aspiracoesquimicas.net Relatório das Sessões do Congresso Internacional de Químicos em Karlsruhe, 3, 4, e 5 de Setembro de 1860 [1] Publicado originalmente por Richard Anschütz, August Kekulé, 2 vols. (Berlim: Verlag Chemie, 1929) como Apêndice VIII (pp. 671-88 do vol. 1); tradução para o inglês de John Greenberg e William Clark publicada por Mary Jo Nye, The Question of the Atom (Los Angeles: Tomash, 1984). Tradução para o português: Fernando Weise / Aspirações Químicas – Dezembro de 2012. Versão PDF. Foi ideia do Sr. Kekulé realizar um encontro internacional de químicos. Durante o outono de 1859 ele teve uma oportunidade de fazer as primeiras propostas nesse sentido – primeiramente para o Sr. Weltzien, então para o Sr. Wurtz. Ao final de março de 1860, estes três cientistas, todos em Paris no momento, planejaram os primeiros passos a serem tomados para colocar em prática o plano em questão. Uma carta circular inicial foi elaborada, que visava ganhar o suporte dos mais notórios homens da ciência. Ela ressaltava, em termos gerais, as diferenças que haviam surgido entre as visões teóricas dos químicos e a urgência de pôr um fim a todas essas diferenças por meio de um acordo comum, ao menos quando certas questões estivessem envolvidas. Tendo sido recebidas as primeiras respostas favoráveis, alcançou-se um entendimento quanto à data e ao local da reunião, e foi impressa uma segunda carta circular destinada a todos os químicos europeus, que explicava os objetivos e metas de um congresso internacional, nos seguintes termos: [2] Paris, 15 de Junho de 1860 Caros Distintos Colegas, O grande desenvolvimento que ocorreu na química nos anos recentes e as diferenças em opiniões teóricas que emergiram, fazem de um Congresso, cujo objetivo é a discussão de algumas questões importantes tomadas do ponto de vista do futuro progresso da ciência, tanto oportuno quanto útil. Os subscritores convidam para este encontro todos os químicos creditados por seu trabalho ou posição a expressar alguma opinião em uma discussão científica. Uma assembleia como esta não pode deliberar em favor de todos, nem aprovar resoluções a que todos devem submeter-se, mas por meio de uma discussão livre e minuciosa, certos desentendimentos podem ser eliminados e um acordo comum facilitado em alguns dos seguintes pontos: a definição de importantes noções químicas, como as expressas pelas palavras átomo, molécula, equivalente, atômico, básico; o exame da questão dos equivalentes e das fórmulas químicas; a instituição de uma notação e uma nomenclatura uniformes. Cientes de que as deliberações da assembleia não terão uma natureza que reconciliará todas as opiniões e eliminará todas as divergências imediatamente, os subscritores acreditam, entretanto, que tais trabalhos possam preparar o caminho para um tão desejado acordo entre os químicos no futuro, ao menos no que diz respeito às questões mais importantes. Uma comissão poderia ser encarregada de continuar a investigação dessas questões e ocupar delas instruídas academias ou sociedades com os meios materiais necessários para resolvê-las. O congresso reunir-se-á em Karlsruhe, em 3 de setembro de 1860. Nosso colega, Sr. Weltzien, Professor da Escola Politécnica desta cidade, deseja assumir as responsabilidades de Comissário Geral. Nesta capacidade, ele estará incumbido de registrar os prováveis membros do Congresso e abrirá a assembleia às nove horas na manhã do dia indicado. Em conclusão, e visando evitar omissões infortunas, os subscritores requerem aos indivíduos a que esta circular será enviada que a comuniquem a seus amigos cientistas devidamente creditados a participar da conferência. Babo V., Freiburg Fremy, Paris Pelouze, Paris Balard, Paris Fritzsche, St. Petersburg Piria, Turin Bekétoff, Kasan Hofmann, A. W., London Regnault, V., Paris Boussingault, Paris Kekulé, Ghent Roscoe, Manchester Brodie, Oxford Kopp, H., Giessen Schroetter, A., Vienna Bunsen, Heidelberg Hlasiwetz, Innsbruck Socoloff, St. Petersburg Bussy, Paris Liebig, J., V., Munich Staedler, Zurich Cahours, Paris Malaguti, Rennes Stas, Brussels Cannizzaro, Gênova Marignac, Geneva Strecker, Tübingen Deville, H., Paris Mitscherlich, Berlin Weltzien, C., Karlsruhe Dumas, Paris Odling, London Will, H., Giessen Engelhardt, St. Petersburg Pasteur, Paris Williamson, W., London Erdmann, O. L., Leipzig Payen, Paris Wöhler, F., Göttingen Fehling, V., Stuttgart Pebal, Vienna Wurtz, Ad., Paris Frankland, London Peligot, Paris Zinin, St. Petersburg Nota: Você pode se inscrever para a conferência diretamente com o Sr. Weltzien, Escola Politécnica, Karlsruhe, ou com o Sr. A. Kekulé, Professor de Química na Universidade de Ghent, que repassará a inscrição ao Sr. Weltzien. O número de pessoas que desejaram participar foi considerável, e em 3 de Setembro de 1860, 140 químicos [3] se encontraram na sala de reuniões da segunda Câmara de Estado, que foi disponibilizada pelo Arquiduque de Baden. A lista de químicos presentes é a que segue: [4] I. BÉLGICA. Bruxelas: Stas; Ghent: Donny, A. Kekulé. II. ALEMANHA. Berlim: Ad. Baeyer, G. Quinke; Bonn: Landolt; Breslau: Lothar Meyer; Kassel: Guckelberger; Klausthal: Streng; Darmstadt: E. Winkler; Erlangen: v. Gorup-Besanez; Freiburg i.B.: v. Babo, Schneyder; Giessen: Boeckmann, H. Kopp, H. Will; Göttingen: F. Beilstein; Halle a.S.: W. Heintz; Hanover: Heeren; Heidelberg: Becker, O. Braun, R. Bunsen, L. Carius, E. Erlenmeyer, O. Mendius, Schiel; Jena: Lehmann, H. Ludwig; Karlsruhe: A. Klemm, R. Muller, J. Nessler, Petersen, K. Seubert, Weltzien; Leipzig: O. L. Erdmann, Hirzel, Knop, Kuhn; Mannheim: Gundelach, Schroeder; Marburg a.L.: R. Schmidt, Zwenger; Munique: Geiger; Nuremberg: v. Bibra; Offenbach: Grimm; Rappenau: Finck; Schönberg: R. Hoffmann; Speyer: Keller, Mühlhaüser; Stuttgart: v. Fehling, W. Hallwachs; Tübingen: Finckh, A. Naumann, A. Strecker; Wiesbaden: Kasselmann, R. Fresenius, C. Neubauer; Würzburg: Scherer, v. Schwarzenbach. III. INGLATERRA. Dublin: Apjohn; Edimburgo: Al. Crum Brown, Wanklyn, F. Guthrie; Glasgow: Anderson; Londres: B. J. Duppa, G. C. Foster, Gladstone, Müller, Noad, A. Normandy, Odling; Manchester: Roscoë; Oxford: Daubeny, G. Griffeth, F. Schickendantz; Woolwich: Abel. IV. FRANÇA. Montpellier: A. Béchamp, A. Gautier, C. G. Reichauer; Mülhousen i.E.: Th. Schneider; Nancy: J. Nicklès; Paris: Boussingault, Dumas, C. Friedel, L. Grandeau, Le Canu, Persoz, Alf. Riche, P. Thénard, Verdét, Wurtz; Strasbourg i.E.: Jacquemin, Oppermann, F. Schlagdenhaussen, Schützenberger; Tann: Ch. Kestner, Scheurer-Kestner. V. ITÁLIA. Genova: Cannizzaro; Pavia: Pavesi. VI. MEXICO. Posselt. VII. AUSTRIA. Innsbruck: Hlasiwetz; Lemberg: Pebal; Pesth: Th. Wertheim; Viena: V. v. Lang, A. Lieben, Folwarezny, F. Schneider. VIII. PORTUGAL. Coimbra: Mide Carvalho. IX. RÚSSIA. [e Polônia] Cracóvia: Sawitsch; São. Petersburgo: Borodin, Mendelyeev; L. Schischkoff, Zinin; Varsóvia: T. Lesinski, J. Natanson. X. SUÉCIA. Harpenden: J. H. Gilbert; Lund: Berlin, C. W. Blomstrand; Stockholm: Bahr. XI. SUÍÇA. Bern: C. Brunner, H. Schiff; Geneva: C. Marignac; Lausanne: Bischoff; Reichenau bei Chur: A. v. Planta; Zurique: J. Wislicenus. XII. ESPANHA. Madri: R. de Suna. Primeira Sessão do Congresso O Sr. Weltzien, Comissário Geral, abriu a primeira sessão com o seguinte discurso: Senhores: Como presidente interino, tenho a honra de abrir um Congresso sem precedentes em sua forma, cuja natureza nunca antes fora equiparada. Para ter certeza: os cientistas naturais e médicos alemães, sob a instigação de Oken e imitando seus colegas suíços, reuniram-se quase que anualmente em várias cidades do país desde 1822. Seguindo a tendência de tais congressos, cientistas naturais ingleses, franceses e também escandinavos estiveram reunidos para propósitos semelhantes. Devotos de diferentes ramos da ciência natural e da medicina estiveram regularmente presentes, embora todos os participantes fossem invariavelmente sempre da mesma nacionalidade. Os procedimentos desses congressos foram na maior parte caracterizados por relatórios cujos tópicos não eram integrados a nenhum programa prévio, mas apresentados como trabalhos em progresso, deixados ao discernimento individual. Um vívido e amigável intercurso, instigado por uma sequência de festividades, unia cientistas naturais e médicos relacionados étnica e linguisticamente por vários dias. Diferente é o Congresso convocado hoje aqui. Pela primeira vez, os representantes de uma ciência natural única e nova estão reunidos. Estes representantes pertencem, entretanto, a todo tipo de nacionalidade. Nós podemos ter origens étnicas diferentes, ou falar idiomas diferentes, mas estamos relacionados por nossa especialidade profissional, estamos unidos pelo interesse científico e pelo mesmo projeto. Estamos reunidos pelo objetivo específico de tentar iniciar uma unificação em torno de pontos de interesse vital para nossa bela ciência. Em função da extraordinária rapidez do desenvolvimento da Química e especialmente por causa do massivo acúmulo de material factual, os pontos de vista teóricos dos pesquisadores e os meios de expressão, tanto em palavras, quanto em símbolos, começaram a divergir mais do que seu expediente para entendimento mútuo e, principalmente, mais do que é adequado para a instrução. Considerando a importância da Química para outras ciências naturais e seu caráter indispensável à tecnologia, parece excessivamente desejável lançar nossa ciência a uma forma mais rigorosa, de forma que seja possível se comunicar de uma maneira relativamente mais concisa. Para que possamos alcançar isto, não podemos nos constranger em reavaliar vários pontos de vista e convenções escritas, cuja variedade redunda em pouca importância; e não devemos estar aprisionados a uma nomenclatura que contenha infinidade de símbolos desnecessários aos quais falta qualquer base racional e os quais, para piorar, são derivados, em sua maior parte, de uma teoria que dificilmente poderia ser mantida atualmente. A grande adesão a esse congresso com certeza é uma indicação clara de que estas inconveniências são reconhecidas universalmente e que sua remoção do caminho rumo à unificação é desejável. A realização deste fim é um prêmio de tal beleza, que vale muito à pena encarregar-se da tarefa aqui. A noção original de um Congresso de Química foi comunicada a mim há algum tempo por nosso colega Kekulé. No início deste ano dei os primeiros passos na direção de sua realização. A maturidade deste empreendimento foi multiplamente reconhecida; eu obtive apoio mesmo não solicitado de todos os cantos. Por causa disso, eu não duvido que este Congresso será exortado a estabelecer as fundações para uma época não pouco importante na história de nossa ciência. A cidade de Karlsruhe, que há dois anos teve a grande felicidade de sediar um dos mais esplêndidos congressos de cientistas naturais e médicos alemães, tem a honra de ver a primeira Convenção de Química internacional acontecer dentro de seus muros. Karlsruhe é a capital de uma pequena, mas abençoada província, em que, sob os augúrios de um nobre príncipe e de um governo liberal, as artes e ciências florescem, e onde seus devotos, estimados e sustentados, podem seguir ao chamado de sua devoção com grande ânimo. Como é meu o prazer de dá-los calorosas boas-vindas a esta cidade, espero que o mesmo bom ânimo permeie nosso Congresso e que nossa ciência um dia olhe para trás, com satisfação, para nossa assembleia. Após esta fala o comissário geral pede ao Sr. Bunsen para presidir, mas este recusa e pede à assembleia para encorajar o Sr. Weltzien a dirigir as deliberações durante a primeira sessão. O Sr. Weltzien é nomeado presidente e os Srs. Wurtz, Strecker, Kekulé, Odling, Roscoe e Schischkoff são apontados para servirem como secretários. Por sugestão do Sr. Kekulé, a assembleia decide que uma comissão será encarregada de elaborar uma lista de questões que serão submetidas ao Congresso para deliberação. O Sr. Kekulé toma a palavra para explicar o cronograma de questões (Então se segue uma análise do pronunciamento do Sr. Kekulé). [5] O Sr. Erdmann enfatiza a necessidade de dirigir as deliberações e resoluções da assembleia rumo a questões formais em vez de pontos doutrinários. Começa uma discussão quanto à realização das sessões da Comissão a portas fechadas ou durante sessões plenárias perante toda a assembleia. Após algumas palavras ente os Srs. Fresenius, Kekulé, Wurtz, Boussingault e H. Kopp, a assembleia decide, com base das monções feitas pelo último destes, que as sessões serão realizadas a portas fechadas. Primeira Sessão da Comissão A comissão reuniu-se em 3 de setembro, às 11:00 h, sob presidência do Sr. H. Kopp. O presidente sugere que a discussão comece em torno das noções de molécula e átomo e pede aos Srs. Kekulé e Canizzaro, cujos estudos englobaram estas questões especialmente, para fazer uso da palavra. O Sr. Kekulé enfatiza a necessidade de se distinguir entre molécula e átomo e, ao menos a princípio, a molécula física e a molécula química. O Sr. Canizzaro é incapaz de conceber a noção de molécula química. Para ele, há apenas moléculas físicas, e a lei de Avogadro-Ampère é a base para considerações relacionadas à molécula química. Esta última nada mais é que a molécula gasosa. O Sr. Kekulé pensa, ao contrário, que os fatos químicos devem servir como base para a definição e a determinação da molécula (química) e que considerações físicas devem ser evocadas apenas como forma de verificá-las. O Sr. Strecker aponta que em certos casos, o átomo e a molécula são idênticos, como no caso do etileno. O Sr. Wurtz diz que pode ser percebida certa dificuldade ao definir a molécula química do oxigênio e dos elementos diatômicos em geral, que são comparáveis ao etileno. A visão destes como moléculas formadas por dois átomos deriva de considerações físicas [6], mas até agora nenhum fato químico parece militar a favor dessa duplicata. O Sr. H. Kopp, sintetizando a discussão, diz que a necessidade de separar a ideia de molécula da de átomo parece estar estabelecida; que a noção da molécula pode ser fixada com ajuda de considerações puramente químicas; que a definição não precisa, por si só, envolver densidade; e, finalmente, que parece natural chamar a maior quantidade de molécula e a menor quantidade de átomo. Em conclusão, o orador formula a primeira questão a ser colocada à assembleia. Essa questão é a que segue: “É apropriado estabelecer uma distinção entre os termos molécula e átomo, e chamar de moléculas, que são comparáveis, até onde as propriedades físicas se aplicam, às menores porções de um corpo que entram o saem de uma reação, e chamar de átomos as menores quantidades dos corpos contidos nessas moléculas?” O Sr. Fresenius chama a atenção à expressão átomo composto e diz e que estas duas palavras guardam uma contradição. O comentário do Sr. Fresenius motiva o aparecimento de uma segunda questão a ser submetida à assembleia, que segue: “Pode a expressão átomo composto ser eliminada e substituída por expressões como radical ou resíduo?” O Sr. Kopp volta ao programa proposto pelo Sr. Kekulé, e chama atenção para a definição da palavra equivalente. Parece a ele que a noção de equivalente é perfeitamente clara e nitidamente diferente das noções de molécula e átomo. Consequentemente, a comissão adota, sem discussões, a terceira proposição a ser submetida à assembleia, que segue: “A noção de equivalentes é empírica e independente da ideia de molécula e átomo”. A sessão continua, com o Sr. Erdmann a presidindo [7]. A discussão sobre notação é levantada: o Sr. Kekulé aponta que as notações molecular e atômica, ou a notação dos equivalentes, podem ser empregadas, mas como em qualquer sistema, é necessário ater-se rigorosamente a uma noção em particular, não importa qual delas seja, uma vez adotada. O significado da palavra “equivalente” é objeto de diversos comentários. O Sr. Béchamps diz que equivalência só pode ser assumida em casos em que as funções dos corpos são idênticas. O Sr. Schischkoff não compartilha da mesma opinião. Ele pensa que a notação para equivalência e quantidades equivalentes é independente de funções químicas. Todos assumem uma equivalência entre o cloro e o hidrogênio. Após algumas observações apresentadas pelos outros membros acerca do mesmo assunto, a sessão entrou em recesso. Segunda Sessão do Congresso Sob presidência do Sr. Boussingault Ao tomar a palavra, o Sr. Boussingault agradece ao congresso por ter confiado a honra de presidência a um cientista do qual os estudos compreendem problemas de química aplicada em detrimento de pontos de teoria abstrata. O presidente vê nesta escolha que o congresso desejou testificar a unidade das assim chamadas velha e nova química. Ele protesta contra estes termos e comenta que não é a química que envelhece, mas os químicos. O presidente anuncia que o trabalho da Comissão não está terminado, mas que ela concordou em trazer três questões à assembleia para deliberação. Ele pede a um dos secretários para informa-las à assembleia. Os Sr. Strecker toma a palavra e lê para a assembleia as questões elaboradas pela comissão e indicadas acima. O Sr. Kekulé se aprofunda nos pontos especificados pela primeira questão. No que se refere à hipótese fundamental que pode ser feita quanto à natureza da matéria, o orador levanta a questão da necessidade em se adotar a hipótese atômica ou se uma hipótese dinâmica já é suficiente. A primeira opção parece preferível a ele. A hipótese de Dalton foi confirmada por tudo que se sabe a respeito da natureza dos gases. Pode-se considerar pequenas unidades ou pequenos componentes nos gases e quando o mesmo corpo pode alcançar os estados gasoso, líquido e cristalino, é possível que as moléculas cristalinas sejam precisamente os pequenos componentes em questão, ou que estes sejam uma fração daqueles. Mas a natureza destas relações não pode ser especificada. O que é certo é que em reações químicas existe uma quantidade que entra ou sai da reação na menor proporção e nunca numa fração desta proporção. Estas quantidades são as menores capazes de existir em um estado livre. Estas são as moléculas definidas quimicamente. Contudo, estas quantidades não são indivisíveis; as reações químicas conseguem cortá-las e separá-las em partículas absolutamente indivisíveis. Estas partículas são os átomos. Os elementos em si, quando estão livres, consistem em moléculas formadas por átomos [8]. Portanto, a molécula livre de cloro é formada por dois átomos. Isso nos leva a considerar diferentes unidades atômicas e moleculares: 1. moléculas físicas 2. moléculas químicas 3. átomos As moléculas físicas gasosas não se mostram idênticas às moléculas físicas dos sólidos e líquidos. Em segundo lugar, as moléculas químicas não se mostram idênticas às moléculas gasosas. Portanto, não está estabelecido se a menor quantidade de uma substância que entra em uma reação é também a menor quantidade dessa substância que desempenha um papel em fenômenos de calor. É preciso dizer, entretanto, que a molécula química é normalmente idêntica à molécula física. Até mesmo sustentou-se que a primeira não representa outra coisa que não a segunda. Para o orador, isto não procede. A molécula química possui uma existência independente e, para permitir assumir a distinção em questão, basta demonstrar sua veracidade em alguns casos. Mas isto é fácil. Não foi comprovado que, para a densidade do vapor de enxofre, as moléculas químicas nem sempre separam-se uma da outra, mas permanecem fundidas sob certas condições (a 500° C) para formar moléculas físicas? O orador acrescenta que a existência e a magnitude das moléculas químicas pode e deve ser determinada por demonstrações químicas e que os fatos físicos não são suficientes para alcançar tal resultado [9]. Com a ajuda de considerações físicas, como poderia ser comprovado que o ácido clorídrico é formado de um único átomo de hidrogênio e um único átomo de cloro? Não seria suficiente multiplicar a fórmula HCl por certo coeficiente, e fazer o mesmo para todas as outras fórmulas, para que se pudesse estabelecer uma concordância perfeita entre propriedades físicas? O Sr. Canizzaro toma a palavra para apontar que a distinção entre moléculas físicas e moléculas químicas não parece a ele necessária nem claramente estabelecida. O Sr. Wurtz expressa a opinião de que este é um ponto secundário que pode ser reservado. Parece a ele, ao contrário, que a questão relativa ao estabelecimento da distinção entre os termos “molécula” e “átomo” foi quase concluída e que todos parecem reconhecer a unidade de tal distinção. É uma questão de clarificar o uso de palavras geralmente de uso comum; é puramente uma questão de definição e o orador pensa que em uma questão desse tipo, talvez houvesse propriedade e utilidade na expressão, pela assembleia, de uma opinião subsequente à discussão. Essa opinião, contudo, não prenderia ninguém e não haveria nada de obrigatório quanto a ela. Começa a discussão relativa às palavras “radical composto”. O Sr. Miller pensa que a linguagem científica não poderia trabalhar com as palavras “átomo composto”. Há átomos de substâncias simples; há átomos de substâncias compostas. Os Srs. Kekulé, Natanson, Strecker, Ramon de Luna, Nicklès, Béchamps e outros membros presentes apresentaram opiniões variadas tanto em uma quanto em outra direção, mas a discussão desta questão, como a da que a precedeu, não levou a qualquer resolução da assembleia. Segunda Sessão da Comissão Sob presidência do Sr. H. Kopp. O Sr. Kekulé explica suas ideias acerca de notação química. Ele aponta que tanto uma notação atômico-molecular quanto uma noção em equivalentes pode ser empregada. No primeiro caso, a fórmula química representa a molécula; no segundo, representa equivalência. Os seguintes exemplos ilustram essa distinção: Notação atômico-molecular H Cl H2O H3Az Notação em equivalentes H Cl HO H az [10] O importante é não misturar estas notações e confundi-las, como comumente acontece. Elas se misturam, por exemplo, se a água for escrita como HO = 9 e a amônia como H3Az = 17, etc. O Sr. Canizzaro ressalta a importância das considerações relativas a volumes na questão de notação. Os argumentos elaborados pelo orador são reproduzidos por extenso na terceira seção do congresso (ver a frente). O presidente chama a atenção para o curso demasiado da discussão e aponta que, dentro da Comissão, as questões devam ser apenas indicadas em vez de investigadas. Ele também avalia que a discussão relativa à notação em equivalentes, como a que havia sido formulada pelo Sr. Kekulé, pode ser deixada de lado. Ninguém pode servir-se dela. O orador acredita que não seria propício ater-se muito a questões teóricas compreendendo o conteúdo das coisas, e ater-se sim a questões formais. Vários membros expressam uma opinião semelhante e o Sr. Erdmann, em particular, chama a atenção para a urgência de adotar uma noção cujos símbolos sempre representem um valor, e sempre o mesmo valor dado. Sumarizando a discussão, o presidente reconhece que, em função dos avanços recentes na ciência, é desejável que algumas massas atômicas sejam dobradas, mas que seria útil levar em conta a notação que notação foi, em geral, empregada até agora e introduzir uma notação que represente estas massa duplicadas e não se atenha tão rigorosamente aos símbolos representando diferentes valores na outra notação. Como medida transitória e para evitar confusão, ele pensa que é conveniente adotar certos símbolos para indicar as diferenças em questão. Consequentemente, o presidente aprova o hábito de alguns químicos em barrar [cortar com uma barra horizontal os símbolos] as massas atômicas duplicadas. Em conclusão, ele formula a questão para ser submetida ao Congresso na seguinte maneira: “É desejável harmonizar a notação química com os recentes avanços na ciência dobrando um certo número de massas atômicas?” Terceira Sessão da Comissão Sob presidência do Sr. Dumas. O Sr. Kekulé resume a discussão da próxima sessão e repete a questão, anunciada pelo Sr. Kopp, de uma forma levemente mitigada. De acordo com o orador, essa questão deveria ser colocada da seguinte forma: “Os recentes avanços na ciências garantem uma mudança de notação?” O Sr. Strecker propõe que a notação atômica seja adotada a princípio. O presidente ressalta fortemente as desvantagens que resultam da atual confusão. Ele aponta que se o estado desse assunto continuasse, ele poderia minar não apenas a direção correta da docência e dos avanços na ciência, mas também a confiabilidade dos trabalhos industriais. Pensemos, diz o presidente, no que nos lembramos de vinte anos atrás. A tabela de massas atômicas de Berzelius era tanto o suporte básico de toda a ciência química, quanto o guia infalível para operações industriais. Hoje não há nada que possa substituir essa autoridade reconhecida universalmente e temos que ser cuidadosos para que a química não caia da alta posição de prestígio que tem encontrado entre as ciências até agora. O Sr. Wurtz está satisfeito que o Sr. Dumas tenha chegado ao coração do problema, e pensa que é necessário retornar aos princípios da tabela de massas atômicas e à notação de Berzelius. De acordo com o orador, mudanças marginais na interpretação de alguns fatos seriam suficientes para colocar os princípios e esta notação em harmonia com os requisitos da ciência moderna. A notação propícia à adoção atualmente não é exatamente a de Gerhardt. Gerhardt prestou serviços enormes à ciência. Hoje ele já está morto, e seu nome, diz o orador, deve ser citado apenas com respeito. Entretanto, parece que este químico tenha cometido dois erros. Um compreende apenas forma, enquanto o outro é inerente ao cerne da questão. Primeiramente, em vez de apresentar sua notação como embasada nos novos princípios, a relaciona moderadamente aos princípios de Berzelius, acobreando assim sua inovação sob um nome respeitado. Em segundo lugar, parece que Gerhardt esteja errado ao ligar todos os óxidos da química inorgânica ao óxido de prata e ao óxido de potássio anidro, atribuindo a eles, no caso deste último, a fórmula . Na química orgânica devem haver óxidos correspondendo ao óxido de etileno, da mesma forma que há representantes do óxido etílico e de outros que correspondem ao óxido de glicerol, e se o hidrato de potássio, por exemplo, pode ser comparado ao álcool, então outros hidratos devem ser comparados ao glicol e à glicerina. É possível entender que estas considerações são capazes de prontamente justificar algumas mudanças na notação de Gerhardt e nas massas atômicas que ele atribui a certos metais. Após uma discussão em que participaram os Srs. Canizzaro, Wurtz e Kekulé, o Sr. Kekulé opina que a questão está suficientemente preparada para submissão à deliberação pelo Congresso, e pede que a anotação da questão seja confiada aos secretários. Esta proposição é adotada pela comissão. Terceira Sessão do Congresso Sob presidência do Sr. Dumas. Ao assumir o posto, o presidente dirige algumas palavras de agradecimento à assembleia e expressa a esperança de que um entendimento comum possa ser alcançado em algumas questões a serem apresentadas perante o congresso. Em seguida, o presidente sugere que a assembleia designe dois vice-presidentes. Os Srs. Will e Miller são escolhidos para essas posições. O Sr. Odling substitui o Sr. Roscoe, que teve de se ausentar, como secretário. Então os secretários leem as questões, cuja anotação tinha sido a eles confiada e que tinham sido formuladas pela Comissão. As questões foram concebidas segundo o seguinte: “É desejável harmonizar a notação química com os avanços da ciência?” “É apropriado adotar novamente os princípios de Berzelius, e no que tange à notação, trazer certas modificações a estes princípios?” “É desejável distinguir novos símbolos químicos daqueles que estavam em uso há quinze anos, com a ajuda de símbolos particulares?” O Sr. Canizzaro toma a palavra para se opor a segunda proposição. A ele parece muito pouco adequado ou lógico fazer a ciência regredir aos tempos de Berzelius, para levar a química percorrer novamente um caminho que ela já trilhou. Em verdade, o sistema de Berzelius já passou por diversas modificações e estas levaram ao sistema de fórmulas de Gerhardt. E estas modificações não foram introduzidas abruptamente ou sem transições para o sistema; elas foram resultado de avanços sucessivos. Se Gerhardt não os tivesse proposto, eles o teriam sido pelo Sr. Williamson ou pelo Sr. Odling, ou qualquer outro químico que participou da evolução da ciência. “A fonte à qual retorna o sistema de Gerhardt é a teoria Avogadro-Ampère da constituição uniforme de substâncias no estado gasoso. Essa teoria nos leva à visão de moléculas de algumas substâncias simples como suscetíveis a divisão no futuro. O Sr. Dumas compreendeu a importância da teoria de Avogadro e todas as suas consequências. Ele propôs a questão: Há acordo ente os resultados da teoria de Avogadro e os resultados deduzidos por meio de outros métodos para determinar as massas específicas de moléculas? Dando-se conta de que a ciência ainda era carente de resultados experimentais deste tipo, ele quis reunir o maior número possível antes de arriscar qualquer conclusão geral no assunto. Então, pôs-se a trabalhar e, com ajuda do método que aplicara para determinar a densidade de vapores, ele presenteou a ciência com resultados valorosos. Entretanto, parece que ele nunca levou o método longe o bastante para poder inferir dos resultados a conclusão geral que objetivava. Seja como for, considerando essa reserva que pensou necessária, pode-se dizer que foi ele que colocou os químicos no caminho da teoria de Avogadro, pois ele, mais do que ninguém, foi responsável pela introdução do hábito de escolher fórmulas para as substâncias voláteis correspondentes ao mesmo volume ao ocupado pelo ácido clorídrico e pela amônia. A mais evidente mostra da influência da corrente do Sr. Dumas aparece escrita por um de seus alunos, o Sr. Gaudin. O Sr. Gaudin aceitou a teoria de Avogadro sem reservas. Ele estabeleceu uma distinção direta e clara entre as palavras átomo e molécula, por meio da qual pôde reconciliar todos os fatos com a teoria. Esta distinção já havia sido feita pelo Sr. Dumas, que chamou a molécula de átomo físico em suas aulas de filosofia química. Ela certamente é uma norteadora do sistema de Gerhardt. Atendo-se mais efetivamente à teoria de Avogadro que Gerhardt ateve-se outrora, e tomando vantagem dos novos dados experimentais sobre as densidades de vapores, o Sr. Gaudin estabeleceu que átomos nem sempre são a mesma fração das moléculas de corpos simples – o que quer dizer que moléculas nem sempre resultam do mesmo número de átomos; enquanto as moléculas de oxigênio, hidrogênio e outros halogênios são formadas por dois átomos, a molécula de mercúrio é composta de um só átomo. Ele foi longe ao ponto de comparar volumes iguais de álcool e éter para deduzir a composição relativa de suas moléculas. Mas sua mente não conseguiu compreender os resultados dessa comparação, e os químicos se esqueceram da sua ideia. E ainda assim, essa comparação foi um dos pontos de início para a reforma proposta por Gerhardt. Outros químicos, dentre os quais Proust, também aceitaram a teoria de Avogadro e chegaram às mesmas conclusões gerais que o Sr. Gaudin. O que fez Gerhardt nesse ponto da ciência? Ele aceitou a teoria de Avogadro e a consequência de que átomos de corpos simples são divisíveis e aplicou essa teoria para deduzir a composição relativa das moléculas de hidrogênio, oxigênio, cloro, nitrogênio, ácido clorídrico, água e amônia. Se ele tivesse parado nesse ponto, ele não teria chegado além de Avogadro e do Sr. Dumas. Mas então, ele submeteu todas as fórmulas da química orgânica a uma investigação geral e descobriu que todas essas fórmulas correspondentes a iguais volumes de ácido clorídrico e amônia eram confirmadas por todas reações e analogias químicas. Então, ele dedicou-se a modificar fórmulas que excedessem a regra introduzida pelo Sr. Dumas. Ele tentou mostrar que as razões para violação da regra dos volumes iguais eram infundadas. Reduzir as fórmulas de todas as substâncias voláteis da química orgânica a volumes iguais foi o ponto inicial das reformas propostas por Gerhardt. As modificações das massa atômicas de certas substâncias simples, a descoberta das relações que os hidratos, quer ácidos, quer básicos, têm com a água, foram consequências desse primeiro passo. E o que aconteceu em seguida? Os experimentos inesquecíveis do Sr. Williamson de eletrificação, em éteres compostos, acetonas compostas, os de Gerhardt com os ácidos anidros, os do Sr. Wurtz com radicais alcoólicos, etc. sucessivamente confirmaram o que predissera Gerhardt como consequência de seu sistema. Portanto, ocorreu na química algo análogo ao que aconteceu com a óptica quando foi introduzida a teoria ondulatória. Essa teoria predisse com maravilhosa precisão os fatos que os experimentos confirmaram posteriormente. O sistema de Gerhardt não foi pouco frutífero em predições exatas. Ele está intimamente misturado e ligado a todas obras da química que o precederam e a todos os avanços que o sucederam na história da ciência. Não é um salto abrupto, um evento isolado. É um passo à frente regular, aparentemente pequeno, mas com grandes resultados. A partir de agora, esse sistema não pode ser erradicado da história da ciência. Ele pode e deve ser discutido e modificado. Mas é o sistema que deve ser tomado como ponto de partida, quando for o caso de introduzir à ciência química um sistema de fórmulas de acordo com o atual estado do nosso conhecimento. Talvez alguns químicos seja tentados a dizer: a diferença entre as fórmulas de Gerhardt e de Berzelius é muito pequena, pois a fórmula para a água, por exemplo, é a mesma em ambos os sistemas. Mas precisamos tomar cuidado. A diferença é aparentemente pequena, mas grande em sua base. Berzelius estava sob a influência das ideias de Dalton. A ideia de uma diferença ente átomo e molécula de uma substância nunca foi capaz de penetrar em sua mente. Em todas as suas discussões ele considerava implicitamente que átomos de substâncias simples são, face a face, forças físicas, unidades da mesma ordem, átomos compostos. Por essa razão, passou a considerar que volumes iguais contém o mesmo número de átomos. Logo ele percebeu que essa regra podia ser aplicada a todas as substâncias simples e durante toda sua carreira científica, não atribuiu qualquer valor ao átomos de substâncias compostas ao escolher fórmulas. Ele foi até forçado a restringir a regra de números iguais de átomos em volumes iguais a um número muito pequeno de substâncias simples – ou seja, àquelas que são permanentemente gasosas – introduzindo assim à constituição de gases e vapores uma diferença que físico nenhum poderia admitir. Berzelius não considerou que moléculas de substâncias simples podiam se dividir ao se recombinar. Ao contrário, ele considerava que duas moléculas frequentemente formam a quantidade que entra íntegra à combinação. Isso é o que chamava de átomos duplos. Assim, ele assumiu que água e ácido clorídrico continham a mesma quantidade de hidrogênio – uma quantidade igual a duas moléculas físicas juntas. Então vocês podem ver, senhores, a profunda diferença que existe entre as ideias de Berzelius e as de Avogadro, Ampère, do Sr. Dumas e de Gerhardt. Fico surpreso que o Sr. Kekulé, que disse em seu livro que Gerhardt foi o primeiro e único que entendeu completamente a teoria atômica, aceitou a proposição da comissão. Acredito ter mostrado”, continuou o Sr. Canizzaro, “que uma discussão de fórmulas deve tomar como ponto de partida as fórmulas de Gerhardt, mas não mantenho que todas elas devam ser aceitas na forma em que ele as propôs. Longe disso; eu tentei, há alguns anos, introduzir certas modificações a elas, de forma a evitar as inconsistências que, a meu ver, existem no sistema de Gerhardt. De fato, é estranho ver que este químico tenha renunciado à teoria de Avogadro após toma-la como base para suas reformas. Aqui está o que ele mesmo comentou: ‘Há moléculas em 1, 2 e 4 volumes, assim como há em 1/2, 1/3 e 1/4 de um volume.’ (Comptes rendus des travaux de Chimie, 1851, p. 146). E ele continuou com o seguinte (p. 147): ‘Talvez seja surpreendente me ver defender essa tese, quando recomendei e ainda recomendo constantemente que uma notação regular na químcia orgânica deva ser seguida, representando todas as substâncias voláteis pelo mesmo número de volumes, 2 ou 4. O químicos que veem aqui duas afirmações contraditórias, esquecem que nunca reconheci no princípio anterior uma verdade molecular, mas uma condição a ser satisfeita para que se chegue ao conhecimento de certas leis ou certas relações que poderiam escapar à atenção do observador em uma notação arbitrária ou alguma indicada para casos especiais’. Certamente havia fatos que forçaram Gerhardt a abandonar a teoria de Avogadro, mas também havia hipóteses injustificáveis. Os fatos eram as densidades do vapor de ácido sulfúrico monohidratado, do sal amoníaco e do percloreto de fósforo. Vocês já sabem senhores, que na ocasião da publicação do artigo do Sr. Deville sobre a dissociação de certos compostos pelo calor, eu fui o primeiro a tentar interpretar a ocorrência dessas densidades anormais, ao supor que os corpos em questão dividem-se em dois e que na verdade, uma mistura de vapores é pesada pela determinação dessas densidades. Após mim, o Sr. Kopp propôs a mesma interpretação, de sua própria forma. Não irei reproduzir aqui os debates que invocamos a favor dessa interpretação. Apenas acrescentarei que um dos membros deste Congresso acabou de me dizer que o ponto de ebulição do ácido sulfúrico é quase constante sob pressões bem variadas – um fato que mostra que a questão aqui não está relacionada a ponto de ebulição, mas a ponto de decomposição. Estou convencido de que outros fatos confirmarão a interpretação que demos às densidades anormais e, como resultado, vou dissipar as dúvidas que alguns cientistas ainda aparentam ter no que tange à teoria de Avogadro. Mas independentemente dos fatos que acabei de citar, havia também hipóteses injustificáveis que distanciaram Gerhardt da teoria de Avogadro. Vou mostrar que este é o caso. Gerhardt tomava como uma verdade demostrada que todos os compostos metálicos têm fórmulas análogas àquelas correspondentes aos compostos hidrogenados. Daí segue que as fórmulas para cloretos de mercúrio são HCl, Hg2Cl, ao considerar que a molécula de mercúrio livre é formada de dois átomos, como a de hidrogênio. Observemos que as densidades de vapores levaram a resultados diferentes. Assim, para representar a composição de volumes iguais dos seguintes cinco corpos: hidrogênio, ácido clorídrico, mercúrio, cloreto de mercuroso e cloreto mercúrico, teremos as seguintes fórmulas: H2, HCl, Hg2, Hg2Cl, Hg2Cl2 A comparação entre essas fórmulas mostra que nas moléculas de mercúrio livre e de dois de seus cloretos existe a mesma quantidade de mercúrio, expressa por Hg2, e que o cloreto mercuroso é análogo ao ácido clorídrico, enquanto o cloreto mercúrico contém o dobro de cloro em sua molécula. Como resultado, a mesma razão que nos levou a dobrar o átomo de carbono também nos leva a dobrar o átomo de mercúrio. Isso infere que a quantidade de mercúrio expressa por Hg2 nas fórmulas anteriores representa um átomo único. Neste caso, vê-se um átomo igual ao da molécula do corpo livre; e que em sais mercurosos este átomo equivale a um só átomo de hidrogênio, enquanto nos sais mercúricos, equivale a dois átomos de hidrogênio. Em outros termos, para empregar a linguagem de uso comum atualmente, o mercúrio é monoatômico nos sais mercurosos, mas nos sais mercúricos, é diatômico como os radicais dos glicóis do Sr. Wurtz. É importante agora apontar que dobrando a massa atômica do mercúrio, como feito com a massa atômica do enxofre, chegamos a números de acordo com a lei dos calores específicos. Mas se for duplicada a massa atômica do mercúrio, podemos ser levados, por analogia, a dobrar também as massas do cobre, do zinco, do chumbo, do estanho, etc. – resumindo, acabaríamos de volta ao sistema de massas atômicas do Sr. Regnault, que está de acordo com os calores específicos, com o isomorfismo e com analogias químicas. A verdadeira infelicidade era que o sistema de Gerhardt conflitava com a lei dos calores específicos e com o isomorfismo. Este embate produziu duas químicas diferentes – uma, que trabalhava com substâncias inorgânicas e concedia grande valor ao isomorfismo; e a outra, que investigava substâncias orgânicas e não o considerava. Assim, a mesma substância química não poderia ter a mesma fórmula numa química e na outra. O embate que acabei de indicar decorria do fato que o sistema de Gerhardt não era inteiramente consistente; ele desaparece logo que as inconsistências são contornadas. As densidades de vapores consistem num meio de determinar a massa das moléculas de substâncias, quer simples, quer compostas. Os calores específicos são usados para verificar a massa dos átomos e não das moléculas. O isomorfismo revela analogias na constituição molecular. Em suporte às modificações de massas atômicas que acabei de sugerir, citarei os seguintes fatos: todos os compostos voláteis de mercúrio, zinco, estanho e chumbo contêm quantidades de metal representadas em notação comum por Hg2, Zn2, Sn2, Pb2. Este fato, por si só, basta para indicar que estas quantidades representam os próprios átomos dos metais em questão. O fato de que existem três oxalatos de potássio e amônio (radicais monoatômicos), enquanto existem apenas dois oxalatos de bário e cálcio (radicais diatômicos) também poderia ser citado. Mas por hora, não enfatizo a questão, e não posso negar, por outro lado, que há um caso em que a massa atômica deduzida da comparação de composições moleculares está em conflito com aquela deduzida a partir dos calores específicos. O caso é relativo ao carbono. Mas pode ser que a lei dos calores atômicos possa ser mascarada por outras causas que influenciam no calor específico. Em síntese, senhores, eu proponho que o sistema de Gerhardt seja aceito, levando em consideração as modificações de massas atômicas de certos metais e as fórmulas de seus sais que eu sugiro que daí decorram. E se não conseguirmos alcançar um acordo completo em que aceitemos a base para o novo sistema, pelo menos evitemos emitir uma opinião contrária que não sirva a qualquer propósito. Pelo contrário, poderíamos apenas obstruir o sistema de Gerhardt de ganhar defensores a cada dia. Ele já é aceito pela maioria dos químicos jovens químicos que hoje desempenham o papel mais ativo nos avanços da ciência. Neste caso, restrinjamo-nos a estabelecer algumas convenções para evitar a confusão de usar símbolos idênticos que significam valores diferentes. Generalizando um padrão já estabelecido, adotemos letras cortadas para representar as massas atômicas dobradas." O Sr. Strecker presta alguns esclarecimentos quanto à elaboração da segunda proposição apresentada ao Congresso. Este rascunho originalmente menciona o nome de Gerhardt, mas a a maior parte do comitê desejava substituir o nome pelo de Berzelius. O orador não compartilhava dessa opinião. A ele não parecia haver razão para voltar a Berzelius, que talvez pudesse ser criticado por uma longa lacuna na questão de átomos e equivalentes. Útil e urgente seria melhorar o que já existe levando em conta os avanços da ciência desde Berzelius. O Sr. Strecker acrescenta que as doutrinas expressas no “sistema de Gerhardt” oferecem vantagens reais. Ele, por sua vez, irá adotar as novas massas atômicas em seus artigos, mas não acha que seja a hora de introduzi-las em livros docentes e elementares. O Sr. Kekulé compartilha de todas as opiniões do Sr. Canizzaro. Parece útil a ele, entretanto, manter reservas quanto a um detalhe. O Sr. Canizzaro considera o cloreto mercuroso como contendo HgCl (Hg=200). Parece mais racional ao Sr. Kekulé considera-lo uma combinação análoga ao “líquido holandês” [cloreto de etileno], ou seja, contendo Hg2Cl2 (Hg=200) e assumir que no momento da vaporização, a molécula Hg2Cl2 se divide. [11] O Sr. Will não quer entrar em detalhes quanto às questões apresentadas ao Congresso. Ele se reserva a apontar que o Congresso precisa proceder diretamente ao seu objetivo. Este objetivo é encontrar uma notação clara e lógica, incapaz de gerar confusão nas mentes daqueles não acostumados às fórmulas, e adequada não apenas a expressar os fatos há muito aceitos na ciência, mas também aqueles acrescentados a ela continuadamente pelas novas descobertas. O Sr. Erdmann sugere que as duas primeiras questões sejam deixadas e que a discussão se atenha à última. A ele parece difícil chegar a um consenso no que se refere a questões de princípio, e especialmente, impor uma notação, seja qual for, por meio de voto. O Sr. Wurtz comenta que não foi ideia de ninguém impor uma ou outra opinião. Depara-se com dois tipos de questões – as que se referem ao fundamentos e as que envolvem apenas pontos formais. Se não há condições propícias para resolver as primeiras por meio de voto, se elas ainda não estão suficientemente maduras, nada impede que se vote em questões puramente formais. O Sr. Hermann Kopp lembra que, em vários pontos teóricos, as opiniões dos químicos estão divididas. Essas diferenças de opinião são causadas em parte por desentendimentos e se refletem na própria notação. Poderia ser muito útil uma discussão para acabar com os desentendimentos. O Sr. Erlenmeyer sugere que os símbolos cortados sejam usados sempre para expressar massas atômicas que representam os antigos equivalentes dobrados. [12] O Sr. L. Meyer diz que esse ponto parecia estabelecido, pois ninguém apresentara nenhuma objeção contra ele. O Sr. Canizzaro acha inútil votar para a terceira questão. O Sr. Boussingault chama a atenção para a possível dificuldade que entender erroneamente a votação em congresso pode causar às questões consideradas. Votar é expressar a vontade do Congresso, e o Congresso não deseja impor a opinião da maioria a ninguém. O Sr. Will tem a mesma opinião. O Sr. Normandy afirma que os cientistas que sugerem a introdução de certas reformas no que se refere a notação, são aqueles que trabalham principalmente com a química orgânica. Agora, pode-se notar que nem sempre os cientistas concordam entre si em alguns pontos. Por isso, parece prematuro aplicar princípios ainda em discussão à química inorgânica. O Sr. Odling fala sobre a questão dos símbolos cortados. Ele lembra que Berzelius os introduziu à ciência para expressar átomos dobrados. A barra, segundo ele, é sinal de divisibilidade, e parece contrário à lógica usá-la em símbolos para átomos indivisíveis de oxigênio e carbono. Concordando completamente que os átomos dobrados de Berzelius tinham uma conotação diferente da dos átomos indivisíveis, para os quais havia sido proposto o uso de símbolos cortados, o Sr. Kekulé aponta que estes símbolos cortados devem expressar não a divisibilidade dos átomos, mas a divisibilidade dos valores representados por esses símbolos, que são o dobro dos que eram usados no passado. Em respostas às observações dos Srs. Erdmann e Normandy, o Sr. Kekulé acrescenta que não é suficiente impor uma opinião teórica ou notação por meio de voto, mas que uma discussão desses assuntos é necessária e útil, e não falhará em trazer frutos. O Congresso, consultado pelo presidente, expressa a vontade de que o uso de símbolos cortados para representar massa atômicas dobradas em relação às usadas no passado, seja introduzido à ciência. O Sr. Dumas fecha a terceira e última sessão do Congresso, após de prestar respeito ao Grande Duque de Baden e agradecê-lo por sua hospitalidade. Notas: [1] estou em débito com meu colega, Prof. Gaufnez, de Bonn, por examinar o texto em Francês. – Estou reproduzindo todas as notas de rodapé que aparecem na publicação de 1929. Não é claro para mim quais notas são de Wurtz e quais são de Anschütz. Algumas notas contêm a notação entre parênteses (A.); entretanto, outras, como esta, também parecem ser de Anschütz -- CJG] [2] A carta circular foi enviada em alemão, francês e inglês. O texto alemão está datado: “Karlsruhe, 10 de Julho de 1860”; o texto inglês: “Londres, 1º de Julho de 1860”. Com a versão francesa dos procedimentos do Congresso, incorporei o texto em francês da circular que, se comparado com as versões em alemão e inglês, contém o nome “Regnault” dentre os subscritores; falta o nome “Mitscherlich” no texto em inglês. [3] A lista de membros impressa, suplementada por adições à mão, contém 126 nomes (A.) [4] Organizei os participantes por país e cidade em que trabalhavam no momento. (A.) [5] Cf. Apêndice 9. (A.) [6] No manuscrito de Kekulé, e de adicionou a seguinte nota na margem: “Nem sempre!” (A.) [7] No manuscrito de Kekulé, ele acrescentou: “Kekulé e Will discordaram”. (A.) [8] No manuscrito de Kekulé, há a seguinte nota na margem: “Uma molécula é 1, no máximo 2 átomos” (A.) [9] A seguinte nota consta no manuscrito de Kekulé: “Grande exemplo: NH4Cl, SO3 · OH2.” (A.) [10] H = 1. C = 8. O = 16. Az = 14. az = 14/3. [11] Cf. Kekulé Ann. (1857), 104, 132n [12] Originalmente sugerido por Williamson (A.) Tradução do relatório para português: Aspirações Químicas. Dezembro de 2012. aspiracoesquimicas.net