FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA – DME CAMPUS DE JI-PARANÁ ELIHEBERT SARAIVA A MATEMÁTICA NA CONSTRUCÃO CIVIL SOB A ÓTICA DOS CONSTRUTORES Ji-Paraná 2012 FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA – DME CAMPUS DE JI-PARANÁ ELIHEBERT SARAIVA A MATEMÁTICA NA CONSTRUÇÃO CIVIL SOB A ÓTICA DOS CONSTRUTORES Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Departamento de Matemática e Estatística, da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji-Paraná, como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciado em Matemática, sob a orientação do professor Ms. Reginaldo Tudeia dos Santos e coorientação da professora Ms. Ana Lúcia Denardin da Rosa. Ji-Paraná 2012 2 ELIHEBERT SARAIVA A MATEMÁTICA NA CONTRUÇÃO CIVIL SOB A ÓTICA DOS CONSTRUTORES Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado como parte dos requisitos para a obtenção do título de Licenciado em Matemática e teve o parecer final como Aprovado no dia 20/12/12 pelo Departamento de Matemática e Estatística, da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji-Paraná. Banca Examinadora _______________________________________________ Msc. Reginaldo Tudeia dos Santos - Orientador Universidade Federal de Rondônia – Campus de Ji-Paraná _______________________________________________ Msc. Ana Lucia Denardin da Rosa- Coorientadora Universidade Federal de Rondônia – Campus de Ji-Paraná __________________________________________ Msc. Marlos Gomes de Albuquerque – Universidade Federal de Rondônia ___________________________________________ Msc. Kécio Gonçalves Leite – Universidade Federal de Rondônia 3 AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus por ter conseguido chegar até aqui; Em seguida, aos meus pais Arlindo Saraiva Nogueira e Elizabeth Saraiva Rodrigues por todo o apoio desde os primeiros passos dados em direção ao estudo; À minha Esposa Franciele Dallabrida pelo apoio e dedicação em todo o curso e, especialmente, na conclusão deste trabalho, aos meus Irmãos Alasson Saraiva, Alípio Saraiva e Elawan Saraiva que, a todo tempo, criaram um ambiente de estímulo ao conhecimento de modo que não o fazíamos em busca de profissão, e, sim, pela busca de conhecimento; A todos os professores desta Universidade que contribuíram de algum modo para minha formação inicial e, em especial, ao Professor Marcos Leandro Ohse, que pôde me mostrar em pouco tempo de convívio a responsabilidade que temos com a educação do outro, quando nos é dado o título de professor. Aos professores coordenadores do programa PIBID Marlos Gomes de Albuquerque e Emerson da Silva Ribeiro, que me proporcionaram uma visão crítica sobre as práticas e as tendências que norteiam esta honrada profissão; Aos Professores: orientador Reginaldo Tudeia dos Santos, coorientadora Ana Lúcia Denardin da Rosa e Luiz Aberto Nogueira pela paciência e perseverança ao me ajudar nesta difícil tarefa e a todos que contribuíram para esta pesquisa; A todos os meus amigos que, nestes quatro anos, me aguentaram com toda a chatice que tenho. 4 SUMÁRIO página Resumo .......................................................................................................................................5 Introdução ..................................................................................................................................6 1 Etnomatemática ......................................................................................................................7 1.1 – Considerações sobre Etnomatemática ............................................................8 1.2 – A Etnomatemática como fonte de pesquisa no mundo da construção civil....9 2 Metodologia da pesquisa ....................................................................................................10 3 Pesquisa de campo..............................................................................................................13 3.1 - Ponderações sobre a pesquisa de campo ..................................................................13 3.2 – Técnica de esquadrejar ............................................................................................14 3.3 – Contagem de tijolos na obra ....................................................................................19 3.4 – Cálculo de área para assentar piso e cerâmica .........................................................20 3.5 – Inclinações do telhado .............................................................................................21 3.5.1 Interpretação matemática do problema da inclinação do telhado..............................................................................................23 3.6 – Colocação de poste ..................................................................................................25 Considerações Finais .............................................................................................................................28 Referências .............................................................................................................................................30 Bibliografias Consultadas ......................................................................................................................31 5 RESUMO A MATEMÁTICA NA CONTRUÇÃO CIVIL SOB A ÓTICA DOS CONSTRUTORES Elihebert Saraiva¹ Este trabalho tem por objetivo investigar que tipo de matemática está presente em grupos de trabalhadores da construção civil. Na pesquisa, foi usado o método de investigação qualitativo-descritiva e nela constatou-se que a matemática produzida por estes trabalhadores encontra-se interconectada ao saber/fazer exercido em suas práticas diárias. Constatação esta observada no âmbito dos estudos embasados pela Etnomatemática, base do referencial teórico norteador desta pesquisa. A matemática do construtor, não presente em livros didáticos, é utilizada por ele para tirar o esquadro ou gabarito em uma construção, no cálculo da quantidade de tijolos, de pisos cerâmicos, na inclinação do telhado e na colocação de um poste de energia. Este saber matemático é adquirido na prática através de experiências socioculturais, onde se constrói os conhecimentos matemáticos através de vivências, do seu modo de compreender o mundo e daquilo que nele acontece. Palavras-chave: Etnomatemática, Construção Civil, Conhecimento, Grupos Sociais. ¹ SARAIVA, Elihebert. A matemática na construção civi sob a óptica de construtores. 2012. 30f. Monografia (Licenciatura Plena em Matemática) – Departamento de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Rondônia, Ji-Paraná. 6 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo pesquisar e analisar a concepção de matemática utilizada por profissionais da construção civil, relacionando-a com as fases da construção de uma obra, bem como o nível de instrução escolar de cada um desses profissionais em sua prática diária. Destaca-se que o universo humano em estudo restringe-se a mestres de obra, pedreiros, azulejistas, serventes e encanadores. Devemos salientar que existem poucos estudos que discutem o tema Etnomatemática do grupo de profissionais da construção civil. A Etnomatemática é a base para compreender a matemática nos contextos culturais. Esta ciência, antes considerada de pouca importância por movimentos que cultuavam a matemática corrente, hoje tem mostrado sua eficiência em compreender o saber/fazer de grupos sociais que não estão diretamente ligados à matemática científica. A escolha desse tema nasceu quando, ao estudar matemática, passei a observar que vários conceitos de geometria, trigonometria e aritmética estavam presentes na construção civil, independentemente do grau de complexidade da obra. O interesse em estudar a presença da matemática empregada na construção foi, ainda, instigado por influência familiar, pois meus tios são, na sua maioria, trabalhadores da construção civil, onde a matemática empregada por eles é quase que totalmente desprovida de conceitos estudados em uma sala de aula. Também tive influência de meu irmão graduando em engenharia sanitária. Esta pesquisa está estruturada da seguinte forma: O capítulo I faz uma abordagem sobre Etnomatemática para verificar de que forma ela está integrada aos conhecimentos matemáticos, em especial na construção civil. No capítulo II, é relatada a metodologia de pesquisa e apresentados os procedimentos de coleta e análise de dados. No capítulo III, fez-se um estudo sobre a matemática utilizada na construção de uma casa. Fez-se, também, um comparativo entre a matemática formal e a matemática informal utilizada para resolver os problemas oriundos da construção de alicerces, de paredes, entre outros. Por fim, nas considerações finais fez-se uma síntese dos principais aspectos analisados na pesquisa. 7 1 – ETNOMATEMÁTICA Etnomatemática é uma palavra formada pela composição das palavras: etno, matema e tica, que, segundo Duarte (2003, apud D’AMBRÓSIO, 2003, p.15): Etnomatemática é a arte ou técnica (techné = tica) de explicar, de entender, de se desempenhar na realidade (matema), dentro de um contexto cultural próprio (etno)”. Nesta perspectiva, a Etnomatemática procura resgatar, analisar e valorizar o saber e o fazer matemático produzido em diferentes contextos culturais, os quais não se referem unicamente a grupos étnicos. No Brasil, tem-se como propulsor destas ideias o matemático Ubiratan D’Ambrósio, que considerou duas vertentes de conhecimento matemático: a primeira, a matemática divulgada no meio acadêmico; e a segunda, a matemática de grupos, para os quais não se havia uma corrente que a anunciava para o mundo. Estas duas correntes em estudos etnomatemáticos são de igual teor e importância, visto que trabalham com o propósito do conhecimento particular de um grupo. Entretanto, a primeira é enaltecida e respaldada pelo mundo globalizado enquanto a segunda é inferiorizada e pouco divulgada, como descreve Duarte (2003, p.18): Neste sentido, ocorre, por parte da Etnomatemática e dos Estudos Culturais, a rejeição do processo que identifica cultura com “alta cultura”; uma identificação, obviamente, proposta pelos grupos hegemônicos. As teorizações realizadas por estes campos procuram não somente “borrar” as fronteiras entre “alta” e “baixa” cultura, que propiciam a marginalização dos grupos subordinados, mas analisar as relações de poder que as instituem. No entanto, a Etnomatemática deve ser interpretada como ferramenta disciplinar e moderadora para o aprofundamento dos saberes que estão intimamente ligados à cultura e ao conhecimento, conforme Duarte (2003, apud KNIJNIK, 1999 , p.17) relata: Portanto esta concepção de Etnomatemática compreende a articulação entre saberes populares e acadêmicos. Não se trata de glorificar ou exorcizar os saberes populares, nem tampouco tomá-los como ponto de partida para aquisição dos saberes acadêmicos, pois isto significaria supor que aqueles são inferiores e que serviriam somente como origem para aquisição do “verdadeiro” conhecimento matemático, o acadêmico. Uma vez que os caminhos da matemática seguem tendências cujo pressuposto está na universalização, teme-se que aconteça com a cultura matemática aquilo que Duarte 8 (2003, apud SANTOS, 1996, p.20) denominou “epistemicídio”, ou seja, “o extermínio de formas subordinadas de conhecer” (SILVA, 1998, p. 196). Conclui ainda que a matemática de hoje marginaliza e silencia as vozes das chamadas “minorias”. Com as considerações sobre a proposta da Etnomatemática, é possível dizer que o pensamento matemático feito por diferentes grupos sociais, enquanto fonte de conhecimento, pode ser estudado pela Etnomatemática. 1.1 – CONSIDERAÇÕES SOBRE ETNOMATEMÁTICA Na formação matemática do indivíduo, a Etnomatemática foi inicialmente proposta para atender às necessidades de resgatar e reconhecer o conhecimento de educação matemática, tomando como base aquilo que ele traz consigo no saber/fazer diário, pois, ao socializar-nos com outros indivíduos da mesma espécie, estabelecemos relações cognitivas de aprendizagem que caracteriza e distingue o homem dos demais animais. Para relatar a dimensão educacional da Etnomatemática, D’Ambrósio (2001, p.43) explica porque é importante retomar o estudo do saber/fazer do indivíduo: Não se trata de ignorar nem rejeitar conhecimento e comportamento modernos. Mas, sim, aprimorá-los, incorporando a ele valores de humanidade, sintetizados numa ética de respeito, solidariedade e cooperação. Para o autor, devemos estruturar a ciência concedendo valores humanísticos, pois, com a modernidade, a matemática tende a ser universalizada e termina por excluir laços matemáticos relacionados à cultura do indivíduo. Isto significa que o conhecimento sistematizado, também dito científico, não é o único meio válido para se produzir o saber. A informação dita científica estará ininterruptamente ligada ao conhecimento popular de saber/fazer, como enuncia Marconi (2010, p.58) ao explicar a correlação entre conhecimento popular e conhecimento científico: O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do “conhecer”. A colocação de Marconi retoma preceitos também defendidos por D’Ambrósio quando nos referimos à intrínseca relação do conhecimento popular às suas práticas mencionadas neste trabalho como saber/fazer, pois o conhecimento popular tem partido da prática do ser humano em seus diversos campos de atuação. 9 1.2 – O MUNDO DA CONSTRUÇÃO CIVIL COMO FONTE DE PESQUISA EM ETNOMATEMÁTICA A Etnomatemática é um campo de pesquisa com várias vertentes de estudo. Uma delas é a investigação das práticas da construção civil, onde, até o momento, poucos pesquisadores se propuseram a investigar seus costumes e suas culturas no que concernem às práticas matemáticas. Paulatinamente, pesquisa-se a dimensão histórica e política deste tema por abranger as práticas que ocorrem em todos os lugares onde existe civilização humana. Em especial, a matemática de grupos deve ser de interesse da educação matemática, campo que pode contribuir para o norteamento das dimensões culturais propostas pela matemática. No contexto da construção civil, a formação da base de seu grupo de profissionais acontece nos canteiros de obra, ou seja, a maioria destes trabalhadores se qualifica com a prática, sendo que geralmente passam ao largo por quaisquer cursos específicos de qualificação. Nesse universo, a aprendizagem é passada de pai para filho, de amigo para amigo, etc. Esta pesquisa procurou suportes através da Etnomatemática para compreender a aplicação dos conceitos matemáticos empregados por tais trabalhadores no âmbito da construção civil, além de fazer um paralelo entre a matemática formal e a matemática praticada por esses profissionais. 10 2- METODOLOGIA DA PESQUISA A abordagem feita nesta pesquisa é do tipo qualitativo-descritiva que, segundo Marconi (2010, p. 170), consiste em investigações de pesquisas empíricas cuja principal finalidade é o delineamento ou análise das características de fatos ou fenômenos (...) utilizando várias técnicas como entrevistas, questionários, formulários, etc. Além de Marconi, Pena (2012) diz que a abordagem qualitativo-descritiva incide em investigar as características de fatos ou fenômenos da natureza para a obtenção de dados descritivos, mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação do objeto de estudo. Além disso, seu foco de interesse é amplo e não busca enumerar ou medir eventos, bem como não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. A presente pesquisa discute a forma matemática utilizada por trabalhadores da construção civil em sua prática diária. Para isso, os dados foram obtidos por intermédio de observações no decorrer das atividades desenvolvidas por profissionais da construção civil, além de entrevista não estruturada. Andrade (1999, apud MARCONI 1990, p. 85) diz que: Entrevista despadronizada ou não estruturada. Consiste em uma conversação informal, que pode ser alimentada por perguntas abertas, proporcionando maior liberdade para o informante. Ainda, no contexto das perguntas não estruturadas procederemos de forma que a autora descreve como entrevista não dirigida que se resume em o informante ou entrevistado tem total liberdade para relatar sobre experiências e opiniões. Esta opção metodológica foi escolhida por melhor se enquadrar no campo de pesquisa em Etnomatemática e também por cobrar do pesquisador os menores custos em recursos financeiros. Dessa maneira, a fundamentação deste trabalho apoiou-se em autores como: Andrade (1999), Borges (2009), Salgado (2009), Bicudo (2003), D’Ambrósio (2001), Duarte (2003) e Marconi (2010). No que concerne ao método de investigação, optou-se pela abordagem da pesquisa qualitativa, fundamentado em entrevista despadronizada com trabalhadores da construção civil no município de Ji-Paraná. Segundo Andrade (1999, p. 134), para a coleta de dados deve-se elaborar um plano que especifique os pontos de pesquisa e os critérios para a seleção dos possíveis entrevistados e dos informantes que responderão aos questionários ou formulários. Com propósitos baseados em Andrade, buscou-se preparar um plano de pesquisa para coleta de dados, por meio de questionário despadronizado, no qual foi necessário considerar a obra, ou 11 seja, se nela existia construtores que correspondessem aos aspectos abordados nesta investigação. Em seguida, buscou-se evidenciar a prática do profissional e, por fim, enquadrálo entre uma das classes operárias relatada na pesquisa. Para entrevistar os construtores, buscou-se, além de evidenciar o perfil dos trabalhadores, elencar os principais tópicos da matemática empregados na construção civil, tais como: aritmética, geometria e trigonometria, pois já se antecipava que, na coleta dos dados, estes tópicos encontrar-se-iam interconectados ao raciocínio e à prática do entrevistado de modo não sistematizado. No decorrer da coleta de informações, obtidas por meio de entrevistas despadronizadas, na pesquisa de campo, fizemos as seguintes análises: observamos, na prática do construtor, quais dos seus afazeres evidenciavam o envolvimento direto da matemática, além de analisarmos de que forma seu pensamento matemático interfere em suas atividades cotidianas. 1ª Etapa – Análise dos afazeres que envolvem o uso da matemática Para esta etapa, os procedimentos executados na pesquisa buscou-se evidenciar o uso da matemática de profissionais da construção civil em seu fazer diário. Para a análise das informações obtidas na pesquisa de campo, procedeu-se da seguinte forma: Examinou-se a forma de trabalho efetuado na obra: fundações, alvenaria, pilares, telhado, etc.; Verificou-se a utilização de algumas ferramentas utilizadas e a relação destas na forma de raciocínio matemático utilizado pelo construtor; Analisaram-se quais conteúdos matemáticos eram utilizados pelos construtores no emprego de seus trabalhos. 2ª Etapa – Análise do saber/fazer dos construtores entrevistados Para a análise das informações que evidenciasse, por parte dos construtores, o modo de pensar (matematicamente) na sua prática, procedeu-se da seguinte forma: Analisou-se a forma de como é concebida a matemática por esses profissionais; Tomou-se, para efeito de estudo, a estrutura de raciocínio usada pelos construtores; Demonstrou-se, além da forma matemática de pensar do construtor, o desenvolvimento em termos de matemática científica de seus saberes. 12 Com a aplicação desta metodologia, pretendeu-se entender de que forma a matemática é utilizada neste complexo espaço social. Duarte (2003, p.38) denomina este espaço de “mundo da construção civil” e explica: A última dimensão do “mundo da construção civil” que apresento diz respeito às habilidades desenvolvidas pelos trabalhadores para solucionar situações-problema que ocorriam nos canteiros-de-obra. Estas habilidades eram estimuladas ora pela precarização dos instrumentos disponíveis para a execução das tarefas, ora pela ausência de saberes escolares. As habilidades mencionadas por Duarte é o tripé deste trabalho, pois, à medida que os construtores desenvolvem-nas, a matemática é a principal ferramenta na resolução dos problemas de suas práticas diárias, de modo que algumas formas matemáticas se encontram fora do conhecimento científico. 13 3- PESQUISA DE CAMPO 3.1– PONDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA DE CAMPO Sabe-se que a matemática surgiu da necessidade humana de contar, de fazer trocas comerciais, de transformação de seu espaço, etc. Desde a antiguidade até os dias de hoje, a matemática evolui constantemente e, paralela à evolução, está presente na arte da construção civil, que também evolui e lança mão de muitos recursos da matemática como ferramenta. Onde há sociedade, há também construções e relação direta de conceitos matemáticos estabelecidos entre os trabalhadores e suas obras. Quando se discorre sobre construções erguidas com o saber/fazer de um profissional pouco embasado em teorias matemáticas, tem-se a ideia de que se trata de obras com pouco respaldo. Entretanto, ao contrário do que se julga, este mesmo profissional constrói obras de impecáveis detalhes e formas matemáticas precisas. Os profissionais da construção civil trazem consigo uma bagagem de noções informais sobre numeração, medida, espaço e forma, construída em sua vivência cotidiana. Essas noções nem sempre estão ligadas diretamente aos conhecimentos adquiridos nas escolas, mesmo que de forma elementar. O saber matemático utilizado por estes profissionais é correspondente às suas experiências e acontece nas práticas socioculturais, onde se constrói os conhecimentos matemáticos através de vivências, do seu modo de compreender o mundo e daquilo que nele acontece. É nas situações reais destes profissionais que é possível perceber suas habilidades ao realizar cálculos matemáticos. Essa pesquisa buscou identificar alguns modelos matemáticos utilizados na construção civil para resolver situações-problema ali apresentados. Além disso, procurou-se conhecer o saber/fazer utilizado e desenvolvido por pedreiros e carpinteiros no seu trabalho nas construções, com seu modo empírico de raciocinar. Em relação aos conhecimentos matemáticos apresentados pelos profissionais envolvidos neste trabalho, foi possível identificar o uso de alguns conteúdos, tais como: geometria, trigonometria e aritmética. É notável como, ainda nos dias de hoje, esses trabalhadores, em sua maioria, possuem baixa escolaridade, ou sequer frequentaram uma 14 escola formal. Porém, possuem grande aporte e domínio no trabalho devido à experiência obtida através de longo tempo de serviço. Quadro 1: Construtores entrevistados que constam na pesquisa Nome Profissão Escolaridade Idade Tempo de Experiências profissionais Serviço não ligadas à construção civil Construtor Pedreiro A 33 anos Nenhuma experiência 27 anos Nenhuma experiência 19 anos Nenhuma experiência Primária Construtor Pedreiro B Quinta Série 41 Primária Construtor Pedreiro C Quinta Série 52 Quinta Série 33 Primária Na pesquisa, foram entrevistados alguns construtores no que concerne à escolaridade, idade, tempo de serviço e experiência profissional fora do âmbito da construção civil, a fim de poder traçar um perfil que indicasse se seu modo de raciocinar teria sofrido ações relacionadas apenas ao seu meio profissional, ou se teria tido influências de outras áreas do saber. 3.2 – TÉCNICA DE ESQUADREJAR Para construir uma casa é preciso, inicialmente, fazer o alicerce. Segundo Borges, (2009, p.50), “A parte de uma construção que recebe o seu peso e o transfere para o solo chama-se fundação (alicerce). É a primeira etapa da construção a ser executada e é o pé da edificação”. De posse da planta da casa, o próximo passo é fazer as medições do terreno, delimitar o espaço onde que será construída, esquadrejar, tirar o nível, entre outros. Esta pesquisa buscou entender como é possível fazer alguns tipos de medições tão precisas em terrenos que, a priori, não estabelece nenhum referencial para que fossem feitas tais medidas. Ao observar esta prática, foi possível perceber que o carpinteiro usa referências que lhe servem de parâmetro para, por exemplo, esquadrejar a região a ser construída. O nome esquadrejar se refere ao uso da ferramenta esquadro, mas que também pode ser conhecido por outros construtores como gabarito ou marcação da obra. Ao acompanhar um construtor nas fundações de uma obra feita pelo que o 15 pedreiro denominou de maquete, mostrou-se na prática como realizar o esquadrejamento no espaço de um terreno a ser construído. Experiência semelhante foi desenvolvida por Duarte (2003, p.78): Como sabia que meus informantes, muitas vezes, realizavam algum serviço nos finais de semana, propus que eles tivessem o número de meu telefone e que, se fossem “fazer o gabarito”, me avisassem. Foi assim que, em um domingo, recebi o telefonema de Valmir, convidando-me para observar as marcações de um galpão que iria construir. No propósito de obter informações mais detalhadas sobre a prática de esquadrejar, ao se indagar acerca de quais eram os procedimentos iniciais da obra, o construtor respondeu o seguinte: “Quando eu vou começar um alicerce, finco uma estaca em um dos pontos onde será colocada uma das colunas; depois, finco outras duas estacas, formando um triângulo para fora da área de construção.”. O construtor explicou que, ao final desta etapa, restariam quatro triângulos, cada um com o vértice de 90º oposto a um dos vértices pertencente ao quadrilátero formado a partir do esquadrejamento. Ao ser questionado se os triângulos deveriam ter o mesmo tamanho, ele nos respondeu: “Não, pois o importante é o esquadro.”. Veja a ilustração dos procedimentos iniciais para a fundação de uma obra na Figura 1. Figura 1: Desenho de um esquadrejamento inicial de uma construção Para esquadrejar uma casa, basta que o ângulo interno, adjacente à parede da construção do triângulo seja de 90°. Na determinação dessas medidas, a ferramenta utilizada, 16 além de linha e estaca, é um esquadro1, daí o nome esquadrejar. Para melhor entendimento desse procedimento, foi feito um esboço da figura geométrica formada pelas marcações do terreno, ao final de todas as marcações e estacas fincadas. A Figura 2 ilustra o esquema de um esquadrejamento para uma construção. 60 cm 80 cm 100 cm Figura 2: Esquema de um esquadrejamento ou gabarito A terna pitagórica (60 cm, 80 cm, 100 cm), comumente relatada no espaço de construções civis, que garante ao ângulo a perpendicularidade entre retas, foi encontrada em uso por este construtor, mas, ao perguntá-lo de onde advém este conhecimento, ele disse: isso aí é com os engenheiros. Observa-se disto que os conceitos ensinados na escola foram incorporados à prática deste construtor, mas que, de alguma forma, chega-se a este cotidiano sem que exista diretamente esta ligação. Basicamente, parecia ser um processo usado pelo pedreiro para conseguir ângulos retos, pois estava auxiliado por uma ferramenta que detinha ângulos já estabelecidos pelo problema. Duarte (2003), em sua dissertação de mestrado, evidenciou a proposição matemática que, implicitamente, os construtores, de forma geral, usam para garantir que todos os vértices contenham ângulos retos: Para garantir que os ângulos do quadrilátero de lados opostos congruentes fossem efetivamente retos, isto é, que o quadrilátero fosse um retângulo, também observei um outro procedimento. Este dizia respeito ao fato de ser suficiente produzir somente um ângulo reto no quadrilátero e assim garantir que os demais ângulos também tivessem noventa graus. 1 Esquadro: trata-se de uma ferramenta pré-fabricada constituída pela união de duas réguas formando um ângulo exato de 90° 17 Na observação da entrevista, esta informação - de que não é necessário obter todos os quatro ângulos retos para garantir que o espaço da obra estava esquadrejado -, foi repassada e isto confirma as palavras de Duarte (2003), pois, traçadas as linhas que delimitam o espaço a ser construído, e quando estabelecido um único ângulo reto, temos dois segmentos de retas que estão fixamente organizados, restando fazer o mesmo processo apenas com o ângulo oposto a este obtido no quadrilátero, sendo este processo chamado pelo construtor de “fechar o esquadro”. Dolce e Pompeu (apud Duarte 1990, p 94-95) demonstram, matematicamente, esta proposição, acerca do qual o pedreiro afirma: Hipótese: ABCD é paralelogramo Tese AC e BD Demonstração: D ABCD é paralelogramo AD // BC A B 180º A C AB // CD B C 180º Analogamente para BD D C A C B A B D B C A Esta constatação, por meio do teorema, da realidade do construtor é interpretada da seguinte forma: se, ao formar a região interna da construção, e nela conter um ângulo de 90°, então, isto garante que o ângulo oposto pelo vértice também terá uma abertura angular de 90°. Feito isso, não é necessário que se repita a operação, com o mesmo critério, com os outros dois ângulos restantes, de modo que economiza tempo para o construtor. No decorrer da entrevista, o construtor B mostrou que não bastava apenas fazer o uso da ferramenta, mas que necessitava usá-la corretamente. Segundo ele: “Para uma obra grande, fica difícil medir, pois um tanto assim de diferença numa obra de 100 metros dá (sic) 2 metros de diferença no final”. Esta diferença “de um tanto assim”, mencionada pelo pedreiro, refere-se à medida do erro de posicionamento do esquadro em relação às linhas retas mostradas na figura 3: 18 Figura 3: Demonstração do erro em uma construção Segundo o pedreiro, esse erro “Dá 2 milímetros num espaço de 1,20 metros, imagina numa obra de 12 metros daria 20 centímetros” (sic). Em sua fala, é possível perceber o uso direto de proporcionalidade, pois 0,2 cm está para 1,2 m; então 12 m estará para 20 cm, que é exatamente correspondente à fala do construtor. A proporcionalidade é um raciocínio bastante simples usado no cotidiano dos trabalhadores da construção civil. Outra relação matemática observada, quando se esquadreja, é a ideia de ângulos opostos pelo vértice e dos ângulos alternos externos. O construtor afirma o seguinte: “O ângulo daqui (de dentro) é igual o daqui (de fora).”. O pedreiro explica que o trabalho da maquete se tratava de uma situação hipotética, pois, no dia-a-dia, deveriam ser levados em consideração outros fatores como tamanho da obra e nivelamento do terreno. 3.3 – CONTAGEM DE TIJOLOS NA OBRA Descrevemos uma situação comum em todas as obras de alvenaria visitada. Tratase do cálculo feito pelos pedreiros, de modo geral, para estabelecer, com boa precisão, o número de tijolos necessários para a construção das paredes de uma casa ou construção qualquer. Nas situações onde os profissionais da construção necessitam calcular a quantidade de tijolos, eles utilizam a relação aprendida com outros pedreiros. Para isso, é 19 preciso conhecer as dimensões do tijolo e a espessura da massa que cada um utiliza entre eles. Assim, o cálculo é feito efetuando a soma do comprimento das paredes e multiplicando pela altura, chegando à quantidade de tijolos necessários para construir certo cômodo. Pode-se perceber que foram trabalhados conceitos matemáticos de aritmética e geometria sem que o profissional, em muitos casos, jamais tenha frequentado aulas específicas. Uma das várias maneiras utilizadas pelos pedreiros para calcular a quantidade de tijolos necessária em uma obra é a seguinte: para cada metro quadrado são necessários, em média, cinco tijolos de comprimento por sete fileiras – também chamadas de fiadas - de altura, resultando em um total de 35 tijolos por metro quadrado, conforme ilustra a Figura 4, com tijolos de dimensões19cm×9cm×14cm. Figura 4: Contagem dos tijolos na construção civil Fonte: Trabalho de pós-graduação de Roseli Lima de Oliveira Importante ressaltar que esta contagem varia conforme as dimensões do tijolo e da forma que ele será assentado. Entretanto, usualmente, em construções com terrenos planos onde não requer uma fundação muito elaborada, os tijolos são assentados de forma que a maior dimensão e a menor formem a área da base do tijolo, restando para a altura do tijolo a dimensão de medida relativamente proporcional entre as medidas da base. 20 3.4– CÁLCULO DE ÁREA PARA ASSENTAR PISO CERÂMICO Esta situação retrata a forma utilizada para calcular a quantidade de pisos cerâmicos que seriam utilizados para cobrir certa superfície. Em todas as construções visitadas, o procedimento para calcular esta quantidade é o mesmo (ver a Figura 5). Ela ilustra que os construtores fazem o produto do comprimento pela largura do ambiente, para conhecer a quantidade de metros quadrados de piso necessários para recobrir tal superfície. No caso em questão, seriam necessários 36m² de piso. Figura 5: Demonstração de cálculo de área Fonte: Trabalho de conclusão de curso de Claydaiane Ferraz Andrade Nesta figura, têm-se 36 quadrados de um metro cada um, isto é, toda esta região medindo 6 x 6 foi dividada em quadrados, obtendo no total 36 quadrados. Com base na ilustração, percebe-se que esta forma de calcular a área de uma superfície se universaliza à medida que os materiais utilizados são vendidos, utilizando a forma do metro quadrado como unidade de medida. Apesar de a maioria dos pisos disponíveis para venda no mercado hoje serem vendidos nas dimensões 40cm por 40cm e 40cm por 21 30cm, eles vêm em caixas, indicando a quantidade de piso em metros quadrados, sendo esse o motivo da forma de calcular a quantidade de pisos necessários para cobrir determinada superfície. 3.5– INCLINAÇÕES DO TELHADO A matemática empregada por pedreiros e carpinteiros na construção de um telhado utiliza-se de muitos dos conceitos fundamentais da matemática formal, como, por exemplo, elementos básicos de trigonometria para determinação do seu ângulo de inclinação. Para resolver um problema desta ordem, o pedreiro faz uso de recursos simples, que, em linguagem matemática, revelam a mesma proposição usada por um matemático na resolução do problema de inclinação de uma reta, por exemplo. Os pedreiros que trabalham em pequenas obras - e neste caso a variação do tamanho do telhado não é levada em consideração - utilizam aquilo que eles denominam de desconto. Isto significa que um “desconto de 20%” equivale dizer que, para cada metro de base do telhado, tomam-se vinte centímetros de altura, resultando no que se chama de caída do telhado, de modo que, para esta inclinação, se obterá uma tangente de 0,2 e/ou uma abertura angular de aproximadamente 11º 18’ graus sobre o ângulo do marco zero. Segundo o construtor, o modo da linguagem é bastante corrente entre os construtores, e esta inclinação é frequentemente usada para evitar que uma casa molhe por dentro em tempos de chuva. Talvez esta referência o auxiliasse na construção do telhado. Dos construtores entrevistados, notou-se que esta prática do desconto predomina porque eles desconhecem elementos básicos de trigonometria. Após observação, por vários dias, da construção de um telhado por um senhor que trabalha em construções há muitos anos, ao ser indagado sobre “qual matemática” ele usava para fazer a caída (inclinação) do telhado de um apartamento popularmente conhecido como meia água, o construtor A, iniciou a fala denominando a inclinação do telhado como sendo o “desconto”. Depois de interrogado de que forma procedia para calcular a inclinação do telhado, ele respondeu: “Eu faço o seguinte: tiro a medida da base da casa, depois tiro a altura final do telhado. Então, para saber qual o desconto que tenho no telhado, divido a altura final pelo tamanho da base e multiplico por 100. Aí tenho o desconto do telhado”. 22 Para mostrar a validade de sua argumentação, ele destacou que este procedimento vale para qualquer ponto em que se faça essa forma de medição: “O desconto vai ser sempre o mesmo”. Complementando as informações, ele comentou a respeito do chamado “marco zero” (Figura 6), certa forma de orientação usada por ele para determinar a inclinação ideal do telhado. Figura 6: Modelo do telhado descrito no texto Observe que, em suas descrições, o construtor, em nenhum momento, mencionou usar a ideia de triângulos, ângulos ou trigonometria básica. O senhor descrito no trabalho cursou apenas o ensino fundamental e, segundo seu depoimento, não faz ideia do que se trata a trigonometria, levando-nos a crer que ele desconhece princípios básicos de trigonometria. 3.5.1– INTERPRETAÇÃO MATEMÁTICA DO PROBLEMA DA INCLINAÇÃO DO TELHADO Para melhor compreensão do problema, serão utilizadas incógnitas para as informações descritas pelo pedreiro. Para a inclinação, ou desconto, como mencionado pelo pedreiro, será utilizado I, a base será representada por b e a altura por h. Segundo o pedreiro, o desconto é dado pela equação: 23 (1) Borges (2010) destaca: os caimentos nos telhados são medidos por porcentagem de rampa, isto é, a relação entre as distâncias vertical e horizontal expressa em porcentagem. (P.151). Porém, se observarmos a Figura 6 do triângulo retângulo, percebe-se que a altura (h) é o cateto oposto e a base (b) é o cateto adjacente do ângulo agudo descrito pelo pedreiro como sendo o marco zero do telhado. Em trigonometria, a tangente de um ângulo agudo (tg(α)), no triângulo retângulo, é dada pela razão entre o cateto oposto (C.O) e o cateto adjacente (C.A) cuja equação é tg(α)= C.O/C.A. A tangente indica a inclinação do telhado, logo, ( ) que levada na equação (1): (2) Traduzindo para a matemática formal, o raciocínio descrito pelo pedreiro quanto à inclinação do telhado pode ser descrito como sendo o produto entre a tangente do ângulo obtido no marco zero e 100. Isto instigou a representação na forma das equações (1) e (2), pois descrever a inclinação de uma reta (telhado) é o mesmo que encontrar a tangente do ângulo no marco zero do telhado. Vale destacar que a pouca vivência do pedreiro em relação a cálculos matemáticos utilizados em sala de aula pode ser a causa da argumentação utilizada em palavras como: “desconto vezes 100” e “tantos por cento”. Isso pode ser devido às possíveis dificuldades em trabalhar com frações. Analisando a linguagem do pedreiro, é possível perceber a carga de influência que recebeu de outros pedreiros em sua prática diária, o que de certa forma explica sua argumentação do problema da inclinação do telhado. Em linguagem matemática, o marco zero pode ser interpretado como sendo o ângulo compreendido entre o cateto adjacente (base do telhado) e a hipotenusa (parte superior do telhado). Em sua modelagem, o pedreiro não estabelece nenhuma relação com a noção de ângulo interno formado com a base e a parte superior do telhado, mas o faz indiretamente, mesmo que não saiba. Após demonstrar a funcionalidade de seu método de modelar o problema do telhado, o pedreiro, na tentativa de explicar que o “desconto” vai ser sempre o mesmo, acaba 24 por usar implicitamente a semelhança de triângulos, de modo que ele argumenta o seguinte: Depois de pronto o telhado, é só você vê que onde eu medir a base e medir a altura e dividir, ela (a inclinação) é a mesma em qualquer parte do telhado. Deste modo, ele faz uma medida na base do telhado e, dali, mede a altura do telhado até sua base. Ao utilizar esse dispositivo, ele lança mão de semelhança de triângulos, mesmo que não conheça esse assunto. A Figura 7 é o esboço da estrutura triangular formada. Nela, é possível verificar que, em qualquer ponto em que o pedreiro utilizar seu procedimento de determinação do desconto, a inclinação do telhado será a mesma, o que leva à ideia de semelhança de triângulos. Figura 7: Esboço da semelhança de triângulo usada pelos pedreiros Escolhendo na Figura 7, a altura H1 e uma base B1 obtêm, matematicamente, a relação indicada oralmente pelo construtor A: (3) Na semelhança de triângulos, um dos fatores relevantes diz respeito ao fato de que os ângulos internos dos triângulos são preservados. Na construção do telhado, também ocorre a preservação do ângulo interno, como pode ser notado na fala do construtor A, que diz que, onde for medida a base e dividido pela medida da altura do telhado, o resultado é o mesmo. O problema da inclinação do telhado é resolvido pelo construtor sem o uso explícito de trigonometria apresentado em livros didáticos, mas de forma implícita. 25 3.6 – COLOCAÇÃO DE POSTE Na construção de uma casa, exige-se o emprego de instalações elétricas, além da colocação de postes a fim de instalar o medidor de energia. O construtor C explicou que, ao instalar um poste em uma residência, é necessário que ele fique aprumado e, para isso, é importante a utilização de um prumo2. Prumo é uma ferramenta utilizada para determinar a inclinação de 90° de colunas e paredes em uma construção. No entanto, também é utilizado para deixar o poste com aproximadamente 90º em relação ao solo. Ele relatou que não é em todos os casos que o prumo é utilizado, mas, nas situações que necessitam de determinadas inclinações, é recomendado o seu uso. Foi-lhe solicitado, então, que desse um exemplo diferente daqueles utilizados para determinar inclinações de parede. Então ele disse: Você pode pensar na colocação de um poste: como você vai bater o prumo se ele (o poste) é grosso em baixo e fino em cima?! Sua indagação retórica mostrou que de fato não era possível estabelecer a inclinação certa, pois o poste não possuía faces laterais planas. Seguindo o seu raciocínio, foi possível ouvir sua explicação sobre a forma de saber se o poste estará na posição correta ou não. Ele disse: Você toma uma distância de uns trinta metros (distância do poste) e olha na linha do prumo; depois, coloca o prumo no meio de cima e olha se tá (sic) no meio de baixo. Estes “meio de cima” e “meio de baixo” trata-se da base superior e da base inferior do poste, respectivamente. Neste momento, foi-lhe perguntado se isto garantiria a inclinação ideal. O construtor respondeu da seguinte forma: Dá uma meia volta e repete (o processo), segura na pelota (cabo do prumo) e divide o meio do fino e o meio do grosso. Os termos “meio do fino” e “meio grosso” retratam as bases superior e inferior do poste, anteriormente mencionadas. De fato, este modo de raciocínio resolve satisfatoriamente o problema da inclinação do poste, já que, fisicamente, o prumo posto na vertical garante a formação de um ângulo reto com a base do solo. Caso, ao observar o prumo, ele divida igualmente a face lateral do tronco de pirâmide, que é a figura geométrica à qual o poste se assemelha matematicamente, e se este processo for repetido em outra face lateral do tronco de pirâmide, 2 Ferramenta formada pela união, dada por uma corda, de um cabo de madeira e um peso em aço, suficientemente, pesado de modo que mantenha a corda, quando esticada, numa posição perpendicular em relação ao solo. 26 que não seja a face paralela a da primeira face, é possível concluir que este procedimento garante uma boa aproximação da perpendicularidade do poste em relação ao solo. A Figura 8 ilustra o tronco de pirâmide que representa o poste a ser instalado. Deste modo, é perceptível que não basta tirar o prumo da face do poste para ser possível estabelecer a relação de inclinação desejada. Figura 8: Representação do poste O problema do poste pode ser representado geometricamente como um tronco de pirâmide, mas a busca aqui é pela forma de pensamento do construtor, de que forma e recursos ele lança mão para resolver este problema, e, quando possível, estabelecer uma relação dessa forma de pensamento com a matemática formal. Vale ressaltar que, mesmo em muitos casos, não tendo conhecimento da matemática formal, o construtor consegue uma forma matemática indireta para resolver seus problemas. Neste caso, a instalação do poste de forma que fique perpendicular ao chão. Ao considerar o método utilizado pelo construtor, buscou-se, então, explorar sua instintividade. Além disso, aquilo que ele mencionava, com orgulho, acerca da funcionalidade de seus métodos estava permeado de saberes matemático. 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa foi motivada pelo desejo de conhecer melhor a matemática utilizada pelo grupo de trabalhadores da construção civil, além de produzir um material que servisse de base de estudo e, possivelmente, utilizada em aulas de matemática para contribuir com uma aprendizagem significativa. Aprendizagem esta que pode ser alcançada através do relacionamento dos conteúdos matemáticos aos conhecimentos profissionais dos alunos. Na construção civil, os trabalhadores utilizam a matemática informal como ferramenta de apoio a suas práticas para resolver problemas encontrados quando da construção de uma casa, por exemplo. Desde a preparação para construção dos alicerces ao esquadrejamento de um poste, eles precisam de algum conhecimento matemático para que tudo saia dentro dos padrões necessários. Em muitos casos, mesmo com a ausência de conhecimentos matemáticos formais, eles utilizam muitos dos conceitos dessa matemática formal, ainda que inconscientemente. Nesta pesquisa, fez-se um estudo da matemática utilizada por estes trabalhadores, além de se realizar um paralelo entre esta matemática e alguns conteúdos da matemática formal, entre os quais se destacam as quatro operações - utilizadas para quantificação de materiais -, o sistema métrico decimal - utilizado nas medições de comprimentos, largura e alturas, presentes na construção -, bem como conceitos de área utilizados na determinação da quantidade de cerâmica necessária e na determinação do espaço a ser ocupado pela casa em determinado terreno; além desses conteúdos, também foram encontrados conceitos implícitos de perímetro, relações trigonométricas, noções de escalas, de proporções, entre outros. Estes saberes obtidos no cotidiano poderiam ser usados como conhecimentos-base para a construção de conceitos matemáticos a serem ensinados formalmente nas escolas. Esses conhecimentos poderiam servir de instrumentos motivadores/facilitadores para a ocorrência da aprendizagem significativa no ensino de matemática. A matemática é intrínseca à cultura, sendo esta pesquisa apenas uma pequena parcela de contribuição em relação a este assunto; ressalte-se que esta discussão não encerra aqui. Ainda existe muito conhecimento matemático a ser pesquisado, uma vez que as discussões em relação à Etnomatemática presentes nos grupos sociais é fonte inesgotável de pesquisa. Contudo, é válido destacar que esta pesquisa é apenas uma parcela de contribuição em relação a este assunto. 28 REFERÊNCIAS ANDRADE, Claydaine Ferraz de. Matemática aplicada à agrimensura. 2012. 57f. Monografia (Licenciatura em Matemática) – Departamento de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Rondônia, Ji-Paraná. ANDRADE, Maria Margarida de, Introdução à Metodologia do Trabalho Científico: elaboração de trabalhos na graduação. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 1999. BORGES, Alberto de Campos. Práticas das pequenas construções. Volume 1. São Paulo: Blucher, 2009. D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. DUARTE, Claudia Glavam. Etnomatemática e práticas sociais da construção civil. XI Conferência Interamericana de Educação Matemática, 2003. D’ AMBROSIO. Ubiratan, Etnomatemática. Belo Horizonte. Editora Ática. 4ª Edição. MARCONI, Marina Andrade. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo, p. 58, 2010. OLIVEIRA, Roseli Lima. Aplicações Práticas de Conceitos Matemáticos por Profissionais da Construção Civil. Trabalho de conclusão de Pós Graduação, FIAR, 2009. PENA, Joab Souza. A história da matemática no Ensino Fundamental: Uma análise dos livros didáticos de Matemática utilizados nas escolas públicas de Ji-Paraná. 2012. 47f. Monografia (Licenciatura em Matemática) – Departamento de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Rondônia, Ji-Paraná. 29 BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS BORGES, Alberto de Campos. Práticas das pequenas construções, volume 1. São Paulo: Blucher, 2009. BOYER, Carl B. História da Matemática. Revista por uta C. Merzbach; tradução Elza F. Gomide- 2 ed. – São Paulo: Edgard Blucher, 1996. D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. DUARTE, Claudia Glavam. Etnomatemática e práticas sociais da construção civil.XI Conferência Interamericana de Educação Matemática, 2003. D’ AMBROSIO. Ubiratan, Etnomatemática. Editora Ática. 4ª Edição. RODNEY, Carlos Bassanezi. Ensino – Aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. São Paulo: Contexto, 2006. MARCONI, Marina Andrade/LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. –7. ED. – São Paulo: Atlas, 2010. SARAIVA, Elihebert. SANTOS, Reginaldo Tudeia dos. NETO, Sérgio Candido de Gouveia. ROSA, Ana Lúcia Denardin da Rosa. Matemática na construção civil Seminário educação 2011: Educação e Relações Raciais- 10 anos de estudo e pesquisa na UFMT. ISSN 15184846. Cuiabá-MT.