LUDICIDADE E EDUCAÇÃO INFANTILl
Ana Soares JORGE2
Resumo: Este artigo tem como base uma pesquisa-intervenção ligada ao Projeto
Integrado Co-construindo o Conhecimento e a Subjetividade com o Educador
Infantil e a Criança, realizado nas creches municipais pela equipe de Psicologia
integrante do Núcleo Multidisciplinar de Pesquisa, Extensão e Estudo da Criança
de Oa 6 anos (UFF). Tal pesquisa viabilizou-se a partir do convênio firmado
entre este Núcleo e a Fundação Municipal de Educação de Niterói. Observando
e vivenciando o cotidiano de uma das creches, vislumbramos um caminho de
interlocução e co-construção de um trabalho que os ajudasse a refletir, analisar
e enriquecer suas práticas lúdico-pedagógicas. Assim, o Projeto do Brincar foi
co-construído e desenvolvido por mim e pela equipe de educadores da creche.
Nosso trabalho objetivou deslocar essas atividades lúdicas do lugar secundário
que comumente ocupam, visando a promover, junto aos educadores, a
necessidade de preparar esses espaços e, principalmente, de atentar para o que
nele acontece, planejando e estruturando certas atividades, não só dentro das
salas como também nos espaços externos.
Palavras-chave: Brincar. Educação Infantil. Desenvolvimento.
1 Artigo baseado em uma pesquisa realizada pela autora, como bolsista PIBIC/CNPq pela
Universidade Federal Fluminense (UFF), de 1997 a 1999. Esta pesquisa foi vencedora do
Prêmio UFF-Vasconcellos Torres - 1998.
2 Mestre em Psicologia Clínica (PUC-Rio). E-mail: [email protected]
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"Já podaram seus momentos, desviaram seu destino, seu sorriso de menino quantas vezes se escondeu. Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia, e há que se cuidar do broto para que a vida nos dê flor e fruto." (Wagner Tiso e Milton Nascimento) Pensar a infância e sua educação no contexto contemporâneo é
pensar as instituições existentes atualmente e a forma como elas pensam, se
conectam e se articulam com a criança e o educador. No presente artigo,
remetemo-nos especificamente à instituição creche3, que se estabelece como
um modo recente de amparo e referência à infância; um espaço que deixa de ser
local de guarda e assistência, passando a ser percebido enquanto universo
educacional. Um novo habitar da criança e do profissional de educação.
Pretendemos, nas próximas linhas, compartilhar algumas histórias, narrando
vivências e produzindo novos sentidos, pensando o cotidiano como um universo
de multiplicação, e não enquanto cristalização da vida.
No ano de 1995, o Ministério da Educação e do Desporto lançou
o primeiro manual para atendimento a crianças em creches, intitulado Política
Nacional de Educação Infantil. Nele, o respeito pelos direitos fundamentais das
crianças era defendido concedendo-lhes o direito a brincadeiras, à atenção social,
3 Neste trabalho abordaremos o termo creche enquanto instituição de educação infantil
que atende a crianças de O a 6 anos, não dicotomizando tal organização em: creche (O a 3
anos) e pré-escola (3 a 6 anos), como nos propõe a Lei n° 9.394, de 1996, que trata das
diretrizes e bases da educação nacional.
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a ambiente aconchegante, seguro e estimulante, a alimentação saudável, além de
atenção especial durante seu período de adaptação à creche. Com isso, os
espaços de Educação Infantil tomaram-se mais valorizados, deixando para trás,
de certa forma, o estigma de depósito, local de guarda para crianças.
Em dezembro de 1996, o Governo Federal promulgou a nova Lei
de Diretrizes e Bases (n° 9.394/96), com profundas mudanças na legislação
brasileira. Destaca-se no que diz respeito à Educação Infantil que um dos
importantes avanços foi o fato desta passar a integrar o sistema de educação,
estando os municípios incumbidos de oferecê-la, tendo como prioridade a
manutenção do ensino fundamental - único nível escolar instituído como
obrigatório. A LDB aponta para o direito das crianças até os 6 anos, ao
atendimento municipal em creches e pré-escolas e sua respectiva gratuidade; no
entanto, não cria condições e metas para que tal compromisso - e dever dos
governos - seja assegurado.
É fundamental que a educação da criança com menos de 6 anos
não seja colocada como uma questão menor, pois mesmo não sendo obrigatória,
ela deve fazer parte da concepção geral de educação no Brasil e representar o
real valor que deve ser dado ao desenvolvimento e ao futuro das nossa,;; crianças.
A infância é um período em que ocorrem transformações e acontecimentos
importantíssimos na vida humana, constituindo uma parte vital no processo
permanente de desenvolvimento. Nesse sentido, passa a ser essencial a
elaboração não só de propostas pedagógicas, como também de propostas lúdicas
que valorizem e enriqueçam esse desenvolvimento, em todos os sentidos.
A creche, a pré-escola, a escola seriada, enfim, as organizações de
educação em geral precisam ser espaços democráticos, com propostas lúdico­
pedagógicas de qualidade, valorizando sempre a criança como co-construtora
de seu desenvolvimento e respeitando seu tempo e processo de aprendizagem
próprios. O desenvolvimento infantil se dá em ritmos e modos peculiares a cada
criança, sendo repleto de movimentos e especificidades que devem ser
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pennanentemente levados em conta.
Na perspectiva co-construtivista há a tentativa de
entender o sujeito em desenvolvimento através da
integração de diferentes paradigmas, porém sempre
capaz de construir o novo. ( ... ) Tal perspectiva
redimensiona os vínculos presentes entre as perspectivas
construtivista e sociogenética, preservando o papel
central do sujeito ativo e subjetivo, que constrói seu
próprio mundo psicológico, em constante relação e
confronto com o mundo psicológico dos outros e o meio
externo em geral. Junto a isso é preservada a noção da
primazia histórica do mundo social (simbólico e afetivo)
e o desenvolvimento humano é caracterizado pela
construção conjunta (por isso co-construção) do sistema
psicológico
do
sujeito
em
transformação.
(VASCONCELLOS; VALSINER, 1995, p. 19)
Neste momento, voltamo-nos para uma realidade específica: uma
creche municipal onde desenvolvemos um trabalho de pesquisa-intervenção4 e
assessoria aos educadores, e que viabilizou-se através do convênio fmnado entre
a Fundação Municipal de Educação e o Núcleo Multidisciplinar de Pesquisa,
Extensão e Estudo da Criança de O a 6 anos, fonnado por um grupo de
professores e alunos/bolsistas (dos cursos de Psicologia, Educação e Serviço
Social, dentre outros) da Universidade Federal Fluminense.
Trabalho de pesquisa e extensão ligado ao Projeto Integrado Co-construindo o
Conhecimento e a Subjetividade com o Educador Infantil e a Criança, sob coordenação
da Profa. Dra. Vera Maria Ramos de Vasconcellos, de 1997 a 1999.
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Escolhemos duas questões para reflexão: Qual o real valor que o
profissional de Educação Infantil dirige a si próprio? Que valor estamos dando,
enquanto sociedade, a esse espaço de educação e a esses profissionais? Vivemos
em um país onde o trabalho dos professores (não apenas da área de Educação
Infantil, como também de todos os outros segmentos) não é suficientemente
reconhecido pelos governantes. O salário e as condições de trabalho são
aviltantes.
Em 1994, o MEC reconheceu a falta de transparência sobre a
aplicação dos recursos em educação. Com todos esses fatores (e alguns outros),
os educadores sentem-se colocados em segundo plano e sem perspectivas de
um futuro melhor em sua profissão. Trabalham muito, uma vez que, com todo
este descaso, são raros aqueles que trabalham em apenas uma unidade pública
de educação. Vivem em um ritmo acelerado, muitas vezes trabalhando em três
lugares diferentes, para que possam, ao final do mês, compor um salário um
pouco mais digno. Não há como desenvolver uma pesquisa-intervenção de
qualidade nas VEIs de Niterói sem que antes seja feito um trabalho com os
educadores. Através de nossa pesquisa-intervenção,5 acompanhamos a
organização do Programa de Educação Infantil e a formação permanente dos
profissionais de creche e pré-escola neste Município.
Dessa forma a pesquisa vem sendo, mais uma vez, tecida
nas observações das atividades das creches e nas
reuniões com a equipe de educadores de cada unidade,
5 Trabalho realizado nas creches municipais pela equipe de Psicologia integrante do
NMPEEC O a 6 anos. Cada UEI possuía um projeto específico de pesquisa, desenvolvido
pelo(s) bolsista(s) que exercia(m) atividades de estudo, pesquisa e extensão naquele
espaço. Todos os projetos (realizados em cada creche) vinculavam-se ao Projeto Integrado
de Pesquisa Contextos Infantis de Construção do Conhecimento e Formação da
Subjetividade da Criança e do Educador.
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além de atuar nos espaços de formação que fomos
criando à medida que o grupo sentia necessidade de
rediscutir as bases de suas ações. Nessa teia, foram
sendo revistas as concepções de Criança, Educação
Infantil e a importância dos educadores, enquanto autores
e atores que são na construção do espaço coletivo que
é cada creche, no sentido de tomar as condições desses
profissionais cada vez mais interessantes e atraentes,
sob o ponto de vista deles mesmos, das crianças e suas
famílias. (VASCONCELLOS, 1998, p. 4)
o
olhar do observador não dá conta de toda a realidade e é
produzido a partir de um determinado ponto de vista. Enquanto pesquisadores,
buscamos outros olhares, outras formas e angulações sobre uma "mesma"
realidade, sem a pretensão de dar conta de tal contexto ou de uma possível
neutralidade. Apostamos nas misturas, nos encontros, nas trocas, na diversidade.
O momento de entrada na creche é difícil, envolvendo a construção de relações
de confiança com os educadores, as crianças e suas farm1ias, a conquista de um
espaço/território - momento fundamental para o desenvolvimento de um trabalho
de qualidade.
Esse contato com tanta diversidade de opiniões, saberes, objetivos,
perspectivas, projetos, ideais etc. foi enriquecedor para toda a equipe do
NMPEEC O a 6 e ajudou-nos a construir uma certa "filosofia" adotada por
todos: um permitir-se entrar nesse universo de educação "por inteiro",
aprendendo tanto com as educadoras e com as farm1ias como também com os
pequenos - aprendendo com outros olhares, com outras representações de
mundo.
O trabalho conjunto entre bolsista/estagiária, educadores e
educandos é uma forma de construir e co-construir a Educação Infantil,
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acreditando sempre em uma troca, em um aprender-ensinando e um ensinar­
aprendendo, reconhecendo e respeitando, por um lado, a criança como um ser
único e seu direito pela educação e, por outro, o educador enquanto ator­
mediador e um dos protagonistas no processo de desenvolvimento infantil..
Paulo Freire (1997) discute a questão da relação professor-aluno,
da paixão de ensinar e aprender, afirmando que para se chegar à tão sonhada
democracia na educação e nas escolas, é preciso que se lute, sempre, por um
espaço em que se fale aos e com os alunos para que, ouvindo-os, seja possível
também ser ouvido por eles. O educador deve estar sempre atento e refletindo
sobre o seu fazer, construindo e reconstruindo práticas e objetivos, reinventando
sua ação pedagógica e buscando sempre aproximar-se da realidade dos seus
alunos, atuando não só como educador, mas também como companheiro e
aprendiz.
Contextualizando a creche
A creche localiza-se no bairro do Engenho do Mato, em Niterói.
Atualmente, passou por reformas e mudou seu espaço, mas será descrita aqui
como encontrava-se no período em que estivemos por lá. Era composta por
sete salas, das quais as quatro maiores funcionavam como salas de atividades
para cada grupo de crianças e, as outras três restantes, como sala dos professores,
secretaria e uma sala de vídeo. Havia ainda um almoxarifado, uma cozinha, três
banheiros (dois para uso das crianças e um para uso dos educadores), uma
pequena lavanderia e um amplo espaço coberto onde funcionava o refeitório. O
espaço da creche também era composto por uma extensa área livre arborizada,
onde se encontravam alguns brinquedos (balanços, casinhas, escorregas etc.).
Não havia uma organização planejada das salas, cantinhos ou espaços específicos
reservados para leitura, trabalho com sucata, brincadeiras e jogos.
A creche contava em seu quadro de funcionários com uma diretora,
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uma professora orientadora, uma auxiliar administrativa, uma merendeira, qua­
tro professoras, quatro auxiliares de creche, uma auxiliar de creche volante e
duas serventes6• Um problema constante apontado pela unidade era o número
insuficiente de professores e funcionários. 7 Estes, cumpriam uma carga horária
semanal diferenciada, sendo alguns contratados em regime de 20 horas
(professoras) e outros, de 40 horas (auxiliares de creche).
Existia entre os educadores uma união que demonstrava a existência
de um trabalho em conjunto. Os membros da equipe (professoras e auxiliares)
tinham consciência da necessidade de construir seu papel como educadores. A
dedicação às crianças e o prazer no desenvolvimento do trabalho diário, ensinando
e aprendendo com seus alunos, eram pontos essenciais do cotidiano desses
educadores que funcionavam, de certa forma, como instrumentos motores e
motivadores da permanência na profissão desqualificada pelos poderes públicos.
A creche funcionava em horário integral (das 8h às 17h), atenden­
do a 80 crianças com idades entre 2 e 6 anos. As crianças eram moradoras da
comunidade e pertencentes, em sua maioria, à classe de baixa renda. Os
responsáveis, em grande parte, percebiam a creche como um local onde seus
filhos poderiam ser cuidados durante seu horário de trabalho. Não havia um
calendário sistemático de reuniões de pais, realizando-se encontros somente
quando a direção e/ou os educadores precisavam discutir assuntos específicos
com os responsáveis. Mesmo tendo acesso direto à creche, os responsáveis
limitavam-se a deixar e a buscar as crianças na unidade, quase nunca
Quadro do funcionários demonstrativo dos anos de 1997 e 1998.
Como exemplo, destaco o caso da turma do 3 0 período (crianças de 5/6 anos) que
praticamente passou o ano inteiro de 1997 sem uma professora. A turma contava apenas
com a auxiliar que, por sua vez, tinha que desempenhar um papel amplo de professora,
para conseguir realizar um trabalho de qualidade com as crianças. A professora, solicitada
exaustivamente à FME, foi enviada à unidade somente no final do ano, quando faltavam
menos de três meses para o término do ano letívo.
6
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ultrapassando o portão de entrada. Normalmente a participação dos pais dava­
se quando havia alguma reunião ou quando solicitavam determinadas infonnações
sobre seus filhos (referentes a saúde, relação com os educadores etc).
Apesar do grupo de educadores afirmar que trabalhava sob a
abordagem teórica do construtivismo,8 muitas vezes não era isso o que se
percebia. Algumas mantinham uma prática eminentemente tradicional, assim como
observamos casos em que as educadoras não aproveitavam a capacidade dos
seus alunos, às vezes por falta de recursos materiais, outras por falta de
esclarecimento ou conhecimento teórico.
A adesão a novas teorias tem, com certa freqüência,
assumido um caráter superficial de modismo. Assim, os
educadores têm se declarado construtivistas,
interacionistas, vygotskyanos ... As teorias por detrás
desses nomes, mal compreendidas, ficam reduzidas a
um nome ou a poucos conceitos insuficientes para
orientar a práxis pedagógica. Maior estudo e reflexão a
esse respeito fazem-se necessários para fundamentar
opções mais críticas e conscientes. (ROSSETTI;
FERREIRA apud VASCONCELLOS; VALSINER,
1995, prefácio)
o aspecto pedagógico era entendido apenas como escolarizante,
sendo inexistente a busca por alternativas que poderiam transformar ou inter­
8 O construtivismo traduz-se como uma filosofia que acredita e visa possibilitar ao sujeito
a construção do seu próprio conhecimento. O educador deve proporcionar à criança um
ambiente favorável aos objetivos propostos, mantendo uma postura mediadora das
diversas situações e fatos que se apresentam, valorizando a autonomia, o questionamento,
a observação e a criatividade da criança.
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relacionar o pedagógico com o lúdico, tomando aquele mais agradável e de fácil
acesso às crianças. A polarização do mundo feita pelas organizações de educação
é muito comum, colocando de um lado o universo da brincadeira, do jogo, da
fantasia, do sonho, e de outro, o universo do estudo, do trabalho, da seriedade.
Brincadeira e aprendizagem são consideradas, muitas vezes, ações opostas, com
diferentes finalidades e que nunca podem ocupar o mesmo espaço. Não há
interação, interlocução ou união, existindo apenas a dicotomia: ou se aprende ou
se brinca.
Nas Unidades de Educação Infantil com as quais tivemos um maior
contato ao longo de dois anos, a rotina, em sua maioria, desenvolvia-se da seguinte
forma: as crianças chegavam à creche, lanchavam, iam para as salas onde
realizavam atividades pedagógicas, brincavam no parquinho (espaço externo).
Em seguida almoçavam, dormiam, voltavam ao parquinho, tomavam banho e
retornavam às suas casas. 9 Não havia um comprometimento maior dos educadores
com esse brincar, que se resumia, basicamente, na ida das crianças ao pátio/
parquinho após a realização das atividades pedagógicas nas salas, ficando por
todo o tempo soltas, "livres", brincando por si próprias enquanto a educadora
as observava. Constantemente, o fato da brincadeira e do jogo serem, em si
mesmos, uma situação de aprendizagem, era esquecido.
Observando este cotidiano e percebendo a pouca preocupação
dos adultos com o momento do brincar, vislumbramos um possível caminho de
interlocução e co-construção de um trabalho que os ajudasse a refletir e questionar
mais sobre as práticas lúdico-pedagógicas. Acreditamos que o lúdico deve
atravessar o espaço educacional e associar-se a outras práticas, a fim de
transformá-lo e enriquecê-lo. Com isso, o processo de conhecer o mundo ganha
Dependendo do período no qual a criança estivesse (10 período: de 2 a 3 anos; 2° período:
de 3 a 4 anos; 3° período: de 5 a 6 anos), apesar de serem as mesmas atividades, a ordem
delas ao longo do dia era outra.
9
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asas. O brincar possibilita a todos, crianças e adultos, outras fonnas de desco­
bertas, de relacionarem-se consigo mesmos e com o mundo que os cerca; en­
fim, novas fonnas de criar, trocar, sentir, significar.
o lúdico em ação
"Chegamos, filho.
É aqui. Prepare-se.
Aqui você vai descobrir um vale encantado,
vai chegar na caverna misteriosa e vai conhecer o estranho
laboratório do cientista louco.
E eu queria lhe dizer uma coisa. Não esqueça, filho.
Uma rosa não é uma rosa. Uma rosa é o amanhã, uma mulher, o
canto de um homem.
Uma rosa é uma invenção sua. O mundo é uma invenção sua.
Você lhe dá sentido. Você o faz bonito. Você o cobre de cores.
Um brinquedo, o que é um brinquedo?
Duas ou três partes de plástico, de lata ...
Uma matéria fria, sem alegria, sem História ...
Mas não é isso, não é, filho?
Porque você lhe dá vida, você faz ele voar, viajar. ..
Vamos, filho.
Sabe que lugar é esse?
É um lugar de sonhos.
Uma casa de brinquedos.
Vamos entrar." 10
10 Fernando Faro. Introdução do disco Casa de brinquedos, produzido por Toquinho e
Fernando Faro.
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Devemos considerar que há algo de essencial no brincar para o
desenvolvimento humano. Através dele, os sujeitos interagem uns com os outros,
experimentam e ressignificam o mundo, criam e imaginam, exteriorizam seus
afetos, constróem e integram valores e costumes às suas vidas, brincam de vir a
ser.
o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal
da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta
além do comportamento habitual de sua idade, além de
seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela
fosse maior do que é na realidade. Como no foco de
uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as
tendências do desenvolvimento sob forma condensada,
sendo,
ele
mesmo,
uma
grande
fonte
de
desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1989, p. 117)
A brincadeira não deve ser entendida como uma atividade sem
propósito, desnecessária, ou apenas como uma atividade que entretém e dá
prazer à criança. O jogo, o brinquedo e a brincadeira possuem uma dimensão
de troca, de criação, de conquista, e não devem ser entendidos como sinônimos.
Cada um tem a sua própria especificidade. Não se pretende estender e discutir
a fundo tais distinções, apenas ressaltar algumas diferenças mais fundamentais.
Concordando com Kishimoto (1997), destacamos que diferindo
do jogo, o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma
indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que
organizem a sua utilização. Uma boneca permite à criança várias formas de
envolver-se com o lúdico, desde a manipulação até a realização de brincadeiras
como "mamãe e filhinha". O brinquedo estimula a representação, a expressão
de imagens que evocam aspectos da realidade. Ao contrário, jogos como o
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xadrez e jogos de construção exigem, de modo explícito ou implícito, o desem­
penho de certas habilidades defInidas por uma estrutura preexistente no próprio
objeto e em suas regras. O brinquedo não pode ser reduzido à pluralidade de
sentido do jogo, pois enquanto objeto é sempre suporte de brincadeira, conten­
do uma dimensão material, cultural e técnica. Ainda de acordo com Kishimoto,
a brincadeira pode ser entendida como a ação que a criança desempenha ao
concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica - podemos dizer que
é o lúdico em ação.
Segundo Winnicott (1975), o brincar é um fazer que requer tempo
e espaço próprios; um fazer universal que constitui-se de experiências culturais
promotoras de saúde, uma vez que facilita o crescimento, conduz aos
relacionamentos grupais e pode ser uma forma de comunicação da criança consigo
mesma e com os outros. O meio cultural e social no qual a criança está imersa
exerce uma influência fundamental na sua futura relação com o jogo e o brincar.
As relações entre pais e filhos, desde o seu nascimento e durante seu
desenvolvimento, envolvem jogos afetivos e cognitivos, resultando em inúmeras
descobertas, transformações e aprendizagens.
O movimento interdisciplinar das atividades que envolvem a
ludicidade (universo dos brinquedos, da música, dos livros, dos filmes/desenhos
animados/vídeos infantis, do teatro etc.) é um fator de grande importância para
a formação cultural e o desenvolvimento do sujeito.
Destacamos que o momento da brincadeira é aquele em que a
criança está pensando, refletindo, buscando, explorando, construindo e
reconstruindo, simbolizando e dando outros sentidos ao mundo que a cerca
(momento de experimentação, criação e significação dos costumes, crenças,
valores). É tempo e espaço de troca, de partilhas com o grupo, sendo também,
contudo, momento no qual o sujeito desempenha papel principal na peça que
criou ou escolheu, protagoniza sua história imaginária.
Para Vygotsky (1989), através do brinquedo a criança opera com
86
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significados desligados dos objetos e ações aos quais estão habitualmente
conectados. Urna condição muito interessante surge quando a criança, envolvida
em momentos de brincadeira, inclui nesta ações e objetos reais (da sua vida e do
mundo que a cerca). Esta é urna das características da natureza de transição da
atividade do brincar: é um estágio entre as restrições puramente situacionais da
primeira infância e o pensamento adulto que pode ser totalmente desvinculado
de situações reais. Podemos ainda destacar um atributo essencial do brincar:
aqui, urna regra toma-se um desejo.
o brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos.
Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um 'eu'
fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. C..) Uma
criança não se comporta de forma puramente simbólica
no brinquedo; ao invés disso, ela quer e realiza seus
desejos, permitindo que as categorias básicas da realidade
passem através de sua experiência. A criança ao querer
realiza seus desejos. Ao pensar, ela age. As ações
internas ou externas são inseparáveis: a imaginação, a
interpretação e a vontade são processos internos
conduzidos pela ação externa. (VYGOTSKY, 1989, p.
114)
o brincar depende de alguns fatores tais corno a companhia, o espaço, o
tempo, o brinquedo/jogo ou qualquer outro objeto que dê suporte à atividade
lúdica. É importante considerarmos o momento sócio-histórico no qual a criança,
o jovem e o adulto envolvidos em tal atividade estão inseridos. Os brinquedos e
as brincadeiras são reflexos de um momento histórico expressos através da
linguagem. Brinquedo e jogo são objetos culturais, corno nos indica Kishimoto
(1997, p. 17):
Avesso do Avesso. vA. nA, p. 74 - 99. novo 2006
87
( ... ) enquanto fato social, o jogo assume a imagem, o
sentido que cada sociedade lhe atribui. É este o aspecto
que nos mostra por que, dependendo do lugar e da época,
os jogos assumem significações distintas. Se o arco e a
flecha hoje aparecem como brinquedos, em certas
culturas indígenas representavam instrumentos para a
arte da caça e da pesca. Em tempos passados, o jogo
era visto como inútil, como coisa não-séria. Já nos
tempos do Romantismo, o jogo aparece como algo sério
e destinado a educar a criança.
A prática social de separar as brincadeiras pelo gênero também é
um fator interessante a ser considerado. Separar e propor atividades distintas
para meninos e meninas ou não permitir que haja trocas de papéis e atividades
(meninos brincando com bonecas e meninas, com bola ou carrinhos, por exemplo)
são construções sociais que marcam a divisão de papéis e a delimitação de
funções que "deverão" ser assumidas futuramente pela criança, adulto de amanhã.
Em História social da criança e da famt1ia, Philippe Aries (1981)
destaca que na sociedade européia, por volta de 1600, não havia separações
entre brinquedos e brincadeiras "femininos" e "masculinos", e nem entre
brincadeiras de criança e de adulto não havia uma separação entre o mundo
infantil e o mundo adulto. Crianças de ambos os sexos usavam os mesmos trajes,
os mesmos vestidos, e brincavam com os mesmos jogos e brinquedos dos adultos
(a partir dos três ou quatro anos), podendo brincar com outras crianças ou com
os adultos; estes participavam de brincadeiras e jogos que, nos dias de hoje,
reservamos ao universo infantil.
O educador tem função mediadora no processo de desenvolvimento
infantil (psíquico e intelectual). Visto sob esse prisma, é possível pensar que a
partir de brinquedos/jogosjá existentes (atuais ou não), o adulto pode transformá88
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los, juntamente com a(s) criança(s), em outras formas de brincar. Através de
propostas de diferentes brincadeiras e jogos, sem demarcações de papéis ou
funções, possibilita-se um enriquecimento do universo lúdico da criança e também
do adulto. A construção partilhada de novos caminhos e projetos envolvem o
adulto e a criança, o grande e o pequeno, em momentos ricos e singulares de
produção de subjetividades e construção de conhecimento.
O ato de levar o jogo ou o brinquedo (material concreto) para a
sala de aula, muitas vezes, já é suficiente para que o educador compreenda
aquele como sendo um momento de brincadeira. A chave para a compreensão
da importância do brincar não está no fato de abolirem-se as atividades lúdicas
livres, sem propostas ou regras. Há também algo de fundamental na brincadeira
sem controle, sem algum planejamento, no "brincar pelo brincar". A partir das
brincadeiras livres, vinculadas à observação permanente do educador, novas
propostas ou encaminhamentos pedagógicos podem ser pensados, sem
esquecermos que podem revelar, de certa forma, o estado de desenvolvimento
psicológico, cognitivo, lingüístico, social (integral) da criança. Entretanto, devemos
entender que as atividades lúdicas não se restringem a isso. Alguns
questionamentos se colocam: será que está sendo constituído um espaço de
liberdade para que as crianças criem, imaginem e ressignifiquem aquele brinquedo
e/ou jogo? Será que está sendo promovido um espaço rico para o brincar dos
pequenos? Ao serem propostas atividades de brincadeira, tem-se deixado que
as crianças apropriem-se delas, dando-lhes outros sentidos?
A brincadeira possui códigos. É necessário perceber o objeto,
conhecer os brinquedos, saber dar início e término à atividade. Muitos
desconhecem esse fator, e após a proposta e o início do momento do brincar,
não conseguem mais findá-lo: a brincadeira então domina espaço e tempo.
Entendendo o brincar como algo essencial para a formação da
criança, através do qual a criatividade, as descobertas, os sentidos e significações,
a experimentação e a imaginação vão ganhando força e espaço, podemos pensar
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 - 99. novo 2006
89
mais claramente sobre as inúmeras vantagens que nos traz o trabalho com materiais
de sucata. De acordo com Jorge & Santos (1998), a sucata vem dar lugar ao
novo, ao criar, fazendo com que a criança e o adulto tenham a chance de inventar
e reinventar outras possibilidades de brinquedos e brincadeiras. É um dar sentido
a algo que até então estava sem significação alguma.
O lidar com a sucata não deve ser pensado apenas como substituto
à falta de outros materiais elou brinquedos, e sim como possibilidade de criação,
de trabalhar com diferentes materiais e dar lugar à diversidade, ao novo, ao
múltiplo. O brinquedo artesanal, produzido e criado pelo sujeito, não se contrapõe
ao brinquedo industrializado: coloca-se ao seu lado no "rinque de importância".
Ambos devem ser entendidos como fontes ricas para o desenvolvimento infantil
e desempenham papéis fundamentais na vida das crianças.
O brinquedo deve representar muito mais do que um objeto,
podendo sempre adquirir diversas funções e papéis. O importante é valorizar a
criança como um agente ativo e participativo em todos os processos lúdicos e
de construção de "novos" brinquedos.
De uma maneira geral, os brinquedos documentam como
o adulto se coloca com relação ao mundo da criança.
Há brinquedos muito antigos como bola, roda, roda de
penas, papagaio, que provavelmente derivam de objetos
de culto e que, dessacralizados, dão margem para a
criança desenvolver a sua fantasia. E há outros
brinquedos simplesmente impostos pelos adultos
enquanto expressão de uma nostalgia sentimental e de
falta de diálogo. Em todos os casos, a resposta da criança
se dá através do brincar, através do uso do brinquedo,
que pode enveredar por uma correção ou mudança de
função. E a criança também escolhe os seus brinquedos
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99. novo 2006
por conta própria, não raramente entre os objetos que
os adultos jogaram fora. As crianças 'fazem a história a
partir do lixo da história'. É o que as aproxima dos
'inúteis' , dos 'inadaptados' e dos marginalizados. (BOLE
apud BENJAMIN, 1984, p. 14).
Os (des)caminhos percorridos
Através desse contexto de análise e reflexão sobre as atividades
lúdicas, o projeto do Brincar foi desenvolvido na Unidade de Educação Infantil
em questão. Tal trabalho foi co-construído entre bolsista/pesquisadora e equipe
de educadores da creche, permanentemente. Dentre as várias atividades
desenvolvidas, destacamos algumas como as mais interessantes e produtivas,
estando articuladas não somente ao brincar, como também favorecendo e
cristalizando a relação bolsista-creche-fann1ia.
Realizamos um levantamento acerca das informações existentes
sobre cada criança no arquivo da unidade e, frente à insuficiência dos dados,
elaboramos a Ficha da Criança, contando com a participação e colaboração
da direção e de todos os educadores. Através de entrevistas marcadas com os
responsáveis para o devido preenchimento das fichas, conseguimos reunir um
bom número de informações sobre cada criança, referentes a hábitos, alimentação,
sono, saúde, brincar, entre outros aspectos. A partir desses encontros, foi possível
um contato mais direto dos responsáveis/familiares com a bolsista e,
principalmente, urna nova porta foi aberta, visando à maior aproximação daqueles
com a UEI. Este projeto foi muito bem recebido pela equipe e teve sua
continuidade no ano seguinte quando, no ato da matrícula, todos os responsáveis
preencheram a ficha com o auxilio dos educadores e/ou da direção.
A Ficha da Criança construída por todos nós, não deve ser entendida
enquanto instrumento fechado e determinado. Haverá sempre a possibilidade
Avesso do Avesso, vA, nA, p. 74 - 99, novo 2006
9]
de incluir ou excluir questões e observações. Este é um viés que lhe é próprio e
que foi sempre marcado por nós junto ao grupo: é um instrumento coletivo e
passível de mudanças, de ganhar outras formas e contornos.
A concepção dos educadores da unidade sobre atividades lúdicas
e atividades pedagógicas pôde ser melhor compreendida a partir de outro
levantamento realizado pela pesquisadora. Através de um questionário,
professores e auxiliares responderam a três questões dissertativas, a partir das
quais: 1) exemplificavamatividades pedagógicas livres, atividades pedagógicas
orientadas/dirigidas, atividades lúdicas livres, atividades lúdicas orientadas; 2)
respondiam com qual(is) dela( s) preferiam trabalhar com sua turma e por quê;
3) com qual(is) dela( s) eles sentiam que as crianças tinham maior prazer de se
envolver e por quê.
Verificamos que 71,4% do grupo acreditava que seus alunos tinham
maior prazer em envolver-se com atividades lúdicas, fossem elas livres ou
orientadas; 57,14% preferiam desenvolver atividades lúdicas (livres e/ou
orientadas), principalmente por sentirem seus alunos mais envolvidos e
produtivos; 28,57% preferiam as atividades pedagógicas (livres e/ou dirigidas)
por acreditarem que são veículos mais fáceis para perceber o desenvolvimento
de seus alunos e por terem nelas "menos dificuldades em ver os objetivos do
trabalho", dentre outros; e, finalmente, 14,28% do grupo não apresentou
preferências, demonstrando realizar um trabalho de forma prazerosa com ambas.
Como entendermos a visão das educadoras em relação ao lúdico e
ao pedagógico? Estamos falando dos mesmos conceitos e práticas que elas?
Como solicitado na pesquisa, elas descreveram tais atividades/propostas de
acordo com o seu olhar. Trazemos então, alguns exemplos que estiveram
presentes na maioria dos questionários:
);- atividades pedagógicas: desenhos, trabalhos de recorte e colagem, uso
dos blocos lógicos, pintura, pesquisa, interpretação e ilustração de histórias,
massinha, livros, montagem de quebra-cabeças, dentre outras.
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atividades lúdicas: uso de argila, parquinho, trabalhos com sucata, rodinha,
dramatização de histórias, brincadeira de casinha ou trem/ônibus (com as
cadeiras enfileiradas) na sala, brincadeira de faz-de-conta, cabra-cega, dentre
outras.
Apesar de grande parte do grupo (71,4%) acreditar que seus alunos
tinham maior prazer em se envolver com atividades de brincadeira 11 e de 57,14 %
afirmar que preferiam desenvolver atividades lúdicas com sua turma, as práticas
educacionais percebidas eram de pouco aproveitamento do universo do brincar
e um sim maior envolvimento com atividades pedagógicas livres e/ou direcionadas,
tais quais exercícios padronizados, pintura de desenhos mimeografados, propostas
de atividades que pouco valorizam a criatividade, a imaginação e a fantasia infantil
etc. Não encaramos o trabalho pedagógico enquanto problemático ou
insatisfatório; gostaríamos de esclarecer apenas que acreditamos que o
aprendizado, o ensino, as trocas e interações entre educador e criança, ficam
bem mais ricos e interessantes se houver a conciliação das práticas/propostas
lúdicas com as pedagógicas.
A inauguração da Sala de Multimeios foi também merecedora de
destaque. Durante dois meses, trabalhamos na desocupação da antiga sala de
vídeo, fizemos o levantamento e a organização de todo o material necessário e
viável naquele momento, arrumamos e estruturamos o novo espaço. O antigo
cinza presente nas paredes, no chão, no 'ar' da sala, perdeu seu lugar para a
entrada de cores e de vida naquele território. Paredes, móveis e brinquedos
coloridos espalharam-se por ali e transformaram não só o espaço como também,
de certa forma, a relação da equipe com aquele lugar de possíveis encontros,
risos, encantamentos, agenciamentos, educação, brincadeiras ...
Desde então, os educadores puderam levar seu grupo à sala e
II
Livres e/ou direcionadas.
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desenvolver a atividade que fosse de seu interesse com as crianças que, por sua
vez, contavam com brinquedos, fantoches, fantasias, material de leitura, sucata,
televisão/vídeo, instrumentos musicais (bandinha), aparelho de som com fitas e
discos, etc.
Outro episódio importante foi a realização da oficina intitulada "Toda
brincadeira não devia ter hora para acabar". A partir da inauguração da
Sala de Multimeios, a equipe solicitou que a bolsista trouxesse mais materiais e
bibliografia sobre ludicidade. No encontro da Formação Continuada 12 realizado
na UEI, foram desenvolvidas dinâmicas, leitura de textos teóricos (acerca do
tema brincar), debate e, principalmente, brincadeiras. Foi levada também, uma
grande quantidade de materiais de sucata para que os educadores pudessem
contar com outras formas e possibilidades de brinquedos e jogos: os que fossem
produzidos por eles e pelas crianças. O trabalho desenvolvido na oficina suscitou
a mobilização e articulação dos educadores para um novo planejamento da
Semana da Criança (semana comemorativa do Dia das Crianças). Sendo assim,
o grupo elaborou um calendário e um cronograma de atividades de brincadeira
a serem propostas às crianças todas as manhãs daquela semana, possibilitando
articulações, conexões e trocas entre elas.
Aqui, uma reflexão prático-teórica pode ser feita: de acordo com
Lev Vygotsky (1989), a construção do conhecimento e da subjetividade do
sujeito são processos sócio-históricos e não formações naturais, como afirmam
outros pensadores. Não podemos falar de um sujeito epistemológico, que não
está em um lugar específico. Segundo ele, o desenvolvimento não é algo linear,
fechado e previsível, há mudanças e especificidades possíveis de acordo com
cada sujeito, estando as relações e interações em permanente movimento, em
transformação. Sendo assim, o contexto deve ser sempre levado em conta na
12
Encontro do mês de setembro de 1998.
94
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pesquisa e análise acerca do indivíduo e seu desenvolvimento. O social exerce
uma mediação fundamental no desenvolvimento humano. O corpo é social, o
mundo e o corpo do sujeito são coexistentes, a criança sente o mundo. Sendo
assim, os momentos de partilha, de encontros e experiências no coletivo são
extremamente importantes.
Contamos ainda com a apresentação para as crianças da atriz e
contadora de histórias Fátima Café na Semana da Criança. A apresentação
contou com a participação das crianças e dos educadores ao longo de toda a
história I 3 que em sua maioria nunca havia tido acesso a esse tipo de trabalho e
atividade desdobrando-se, na outra semana, em diferentes atividades em sala
sobre a temática despertada pelo conto.
Um contador de histórias educa, socializa, informa e
desperta a imaginação das crianças na creche. ( ... ) A
história alimenta a emoção e a imaginação. Agrada a
todos de modo geral, sem distinção de idade, de classe
social, de circunstância de vida. Todos os que tiveram
um contador de histórias em sua história de vida sabem
o quanto ele é importante. (COSTA apud ROSSETI­
FERREIRA, 1998, p. 86)
As atividades descritas não só articularam-se ao brincar, como tam­
bém favoreceram a consolidação de um novo campo de atuação da Psicologia,
como recusa da idéia de um trabalho clínico dentro dessa Instituição Pública de
Educação. A abordagem da equipe do NMPEEC O a 6 anos, inaugurou a
implantação de uma outra prática psicológica no espaço de educação, visando a
13
Conto do Príncipe Lagartão.
Avesso do Avesso. v.4. n.4. p, 74 - 99. nov, 2006
95
desnaturalizar as várias demandas por atendimento e cuidados clinicos que par­
tiam comumente das instituições educacionais. Nossa prática sempre esteve
voltada para a observação e análise das relações interpessoais refletidas nas
interações entre criança-criança, educador-criança, educador e sua práxis, cre­
che-criança-fanulia e pesquisadora-criança-educador. Dedicamo-nos ao estu­
do dos processos de desenvolvimento infantil; das contribuições que o brincar
pode trazer a tal processo; e, da formação da subjetividade de todos os atores
envolvidos, como nós, na trama de conexões, agenciamentos, movimentos e
caminhos nos campos da Psicologia e da Educação Infantil. Rede de encontros
e produções: Subjetividade, Ludicidade, Infância.
Considerações Finais "Toda brincadeira não devia ter hora para acabar"
Procuramos, junto aos educadores, construir um outro olhar sobre
o lúdico, compreendendo-o como essencial na formação da criança
(subjetividade) e na construção do conhecimento. Visamos ainda, a acompanhar
processos individuais de desenvolvimento nos espaços programados para
brincadeiras no coletivo e analisar processos que emergiam a medida que as
crianças atuavam no seu meio físico e social, delineando um universo próprio de
brincar.
Presenciamos encontros e desencontros, muitas vezes marcados
por uma grande imobilidade de todos os envolvidos (inclusive nossa), mas também
marcados por motivações, apesar dos baixos salários e das condições
desfavoráveis ao trabalho. Buscamos co-construir com os sujeitos da creche
um outro projeto educacional, onde houvesse possibilidades de rupturas com o
modelo fechado e tradicional vigente na sociedade contemporânea e alternativas
de construção de novas trilhas e caminhos, novas narrativas e outras formas de
ser, com maior abertura, dando espaço ao novo, ao diverso.
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Nosso trabalho objetivou deslocar essas atividades lúdicas do lu­
gar secundário que comumente ocupam, visando a promover, junto às educa­
doras, a necessidade de preparar esses espaços e, principalmente, de atentar
para o que nele acontece, planejando e estruturando certas atividades não só
dentro das salas como também nos espaços externos. O brincar representa um
caminho pleno de novidades e surpresas possibilitando-nos entrar em contato
com a cultura infantil e seu mundo social, afetivo e cognitivo. Um investimento
mais profundo nessa práxis traz, sem dúvida, a ampliação das trilhas e oportuni­
dades no campo do desenvolvimento e o enriquecimento das relações
interpessoais nos espaços de educação, bem como em todo e qualquer universo
de troca entre adultos e crianças.
Fazemos nossas as palavras de Madalena Freire, emA paixão de
conhece r o mundo ( 1983):
Quando se tira da criança a possibilidade de conhecer
este ou aquele aspecto da realidade, na verdade se está
alienando-a da sua capacidade de construir o seu
conhecimento. Porque o ato de conhecer é tão vital como
comer ou dormir, e eu não posso comer ou dormir por
alguém. A escola em geral tem essa prática, a de que o
conhecimento pode ser doado, impedindo que a criança
e, também, os professores o construam. Só assim a busca
do conhecimento não é preparação para nada, e sim
VIDA, aqui e agora. E é esta vida que precisa ser
resgatada pela escola. Muito temos que caminhar para
isso, mas é no hoje que vamos viabilizando esse sonho
de amanhã. (p. 15)
Avesso do Avesso, vA. nA. p. 74
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97
JORGE, Ana Soares. Play Activities and Early Childhood education. Avesso
do Avesso, Araçatuba, vA, n.4 , p. 77 - 99, novo 2006.
Abstract: This article is based on a intervention-study in association to the
integrated project Constructing Knowledge and Subjectivity with the Child
Educator and the Child- (Construindo o Conhecimento e a Subjetividade
com o Educador Infantil e a Criança )-which took place at municipal day care
centers, perforrned by the Nucleusfor Multídisciplinary Research, Expansion
and Study of Children from O to 6 years old psychology team (UFF). This
study-intervention was possible due to a grant frrrned between the Nucleus and
the Municipal Foundation for Education for the city ofNiteroi.
By observing and experiencing the daily activities at one of the day care facilities,
we devised a path for the dialogue and co-construction of a work which would
enable them to think, analyze and enrich their teaching thru play practices.
Therefore, the Project to Piay
(Projeto Brincar), was constructed and
developed by the team of teachers at the day care and I. The purpose of this
project was to move these play activities from the secondary place they have
occupied so far, with the intent to instigate the teachers for the need to prepare
these spaces, and mainly, to ponder on what happens in them. Also, to suggest
planning and structuring sorne activities not only inside the classroom but also in
the outside spaces.
Key words: Play Activities. Early Childhood Education. Development
Referências Bibliográficas
ARlES, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1981.
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99, novo 2006
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