A qualidade do crescimento
Vinod Thomas
Mansoor Dailami
Ashok Dhareshwar
Daniel Kaufmann
Nalin Kishor
Ramón López
Yan Wang
VISÃO GERAL
A última década assistiu a grandes avanços em determinadas partes do mundo. Contudo,
também houve estagna ção e retrocesso, mesmo em países que, em um passado próximo,
lograram alcançar as mais aceleradas taxas de crescimento econômico. Essas diferenças
gritantes e reveses drásticos têm muito a nos ensinar sobre o quê exatamente contribui para o
desenvolvimento. Como peça central desse quadro encontra-se o crescimento econômico, não
apenas o seu ritmo, mas também, com igual relevância, sua qualidade. Tanto as fontes como os
modelos de crescimento são determinantes dos produtos do desenvolvimento.
Será que esses modelos têm sido adequados para reduzir rapidamente a pobreza ou
melhorar a qualidade de vida no planeta? Por que tão poucos países têm sustentando fortes taxas
de
crescimento
durante
períodos
prolongados?
Por
que
alguns
aspectos
fundamentais - igualdade de distribuição de renda, proteção ambiental – sofreram impactos
tremendamente negativos em tantas economias, tanto as que registram crescimento acelerado
como as de crescimento mais lento? Essas questões são ainda mais importantes após os
turbulentos acontecimentos de 2001. Em resposta a perguntas como essas, apresentamos três
princípios de desenvolvimento e um conjunto de medidas para elevar o grau de qualidade dos
processos de crescimento.
Produtos do desenvolvimento
e processos de crescimento
Desenvolvimento diz respeito à melhoria da qualidade de vida das pessoas, ampliando
sua capacidade de construir o próprio futuro. De modo geral, isso requer maior renda per capita ,
mas implica muito mais. Envolve educação e oportunidades de emprego mais igualitárias.
Maior igualdade entre os sexos. Mais saúde e melhor nutrição. Um meio ambiente mais limpo e
sustentável. Um sistema jurídico e judiciário mais imparcial. Liberdades civis e políticas mais
amplas. Uma vida cultural mais rica. À medida que aumenta a renda per capita , muitos desses
aspectos registram melhoria em variados graus – outros, contudo, não obtêm tais resultados. De
que forma se pode influenciar os processos de crescimento para que as dimensões qualitativas
dos produtos do desenvolvimento também possam ser melhores? Este livro procura explorar
estas questões, relacionadas a um crescimento mais acelerado e adequado.
Um estudo recentemente realizado, Voices of the Poor: Can Anyone Hear Us? [A voz
dos pobres: Alguém nos ouve?] (Narayan e outros, 2000), demonstra que elevar níveis de renda
é um dos fatores capazes de diminuir a pobreza. Maior segurança de vida e um meio ambiente
mais sustentável são outros fatores para se atingir este objetivo. A experiência vivenciada em
décadas passadas e as vozes das pessoas mais pobres constituem razões bastante convincentes
para destacar esses fatores qualitativos.
De fato, da Bolívia, Egito e Uganda a Romênia, Brasil e China, a comunidade
desenvolvimentista vem ampliando a definição tradicional de pobreza e bem-estar social. Além
da renda individual e familiar, fator mensurável, o bem-estar social compreende oportunidades,
avaliadas pelo funcionamento dos mercados e investimentos e melhorias em saúde e educação.
Compreende segurança, refletida por menor vulnerabilidade a choques econômicos e físicos.
Compreende capacitação, avaliada pela inclusão social e pelo poder de livre expressão atribuído
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aos indivíduos. E compreende também sustentabilidade, representada pela proteção do meio
ambiente, dos recursos naturais e da biodiversidade.
Tem-se associado crescimento econômico à redução da pobreza de maneira positiva. Em
um primeiro momento, alguns estudos realizados projetavam uma taxa de crescimento um
pouco superior a 5% ou cerca de 3,2% per capita para o mundo em desenvolvimento na década
de 90. Estimou-se uma redução no número de pessoas pobres em aproximadamente 300 milhões
de indivíduos, ou uma taxa anual de redução de cerca de 4%. Entretanto, o crescimento real no
período 1991-98 correspondeu apenas à metade dessas projeções, atingindo 1,6% per capita.
Excluindo-se os países da Europa Oriental e da Ásia Central dessas estimativas (como nas
projeções acima indicadas), o crescimento real per capita se aproxima mais do projetado,
chegando a 3,5% - permanecendo inalterado o número de pessoas pobres e registrando-se queda
na incidência de pobreza à razão de 2% ao ano (Banco Mundial 2000a).
A redução na incidência de pobreza associada ao crescimento apresenta enormes
variações, ocorrendo o mesmo com o progresso social e ganhos em termos de bem-estar social,
sejam tais variações relacionadas à educação e saúde ou à liberdade de expressão e participação
(capítulo 1). Nas áreas em que houve estagnação ou diminuição no ritmo de crescimento, as
esferas social e de bem-estar passaram por retrocessos. O enorme grau de variação que se
verifica em relação à capacidade de o crescimento contribuir para avanços na área de bem-estar
social faz crer que deve haver um interesse direto em um progresso sustentável no campo do
bem-estar social. Faz crer ainda que o modo pelo qual se gera o crescimento é muito importante.
A qualidade do processo de crescimento, não apenas o ritmo em que caminha, afeta os produtos
do desenvolvimento – da mesma forma que a qualidade da dieta de uma pessoa, não só a
quantidade de alimento ingerido, influencia sua saúde e expectativa de vida. Assim, é essencial
explorar as complexas interações entre os fatores que determinam o crescimento.
O ritmo de crescimento tem sido mais sustentável nos países industrializados e em
desenvolvimento que dedicam atenção aos atributos qualitativos do processo de crescimento.
Com efeito, há uma relação de mão dupla entre crescimento econômico e melhorias em
dimensões sociais e ambientais. Concentrar atenções na sustentabilidade do meio ambiente, por
exemplo, contribui para viabilizar um crescimento mais sustentável, especialmente em
circunstâncias em que as taxas de crescimento sofrem grandes variações e os impactos
negativos são mais pronunciados entre os mais pobres. Isso sugere uma clara preferência por
taxas de crescimento estáveis, a períodos de crescimento entremeados por não-crescimento,
mesmo que os períodos favoráveis registrem crescimento bem acelerado. À medida que os
países esgotam as possibilidades de aceleração no crescimento através de reformas de mercado,
os fatores qualitativos que fornecem sustentação a um crescimento de longo prazo demonstramse muito mais importantes.
As dimensões acima mencionadas do processo de crescimento muitas vezes interagem
de forma positiva em um “círculo virtuoso”. No entanto, pode também surgir a necessidade de
transigir e tomar decisões difíceis entre quantidade e qualidade. O crescimento rápido e
temporário que se sustenta em políticas distorcidas, que prevêem, por exemplo, subvenções ao
capital, o desprezo a ações que prejudicam o meio ambiente e destinações tendenciosas de
verbas públicas podem, efetivamente, comprometer as perspectivas de um crescimento mais
sustentado. Além disso, situações cujo ajuste implica um grau de complexidade ainda maior são
aquelas em que o crescimento entra em conflito com a sustentabilidade ambiental e social, na
medida em que ambas contribuem diretamente para o desenvolvimento. Saber gerir tais
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aspectos qualitativos torna-se essencial para a obtenção de avanços sustentáveis na área do bemestar social.
O que significa, então, qualidade de crescimento? Como uma complementação ao ritmo
de crescimento, refere-se a aspectos fundamentais que constituem o processo de crescimento.
Experiências vivenciadas por diversos países destacam a importância de vários desses aspectos,
a saber: distribuição de oportunidades, sustentabilidade do meio ambiente, gestão de riscos
globais e governança. Estes aspectos não se limitam a contribuir diretamente para os produtos
do desenvolvimento. Também se incorporam ao impacto que o crescimento gera nesses
produtos, além de se relacionarem aos conflitos que o crescimento pode impor à
sustentabilidade ambiental e/ou social. O conjunto dessas políticas e instituições, que delineiam
as formas assumidas pelo processo de crescimento, constitui o principal objeto do presente
estudo.
Princípios do desenvolvimento
A visão conjunta dos aspectos quantitativo e qualitativo do processo de crescimento faz
concentrar as atenções em três princípios fundamentais para os países industrializados e em
desenvolvimento, que são ainda mais importantes no contexto altamente globalizado de hoje.
•
•
•
Focalizar todos os tipos de ativos: físico, humano e de capital natural
Dar atenção aos aspectos distributivos ao longo do tempo
Dar ênfase à estrutura institucional para uma boa governança.
Os principais ativos
Grosso modo, os ativos mais importantes ao processo de desenvolvimento são: capital
físico, capital humano e capital natural, que são claramente evidentes, especialmente num país
como o Brasil. Também merecem destaque os avanços tecnológicos que afetam o emprego
desses ativos. Visando acelerar as taxas de crescimento, normalmente tem-se dedicado
demasiada atenção ao acúmulo de capital físico. Todos os demais ativos essenciais, no entanto,
também merecem o devido destaque – capital humano (e social) bem como capital natural (e
ambiental) – quadro 1. Estes ativos são ainda fundamentais para aqueles que vivem na pobreza,
e o seu acúmulo, progresso tecnológico e produtividade, juntamente com o capital físico,
determinam os efeitos de longo prazo sobre a pobreza.
Ao concentrarem seus esforços predominantemente no capital físico, os países
industrializados e em desenvolvimento podem sentir-se tentados a adotar políticas que o
subsidiem a um certo custo (capítulo 2). Isso pode dar origem a uma situação que atenda a jogos
de interesses, difícil de ser revertida. Ao mesmo tempo, do ponto de vista social ocorre a
escassez de investimentos nas áreas de educação e saúde (capítulo 3), combinada à
superexploração do capital natural, muitas vezes ocasionada por uma sub-avaliação dos preços
deste capital ou pela precariedade dos direitos sobre a propriedade (capítulo 4). De maneira
geral, o valor (bruto) de subsídios concedidos à agricultura, energia, transporte rodoviário e
recursos hídricos ficou estimado entre 700 e 900 bilhões de dólares no início da década de 90,
dois terços dos quais referentes aos países industrializados e um terço aos países em
desenvolvimento (de Moor e Calamai 1997).
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Quadro 1. Acúmulo de bens, crescimento e bem-estar social
A figura 1 exibe um esquema simplificado de como os capitais humano (H), natural (R)
e físico (K) contribuem para o crescimento econômico e o bem-estar social. O capital fís ico
contribui para o bem-estar social através do crescimento econômico. Também o fazem o capital
humano (e social) e o capital natural (e ambiental), também componentes diretos do bem-estar
social.
Os capitais humano e natural também contribuem para o ac úmulo de capital físico por
meio do aumento nas taxas de retorno sobre este último. O capital físico eleva as taxas de
retorno dos capitais humano e natural e, caso o mercado reflita esse aumento, contribui para o
seu acúmulo. A tudo isso se acrescentam ainda investimentos em capital físico, humano e
natural que, aliados a diversas reformas políticas, contribuem para o progresso tecnológico e o
crescimento do fator de produtividade total, promovendo assim o crescimento (capítulo 2).
Contudo, distorções políticas, corrupção, desgoverno, turbulências no mercado e uma
série de fatores externos podem colocar países na rota de um acúmulo distorcido ou
desequilibrado de bens. Um quadro como esse pode impedir que o aumento do nível de renda e
as conquistas na área do bem-estar social correspondam ao efetivo potencial a ser desenvolvido.
De modo mais específico, podem levar a uma redução no fator de produtividade total e à falta
dos investimentos necessários em
•
•
•
Capital físico produtivo, ao reduzir a rentabilidade do investimento em decorrência de
pagamento de subornos e de trâmites burocráticos ou ao distorcer a alocação de
investimentos físicos – visando, digamos, certos contratos que buscam lucros indevidos.
Capital humano, ao fomentar certas áreas em condições de indevido favorecimento,
como a militar e a de infra-estrutura, e ao redimensionar gastos públicos que levam ao
retrocesso
Capital natural, ao prejudicar a incidência e arrecadação de impostos, os pagamentos de
royalties e o cumprimento de normas e regulamentações capazes de dar sustentação aos
recursos naturais.
Distorções, insucessos de mercado, garantias implícitas oferecidas pelo governo e
regulamentações inadequadas podem provocar
•
•
Excesso ou desperdício de recursos de investimento em capital físico, ao elevar a
rentabilidade de determinados ativos físicos através de garantias – que influenciam o
comportamento de banqueiros, empresas e investidores, a partir do momento em que
passam a contar com maiores riscos – e ao rebaixar o valor de determinados recursos
naturais
Escassez de investimentos em recursos humanos e naturais, ao atribuir a esses ativos um
preço inferior ao que seria o valor justo e comprometer parte dos recursos que lhes são
dedicados.
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Os efeitos de tais distorções políticas sobre o acúmulo de capital humano e natural em
relação ao capital físico podem reduzir o crescimento e prejudicar o bem-estar social. Se, ao
contrário, a corrupção for controlada e a governança demonstrar-se adequada, políticas não
distorcidas podem incentivar o acúmulo de ativos, contribuindo para um crescimento mais
acelerado (capítulo 6). Assim, eliminarem distorções políticas, estimularem uma boa
governança e abordarem insucessos de mercado e circunstâncias externas de forma adequada,
os países terão condições de investir em ativos de maneira menos distorcida e mais equilibrada.
Ademais, isso pode levar a um crescimento mais estável e sustentado e a melhorias no bemestar social calcadas em bases amplas.
Figura 1. - Estrutura
FPT - fator de produtividade total
Fonte: Autores.
A manutenção de relativa dependência do acúmulo de capital físico pode significar
distorções contínuas. Por exemplo, à medida que a situação do capital físico se agrava, é muito
provável que sustentar sua taxa de retorno venha a exigir maior volume de subsídios públicos,
por exemplo, para atrair capital estrangeiro. Além disso, a aceleração do crescimento por meio
de políticas que conduzam à superexploração de florestas e outros recursos naturais
compromete o capital natural e abala a sustentabilidade ambiental. Em 1997, a poupança interna
bruta do mundo em desenvolvimento correspondia a aproximadamente 25% do produto interno
bruto (PIB). Aplicado o fator de correção da depreciação do capital ambiental, contudo, a
poupança interna real era estimada em apenas 14% do PIB. Nesse caso incluem-se a Nigéria,
com poupança interna bruta de 22%, mas de 12% negativos em termos reais, a Federação
Russa, com taxas de, respectivamente, 25% e 1,6% negativo e o Brasil com taxas de,
respectivamente, 19,3% e 12,2%. (Banco Mundial 1999d).
Uma abordagem menos distorcida (mais neutra ou equilibrada) ao acúmulo dos três
tipos de ativos demonstra-se mais adequada. Políticas podem contribuir para o acúmulo desses
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ativos. Investimentos em educaçã o em todos os níveis ajudam a gerar crescimento, ao mesmo
tempo contribuindo para o acúmulo de capital humano e bem-estar social. O investimento em
capitais naturais é essencial à saúde humana e, para o grande número de pessoas de baixa renda
que depende de recursos naturais para sua subsistência, à segurança econômica (capítulo 4). Tão
importante quanto o acúmulo desses ativos é o seu uso eficiente. Para este fim – bem como para
um maior fator de produtividade total desses ativos – boa governança, diminuição da influência
indevida dos interesses das elites e medidas anticorrupção são essenciais.
Aspectos distributivos
Esse enfoque na qualidade traz à baila a importância dos aspectos distributivos para o
processo de crescimento. Uma distribuição mais eqüitativa de capital humano, terras e outros
ativos produtivos implica distribuição mais equânime de oportunidades de ganhos, melhorando
a capacidade de as pessoas se beneficiarem de recursos tecnológicos e gerando riquezas. É por
esta razão que há maior probabilidade de que uma determinada taxa de crescimento esteja
associada a resultados mais favoráveis no combate à pobreza em áreas em que há uma
distribuição mais igualitária de oportunidades educacionais (capítulo 3).
A estabilidade nas taxas de crescimento ao longo do tempo também se revela um fator
importante, como vimos na América Latina durante os anos 80 e na Ásia Oriental durante os
anos 90. A renda das pessoas menos favorecidas está sujeita a grandes oscilações em função de
ciclos e crises, especialmente porque os pobres não dispõem de ativos – terras, qualificações e
poupança financeira – para garantir seu nível de consumo em tempos mais difíceis. Vivendo
pouco acima da linha de pobreza, milhões de pessoas que beiravam a pobreza foram novamente
relega das a essa condição por conta de choques externos. Assim, para que o crescimento possa
diminuir a pobreza, faz-se necessário, normalmente, que o mesmo se mantenha relativamente
estável, e seus benefícios precisam se estender em horizontes amplos.
O que dizer, então, dos ganhos nos níveis de renda que se espera da globalização na
década de 90? Esses ganhos começaram a se materializar, mas não em todas as partes do
planeta. Um dos motivos é a inadequação das estruturas de regulamentação e supervisão tanto
em âmbito global como nacional, assim como a falta generalizada de preparo para participar da
economia global. Outro é a volatilidade por vezes relacionada a danos morais e a respostas de
agentes externos. Um terceiro motivo reside no fato de que, segundo algumas estimativas, a
distribuição de renda durante a última década tornou-se mais desigual. As metas da política de
desenvolvimento, portanto, compreendem a redução, não apenas do grau de desigualdade das
oportunidades oferecidas, mas também da desigualdade e volatilidade de taxas de crescimento.
Nesse sentido, é importante aperfeiçoar a gestão de riscos financeiros e diminuir a exposição da
população de baixa renda a tendências econômicas em mudança constante (capítulo 5).
A estrutura da governança
As estruturas institucionais de uma boa governança fundamentam todos os esforços para
estimular o crescimento. O efetivo funcionamento dos órgãos burocráticos, arcabouços
regulatórios, liberdades civis e instituições que trabalham com transparência e inspiram
confiança para garantir a prevalência do princípio de direito e a participação concorrem para o
crescimento e desenvolvimento. Os efeitos de uma governança precária, morosidade burocrática
e corrupção são forças retrógradas e nocivas ao crescimento sustentado. As políticas estatais,
leis e recursos, quando emaranhados na teia dos interesses das elites, muitas vezes resultam na
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concessão de incentivos e destinação de verbas a ativos socialmente menos produtivos e, ao
esvaziar os benefícios que de outra forma reverteriam para a sociedade, reduzem o grau de bemestar social.
As estimativas de “dividendos de desenvolvimento” na forma de níveis mais elevados de
renda ou conquistas sociais mais significativas são enormes, na medida em que se passa de um
ambiente em que o princípio do direito é praticamente ineficaz ou há corrupção rompante, para
outro em que se obtenha índices mais favoráveis, ainda que intermediários. (Uma diferença em
graus de corrupção ou mesmo um desvio-padrão pode ser associada a enormes diferenças no
impacto sobre o desenvolvimento). Dessa forma, investir na capacidade de melhor governança é
uma das principais prioridades para a conquista de melhor desempenho econômico (capítulo 6).
Uma sociedade civil vibrante – investida de poderes por me io de ferramentas
computacionais da Internet, técnicas de levantamento diagnóstico e as mais atualizadas
informações acerca de governança constituem elementos imprescindíveis na luta contra a
corrupção e outras formas de desgoverno. O exercício das liberda des civis não apenas está
relacionado de modo positivo à melhor governança, menores índices de corrupção e maior
produtividade dos investimentos públicos, mas também contribui diretamente para o bem-estar
social. Na verdade, as atenções devem ir além de ajustar de forma apropriada a equação do lado
do setor público (governo). Faz-se também necessária a adoção de medidas que ampliem os
direitos civis e dêem voz mais ativa a diversos grupos, promovendo empreendimentos
competitivos e complementando reformas políticas desde as cúpulas até as bases do governo,
com a elaboração e implantação de estratégias de desenvolvimento desde as bases até as mais
altas esferas da sociedade.
Negligência observada no processo de crescimento
Embora atualmente possamos vislumbrar o processo de desenvolvimento de modo mais
amplo, muitas vezes não se dedica a devida atenção, especialmente em tempos de crise, a dois
ou três ativos aos quais as pessoas mais pobres se agarram: o capital humano e o capital natural.
Esse tipo de negligência, por sua vez, parece ter levado a que não se pratiquem os seguintes
atos:
•
•
•
•
Melhor distribuição de oportunidades
Preservação do capital natural
Ações contra riscos financeiros globais
Melhoria no grau de governança e no controle da corrupção
Tratar dessas questões não só contribui para o acúmulo de ativos, mas também para o
progresso tecnológico e um fator de produtividade total maior.
Melhoria na distribuição de oportunidades
O principal ativo de que dispõem as pessoas menos favorecidas é o seu capital humano.
Das 85 economias analisadas, a Polônia e os Estados Unidos (que, segundo estimativas, detêm a
média mais alta de permanência na escola em número de anos) teriam a distribuição mais
igualitária de oferta educacional entre os integrantes da força de trabalho. A República da
Coréia, por sua vez, registrou um dos maiores avanços em termos de igualdade de
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oportunidades de ensino durante as últimas três décadas. Em 1970, o Brasil e a Coréia tinham a
mesmo grau de desigualdade em educação. O Brasil conseguiu diminuir substancialmente essas
desigualdades, embora os níveis continuem muito mais altos que os da Coréia (o coeficiente de
Gini de instrução da mão de obra brasileira, é da ordem de 0,38 em 2000, comparado com 0,19
na Coréia). A desigualdade em termos educacionais permanece inalterada, no entanto, em
países como a Argélia, Índia, Mali, Paquistão e Tunísia.
A relação entre taxas de crescimento de qualquer natureza e redução nos índices de
pobreza depende de investimentos em pessoas. Quanto mais equânimes os investimentos, tanto
maior o impacto do crescimento sobre a redução da incidência de pobreza, tal como se verifica
na comparação dos efeitos do crescimento sobre a pobreza nos estados indianos (Ravallion e
Datt 1999). Se as capacidades das pessoas são distribuídas de forma regular entre a população, é
defensável a tese de que a distribuição distorcida de recursos educacionais e de saúde infligiria
grandes prejuízos à sociedade em termos de bem-estar social, na medida em que uma parcela
significativa de pessoas é privada de oportunidades de uso de novas tecnologias e de saírem de
condições de pobreza.
Um estudo sobre os gastos com educação em 35 países revelou, mediante uma
comparação entre rendas auferidas por diversos segmentos da sociedade, que há pouca relação
entre esses gastos e o aproveitamento escolar. Na área de saúde, os Estados Unidos, apesar de
ser o país com o maior gasto per capita nesse campo, assumem a 37ª posição entre 191 países
na avaliação do desempenho global do sistema de saúde. A França, cujo gasto per capita na
área não chega a 60% das destinações dos norte-americanos, ocupa a primeira posição. A
Colômbia, com gastos per capita em saúde muito aquém das verbas aplicadas pelos dois países
anteriormente citados, está em primeiro lugar no quesito de eqüidade de contribuição financeira
(OMS 2000). Portanto, investir em saúde e educação não é suficiente. O que também requer
atenção é a dimensão e a profundidade do capital humano – sua qualidade e eqüidade,
mensuradas pela educação da mulher jovem, pelo acesso franqueado às pessoas de baixa renda
e por índices de aproveitamento escolar.
Faz-se necessário que os governos redistribuam as verbas públicas destinadas ao ensino
fundamental de modo a garantir qualidade e distribuição igualitária. Há que se incentivar as
sociedades de capital misto (privado e público) mediante a adoção de políticas de mercado, com
vistas a ampliar os esforços educacionais em todas as esferas, inclusive no ensino superior. Uma
outra necessidade que se manifesta é a de políticas de apoio ao mercado de trabalho e de
segurança social. Além disso, o capital humano das pessoas de baixa renda pode ser mais bem
aplicado mediante adequado tratamento da questão de distribuição de terras e a busca de
estratégias que impliquem o uso intensivo de mão-de-obra em um ambiente global aberto
(capítulo 3).
Sustentabilidade do capital natural
A degradação ambiental vem se agravando de forma acelerada. Como fatores que
contribuem para este quadro podemos citar o crescimento populacional; pressões internas e
internacionais sobre recursos escassos; políticas econômicas, por exemplo, subvenções que
desprezam os impactos ambientais; e a negligência de pessoas comuns no âmbito local e global.
Os custos da poluição ambiental e da superexploração de recursos são enormes; as perdas, em
muitos, casos, irreversíveis. Os incêndios nas florestas da Indonésia – decorrentes de fatores
humanos, políticos e naturais – causaram prejuízos diretos da ordem de US$ 4 bilhões em 1997
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e novamente em 1998, incluindo grandes danos infligidos nas nações vizinhas. No caso do
Brasil, o valor econômico do desflorestamento é estimado em cerca de $8 bilhões ao ano, ou
1,5% do PIB usando taxas de juros conservadoras. E são as pessoas mais pobres, dada sua
dependência de capitais naturais representados, por exemplo, por terras, florestas, recursos
minerais e biodiversidade, quem sofrem as piores conseqüências da degradação ambiental.
Poucos países vêm enfrentando as causas subjacentes à degradação ambiental e de
recursos de maneira apropriada – as distorções políticas, insucessos de mercado e falta de
conhecimentos acerca de todos os benefícios decorrentes da proteção ambiental e da
preservação de recursos. Crescimento e níveis de renda mais elevados permitem criar condições
de melhoria ambiental ao provocar um aumento na demanda por melhor qualidade ambiental e
ao fazer que os recursos disponíveis atendam a essas exigências. Entretanto, somente uma
sólida combinação entre incentivos, investimentos e instituições domésticos e internacionais
fundamentados no mercado será capaz de transformar em realidade o crescimento sustentável
do ponto de vista ambiental – como nos exemplos fornecidos pela China, Costa Rica, Indonésia
e diversos países europeus (capítulo 4).
Saber lidar com riscos financeiros globais
A integração financeira global oferece muitos benefícios, porém, em contrapartida, torna
os países mais vulneráveis a riscos latentes e a oscilações repentinas nos ânimos dos
investidores. Fluxos voláteis de capital privado parecem estar associados a taxas de crescimento
também voláteis, que prejudicam principalmente os mais pobres, que não dispõem de ativos que
lhes sirvam de abrigo durante as intempéries econômicas. Para lidar melhor com esses riscos, os
países precisam manter políticas macroeconômicas consistentes. É necessário também criar
raízes mais profundas para os mercados financeiros no plano interno, fortalecer as
regulamentações e supervisão financeira internas, instituir mecanismos de governança
corporativa e estabelecer redes de seguro social.
Tudo isso requer instituições sólidas e recursos bem fundamentados, o que leva tempo
para se cultivar. Desenvolvê -los, promovendo ao mesmo tempo a abertura do mercado de
capitais dos países, pode contribuir para se trabalhar com os riscos relativos para o sistema
financeiro e a economia. Nesse ínterim, à medida que os governos dão abertura a seus capitais,
podem ponderar uma série de iniciativas realizadas por países como a Argentina, Chile, México
e outros. Uma delas consiste em evitar a concessão de incentivos especiais a fluxos de curto
prazo. Outra é estabelecer a exigência de constituição de reservas e incidência de impostos
sobre fluxos de curto prazo que impliquem maior risco. Uma terceira iniciativa compreende o
fortalecimento de normas, regulamentações e controles de supervisão que sigam uma linha
conservadora. Uma coordenação política internacional e a atuação de credores de última
instância, por sua vez, podem proporcionar liquidez e assistência financeira emergencial
(capítulo 5).
Melhora na governança e controle da corrupção
É necessário que a governança ocupe um papel central no desenvolvimento de
estratégias capazes de estabelecer instituições. Isso requer melhor análise e mensuração das
dimensões da governança, bem como um entendimento mais apurado dos interesses de grupos
poderosos. Em circunstâncias nas quais o arcabouço legal e jurídico é precário e o jogo de
interesses se apoderou do processo de desenvolvimento de políticas e do aparato responsável
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pela alocação de recursos, os custos sociais podem ser enormes. Neste caso, o estabelecimento
de instituições necessárias a intervenções eficazes de desenvolvimento pode ser bastante amplo,
exigindo uma abordagem incisiva.
Participação e liberdade de expressão demonstram-se vitais para se atingir uma maior
transparência, proporcionando os mecanismos de monitoramento e equalização necessários e
coibindo a captura do Estado pelas elites. O engajamento da sociedade civil em processos
participativos e transparentes em esforços em conjunto com reformistas nos poderes executivo,
legislativo e judiciário, bem como na iniciativa privada, pode fazer a diferença entre um Estado
bem governado e o desgoverno, entre uma sociedade próspera e uma sociedade estagnada. Uma
compreensão rigorosa de governança teria de ser respaldada por novas tecnologias (aplicandose a casos como Albânia, Bolívia, Geórgia, Letônia e vários países africanos). Numa
classificação tríplice do controle da corrupção em 155 países, em níveis de controle alto,
moderado e baixo, o Brasil e a Coréia se encontram na fronteira entre controle da corrupção
moderado e alto.
Desse modo, a criação de uma atmosfera que permita um desenvolvimento
bem-sucedido requer uma abordagem integrada que reúna elementos econômicos,
institucionais, legais e participativos: o estabelecimento de instituições transparentes e eficazes
para fixar metas orçamentárias e criar programas de investimentos públicos (como na Austrália,
Nova Zelândia e Reino Unido), como complementos a políticas macroeconômicas; instituição
de uma administração pública com base em mérito (como na Malásia, Cingapura e Tailândia) e
organismos aduaneiros e burocráticos honestos e eficientes; e estímulo ao exercício das
liberdades civis e à participação popular (capítulo 6).
Mudança de prioridades
Por que concentrar as atenções em qualidade em um momento em que o ritmo de
crescimento é lento em várias partes do mundo? As taxas de crescimento têm sido modestas em
muitos países – cerca de 1,6% per capita em países de baixa e média renda desde a década de
80 e ainda menores se forem excluídas Índia e China. A taxa de crescimento per capita do Brasil
foi de 0,93 nos anos 80 e de 0,40% nos anos 90. Além disso, alguns países vêm enfrentando ou
estão saindo de crises financeiras. Em tais circunstâncias, não se trata de qualidade ou
quantidade. Ambas são essenciais, e ambas estão imbricadas em uma relação de mão dupla.
Uma mudança relativa nas prioridades poderia acelerar o ritmo de crescimento de longo
prazo. Investimentos em capital humano – políticas educacionais, populacionais e de assistência
médico-hospitalar – podem melhorar diretamente a qualidade de vida. Podem ainda encorajar
investimentos, a partir dos efeitos gerados por uma força de trabalho mais saudável e
qualificada sobre a produtividade do capital. Assim, parece provável que voltar maiores
atenções ao capital humano fomentaria um crescimento mais acelerado em longo prazo. A
essência de tudo isso? O enfoque na qualidade dos resultados contribuiria para sustentar um
crescimento mais acelerado.
Tratar das dimensões qualitativas que contribuem para o incrementar o ritmo de
crescimento pode, por sua vez, trazer melhorias diretas para o bem-estar social. Por exemplo,
menos poluição do ar e das águas ou menor consumo e degradação de recursos naturais, além
de contribuir para o crescimento, auxilia diretamente o bem-estar social, com mais saúde e
grandes oportunidades de renda e consumo.
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Este livro procura demonstrar que alguns processos e políticas adotados em países em
desenvolvimento ou industrializados geram crescimento econômico com mais igualdade no
desenvolvimento humano, sustentabilidade do meio ambiente e transparência nas estruturas de
governança. Já outros processos e políticas não logram esse intento. Ademais, a eficácia da
adoção de medidas em seqüência (liberalizar primeiro e regulamentar depois, privatizar
primeiro e garantir concorrência depois, crescer primeiro e sanear depois, ou crescer primeiro e
conceder liberdades civis depois) parece pouco provável. Envidar máximos esforços visando
um crescimento a longo prazo – liberalização, por exemplo – precisa andar lado a lado com
iniciativas de regulamentação, gestão ambiental e medidas anticorrupção.
Definir a transição
Ações que se concentrem na qualidade do crescimento devem constituir parte essencial
do conjunto de políticas, em vez de serem apresentadas como apêndices a uma agenda já lotada.
Isso significa que todas as partes interessadas terão de ampliar o espectro de iniciativas a serem
tomadas pelo governo, voltando as atenções para
•
•
•
Acúmulo e utilização de ativos, diminuindo distorções políticas, por exemplo, as que
favorecem indevidamente o capital físico ou lhe concedem subsídios, ao mesmo
tempo complementando os mercados na valorização dos recursos naturais e no
investimento adequado em recursos humanos. A implicação é assegurar crescimento
sustentável e em bases amplas, e não causar desaceleração no crescimento.
Arcabouços regulatórios, criando estruturas para que a concorrência e a efic iência
acompanhem a liberalização e a privatização, e dedicando maior atenção às reformas
jurídicas e do judiciário, concomitantemente à garantia da estabilidade
macroeconômica. A implicação é tomar iniciativas de regulamentação que dêem
respaldo ao respectivo processo de liberalização, e não diminuir o ritmo da
liberalização.
Boa governança , fomentando o exercício de liberdades civis, processos
participativos e a confiança e confiabilidade das instituições públicas; promovendo
iniciativas anticorrupção; e engajando ativamente o setor privado no sentido de
reduzir a influência de interesses, ao mesmo tempo desenvolvendo a capacidade de
efetivar mudanças políticas. A implicação é dedicar mais atenção à formação de
coalizões na sociedade civil, e não tirar os olhos do desenvolvimento de capacidades
e políticas governamentais.
Realizar a transição - agora
De que maneira podem ser financiados mais e melhores investimentos nas pessoas e em
capitais naturais? São várias as alternativas. Em primeiro lugar, a melhoria na governança,
redução na corrupção e promoção de maior responsabilidade corporativa podem elevar a
poupança interna. Segundo, o aumento de taxas pela utilização de recursos naturais e a
incidência de pesados tributos sobre circunstâncias externas como a poluição podem tornar
disponíveis um maior volume de recursos, a serem investidos em desenvolvimento. Terceiro, a
redução de distorções que favorecem a exploração de capital físico pode ser benéfica – tal como
ocorre com a maioria das experiências realizadas nesse sentido. Isso pode viabilizar a
realocação da poupança interna em benefício do desenvolvimento humano. Quarto, a redução
de subvenções em determinados setores a serviços que se demonstram nocivos e altamente
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prejudiciais ao meio ambiente pode redirecionar recursos públicos para beneficiar os menos
favorecidos ou promover um desenvolvimento sustentável.
Em suma, este livro defende a ampliação do campo de ação de modo a abarcar um
extenso arcabouço de desenvolvimento, uma agenda qualitativa e mais abrangente que
compreenda aspectos estruturais, humanos, sociais e ambientais do processo de crescimento.
Esta gama mais ampla de ações complementa a liberalização mediante a formação de ativos e
qualificações atribuíveis às pessoas menos favorecidas. Desloca as atenções, em um primeiro
momento centradas na dependência exclusiva do governo como agente de mudanças, para um
engajamento de todos os segmentos da sociedade. E ainda requer uma formação de capacidades
muito mais eficiente.
Na medida em que todos os parceiros de desenvolvimento se complementam, pode -se
implantar uma estrutura integrada com maior eficácia. Primeiro, caso as grandes desigualdades
em termos de oportunidade – notadamente na área educacional – sejam tratadas agora,
propiciarão maior promessa de ganhos em bem-estar social. Segundo, os danos ambientais e as
perdas em biodiversidade causados pelos atuais modelos de crescimento são assustadores,
porém, se tratados agora, podem fazer com que o crescimento promova um meio ambiente
natural ma is favorável e diminua a incidência de pobreza. Terceiro, a globalização impõe riscos
aos menos favorecidos, contudo, se estes riscos forem abordados neste momento, a globalização
poderá prover os meios tecnológicos que viabilizam o combate à pobreza. Quarto, corrupção,
desgoverno e falta de liberdades civis e de expressão ameaçam os ganhos gerados por qualquer
tipo de iniciativa, no entanto, se tais ameaças forem tratadas agora, uma governança mais
apurada constitui grande promessa de mais bem-estar social.
Jamais as oportunidades oferecidas por uma maior abertura e volume de conhecimentos
e recursos tecnológicos foram tão abundantes. Da mesma forma, nunca foram tão
extraordinários os desafios representados pela pobreza, crescimento populacional, degradação
ambiental, problemas financeiros e desgoverno. O que se faz necessário é mais crescimento
com enfoque na qualidade. Não se trata de uma preocupação supérflua. É absolutamente
imprescindível que os países agarrem as oportunidades de uma vida melhor para suas gerações
atuais e futuras.
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A qualidade do crescimento - World Bank Internet Error Page