ISSN 2317-3297
Toda Topologia é Gerada por uma Distância Generalizada
Fagner L. de Santana,
Regivan H. N. Santiago,
Fabiana T. Santana,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
59078-970, Natal, RN
E-mails: [email protected], [email protected], [email protected].
Palavras-chave: Análise e aplicações, Topologia, i-distâncias, métricas, quasi-pseudométricas
Resumo: Neste trabalho será mostrado que qualquer topologia em um conjunto M pode ser obtida a partir de uma noção generalizada de distância. Tal generalização é baseada na modificação
do conjunto de valoração da função distância.
1
Introdução
Já existem várias propostas de generalizações de distância feitas a partir da modificação do
conjunto de valoração ([3], [4]). Baseando-se em uma generalização deste tipo para as quasipseudométricas, em [2] o autor provou que toda topologia era gerada por uma distância. Neste
trabalho, é apresentada uma proposta de generalização de distância e, usando as idéias de [2] com
algumas modificações, será mostrado que toda topologia é gerada por uma distância generalizada
neste sentido aqui definido.
2
i-Quasi-pseudométricas
O conceito chave deste trabalho chama-se i-quasi-pseudométrica. Antes de introduzı́-lo, são
apresentados alguns conceitos preliminares.
Definição 1. Seja ≤ uma relação de ordem sobre A, uma relação binária R sobre A é uma
relação semi-auxiliar para ≤ quando satisfaz:
1. Se aRb, então a ≤ b;
2. Se a ≤ b, bRc e c ≤ d, então aRd.
Definição 2. Seja hA, ≤i um conjunto ordenado. Um conjunto D ⊆ A é chamado conjunto
d-dirigido, se para cada par de elementos a, b ∈ D, o conjunto {a, b} possui cota inferior. Se o
conjunto ordenado hA, ≤i possuir menor elemento, então será usada a notação hA, ≤, ⊥i, onde
⊥ é este menor elemento. Um conjunto ordenado d-dirigido hA, ≤, R, ⊥i com menor elemento e
uma relação semi-auxiliar R é dito ter menor elemento separável, sempre que dados a, b ∈ A
tais que ⊥Ra e ⊥Rb, existe uma cota inferior c para {a, b} tal que ⊥Rc. Neste caso, a estrutura
hA, ≤, R, ⊥i será chamada Valoração de i-Distâncias (VID).
Definição 3 (i-Quasi-pseudométrica). Seja M um conjunto não-vazio e hA, ≤, R, ⊥i um VID.
Uma função d : M × M −→ A é chamada i-quasi-pseudométrica quando satisfaz:
1. Se a = b, então d(a, b) = ⊥;
2. Se d(a, b)Rε, para algum ε ∈ A, com ⊥Rε então existe δ ∈ A, com ⊥Rδ tal que d(b, c)Rδ ⇒
d(a, c)Rε.
399
ISSN 2317-3297
Neste caso, a tripla (M, d, hA, ≤, R, ⊥A i) é chamada espaço i-quasi-pseudométrico.
A seguir, é feita a construção de uma topologia a partir de uma i-quasi-pseudométrica.
Definição 4. Seja (M, d, hA, ≤, R, ⊥i) um espaço i-quasi-pseudométrico. Dados a ∈ M e ε ∈
com ⊥Rε, a bola aberta de centro a e raio ε é o conjunto B(a, ε) = {b ∈ M ; d(a, b)Rε}. Um
conjunto X ⊆ M é dito ser aberto, se para cada a ∈ X existe uma bola aberta B(a, ε), tal que
B(a, ε) ⊆ X.
Teorema 1. Seja (M, d, hA, ≤, R, ⊥A i) um espaço i-quasi-pseudométrico. A classe =(M ) dos
conjuntos abertos de M é uma topologia em M e a classe das bolas abertas é uma base para
=(M ).
A demonstração deste teorema segue passos bem parecidos com o caso usual de métricas
(veja [1]). Nela fica claro o porque de o conjunto de valoração ser d-dirigido e ter menor
elemento separável (para mostrar que a intereção de abertos é aberto) e o porque da desigualdade
triangular (mostrar que as bolas abertas são conjuntos abertos). Quando uma topologia é
construı́da a partir de uma i-quasi-pseudométrica como foi mostrado acima, ela é dita ser iquasi-pseudometrizável.
3
Toda Topologia é i-Quasi-pseudometrizável
Seja τ uma topologia (qualquer) em um conjunto não-vazio X e considere os conjuntos [0, +∞]
dos reais não-negativos extendidos e (0, +∞]. Denote por V o conjunto de todas as funções do
tipo f : τ −→ [0, +∞] e por V ∗ o subconjunto de V formado pelas funções tais que f (x) 6= 0,
para todo O ∈ τ . No conjunto V a relação ≤p definida por f ≤p g ⇔ f (O) ≤ g(O), ∀ O ∈ τ
é uma ordem parcial, de modo que a função nula (0v ) é o menor elemento de hV, ≤p i. Em V
defina a operação +v como sendo a soma usual de funções. Seja P o subconjunto de V formado
pelas funções f ∈ V ∗ tais que {O ∈ τ ; f (O) 6= +∞} é um conjunto finito. Sendo assim,
defina a relação binária ≺, a qual é uma relação semi-auxiliar para ≤v , por:f ≺v g ⇔ ∃ h ∈
P , tal que f +v h ≤v g.
A seguir, alguns resultados sobre estes conjuntos V , V ∗ , ≤v e ≺v são enunciados:
• hV, ≤v i é um reticulado;
• Sejam f, g, h, t ∈ V . Se f ≤v h e g ≤v t, então f +v g ≤v h +v t;
• Sejam, f, g1 , ..., gn , h1 , ..., hn ∈ V . Se f +v g1 ≤v h1 ,...,f +v gn ≤v Hn , então f + ∧ni=1 gi ≤v
∧ni=1 hi .
• 0v ≺v f , para todo f ∈ P . ;
• Se f, g ∈ V e f ≺v g, então g ∈ P ;
• Se f, g ∈ P , então f ∧ g ∈ P ;
• hV, ≤v , ≺v , 0v i é um VID.
Assim, fica construı́do o VID que será usado na definição de uma i-quasi-pseudométrica que
gera a topologia τ .
Fixe um elemento
q ∈ (0, +∞]. Para cada O ∈ τ defina a função dO : X × X −→ [0, +∞]
0, se x ∈
/ O ou y ∈ O
por dO (x, y) =
. É imediato que dO (x, x) = 0, para todo x ∈ X.
q, se x ∈ O e y ∈
/O
Está função também satisfaz uma desigualdade triangular usual, ou seja, dO (x, z) ≤ dO (x, y) +
dO (y, z). De fato, se dO (x, z) = 0, então nada há a provar. Caso dO (x, z) = q, então x ∈ O
e z ∈
/ O. Se y ∈ O, então dO (x, y) = 0 e dO (y, z) = q. Se y ∈
/ O, então dO (x, y) = q e
400
ISSN 2317-3297
dO (y, z) = q. Nos dois casos o resultado segue. Baseados nestas funções dO , define-se a função
dτ : X × X −→ V que associa a cada par (x, y) a função dτ (x, y) : τ −→ [0, +∞] de V definida
por dτ (x, y)(O) = dO (x, y). Esta função dτ possui as seguintes propriedades:
i) dτ (x, x) = 0v ;
ii) dτ (x, z) ≤v dτ (x, y) +v dτ (y, z).
Decorre daı́ que esta função dτ é uma i-quasi-pseudométrica (a desigualdade triangular das
i-quasi-pseudométricas decorre imediatamente de ii))
Teorema 2. A topologia gerada por dτ é τ .
0 = τ . Tome O ∈ τ .
Demonstração. Seja τ 0 a topologia gerada por dτ . O objetivo é mostrar que τ
p, se A = O
0 : τ −→ (0, +∞] por r 0 (A) =
Fixado p ∈ (0, +∞), com 2p ≤ q defina rO
.
O
+∞, se A 6= O
0 (A) ∈ (0, +∞], para todo A ∈ τ e r 0 (A) 6= +∞ apenas para um elemento de τ , a saber
Assim, rO
O
0 ∈ P . Defina r = r 0 +r 0 . Segue que r 0 ≺ r . Considere a bola aberta
o próprio O, ou seja, rO
v O
O
O
O
O
B(x, rO ) = {y ∈ X dτ (x, y) ≺v rO }. Tem-se que B(x, rO ) = B, onde B = {y ∈ X; dO (x, y) <
2p}. De fato, tome y ∈ B(x, rO ), ou seja, y é tal que dτ (x, y) ≺v rO . Dessa forma, existe
r ∈ P tal que dτ (x, y) +v r ≤v rO , ou seja, dτ (x, y)(A) + r(A) ≤ rO (A), para todo A ∈ τ , logo
dτ (x, y)(O)+r(O) ≤ rO (O) ⇔ dO (x, y)+r(O) ≤ 2p. Como r(O) ∈ (0, +∞), então dO (x, y) < 2p
o que implpica em y ∈ B. Por outro lado, se y ∈ B, é imediato verificar que y ∈ B(x, rO ) donde
conclui-se que B = B(x, rO ). Se O = ∅, então O ∈ τ 0 . Dessa forma, podemos supor O 6= ∅.
Tome x ∈ O. Como ja foi visto que b(x, rO ) = {y ∈ X; dO (x, y) < 2p}, basta mostrar que
O = {y ∈ X; dO (x, y) < 2p}. Se z ∈ O, então dO (x, z) = 0 ⇒ z ∈ {y ∈ X; dO (x, y) < 2p}, logo
O ⊆ {y ∈ X; dO (x, y) < 2p}. Por outro lado, se z ∈
/ O, então dO (x, z) = q 6< 2p, logo z ∈
/ B.
c
c
0
Com isso, conclui-se que O ⊆ B , ou seja, B ⊆ O. Portanto B = O, logo O ∈ τ o que encerra
a verificação de que τ ⊆ τ 0 .
Falta provar que τ 0 ⊆ τ . Para isso, tome O ∈ τ 0 . Dessa forma, dado x ∈ O, existe
rx ∈ P tal que B(x, rx ) ⊆ O. Por definição, o conjunto C = {A ∈ τ ; rx (A) 6= +∞} é finito.
Suponha C = {O1 , O2 , ..., On } e r(Oi ) = pi ∈ (0, +∞) para cada i ∈ {1, 2, ...,
n}. Dessa forma,
pi , se A = Oi
rx (A) = +∞, para todo A ∈
/ C. Defina ri : τ −→ (0, +∞], por ri (A) =
,
+∞, se A 6= Oi
para cada i ∈ {1, 2, ..., n}. Segue imdeiatamente da definição dos ri ’s que rx = r1 ∧ r2 ∧ ... ∧ rn .
Outro fato (o qual é consequência
direta
T
T dasTpropriedades de ≤v e de ≺v ) que será usado é o
seguinte: B(x, rx ) = B(x, r1 ) B(x, r2 ) ... B(x, rn ).
Tem-se que
/ Oi . De fato, neste caso, dado y ∈ X, temos que dτ (x, y)(A) =
B(x, ri ) = X se x ∈
0, se x ∈
/ A ou y ∈ A
dA (x, y) =
. Como x ∈
/ Oi , tem-se dτ (x, y)(Oi ) = 0 e como ri (A) =
q, se x ∈ A e y ∈
/A
+∞, para todo A ∈ τ − {Oi }, segue que:

/A
 q + ∞, se A 6= Oi , x ∈ A e y ∈
+∞, se A 6= Oi
0 + ∞, se A 6= Oi , x ∈
/ A ou y ∈ A =
dτ (x, y)(A) + ri (A) =
= ri (A)
pi , se A = Oi

0 + pi , se A = Oi (aqui, x ∈
/ A)
Portanto, dτ (x, y) +v ri ≤v ri ⇒ dτ (x, y) ≺v ri ⇒ y ∈ B(x, ri ) ⇒ B(x, ri ) = X.
Agora, suponha que x ∈ Oi e pi ≤ q. Neste caso, tem-se B(x, ri ) = Oi . De fato, dado y ∈ Oi ,
tem-se:

0, se A = Oi



0, se A 6= Oi e y ∈ A
dτ (x, y)(A) =
q,
se A 6= Oi , ∈
/Aex∈A



0, se A 6= Oi , y ∈
/Aex∈
/A
401
ISSN 2317-3297
Sendo assim, segue que:

0 + pi , se A = Oi



0 + ∞, se A 6= Oi e y ∈ A
0, se A = Oi
dτ (x, y)(A) + ri (A) =
=
= ri (A)
/Aex∈A
+∞, se A 6= Oi
 q + ∞, se A 6= Oi , ∈


0 + ∞, se A 6= Oi , y ∈
/Aex∈
/A
Portanto, dτ (x, y) +v ri ≤ ri ⇒ dτ (x, y) ≺v ri ⇒ y ∈ B(x, ri ) ⇒ Oi ⊆ B(x, ri ).
Por outro lado, suponha que y ∈
/ Oi , assim dτ (x, y)(Oi ) = q ≥ pi = ri (Oi ), logo dτ (x, y) 6≺v
ri ⇒ y ∈
/ B(x, ri ). Sendo assim, tem-se Oic ⊆ [B(x, ri )]c ⇔ B(x, ri ) ⊆ Oi . Assim, segue que
Oi = B(x, ri ).
Por fim, suponha x ∈ Oi e q < pi . Neste caso, tem-se B(x, ri ) = X. De fato, tome y ∈ X,
assim:

0, se A = Oi e y ∈ A



q, se A = Oi e y ∈
/A
dτ (x, y)(A) =
q, se A 6= Oi , x ∈ A e y ∈
/A



0, se A 6= Oi , x ∈
/ A ou y ∈ A
pi − q, se A = Oi
Defina si : τ −→ (0, +∞] por si (A) =
. Portanto:
+∞, se A 6= Oi


0 + pi − q, se A = Oi e y ∈ A



 pi − q, se A = Oi e y ∈ A
q + pi − q, se A = Oi e y ∈
/A
pi , se A = Oi e y ∈
/A
dτ (x, y)(A) + si (A) =
=
q + ∞, se A 6= Oi , x ∈ A e y ∈
/A



+∞, se A 6= Oi

0 + ∞, se A 6= Oi , x ∈
/ A ou y ∈ A
≤ ri (A).
Como si ∈ P , isso significa que dτ (x, y) ≺v ri ⇒ y ∈ B(x, ri ), logo, B(x, ri ) = X.
Com isso, foi mostrado que cada uma das bolas abertas B(x, ri ) é X ou Oi , logo B(x, ri ) ∈ τ ,
para cada i ∈ {1, ..., n}. Dessa forma,
[B(x, rx ) é a interseção finita de elementos de τ o que
implica em B(x, rx ) ∈ τ . Como O =
B(x, rx ), pode-se concluir que O ∈ τ e, portanto, que
x∈O
τ 0 ⊆ τ que era o passo que faltava para provar que τ = τ 0 .
4
Considerações Finais
A principal diferença entre este artigo e [2] é que a topologia definida naquele trabalho era
baseada em bolas fechadas e aqui a topologia é baseada em bolas abertas. Esta modificação
trouxe a necessidade de algumas adaptações das idéias de Kopperman. Seguindo a idéia da
definição de i-quasi-pseudométrica, pode-se definir também as outras i-distâncias, ou seja, iquasi-métricas, i-pseudométricas e, principalmente, i-métricas e com isso tentar caracterizar que
tipos de topologias são geradas por esses tipos de i-distâncias já que é um fato bastante conhecido
que nem todas as topologias são (quasi, pseudo ou quasi-pseudo) metrizáveis (veja [1]).
Referências
[1] J. Dugundji, “Topology”, Allyn and Bacon Series in Advanced Mathematics, 9th edition,
1966.
[2] R. Kopperman, All Topologies Come From Generalized Metrics, The American Mathematical Monthly, Vol. 95, No. 2, pp 89-97, 1988.
[3] I. Kramosil e J. Michelek, Fuzzy Metrics and Statistcal Metric Spaces, Kybernetika, vol. 11,
pp 336-344, 1975.
[4] K. Menger, Statistical Metrics, “Proceedings of Nat. Acad. Sci.”, vol. 28, pp 535-537, 1942.
402
Download

Toda Topologia é Gerada por uma Distância Generalizada 1