CAPITAL SOCIAL E OS NOVOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO: A EXPERIÊNCIA DO RIO GRANDE DO SUL BRASIL Jorge Renato de Souza Verschoore Filho1[1] INTRODUÇÃO O trabalho apresentado neste momento resulta dos estudos desenvolvidos a partir de minha dissertação de mestrado focada na análise de políticas públicas para o desenvolvimento regional no extremo sul do Brasil e no trabalho desenvolvido como “policy maker” na Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Seu objetivo principal é apresentar novos instrumentos de política pública direcionados a promover um desenvolvimento regional socialmente sustentado, com base em pequenas e médias empresas e em diferentes formas de integração social, que estão sendo implementados pela administração pública do Estado desde o início do ano de 1999. A partir do contemporâneo conceito de “Social Capital” e na idéia da necessidade do envolvimento da sociedade civil no processo de definição, implementação e suporte das ações governamentais, os instrumentos de política implementados recorrem a utilizar formas alternativas de estratégias públicas para um desenvolvimento regional equilibrado e sustentado. Portanto, este estudo visa também contribuir para o debate em torno das reflexões referentes à importância da sociedade civil e nela compreendidas as formas regionais de cooperação e participação para a modernização e o desenvolvimento sócio-econômico de um território. Para tanto, o trabalho está dividido em três partes. Na primeira parte, apresentam-se brevemente as concepções de desenvolvimento regional e de envolvimento da sociedade civil que sustentam as políticas implantadas. Em um segundo momento são explanadas sucintamente as políticas públicas, com vistas a estimular e amparar práticas de cooperação inter-empresarial entre pequenas e médias empresas, atualmente implementadas na experiência do Rio Grande do Sul. Entre estas políticas, destacam-se as ações para o fomento das práticas de cooperação, os instrumentos adotados com o objetivo de superar os entraves antepostos ao processo e mecanismos que possibilitam a ampliação da abrangência de práticas colaborativas e que viabilizam estas práticas entre microempreendimentos. Na última parte, apresenta-se considerações finais sobre esta inicial experiência de atuação governamental no Rio Grande do Sul em prol do desenvolvimento econômico. DESENVOLVIMENTO REGIONAL ENDÓGENO E CAPITAL SOCIAL 1[1] As idéias contidas no trabalho são de inteira e única responsabilidade do autor, não representando em nenhum momento o pensamento do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O autor agradece as contribuições feitas por Luis Roque Klering e Pedro Silveira Bandeira. As modificações ocorridas nos processos produtivos desde os anos 70 e 80 e, com mais força, nos anos 90, aliadas ao persistente declínio de regiões fortemente industrializadas e à rápida ascensão econômica de novas regiões (Storper, 1997) forçaram profundas transformações nas teorias e políticas de desenvolvimento regional nesta última década. Os desequilíbrios regionais preexistentes e agora estes, advindos da reorganização produtiva internacional, dificilmente serão reduzidos pelas políticas adotadas no passado, exigindo novas formas de atuação do Estado. Superou-se uma época onde os principais instrumentos de política regional adotados para um crescimento harmonioso restringiam-se aos incentivos financeiros e obras estruturais, para um tempo onde os principais propulsores do crescimento são encontrados nos componentes internos e nas relações sociais existentes em uma região. Este desenvolvimento regional endogenamente condicionado tem suas origens na década de 1970, quando as propostas de desenvolvimento da base para o topo emergiram com maior notoriedade (Stöhr, & Taylor, 1981). Desde então, esta corrente teórica evoluiu com a colaboração de novos enfoques ao problema do crescimento desequilibrado. Durante a década de 1990, a principal questão do modelo de desenvolvimento endógeno estava direcionado para tentar entender porque o nível de crescimento variava entre as diversas regiões e nações, mesmo elas dispondo das mesmas condições estruturais de produção, como capital financeiro, mão-de-obra ou tecnologia. A solução foi procurar encontrar, entre estes fatores, aqueles determinados dentro da região. Neste caminho, uma das maiores contribuições da teoria endogenista foi identificar que os fatores de produção atualmente decisivos, como o capital social, o capital humano, a pesquisa e desenvolvimento, a informação e as instituições, são determinados dentro da região e não de forma exógena, como até então era entendido. Por conseguinte, logo concluiu-se que a região dotada destes fatores ou estrategicamente direcionada para desenvolvê-los internamente reuniria as melhores condições de atingir um desenvolvimento mais equilibrado. Define-se o desenvolvimento regional endógeno predominante na década de 1990 como: (...) um processo interno de ampliação contínua da capacidade de agregação de valor sobre a produção, bem como da capacidade de absorção da região, cujo desdobramento é a retenção do excedente econômico gerado na economia local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões. Este processo tem como resultado a ampliação do emprego, do produto, e da renda local ou da região, em um modelo de desenvolvimento regional definido (Amaral Filho, 1996: 37). A capacidade política da sociedade liderar e conduzir o seu próprio desenvolvimento regional, condicionando-o à mobilização dos fatores produtivos disponíveis em sua área e ao seu potencial interno, traduz a forma de desenvolvimento denominado endógeno. Assim, pode-se distinguir duas dimensões no desenvolvimento regional endógeno. Uma primeira é basicamente econômica, na qual a sociedade empresarial local utiliza sua capacidade para organizar, da forma mais producente possível, os fatores produtivos da região. Uma segunda é sócio-cultural, onde os valores e as instituições locais servem de base para o desenvolvimento da região (Vázquez Barquero, 1988). De forma antagônica ao pensamento normalmente associado com as teorias endógenas, não se busca, neste enfoque, o fechamento ou isolamento regional, nem mesmo o autocentrismo e a auto-suficiência. A idéia do desenvolvimento endógeno moderno baseia-se na execução de políticas de fortalecimento e qualificação das estruturas internas visando sempre a consolidação de um desenvolvimento originalmente local, criando condições sociais e econômicas para a geração e atração de novas atividades produtivas, dentro da perspectiva de uma economia aberta. Um grande avanço da moderna teoria regional endógena é considerar a importância da sociedade e das relações sociais no processo de desenvolvimento da região. Mais do que isso, na visão de Sergio Boisier (1997), a sociedade civil, e nela compreendida as formas locais de solidariedade, integração social e engajamento cívico, pode ser considerada o principal agente da modernização e da transformação sócioeconômica em uma região. Esta importância da sociedade civil e das relações sociais é, com a mesma ênfase, defendida por outros pesquisadores do desenvolvimento endógeno. “Uma das chaves do desenvolvimento local reside na capacidade de cooperação entre seus atores. Também é conveniente particularizar a análise das formas de cooperação institucional ou voluntária que se produzem entre eles contanto que o objetivo seja o desenvolvimento local” (Godard et. al., 1987: 139). Antonio Vázquez Barquero (1988) argumenta que o desenvolvimento regional endógeno, ao considerar e dar relevância à sociedade civil local e aos seus processos de organização e relação social, permite que a região atinja um crescimento equilibrado e sustentado no longo prazo, sem entrar em conflito direto com a base social e cultural da região. O destaque dado aqui para a importância da sociedade civil não está inserido no debate da relação entre a sociedade e o Estado, sua maior ou menor participação, ou entre a sociedade e o mercado.2[2] Com base em um enfoque distinto, trata-se da compreensão de que o desenvolvimento regional está diretamente ligado às características da organização social e das relações cívicas encontradas na região. Partindo dos mesmos pressupostos, Robert Putnam (1996) estudou os diversos aspectos que condicionaram as diferenças regionais encontradas entre o norte e o sul da Itália. Uma de suas mais importantes percepções é de que “Na Itália contemporânea, a comunidade cívica está estritamente ligada aos níveis de desenvolvimento social e econômico” (Putnam, 1996: 162). Para corroborar a relevância do civismo e das relações sociais no processo de desenvolvimento, Putnam utiliza a evolução de duas regiões italianas: EmiliaRomagna, ao norte, e Calábria, ao sul. Ambas, nos primeiros anos deste século, tinham padrões de desenvolvimento muito semelhantes. Nas oito décadas posteriores, criou-se uma desigualdade bastante acentuada entre estas regiões, tornando-se a EmiliaRomagna, de grande participação política e solidariedade social, uma das mais prósperas regiões da Europa; e a Calábria, com características feudais, fragmentada e isolada, a região mais atrasada da Itália. Comparando tanto o civismo quanto o desenvolvimento sócio econômico das duas regiões, nas décadas de 1900 e de 1970, Robert Putnam, concluiu que as tradições cívicas e a capacidade de organização social revelaram-se um poderoso determinante das disparidades de desenvolvimento sócio-econômico encontradas atualmente entre as duas regiões. Nas palavras do autor, “(...) quando tomamos por base as tradições cívicas e o desenvolvimento sócio-econômico registrado no passado para prever o atual desenvolvimento econômico, constatamos que o civismo é na verdade muito melhor prognosticador do desenvolvimento sócio-econômico do que o próprio desenvolvimento” (Putnam, 1996: 166). Apesar de sua atualidade e coerência, este tipo de proposição não é uma novidade na literatura econômica. William Nicholls (1969), por exemplo, durante a década 2[2] Uma melhor análise da rearticulação das relações Estado-sociedade, o surgimento de novos papéis para cada esfera e o atual significado da questão, pode ser encontrado em Cunill (1996). de 1960, já realizara estudo semelhante para explicar as diferenças de crescimento entre o Sul e o Norte dos Estados Unidos até aquele período. Segundo este autor, o menor dinamismo da Região Sul norte-americana era causado pelos elementos da tradição sulina que entravavam o progresso. Entre estes elementos, destacavam-se “a dominância dos valores agrários, a rigidez da estrutura social, a estrutura política antidemocrática, a pouca responsabilidade social e a mentalidade e o comportamento conformista” (Nicholls, 1969: 466). A novidade do estudo de Robert Putnam está na inclusão da contemporânea concepção de capital social e sua influência no desenvolvimento econômico. Definido como sendo o conjunto das características da organização social, que englobam as redes de relações, normas de comportamento, valores, confiança, obrigações e canais de informação, o capital social, quando existente em uma região, torna possível a tomada de ações colaborativas que resultem no benefício de toda comunidade Em um sentido mais restrito, pode se entender capital social como “a habilidade de criar e sustentar associações voluntárias” (Portes & Landolt, 1996: 18). Portanto, o capital social é compreendido basicamente por sua função, sendo encontrado em organizações sociais que potencializem a produção do ser humano. O estudo de James Samuel Coleman (1990) aborda exatamente esta característica, segundo o autor: Capital social é definido por sua função. Não é uma simples entidade, mas a variedade de diferentes entidades tendo duas características em comum: todas elas consistem em algum aspecto em uma estrutura social e elas facilitam certas ações individuais contidas nestas estruturas. Como outras formas de capital, o capital social é produtivo, tornando possível a realização de certos objetivos que seriam inalcançáveis sem a sua existência (Coleman, 1990: 302). Conforme Peter Evans (1996), os componentes que formam o capital social, entre os quais o engajamento cívico, a integração social e as normas de confiança, podem ser promovidos pelas esferas governamentais e, inclusive, serem utilizados com vistas ao desenvolvimento. Evidências empíricas, tanto de épocas passadas quanto recentes, indicam que os fatores sócio-culturais, como o capital social, representam um papel decisivo na explicação das diferenças regionais. Apesar disto, qualquer interpretação baseada apenas em um único fator certamente estará equivocada. As tradições cívicas, o capital social e práticas colaborativas, por si só, não desencadeiam o progresso econômico. Elas, contudo, são a base para as regiões enfrentarem e se adaptarem aos desafios e oportunidades da realidade presente e futura. O entendimento destas considerações abre novos campos de ação dentro da esfera governamental. Uma das formas mais eficientes do Estado atuar neste sentido é promovendo a participação e a abertura de espaços de interação com os diversos integrantes das comunidades regionais, criando oportunidades para que a sociedade civil participe mais ativamente das políticas públicas. Todavia, a real participação da comunidade nos processos de composição e implantação de iniciativas públicas exige uma grande capacidade política dos governantes e da própria sociedade. O governo deve estar preparado para conviver com os conflitos naturais advindos desta interação, visto que as relações de poder entre Estado e sociedade civil passam a se caracterizar pela transparência, ampliando o controle da última sobre o primeiro. O Estado tem sua atuação direcionada para outro ângulo, voltado a percepção das capacidades e potencialidades locais, a partir de políticas de coordenação e promoção das iniciativas sociais. Esse papel coordenador do Estado remete-nos inelutavelmente para o papel mais crucial das formas de organização da sociedade civil no processo de geração, distribuição e apropriação do conhecimento e das inovações dele advindas. Redes de colaboração formadas por empresários, sindicatos, organizações comunitárias, instituições científicas e de informação são composições flexíveis de agentes da sociedade civil para uma nova articulação entre Estado e sociedade. Este é mais um aspecto do deslocamento dos espaços da administração pública (Maciel, 1996: 152). Levando em consideração estes pressupostos, é possível compreender que uma estratégia política de desenvolvimento regional não pode se ater somente à ações de cunho ortodoxo, como linhas de crédito, incentivos fiscais ou de investimentos na formação bruta de capital fixo. Ela deve também, e fundamentalmente, procurar manter e ampliar o estoque de capital social em sua comunidade, fortalecendo a autoorganização social e estimulando a prática de soluções colaborativas para problemas comuns. Mas, para isso, é preciso também formar, mesmo que em um longo espaço de tempo, comunidades voltadas à colaboração e a participação. Comunidades compostas por indivíduos que entendam a importância do trabalho em conjunto e do civismo, abertos à mudança e preparados para criarem e inovarem (Marshall, 1998). Isto é, as políticas voltadas a ampliar a sinergia público-privada e a cultura da ação conjunta, mesmo que possam ser desenvolvidas no curto prazo, devem também estar focadas em mudanças culturais que permitam fundar uma mentalidade democrática e colaborativa de forma sustentada. Portanto, o que deve ser realçado, como corrobora Judith Tendler (1998), é que o Estado tem o poder de construir e manter uma sociedade civil coesa e engajada no seu desenvolvimento. O Estado não pode ser visto automaticamente como um inimigo deste processo, mas como uma peça fundamental da engrenagem (Evans, 1996). Isto significa que o atual conceito unidirecional, de que somente em entornos compostos por uma sociedade civil preparada existam governos eficientes e de que bons governos dependam da existência de uma sociedade civil atuante, possa ser substituído por um conceito bidirecional, onde o Estado seja um dos principais agentes da construção de uma sociedade civil atuante e sabedora de suas potencialidades. Todas estas condicionantes salientam a necessidade da busca de instrumentos de gestão pública que compreendam macro e micro escopos de atuação; ou seja, que abranjam tanto os aspectos sócio-culturais e macroeconômicos, quanto os aspectos específicos de promoção da atividade produtiva. Um exemplo específico da construção de espaços de atuação será apresentado a seguir, onde políticas públicas de fomento às pequenas e médias empresas podem servir de suporte para a ampliação da interação entre Estado e sociedade civil. O projeto Redes de Cooperação da Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, embora ainda em fase inicial de implantação, apresenta mecanismos eficientes para esta interação, assim como para a construção conjunta de um processo de desenvolvimento que, por suas inerentes características, seja territorialmente desconcentrado, economicamente sustentado e socialmente autônomo. A EXPERIÊNCIA DO RIO GRANDE DO SUL A forma de atuação do Governo Estadual para alavancar o desenvolvimento econômico no Rio Grande do Sul passou por uma profunda alteração após a vitória da oposição nas eleições de 1998. A coligação de partidos denominada Frente Popular defendia em seu plano de governo para o quadriênio 1999/2002 uma estratégia de desenvolvimento a partir da base local de cada região, privilegiando os setores produtivos preexistentes e abrindo espaços para a participação das comunidades regionais nos processos decisórios do Estado. A ação da Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais, principal órgão do Governo para o fomento ao desenvolvimento, passou a ser balizada por pressupostos que promovessem um crescimento integrador, desconcentrador, democrático e participativo (Governo do Estado, 1999). Esta orientação estratégica abriu possibilidade para a implantação de novos instrumentos de política pública, mais abrangentes em relação a interação entre Estado e sociedade civil. Permitiu também a implementação de mecanismos públicos direcionados a constituir processos de desenvolvimento regional endogenamente determinados, focalizados no grande número de empreendimentos de pequeno e médio porte existentes em todo o território estadual. Balizado por estas concepções, o projeto Redes de Cooperação foi concebido com o intuito de buscar novos espaços de atuação da esfera pública, através de instrumentos eficientes dentro do atual contexto produtivo de economias globalmente inter-relacionadas. Para o biênio 1999-2000, são empreendidas políticas em três campos de ação que visam intensificar relações colaborativas entre empresas, Estado e sociedade civil. As políticas públicas atualmente em implementação no projeto em questão serão apresentadas a seguir. FOMENTANDO REGIONALMENTE A COOPERAÇÃO INTER-EMPRESARIAL Como decorrência das anteriormente referidas modificações econômicas ocorridas nas últimas décadas e pela necessidade de uma reestruturação dos processos produtivos em novos paradigmas pós-fordistas, as empresas de menor porte tiveram seu papel valorizado no contexto produtivo. Desde então, espalharam-se pelo mundo diversas experiências de industrialização local baseadas em pequenas e médias empresas. Amplamente estudados, os exemplos europeus, com destaque para os distritos industriais italianos (Godman et. al., 1989; Quintar & Gatto, 1992; Garofoli, 1993), os sistemas industriais localizados da França e Alemanha (Pecqueur, 1993; Colletis & Winterhalter, 1993), assim como experiências sul-americanas (Quintar et. al., 1993; Perotti, 1999) e brasileiras (Schmitz, 1998; Meyer-Stamer, 1999), demonstram a importância de uma estrutura de pequenas e médias empresas dentro de um processo de desenvolvimento econômico sustentado e socialmente autônomo. A chave do sucesso destes exemplos está diretamente relacionado aos ganhos de competitividade das empresas, os quais, em todos os exemplos observados, somente foram possíveis através de estratégias de cooperação. 3[3] A cooperação como um sistema onde indivíduos, empresas, instituições “(...) se unem no sentido da realização do equilíbrio entre os interesses pessoais e os da coletividade” (Buys de Barros, 1955: 125), não se constitui em uma idéia recente. Os exemplos históricos como as iniciativas dos “Konzerns” alemães, os consórcios franceses e as experiências de união de interesses, “pools” e “joint ventures” entre empresas comprovam que necessidade de compartilhar tarefas e buscar soluções coletivas existe a mais de meio século. No entanto, somente nas últimas décadas os instrumentos de cooperação passaram a ser enfatizados como uma estratégia para o crescimento de pequenas e médias empresas. Do ponto de vista empresarial, por exemplo, Jordan Lewis (1992) estudou as diferentes formas exitosas de alianças estratégicas entre empresas. Sob uma ótica da relação dos setores público e privado, Jaime del Castillo (1992) apresentou as vantagens de redes de colaboração. Em termos mais amplos, Francis Fukuyama (1995) propôs que, em um futuro de livre mercado, as nações e as regiões mais prósperas serão aquelas melhor preparadas para formar cidadãos dispostos a trabalhar colaborativamente e organizadas para promover associações voluntárias. Por tudo isso, a idéia de cooperação, nos últimos anos, tem tido cada vez mais destaque tanto por organismos internacionais,4[4] quanto em estudos e propostas de política por parte de órgãos setoriais.5[5] Na mesma medida, ampliou-se a elaboração de estudos e propostas de novas formas de gestão de políticas públicas para este novo entorno produtivo caracterizado pela cooperação. Annalee Saxenian (1994), por exemplo, demonstrou a importância relevante de políticas na formação de redes colaborativas interinstitucionais para a grande expansão do Silicon Valley, na Califórnia, uma região intensamente competitiva. Humphrey & Schmitz (1996) apontaram alternativas de suporte governamental para pequenas e médias empresas agrupadas em clusters, orientadas pelo consumidor, pela eficiência coletiva e pelo crescimento cumulativo, que denominam de “Triple C Approach”. Como não é difícil de perceber, a maior parte dos estudos referentes a cooperação inter-empresarial, seja nos estudos de experiências ou nas propostas de políticas públicas, centralizam seu foco nos agrupamentos locais ou na constituição de clusters industriais. Sem desmerecer a importância destas estruturas locais em processos dinâmicos e sustentados de crescimento, deve-se salientar que políticas e estratégias de cooperação entre empresas não necessitam estar voltadas somente para a composição de clusters na esfera municipal, mas sim abranger também o espaço regional. A extensa gama de relações possíveis de serem empreendidas a partir de novas tecnologias de informação, por exemplo, permite que a abrangência das estratégias colaborativas seja territorialmente mais ampla. Da mesma forma, novos 3[3] Outras experiências de clusters industriais e seus ganhos de competitividade, tanto em países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento, além do papel desempenhado pelos governos, podem ser encontradas em Pietrobelli & Rabelotti (1991); Humphrey & Schmitz (1996); e, Casarotto Filho & Pires, (1998). 4[4] Em 1995, como resultado da conferência “Local development and structural change: a new perspective on adjustment and reform”, a OECD já defendia um esforço institucional baseado na construção de confiança e cooperação, criação de uma coalizão política e colaboração interregional (OECD, 1995). 5[5] Em outubro de 1998, a Confederação Nacional da Indústria do Brasil apresentou a sua proposta de industrialização local calcada nos conceitos de agrupamento avançado de empresas e de eficiência coletiva (CNI, 1998). entornos baseados na especialização flexível de pequenas e médias empresas abrem maiores possibilidades de processos colaborativos em escala regional (Castillo, 1992). Entende-se que, regionalmente, o governo desempenha um papel decisivo para o êxito de experiências de cooperação inter-empresarial. Em decorrência disto, desenvolveu-se o projeto Redes de Cooperação procurando trabalhar empiricamente novas propostas de políticas públicas baseadas no conceito de que a composição de estratégias regionais de cooperação requer formas alternativas de políticas em um moderno estilo de gestão (Silva, 1993), onde os instrumentos adotados orientam-se tanto para os fatores sócio-culturais e ao comportamento dos agentes, quanto para a busca de soluções particularizadas e não generalizadas aos entraves existentes e decorrentes. Para alcançar os objetivos propostos, o projeto Redes de Cooperação foi estruturado em dois escopos de atuação. Em um escopo mais amplo, busca-se desenvolver uma cultura de cooperação, laços de confiança e respeito mútuo. No escopo mais pontual, fomenta-se pontualmente a competitividade de pequenas e médias empresas, por meio de políticas específicas de apoio a práticas colaborativas e estratégias conjuntas de ação. Ambos escopos são fundamentais para o completo sucesso do projeto, pois se complementam, fornecendo, um para o outro, o suporte necessário para a realização de seus objetivos. Em primeiro lugar, como a “cooperação é mais fácil nas comunidades com um substancial estoque de capital social” (Molinas, 1998: 423), as linhas de ação de todo o projeto foram direcionadas a promover a ampliação de seu estoque. Estudos atuais comprovam que a existência de capital social é benéfica ao crescimento econômico. Entre outros benefícios, o capital social permite a redução dos custos de produção pela diminuição dos gastos em transações, amplia a transferência e circulação de informações, possibilita soluções conjuntas, facilita o acesso ao crédito, diminui riscos e torna mais seguras as relações de mercado (Gittel & Thompsom, 1999). Todavia, ainda hoje a maior dificuldade reside na definição de meios para sua geração e acúmulo. Políticas amplas, como as práticas participativas regionais, representam uma das possibilidades neste sentido. A participação popular, quando promovida com o intuito de manter regionalmente o debate público e a tomada de decisões coletivas, gera, além do crescimento dos laços de confiança, uma maior percepção das vantagens de soluções conjuntas (Verschoore, 1999). Evidentemente, a administração pública tem ao seu dispor outros mecanismos para produzir o acúmulo de capital social. Robert Sampson (1999) lista uma série de exemplos de políticas e ações voltadas a promover o desenvolvimento comunitário, nas quais a integração dos vários agentes envolvidos possibilita a expansão do estoque de capital social. No projeto Redes de Cooperação, procura-se estimular estas relações sociais através da inserção da sociedade civil na definição, detalhamento e, principalmente, na implementação e avaliação de todas as ações empreendidas. As experiências de envolvimento da sociedade civil em políticas de extensão rural e empresarial no nordeste brasileiro comprovam a validade destas práticas colaborativas para a promoção de um engajamento cívico (Tendler, 1998). A discussão e acompanhamento das políticas públicas por parte da sociedade são um dos melhores mecanismos neste sentido, visto que, além de criar uma conexão prática entre as partes envolvidas e fornecer representabilidade e sustentabilidade social ao projeto, reforça a necessidade do engajamento civil, da interação social e da identidade territorial na busca do desenvolvimento regional. Paralelamente a estes esforços, mesmo que com poucos resultados no curto prazo, promove-se a importância da cooperação nos programas de formação educacional nos níveis básicos de ensino e nos programas de capacitação gerencial, pois a questão cultural e os fenômenos psicossociais, como realça Javier Medina (1996), interferem na disposição social de se comprometer com maior ou menor intensidade em causas comuns e em práticas voluntárias de união de esforços. Os aspectos culturais e psicossociais do ambiente regional rebatem com a mesma intensidade no âmbito empresarial. Como fora observado em várias práticas de cooperação inter-empresarial “As alianças necessitam de aspirações mútuas, práticas compatíveis e entendimentos claros. Quanto mais próximas as culturas, mais fácil a construção destas pontes” (Lewis, 1992: 290). O objetivo das ações educacionais do projeto Redes de Cooperação é o sincretismo das diversas culturas existentes no entorno regional visando a interação social e a identidade territorial. Stephanie Marshall (1998), no seu estudo referente à preparação das comunidades para o futuro, demonstra a importância do aprendizado integrado e comprometido e da harmonização de valores no desencadeamento de processos recíprocos de crescimento. Assim, nos níveis básicos de ensino, as linhas de atuação buscam, entre outras atividades, a inclusão nos currículos escolares de espaços para a disseminação da idéia de cooperação e da importância das relações sociais e do engajamento cívico para o crescimento da sociedade. Defende-se também, sempre que possível, o incentivo às atividades de trabalho colaborativo, menos individualistas, tanto para a soluções das tarefas escolares regulares, quanto na ajuda solidária em eventuais problemas nas suas comunidades. Com referência aos programas de capacitação gerencial, as ações depreendidas atuam em duas áreas. Na área empresarial, as atividades estão voltadas ao desenvolvimento do conhecimento dos gestores de micro e pequenas empresas. Em conjunto com os projetos de capacitação empresarial do Governo do Estado, procura-se expor, ao lado das matérias normais de cada curso, as vantagens de estratégias de cooperação inter-empresarial e os instrumentos que podem auxiliar este processo. Na área regional, a proposta é disseminar em todo o território estadual os pressupostos de uma cultura solidária e colaborativa. Utilizando-se de espaços para debate são realizados seminários de divulgação geral do projeto, capacitação de agentes regionais disseminadores da idéia de cooperação e a manutenção de um fórum permanente para a discussão e o aperfeiçoamento dos instrumentos. SUPERANDO OS ENTRAVES AOS PROCESSOS DE COOPERAÇÃO Apesar da relevante importância das ações no campo dos fatores sócioculturais, o sucesso de experiências de cooperação inter-empresarial na esfera regional está, em maior grau, condicionado à gestão de políticas específicas à alavancagem de iniciativas e à eliminação de barreiras antepostas a elas. Por este motivo, o projeto Redes de Cooperação abrange também políticas específicas de apoio a práticas colaborativas e estratégias conjuntas entre pequenas e médias empresas. Existem amplas possibilidades de atuação direta da administração pública na alavancagem da cooperação entre empresas regionalmente localizadas. A estratégia adotada no projeto Redes de Cooperação foi a estruturação de uma sede para coordenação geral do projeto na Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais e de núcleos regionais de apoio a iniciativas associativas de crescimento empresarial. A operacionalização destes núcleos, que visam estimular e dar suporte governamental às experiências de cada região, está ocorrendo de forma gradual. Para o biênio 1999-2000 estão programadas a implantação de oito sedes regionais, seguidas de mais sete em 2001 e outras sete em 2002, completando a abrangência das 22 regiões que formam o estado. Os núcleos regionais viabilizam a interiorização do projeto, servindo de base para que representantes do projeto, profissionais qualificados e identificados com a região, atuem no fomento de iniciativas de cooperação. Os representantes capacitados para atuarem nas regiões, são divididos em coordenadores regionais, assessores e extensionistas de cooperação. O coordenador, além de gerenciar o núcleo, atua junto às comunidades regionais, identificando suas necessidades, dificuldades, oportunidades, buscando, a partir desta análise, uma integração Estado, sociedade civil, instituições e associações que alavanquem iniciativas conjuntas de crescimento. Os assessores exercem suas funções diretamente junto às empresas, facilitando processos de cooperação entre elas no campo das relações empresariais. Os extensionistas atuam na homogeneização e padronização das técnicas de produção quando é exigida uma integração produtiva entre as empresas. O ponto inicial de todo o processo são os esforços de disseminação da idéia de eficiência coletiva. Pela exigência da utilização de diferentes recursos de promoção, adotou-se no projeto Redes de Cooperação uma política de divulgação estadual da idéia acompanhada de campanhas específicas, a partir dos coordenadores de cada região. Esta forma de atuação permitiu propagar amplamente as propostas do projeto em todo o estado, através dos meios de comunicação de massa, e, ao mesmo tempo, estimular e sustentar os esforços dos coordenadores regionais para a difusão das experiências exitosas de cooperação. No momento seguinte, em “workshops” regionais cabe ao coordenador apresentar e debater os motivos para o sucesso e o fracasso das iniciativas existentes no estado, estimulando a curiosidade da sociedade e do meio empresarial e identificando, de forma participativa, os pontos fracos e fortes da região para a adoção de estratégias similares. Contudo, para que esta política geral de promoção regional de pequenos e médios empreendimentos efetivamente proporcionasse retornos positivos para a região, a ação governamental teve também que levar em consideração os fatores determinantes de fracassos de experiências passadas. Conforme Verónica Silva (1993), a experiência latino-americana demonstra a existência de uma grande diversidade de fatores que emperram as práticas de cooperação, como o fraco poder de negociação, o insuficiente controle de qualidade e prazos, o difícil acesso à informação e o déficit de demanda nos mercados próximos. Estes entraves podem ser superados por uma atuação regionalizada do setor público, através de políticas próprias, onde, indubitavelmente, novos instrumentos de ação e novos mecanismos de gestão são necessários. Por exemplo, no caso específico do poder de negociação, seja vertical ou horizontal, deve caber ao estado o papel de orientador e mediador dos conflitos. Hubert Schimtz (1998), pesquisando a cooperação inter-empresarial na região calçadista do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, demonstrou que a ausência de um poder regulador estatal pode levar ao fracasso de muitas tentativas de integração entre empresas. Nos conflitos decorrentes da cooperação entre distintas empresas, é impossível mensurar com absoluta precisão a importância da ação governamental e os resultados alcançáveis com ou sem a sua inserção. Isto não diminui a importância do papel orientador do Estado na maior parte das práticas de cooperação. O próprio autor ratifica esta importância afirmando que “Sem a mediação e a regulação pública (...) a cooperação privada é difícil de se obter” (Schmitz, 1998: 42). Exatamente com a finalidade de superar esta dificuldade incorporou-se no projeto Redes de Cooperação, como salientado anteriormente, a função do assessor de cooperação. Trabalhando na região, diretamente com as empresas, instituições e associações envolvidas em iniciativas de cooperação, este administrador público atua no sentido de aglutinar os esforços individuais, evitando a dispersão de objetivos, assim como no sentido de procurar minimizar os conflitos surgidos com a junção de necessidades, interesses e maneiras de agir. Sendo gerenciado pelo coordenador regional e recebendo o suporte instrumental do núcleo central do projeto, o assessor de cooperação facilita a formação de alianças entre empresas e, da mesma forma, destas com universidades e com entidades governamentais e da sociedade civil. Indo mais além, os assessores, junto com os coordenadores, têm o papel de propor diferentes composições de alianças, tais como redes de colaboração tecnológica entre pequenas e médias empresas e universidades regionais para o desenvolvimento e emprego de novas tecnologias, consórcios de produção ou exportação, centrais de compra e venda e associações para acesso ao crédito. Com referência a sustentação de esforços conjuntos para o avanço tecnológico, algumas experiências demonstram a significativa participação de agências governamentais nas atividades privadas de P&D. Políticas de promoção do desenvolvimento tecnológico através de processos de learning by interacting podem ser hoje consideradas comuns. Jane E. Fountain e Robert D. Atkinson (1998), por exemplo, evidenciando como a interação e as ações colaborativas impulsionam inovações, defendem políticas públicas de estímulo ao engajamento participativo em redes regionais de inovação. Redes regionais de inovação e outras formas de colaboração, que dependem de níveis tecnológicos de produção e gestão semelhantes entre as empresas, podem não evoluir pelas desigualdades existentes entre elas. O mecanismo criado no projeto Redes de Cooperação para tentar reduzir a distância técnica entre empresas regionais foi a implantação de extensionistas. Embora com objetivos similares aos dos assessores, ou seja, facilitar iniciativas de cooperação, os extensionistas atuam em campos diferentes nas empresas, contornando dificuldades localizadas nos aspectos de organização produtiva. Contratados junto às universidades regionais, os extensionistas constituemse em acadêmicos com especialidade nas questões técnicas e gerenciais de produção, os quais são disponibilizados durante um determinado período de tempo pelo setor público estadual às empresas envolvidas em iniciativas de cooperação. Gerenciados pelo coordenador regional e orientados pela central do projeto, da mesma forma que os assessores, os extensionistas viabilizam a integração de empresas padronizando a qualidade, reduzindo os prazos de entrega, harmonizando a gestão empresarial, introduzindo novas tecnologias e dando suporte à inovação dentro do empreendimento. Superando os entraves inerentes ao processo de união de esforços, o Estado pode ainda se converter em um dos agentes componentes da cooperação interempresarial, atuando conjuntamente na promoção das empresas e se constituindo de um participante das atividades colaborativas. A função de promoção é tão importante para o completo êxito de experiências de cooperação quanto as atividades de estímulo ao trabalho conjunto ou de redução dos obstáculos técnicos e a mediação de conflitos. Nos casos de experiências de cooperação observados até agora no Rio Grande do Sul, um dos principais motivos para o envolvimento das empresas é a promoção comercial. Neste sentido, um dos mecanismos criados no projeto Redes de Cooperação foi a implantação de um centro de prospeção e divulgação de oportunidades. Com objetivos semelhantes ao do “Observatório Econômico” existente na experiência italiana, (Casarotto Filho & Pires, 1998), o centro realiza pesquisas, verificando as variações comerciais de preço, qualidade, designe ocorridas nos mercados alvo, para orientar as empresas envolvidas nas suas decisões. As ações deste centro no Rio Grande do Sul não se resumem apenas à observação das alterações mercadológicas. Elas visam também dar suporte às estratégias comerciais das empresas em cooperação, identificando novos mercados, interligando agentes comerciais, divulgando a qualidade do produto e servindo como referência de informação dos produtos e serviços das empresas envolvidas. A proposta do projeto é implantar um centro de prospeção e divulgação de oportunidades em cada núcleo regional, desenvolvendo estes serviços diretamente a partir da realidade de cada região. A questão comercial de pequenas e médias empresas em cooperação pode também ser promovida pelo Estado através do suporte institucional. Exemplos como os Charutos de Cuba, o Rum de Porto Rico, o Café de Colômbia, a região de Champagne na França, os Vinhos do Porto em Portugal e os casos brasileiros do Queijo de Minas e do Chocolate e dos Móveis de Gramado, comprovam que a construção de uma marca de lugar, baseada em uma imagem corporativa padronizada, possibilita ganhos de competitividade nas esferas nacionais, regionais e locais. A construção desta marca de lugar, referência da singularidade do produto e garantia do monopólio de origem, é a típica estratégia fundamentada na cooperação. Todavia, a percepção da viabilidade de campanhas conjuntas e a própria constituição de um projeto nestas condições, na maior parte dos casos, poderá ser acelerado com a atuação de um agente estatal. A competência deste agente baseia-se em funções como a de disseminar a idéia, aglutinar e organizar os interesses, definir e certificar os padrões mínimos de produção e, principalmente, institucionalizar e promover, em conjunto com os produtores, campanhas de divulgação da marca do lugar. Empreende-se, desta forma, em uma política de colaboração mútua entre o Estado e o setor privado, com ganhos de competitividade para ambos. O ponto chave desta estratégia está exatamente na sinergia entre estes dois lados. “O desenvolvimento de uma imagem corporativa e a promoção apoiada nela não é uma tarefa que compete somente a um governo regional. Este é um dos campos no qual a articulação entre o setor público e privado tem que dar seus melhores frutos” (Boisier, 1992: 184). A tarefa de viabilizar a criação conjunta de marcas e selos regionais, pelos seus elevados custos e pela necessidade de uma interação solidificada entre Estado e os agentes da região, exige uma atuação seletiva e cautelosa por parte do setor público. A forma de atuação do Estado deve evitar que a construção de uma imagem positiva da região tenha o efeito contrário, caracterizando o produto ou a região por aspectos negativos. Por isso, a estratégia do projeto Redes de Cooperação é desenvolver ações para a geração de marcas regionais de forma gradual, apoiando a criação das marcas à medida em que os processo de cooperação se solidifiquem e os setores e produtos regionais adquiram a potencialidade de sustentar sua marca comum independentemente do setor público. Outros entraves relacionados aos processo de cooperação e ao próprio crescimento de pequenas e médias empresas, como a dificuldade de acesso às informações e a reduzida demanda nos mercados locais e regionais representam uma parcela considerável do rol de preocupações públicas com o desenvolvimento econômico. A superação destas dificuldades, no entanto, requer instrumentos mais complexos do que a criação de núcleos regionais e a ação de extensionistas. A estratégia empregada pelo projeto Redes de Cooperação para suplantar barreiras deste nível baseia-se na utilização de redes eletrônicas e no aproveitamento do potencial de consumo dos órgãos de governo, como será apresentado a seguir. UTILIZANDO REDES ELETRÔNICAS PARA A COOPERAÇÃO Com a mesma intensidade que as questões colocadas anteriormente, o difícil acesso a informações e a necessidade da manutenção de um compartilhamento permanente de idéias apresentam-se como outros significativos entraves para o sucesso de experiências de cooperação. Principalmente no âmbito regional, onde a cooperação entre empresas ocorre mesmo sem a proximidade territorial, a qualidade e agilidade do fluxo de dados configura-se em um ponto crucial. Por isso, a preocupação com a criação de espaços de interação social entre os agentes envolvidos, seja para a troca de experiências ou para o acúmulo de informações, deve estar embutida no conjunto de ações públicas (Silva, 1993). A criação de espaços de comunicação na esfera regional, onde os distanciamentos espacial e temporal são maiores, dependem bastante de novos meios técnicos de aproximação. Estes novos meios técnicos “(...) tornam possíveis novas formas de interação social, modificam ou subvertem velhas formas de interação, criam novos focos e novas situações para a ação e interação, e, com isso, servem para reestruturar relações sociais existentes e as instituições e organizações das quais elas fazem parte” (Thompson, 1995: 296). A aproximação e articulação de agentes para o sucesso de práticas regionais de cooperação será condicionada também pelos mecanismos de comunicação e interação adotados.6[6] Atualmente, sistemas de informações e redes de comunicação eletrônica permitem o compartilhamento, quase instantâneo, de processo organizacionais. Instrumentos como a rede mundial de computadores, Internet, e redes e sistemas empresarias conectáveis a ela, baseadas nos conceitos de Intranet, Extranet e Groupware, possibilitam hoje uma maior extensão de práticas e experiências conjuntas (Maloff, 1995; Hills, 1996). Peter Kollock (1999), por exemplo, salienta a utilização da Internet nas práticas de cooperação, tanto para a maior facilidade na produção de bens públicos, exemplo do sistema operacional Linux para computadores, quanto para organização de ações colaborativas de desenvolvimento comunitário, como na ilustração do dia beneficente chamado NetDay.7[7] A Internet é, portanto, um dos melhores meios para a difusão e troca de informações, pois disponibiliza uma estrutura de comunicação horizontal que permite a interação de um grande grupo de interlocutores por um custo relativamente baixo. Ela se apresenta como um vasto caminho de abertura da administração pública para uma ágil interação com a sociedade civil, principalmente com as comunidades mais distantes das capitais administrativas Este é um campo para relações democráticas que alguns estudos tentam aprofundar (Kamarck & Nye, 1999), mas que ainda é pouco explorado de forma prática nos dias atuais. Redes eletrônicas abrem novas perspectivas de suporte e fomento público para diversas políticas de desenvolvimento. No caso específico da cooperação interempresarial, a implementação de uma estrutura que agilize a comunicação é um instrumento bastante útil para viabilizar a interação das empresas, seja dentro da cadeia produtiva de um setor, ou na integração de empresas de setores diferentes e também com as demais instituições envolvidas. Com o intuito de fomentar a utilização deste mecanismo moderno, o projeto Redes de Cooperação, por meio de políticas específicas, pretende disseminar o acesso de pequenas e médias empresas à Internet, facilitando a comunicação entre elas e permitindo a ampliação do desenvolvimento de estratégias colaborativas e solidárias. 6[6] Este trabalho não se propõe a aprofundar o impacto de meios de comunicação modernos nas relações e nas interações sociais. Para um maior detalhamento com relação ao tema nas últimas três décadas, ver, entre outros, Argyle (1976); Meyrowitz (1985); e Castells, (1996). 7[7] Neste dia, denominado NetDay, através de um esforço regional organizado pela Internet, 2.500 escolas do Estado da Califórnia foram conectadas à rede mundial pelo trabalho de aproximadamente 20.000 voluntários da comunidade, sem remuneração, motivados somente pela importância da estrutura para a região (Kollock, 1999). Para a completo alcance dos objetivos propostos neste sentido, as políticas estão sendo implementadas em duas etapas. No primeiro momento, que se desenrola durante o ano de 1999, as atividades estão concentradas na estruturação do sistema de informações do projeto e a operacionalização de experiências piloto. Na segunda etapa, a partir do ano 2000, terão início as atividades que buscam disseminar o uso do computador, da Internet e do sistema construído para o maior número de usuários possíveis. Inserido no sistema de informações está a disponibilização de um espaço para a troca de informações na Internet, voltado especificamente para as necessidades das pequenas e médias empresas do Rio Grande do Sul. Um dos instrumentos utilizados com este fim são as listas de discussão. As listas de discussão permitem que um número irrestrito de empresas, que disponham de um endereço de e-mail, se comuniquem sobre assuntos de interesse comum, organizadas por um software que envia automaticamente as mensagens e mantém as informações arquivadas para a leitura em qualquer momento. Os principais geradores da informação disponível nas listas são as próprias empresas, com a possibilidade de receber contribuições informativas de entidades governamentais e não governamentais e dos demais interessados. As listas possuem temas específicos que podem ser determinados pelas empresas envolvidas segundo suas necessidades, proporcionando um instrumento flexível e auto-gerenciável, diminuindo os custos de coordenação por parte do governo. O sistema estruturado permite também a intensificação das relações entre o Governo do Estado e as pequenas e médias empresas. A facilidade de acesso pela Internet permite a democratização das informações de programas, medidas, incentivos e demais ações governamentais de interesse destas empresas. Além de disseminar de forma ágil informações importantes, obtidas no passado somente por agentes em permanente contato com o governo, a integração via Internet abre espaço para novos tipos de serviços, como a utilização do e-mail para contato com servidores públicos, para soluções de dúvidas e para o envio e recebimento de formulários e documentos que agilizem procedimentos. Da mesma forma, a interligação em redes eletrônicas é útil para a troca de informações no próprio setor público. No caso do projeto Redes de Cooperação, por exemplo, o suporte técnico aos núcleos regionais será facilitado por uma conexão permanente com o núcleo central, através de computadores ligados à Internet. O mesmo mecanismo possibilita ampliar a abrangência dos esforços de promoção comercial dos núcleos regionais, com a possibilidade da divulgação dos produtos de cada região em todo o mundo, com custos relativamente baixos. Pelo benefício da divulgação pouco onerosa e territorialmente bastante abrangente, o projeto prioriza a utilização da Internet na promoção comercial de pequenas e médias empresas, por meio do sistema estruturado. Alguns autores defendem que empresas em cooperação devem “(...) manter uma página na Internet com informações (constantemente atualizadas) sobre o ambiente de ação das empresas, suas potencialidades, interesses, além dos serviços prestados” (Casarotto Filho & Pires, 1998: 54). A proposta do projeto Redes de Cooperação é ampliar esta idéia, não somente incentivando a elaboração de páginas na Internet por parte de empresas, instituições e das iniciativas de trabalho conjunto, mas principalmente congregando o maior número possível de páginas em uma grande rede de cooperação virtual a partir da página principal do projeto. Servindo como porta de entrada para todos os serviços do sistema de informações e contendo “Links” de conexão para as páginas particulares, a página do projeto expande a potencialidade deste instrumento. Em primeiro lugar, aproxima virtualmente a localização dos empreendimentos a partir de um ponto central. Assim como em um centro comercial, a página diminui o espaço entre as empresas e instituições, possibilitando a elaboração de campanhas publicitárias conjuntas e ampliando o acesso às páginas particulares. A estruturação do sistema e página também facilita a promoção comercial em conjunto organizando bolsas de negócios e centrais de transações, atraindo interessados, direcionando os envolvidos aos endereços eletrônicos de interesse comum e abrindo possibilidades de negócios eletrônicos como venda direta ao consumidor através da Internet. Entretanto, apesar de todos estes benefícios, as maiores dificuldades do uso da Internet para a comunicação entre pequenas e médias empresas, instituições e o setor público, atualmente, é o diminuto número destas que se encontram conectadas à rede e à baixa capacitação técnica para seu uso. Portanto, como base fundamental de uma estratégia de utilização dos recursos da Internet está a disponibilização do acesso para o maior número possível de empresas, capacitando-as para o total aproveitamento de seus recursos. No projeto Redes de Cooperação propõe-se duas ações paralelas para atingir este objetivo; de um lado, facilitando o acesso particular de empresas e instituições e, de outro, permitindo o acesso comunitário. Para disseminar o acesso particular, na segunda etapa, a partir do ano 2000, serão empreendidas ações que facilitem a aquisição de computadores e o acesso à Internet. Entre as ações para facilitar o acesso individual estão a viabilização de linhas de crédito para que pequenos empreendimentos tenham a possibilidade de adquirir um computador pessoal e seus periféricos, a negociação de uma compra coletiva de computadores com condições mais atraentes e a realização de convênios com provedores de serviços de Internet para disponibilização de acesso à rede e à manutenção de páginas com custos reduzidos. Para permitir o acesso comunitário, propõe-se estruturar os núcleos regionais de forma que possam atender a demanda das empresas impossibilitadas de utilizar isoladamente os recursos disponíveis. Prevê-se também um financiamento especial para que prefeituras, associações comerciais e industriais e demais instituições associativas tenham a possibilidade de adquirir computadores e periféricos, disponiblizando-os a sua comunidade e aos seus associados. Complementando estas ações, estão planejados cursos de capacitação para o uso da Internet, tanto para os coordenadores dos núcleos regionais, quanto para os empresários e os demais envolvidos na rede. ATUANDO PELO LADO DA DEMANDA Outros sérios entraves para a evolução de iniciativas de cooperação e do próprio crescimento de pequenas e médias empresas são a questão da insuficiência de demanda e da exigência de qualidade e prazos de entrega padronizados. Da mesma forma que as barreiras salientadas anteriormente, estes entraves são possíveis de serem contornados pela ação governamental. Agindo pontualmente, através de modelos orientados não pela oferta mas pela demanda, o estado do Ceará, no nordeste brasileiro, mostrou caminhos alternativos de políticas públicas aplicáveis inclusive em comunidades pouco propensas a cooperar. O programa de compras governamentais do governo cearense (Tendler & Amorim, 1996), que direcionou os recursos orçamentários destinados a aquisição de bens e serviços necessários ao setor público para a produção de pequenas empresas localizadas no interior do estado, conseguiu superar as deficiências de demanda e de gestão conjunta de produção com medidas plenamente viáveis. De um lado, abriu a possibilidade de pequenos produtores, alijados dos processos normais de licitações, trabalhando em conjunto, produzirem para o governo. Com tal mecanismo, aliado ao adiantamento de 50% do pagamento na encomenda, esta política foi determinante para amenizar as dificuldades decorrentes da necessidade da manutenção, no curto e médio prazos, de um mercado consumidor para a produção conjunta. Por outro, o governo condicionou suas compras às exigências de qualidade, prazo de entrega, e garantias normais na concorrência de mercado. A adoção desta medida condicionante evitou que o programa criado pecasse por privilégios paternalistas. Aliada a outros instrumentos de apoio, como a capacitação técnica dos produtores envolvidos, as ações empregadas possibilitaram a geração de processos autosustentados de crescimento. Por suas configurações, o programa de compras governamentais do Ceará, atuando de forma colaborativa com as sociedades locais, constitui-se em um interessante exemplo de uma intervenção diferenciada do Estado na promoção de pequenas e médias empresas, através de serviços públicos orientados pelo lado da demanda e a partir de práticas de cooperação e da busca de soluções colaborativas. Políticas públicas orientadas pela demanda e processos de cooperação inter-empresarial são totalmente compatíveis, como afirmam Judith Tendler e Monica Amorim: Organizando seus serviços para pequenas empresas em torno de um contrato de fornecimento de bens e serviços, políticas orientadas pela demanda necessariamente tendem a trabalhar mais com grupos de pequenas empresas do que com empresas individualmente. Isto contribui para o desenvolvimento de aspectos externos de promoção do crescimento entre as próprias empresas - a possibilidade de compartilhar encomendas, a especialização entre empresas, a compra conjunta de insumos e a ação conjunta para a solução de problemas (Tendler & Amorim, 1996: 421). O projeto Redes de Cooperação utiliza uma estratégia semelhante para promover a cooperação entre microempreendimentos. Adaptando alguns dos instrumentos da experiência cearense, aprimorando outros e criando novos, busca-se incentivar e viabilizar o crescimento de regiões e municípios empobrecidos do interior do Rio Grande do Sul, fomentando iniciativas de trabalho conjunto a partir do poder de compra do Estado. Microempreendimentos, caracterizados por adotar um processo produtivo no molde familiar, com um número mínimo de empregados, constituem-se em uma das principais formas de geração de renda em países em desenvolvimento. Cobrindo inúmeros setores econômicos, espacialmente dispersos e relativamente pouco duradouras as micro iniciativas invariavelmente apresentam um reduzido poder de agregação. As ações de assistência governamental para seu fomento ou pecam pela insuficiência de instrumentos isolados ou pela elaboração de pacotes generalizados inconsistentes com as dificuldades particulares de cada caso, seja nos aspecto de crédito, gestão empresarial ou de capacitação técnica. Neste último aspecto, por exemplo, os programas governamentais ou de instituições relacionadas “Geralmente tendem a estar distanciados do seu público alvo. (...) Tecnologias são desenvolvidas em um vácuo, sem o necessário envolvimento dos microempreendedores que supostamente as utilizariam” (Carr, 1989: 167). Portanto, ações empreendidas para fomentar a cooperação entre microempreendimentos de comunidades menos desenvolvidas não podem compreender apenas instrumentos isolados. Da mesma forma, pacotes de políticas padronizados para todos os casos apresentam-se pouco eficientes quando se pretende promover o crescimento destes empreendimentos. Com base nestes pressupostos, procurou-se alinhar no projeto Redes de Cooperação um conjunto de ações personalizadas, com o auxílio dos núcleos regionais, que viabilizem uma alavancagem dos microempreendimentos existentes, socorrendo-os para superar os obstáculos iniciais, a partir de suas próprias qualidades. A primeira barreira do processo localiza-se na dificuldade em encontrar um mercado consumidor para seus produtos e mantê-lo cativo pela qualidade dos bens oferecidos, preço adequado, escala de produção e prazo de entrega compatíveis. Identificou-se no potencial de consumo dos órgãos estatais uma possibilidade para fomentar, no princípio, a produção destes microempreendimentos. Neste sentido, para efetivar o instrumento proposto, procurou-se flexibilizar e regionalizar o processo burocrático de compras do governo. Dependendo das características dos setores produtivos da região focalizada, trabalhou-se com diferentes produtos. Inicialmente voltado às regiões calçadistas e têxteis, percebeu-se a oportunidade de alavancar a demanda dos microempreendimentos com a compra de uniformes e sapatos para policiais e bombeiros. Observou-se nas primeiras tentativas que, atuando pelo lado da demanda, realmente é possível estimular o crescimento de micro iniciativas. Todavia, este instrumento, sozinho, não garante a sustentabilidade dos empreendimentos, pois determinadas fraquezas, como acesso ao crédito, desenvolvimento técnico e escala produtiva, fundamentais em mercados competitivos, são pouco afetadas de forma prática. Paralelamente à atuação exercida pelo lado da demanda, a solução encontrada para gerar um crescimento sustentado dos microempreendimentos, evitando que ficassem dependentes das compras governamentais, foi promover práticas de superação conjunta dos entraves comuns. Com uma orientação personalizada do suporte público, vem sendo empreendidas ações específicas adequadas para cada caso. Assim, nos casos onde a principal necessidade é o acesso às linhas de financiamentos, por exemplo, procura-se desenvolver cooperativas e consórcios de garantia ao crédito. Nos casos em que a reduzida escala de produção impede o atendimento de grandes e constantes pedidos, a união de empresas para compra de matéria prima e venda agregada torna-se mais do que nunca inevitável. Finalmente, quando a dificuldade básica situa-se na capacidade técnica da qualidade e preço dos produtos, procura-se suplanta-la com auxílio técnico de extensionistas, corrigindo os problemas diretamente junto ao produtor e construindo uma evolução tecnológica compartilhada entre os microempreendimentos envolvidos. Certamente, as ações e políticas públicas arroladas acima não esgotam os espaços de atuação do setor público para o desenvolvimento regional a partir de estratégias de cooperação inter-empresarial. Pelo contrário, elas expandem ainda mais as possibilidades e as oportunidades do Estado para a promoção do desenvolvimento sócioeconômico e a ampliação da sua relação com os membros componentes da sociedade civil. Compete, portanto, aos governos regionais promover o debate e o aprofundamento de propostas neste sentido, considerando as vantagens e riscos inerentes ao processo, para implementar as transformações necessárias. CONSIDERAÇÕES FINAIS Indubitavelmente, as recentes transformações produtivas ocorridas no contexto internacional trouxeram enormes dificuldades para as estratégias tradicionais de desenvolvimento regional. Os formuladores de políticas públicas, acostumados muitas vezes com conjunturas de mercados fechados, de pouca mobilidade de fatores e de uma maior lentidão quanto a evolução tecnológica e econômica, deparam-se hoje com desafios inteiramente diferentes dos enfrentados no passado. Estes novos desafios impostos às estratégias de políticas públicas para o desenvolvimento regional estimulam, cada vez mais, a pesquisa e a elaboração de propostas alternativas para a atuação estatal. Embora se conheça experiências históricas de formação de alianças e estratégias coletivas autônomas entre empresas de pequeno porte, entende-se o Estado como um agente fundamental para o êxito e a replicação dos processos em escala maior, principalmente nas regiões em desenvolvimento. Em função disto, procurou-se apresentar diversas alternativas de ação estatal possíveis para a consolidação de estratégias de cooperação dentro do espaço regional. O trabalho concentrou-se nos diferentes mecanismos de ação estatal para o fomento de práticas colaborativas entre pequenas e médias empresas adotados na experiência do projeto Redes de Cooperação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Foram arrolados, entre outros, instrumentos de disseminação das práticas de cooperação e de superação das barreiras que dificultam o sucesso destas práticas. A divisão de esforços para a promoção comercial e a utilização de núcleos regionais de apoio, com a ação de mediadores de conflitos e técnicos de extensão junto as empresas, são mecanismos de fácil replicação e importante contribuição para o sucesso de estratégias de cooperação Com o mesmo intuito, demonstrou-se a possibilidade da utilização de instrumentos modernos, como a Internet, para a promoção de práticas colaborativas. A implementação de uma rede eletrônica além de facilitar o contato e a troca de informações entre empresas, instituições e o setor público, distantes territorialmente, ainda se mostra útil como um poderoso instrumento de promoção comercial para os envolvidos. Finalmente, foram apresentadas alternativas de atuação do setor público para viabilizar o crescimento de microempreendimentos em regiões empobrecidas a partir do trabalho conjunto e da união de esforços. Apesar da relevância de medidas como as apresentadas, deve-se realçar que elas não representam o rol completo de políticas governamentais direcionadas a promover um desenvolvimento sustentado. Somente com uma base social coesa e preparada para o futuro, marcada pelos laços similares que unem a comunidade na busca de objetivos comuns, será possível compor regiões preparadas para encontrar soluções para os seus problemas e estratégias de crescimento. Por tal motivo, este trabalho abordou com bastante ênfase a questão das relações sociais e suas condicionantes no crescimento de regiões. Compreende-se o desenvolvimento como fruto de processos sociais endogenamente constituídos. “Tudo no mundo social surge, integra-se, adquire e mantém estabilidade, desintegra-se e desaparece, pela interação de ‘forças sociais’ passíveis de estudo e compreensão” (Torres, 1985: 28). Portanto, a inclusão de conceitos relativos ao papel do capital social na determinação de mecanismos sociais de sustentação do desenvolvimento econômico representa uma nova perspectiva de estudo e aplicações práticas de política pública. O entendimento de que a estrutura social de uma região influi diretamente em seu crescimento instiga a busca de instrumentos de construção de um processo de desenvolvimento conjunto entre Estado e sociedade civil. Ainda que processos com estas característica se constituem em uma tarefa difícil e pouco abrangida na administração pública, novas experiências ao redor do mundo, como as citadas neste trabalho e o projeto Redes de Cooperação, demostram a inteira viabilidade de propostas neste sentido. No entanto, a diversa gama de estudos e análises que comprovam a eficiência e os benefícios de políticas públicas com este corte não exime seus aspectos gerais de apreciações críticas e de novas contribuições. Alguns autores, por exemplo, destacam os vários entraves concernentes a composição de interações entre Estado e sociedade civil. Uma das barreiras salientadas é constituída pela pouca solidez estrutural das relações de solidariedade em nossas sociedades. José Luján e Luis Moreno (1996), por exemplo, apresentam um cenário onde diagnósticos genéticos podem acabar com o sistema de previdência social, um dos sistemas mais fortes de solidariedade social. De acordo com suas conclusões, bastaria a identificação das diferenças genéticas de cada indivíduo, de suas probabilidades frente males específicos, sua longevidade e suas características psicológicas, para indivíduos menos predispostos a utilização dos planos não aceitarem mais os custos tradicionais do sistemas de previdência. “Se algo assim viesse a ocorrer, o atual sistema de solidariedade social poderia perder grande parte de seus fundamentos” (Luján & Moreno, 1996: 499). Esta fragilidade da solidariedade humana não se constitui no único entrave às políticas de suporte à participação e à cooperação. Mesmo um de seus grandes defensores, Robert Putnam (1995), evidencia a crescente retração das práticas participativas, do engajamento cívico e do trabalho associativo na sociedade civil. Fornecendo uma série de exemplos, o autor expõe a tendência bastante acentuada do crescimento do individualismo e do declínio do capital social, neste final de século, especialmente nos Estados Unidos. Apesar do autor ter se concentrado no caso norteamericano, acredita que “(...) o quadro por ele desenvolvido pode, em certa medida, caracterizar muitas sociedades contemporâneas” (Putnam, 1995: 67). Alejandro Portes e Patricia Landolt (1996) apresentam críticas ao deliberado uso da idéia de capital social em políticas de desenvolvimento. Segundo eles, a visão restrita dos aspectos positivos do capital social gerou uma série de tautologias e estereótipos que encobriram alguns de seus aspectos negativos. Deve-se, portanto, evitar estender demais a capacidade do conceito para não banalizá-lo, utilizando-o em políticas públicas muitas vezes danosas à própria sociedade. Na opinião destes autores, indivíduos e comunidades podem se beneficiar largamente da confiança mútua e da participação social. Estes retornos, porém, muitas vezes, irão variar conforme o tipo de relação interpessoal imposta e a forma de organização e de sustentação comunitária. Estes mesmos fatores, por outro lado, poderão acarretar a ampliação das diferenças sócio-econômicas e culturais existentes entre comunidades, dividindo e estimulando conflitos (Portes & Landolt, 1996). Algumas destas barreiras foram sentidas na implantação das ações do projeto Redes de Cooperação. Por exemplo, a dificuldade em aproximar concorrentes, compartilhar informações e empreender estratégias conjuntas, na maior parte dos casos, somente será superada com modificações sócio-culturais no longo prazo. Reformulações nas concepções da gestão pública, da mesma forma, não são possíveis de serem realizadas entre um governo e outro. Evidentemente, a superação destas barreira e a implementação e a continuidade de políticas não tradicionais dependerão da insistência de elaboradores de políticas e pesquisadores em um processo de longo prazo. Ainda que existam todas estas dificuldades, políticas públicas para o desenvolvimento regional endógeno a partir de processos de cooperação constituem-se em possibilidades viáveis de ação governamental. O projeto Redes de Cooperação vem sendo conduzido com o principal propósito de construir processos de desenvolvimento duradouros e socialmente constituídos, onde as ações públicas não determinam seu caminho, mas, calcada em pressupostos distintos, fornecem o suporte necessário para que as regiões enfrentem seus desafios com os melhores instrumentos possíveis. Portanto, a formulação de políticas públicas que auxiliem a sociedade a tornar-se fator central de sua prosperidade é, sem dúvida, um dos mais importantes desafios do setor público para os dias atuais. Governos, centros de pesquisas e organismos internacionais de fomento ao desenvolvimento podem se constituir nos principais agentes transformadores para uma nova visão da administração para o desenvolvimento, seja repensando a forma de atuação, pesquisando políticas alternativas, ou financiando iniciativas inovadoras. Este complexo campo de transformações, certamente trará novas perspectivas para a administração pública, menos voltada aos seus órgãos internos e mais focada para a sociedade que representa. BIBLIOGRAFIA AMARAL FILHO, Jair. (1996). Desenvolvimento regional endógeno em um ambiente federalista. In: Planejamento e políticas públicas. Brasília, IPEA, n. 14. dez. ARGYLE, Michael. (1976). A interação social. Rio de Janeiro, Zahar. BANDEIRA, Pedro S. (1999). Participação, articulação de atores desenvolvimento regional. Brasília, IPEA, Texto para discussão n.º 630. sociais e BOISIER, Sergio E. (1992). El dificil arte de hacer region. Las regiones como actores territoriales del nuevo orden internacional. Cusco, CBC. BOISIER, Sergio E. (1997). Sociedad civil, participacion, conocimiento y gestion territorial. Santiago de Chile, ILPES, (mimeo). BROWN, L. David & ASHMAN, Darcy. (1996). Participation, social capital, and intersectoral problem solving: African and Asian cases. In: Word Development. 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Desequilíbrios Regionais. In. Projeto RS 2010. Porto Alegre, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 1998. A demanda do setor produtivo gaúcho ao longo dos corredores de transporte hidroferroviários. In. Fronteiras na América Latina: espaços em transformação. Porto Alegre, UFRGS/FEE, 1997. • · Endereço Comercial Av. Borges de Medeiros, 1501/17o andar. Bairro Centro, Porto Alegre – RS – Brasil. CEP 90000-210. Tel. 55 – 02151- 288 1077 Fax. 55 - 02151 - 228 6634 E-mail. [email protected] • · Endereço Residencial: Rua. Juvenal Müller, 165/31. Bairro Rio Branco, Porto Alegre – RS – Brasil. CEP. 90420230. Tel. 55 – 02151 – 331 45 37 E-mail: [email protected]