de quase duas décadas para amortização e
níveis baixos de recusa, o Fies praticamente inviabilizou o desenvolvimento do financiamento universitário
privado. Segundo especialistas, as linhas privadas de peso são a da Ideal Invest e o Crédito Universitário
Bradesco.
A Ideal Invest, que gere a linha de crédito PraValer, fechou nas últimas semanas acordo com diversas
faculdades, incluindo as cariocas Estácio, Veiga de Almeida (UVA) e Castelo Branco. A Ânima, com atuação
em São Paulo e Minas Gerais, e a Ser Educacional, forte no Norte e no Nordeste, anunciaram linhas de
crédito de R$ 1 bilhão, cada. Estácio e Ânima pagam os juros totais pelos alunos, enquanto a Ser pagará a
diferença entre o juro privado e os 3,4% do Fies.
Desde que foi criada, em 2006, a IdealInvest já havia financiado 50 mil alunos, em um total de R$ 1
bilhão. Seu plano era repetir o valor nos próximos três anos, mas, com o Fies mais restrito, a meta agora
é fazer mais R$ 3 bilhões no período.
— Com as mudanças, as faculdades buscam soluções — disse Carlos Furlan, sócio e diretor­executivo
da Ideal Invest, fundada por ex­funcionários do antigo Banco Garantia, fundado por Jorge Paulo Lemann.
Se houver falência da faculdade — situação que deixou alunos em apuros em casos como o da Gama
Filho —, a empresa diz que se compromete a realocar o estudante em outra instituição com condição de
pagamento similar ou melhor.
Mas a alternativa privada tem juros bem mais altos que o do Fies. No caso de um curso com quatro
anos de duração e mensalidade de R$ 750, no PraValer, com juros parcialmente subsidiados pela
faculdade, o prazo de amortização é oito anos mais curto e o custo, 15% maior. A simulação sobre o Fies
foi feita no site da Caixa Econômica Federal, para um universitário sem bolsa de estudos de ProUni e que
busca financiar 100% do valor do curso. Já a simulação do PraValer foi feita pela Ideal Invest, responsável
pela linha de crédito.
Pelo Fies, o aluno só começaria a quitar o financiamento, em parcelas mensais de R$ 311,29, a partir
de julho de 2020. Até lá, seriam cobradas dele parcelas de R$ 50 a cada três meses. O financiamento
teria até junho de 2033 para ser amortizado, a um custo total de R$ 49.573,48 — dos quais R$ 36 mil
são o valor da graduação e R$ 13.573,48, os juros.
No Fies, incide taxa de juros de 3,4% ao ano. No PraValer, mesmo com juros parcialmente subsidiados
pela universidade, a taxa média anual é de 17,45% ao ano. A amortização começa no início do curso, em
parcelas equivalentes à metade do valor integral da mensalidade — nesse caso, R$ 375. O prazo para
quitar o financiamento é de dez anos, incluindo os quatro anos da graduação. As parcelas sofrem aumento
progressivo, até atingirem R$ 488 no fim do período. O valor total pago pelo estudante seria de R$
57.113,92, dos quais R$ 21.113,92 são juros.
Em casos como o da Estácio, que paga os juros do aluno, o mesmo curso com mensalidade de R$ 750
custaria ao aluno R$ 39 mil ao fim da amortização — contra cerca de R$ 50 mil do Fies. Mas o prazo é de
oito anos, em vez dos 18 do programa federal e dos dez anos do PraValer com juros parcialmente
subsidiados.
— Se a gente está pagando os juros pelo aluno, a faculdade vai ganhar menos. Mas isso é melhor do
que perder o aluno. O negócio de educação tem muito a ganhar com escala — disse o diretor comercial da
Estácio, George Neiva.
UM NOVO FIES COM CAPITAL PRIVADO
Segundo especialistas, o índice de aprovação do crédito é muito elevado no Fies, que impõe como
condição renda familiar mensal bruta de, no máximo, 20 salários mínimos. Já no PraValer, a taxa de
aprovação é de um terço, segundo Furlan. O aluno tem que comprovar renda mínima de duas vezes o
valor da mensalidade.
O Santander, que acaba de lançar um seguro que paga a mensalidade do aluno em caso de perda do
emprego, avalia a possibilidade de lançar linha de crédito, mas vê o cenário com cautela.
As faculdades preparam um fundo similar ao Fies, com capital privado, com lançamento até o fim de
maio. O projeto prevê a criação de um fundo de provisionamento para cobrir a inadimplência.
— Estamos procurando as federações de bancos e da indústria para participar desse financiamento,
mas o estágio ainda é de negociação. O juro não poderá ser de 3,4% ao ano porque é impossível competir
com isso. Mas não pode ser alto demais — contou Elizabeth Guedes, da Associação Brasileira para o
Desenvolvimento da Educação Superior (Abraes), que reúne os principais grupos educacionais do país.
A estudante de engenharia da UVA Karen Kiarelli de Rezende diz que, sem o Fies, teria dificuldade de
bancar os R$ 1.700 mensais e aproveitar as aulas. Karen avalia que poucos estudantes podem recorrer ao
setor privado para concluir o curso.
— Faço estágio. Se não tivesse o financiamento, teria que arrumar um trabalho com carga horária de
oito horas, o que comprometeria meu rendimento.
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