XV CISO – ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E
NORDESTE
PRÉ-ALAS BRASIL
04 A 07 de setembro de 2012, Teresina - PI
GT 20- POLÍTICAS PÚBLICAS, GOVERNO E DESENVOLVIMENTO
A CAPRINOCULTURA NO CARIRI PARAIBANO: POLÍTICAS PÚBLICAS,
ASSOCIATIVISMO E RELAÇÕES DE PODER
Autor: Valdênio Freitas Meneses1
Co- autora: Ramonildes Alves Gomes2
1
Mestrando em Ciências Sociais pelo PPGCS, UFCG, Campina Grande, PB. E-mail:
[email protected]
2
Professora do, PPGCS, Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, UFCG, Campina Grande,
PB, E-mail: [email protected]
1
A
CAPRINOCULTURA
NO
CARIRI
PARAIBANO:
POLÍTICAS
PÚBLICAS,
ASSOCIATIVISMO E RELAÇÕES DE PODER
Valdênio Freitas Meneses
Ramonildes Alves Gomes
Desde o fim dos anos 1990 uma articulação de políticas públicas tem enfatizado no
estímulo à caprinocultura leiteira e ao associativismo junto a agricultores familiares na
região do Cariri Paraibano. Simultâneo a essa mobilização institucional que prioriza o
desenvolvimento na pecuária caprina, ocorrem movimentações nos espaços de poder,
especialmente na escala municipal. Considerando este cenário, o eixo central deste
artigo consiste em examinar como, através das associações e cooperativas municipais
de caprinocultores, são tecidos processos sociais, interdependências e relações de
poder articulando os quadros institucionais das políticas públicas para a caprinocultura
e os grupos dominantes no cenário político dos municípios do Cariri. Destacamos como
estas “elites” locais se apropriam dos quadros institucionais das associações para
reproduzir e maximizar sua influência política.
Palavras- chave: políticas públicas; associativismo; relações de poder
2
INTRODUÇÃO
Nos últimos 20 anos transformações importantes tem caracterizado um novo
padrão de relações entre rural e o urbano no Nordeste brasileiro. São demonstrativos
destas mudanças o aumento do contingente de população urbana; novos padrões de
renda e consumo e políticas públicas que proporcionam um acesso mais amplo a
serviços de crédito e programas de transferência de renda. Por sua vez, estas novas
condições sociais influenciam em movimentações nas relações de poder e formas de
controle por parte dos grupos dominantes no cenário político dos municípios e estados
do Nordeste.
Na microrregião do Cariri Ocidental Paraibano tais transformações coincidem com
a ascensão da caprinocultura leiteira como atividade visada por um conjunto de
políticas públicas. De uma maneira quase consensual a pecuária de caprinos
gradativamente emerge, desde a última década, como principal alvo de projetos de
ação pública a partir de uma articulação entre instituições e programas - SEBRAE- PB,
BNB, PAA-LEITE, PRONAF; Programa Leite da Paraíba, Projeto Dom Hélder Câmara
– os quais direcionam ações e propostas visando o estímulo à criação de caprinos e ao
associativismo de pequenos produtores, enquadrados na categoria de agricultores
familiares (MENESES; GOMES, 2010). Simultânea a essa recente articulação de
políticas públicas voltadas para a caprinocultura e o associativismo no Cariri Paraibano,
ocorrem processos que denotam certa recomposição espacial: deslocamentos que
circundam relações de poder, de direitos e articulações entre atores em diferentes
escalas espaciais (GOMES; MENESES, 2011).
O principal objetivo neste artigo é compreender uma convergência de processos
sociais entre a entrada da caprinocultura leiteira na pauta de políticas públicas e as
alianças entre grupos políticos dominantes no Cariri Paraibano. O eixo central está em
examinar
como,
através
das
representações
associativas
municipais
de
caprinocultores, são tecidas interdependências entre uma proposta desenvolvimentista
pela pecuária de caprinos e a afirmação de grupos e indivíduos na disputa por espaços
no cenário político dos municípios.
3
Nossos referenciais empíricos se
baseiam em atividades de
pesquisa
sistematizadas em um projeto3 PIBIC/UFCG/CNPq entre 2010 e 2011; uma
monografia4 de conclusão do curso de Ciências Sociais e análises que formam as
etapas iniciais de um projeto de mestrado pela Pós-Graduação em Ciências Sociais da
UFCG.
A pesquisa se concentrou principalmente nas associações de caprinocultores dos
municípios de Sumé, Monteiro e São Sebastião do Umbuzeiro. Nestes locais coletamos
informações a partir de entrevistas realizadas com gestores e presidentes das
associações e cooperativas em que buscamos construir uma relação entre conflitos
que fazem parte da “história” de formação dessas organizações coletivas e a trajetória
de ascensão de indivíduos e grupos influentes nas disputas políticas locais. Noticiários
(como o Vitrine do Cariri) também serviram como fontes de informações sobre as
alianças políticas nas cidades do Cariri. Para analisar a legitimação de uma proposta
de políticas públicas para a caprinocultura e do associativismo foram tomadas como
fontes documentais projetos, cartilhas e artigos ligados ao SEBRAE: Um agronegócio
para a caprinocultura nos Cariris Paraibanos (2000); Cartilha do caprinocultor
(2000); Capacitação de agentes de desenvolvimento rural (ADRs) para a
caprinovinocultura (2003); Desenvolvimento local e participação popular: a
experiência do Pacto Novo Cariri (2010). Para captar as conexões institucionais via
associativismo com os programas de fomento a produção de leite de cabra com os
agricultores familiares foram consultados relatórios de avaliação do PAA/Leite (
DUQUE, 2009)
O artigo está dividido em quatro partes. Uma primeira seção trata do suporte
teórico acerca das categorias que serão utilizadas: 1) interdependências, processos
sociais e relações de poder nos quais tomamos base em um embate entre as noções
de figuração social de Norbert Elias e campo em Bourdieu e 2) sobre a lógica de
formação de organizações de produtores rurais sob o signo do associativismo, a partir
de enquadramentos e formas de controle ligadas as políticas públicas. A segunda parte
3
Título do projeto: A (re) pecuarização no Cariri Ocidental: dinâmicas econômicas e institucionais
na caprinocultura leiteira
4
Título da monografia : A constituição de mediadores sociais em projetos de desenvolvimento: uma
reflexão sobre os ADRS no contexto da (re) pecuarização no cariri paraibano ( MENESES, 2011)
4
contém a caracterização da articulação institucional que privilegia o associativismo de
um ideário de desenvolvimento e políticas públicas no Cariri. Enfatizamos em um
acordo realizado no ano 2000 entre prefeituras, governo estadual e federal e
componentes da sociedade civil - o Pacto Novo Cariri – e de como o associativismo
constitui elos institucionais dos agricultores familiares junto aos programas de incentivo
a produção do leite. Na terceira parte destacamos situações de conflito ligadas aos
processos de formação das associações e cooperativas de Monteiro, Sumé e São
Sebastião do Umbuzeiro. Evidenciamos como grupos que dominam a “política” dos
municípios do Cariri cooptam posições e influenciam no funcionamento das entidades
associativas, a partir de três casos: a participação do grupo político encabeçado pelo
deputado Carlos Batinga na Cooperativa dos Produtores Rurais de Monteiro
(CAPRIBOM); a questão da usina de beneficiamento de leite de Sumé localizada na
fazenda do deputado Francisco de Assis Quintans e os conflitos entre a Associação
Gestora da Usina de Beneficiamento de Lácteos (AGUBEL) e a Associação dos
Criadores de Caprinos de Sumé (ACCS) e; por fim, a formação da associação do
Laticinio Vila do Caroá que está envolvida nas disputas entre famílias Neves e Ferreira,
que possuem forte presença nas disputas eleitorais no município de São Sebastião do
Umbuzeiro.
A análise dos processos de formação destas associações municipais de
caprinocultores permite elaborar uma última seção que contém reflexões sobre como
sob o associativismo e a caprinocultura leiteira no Cariri estão inscritos processos
contraditórios. As transformações sociais dinamizadas a partir das associações e o
estímulo à produção de leite de cabra para os agricultores familiares no Cariri também
estão conectadas a uma reprodução e adaptação de formas de controle por parte de
grupos políticos influentes nos municípios.
1. APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS
1.1 PROCESSOS SOCIAIS, INTERDEPENDÊNCIAS E RELAÇÕES DE PODER
Dentro de políticas públicas voltadas para a caprinocultura no Cariri Paraibano,
podemos detectar conexões entre uma variedade de indivíduos e grupos envolvidos:
técnicos, pesquisadores, políticos e seus aliados, agricultores familiares, burocratas
dentre outros. Sob esse tecido social buscamos aproximações conceituais sobre
5
processos sociais; interdependências e relações de poder para problematizar quais
dinâmicas processuais que resultam em uma geometria política específica entre
indivíduos e grupos interdependentes sob a produção de leite de cabra no Cariri.
Vale enfatizar que uma análise processual deste tipo busca, antes de tudo,
privilegiar as transformações a partir de relações sociais ao invés de componente
isolados. Norbert Elias (1994) propõe uma desistência de pensar em substâncias
isoladas, voltando-se para os aspectos relacionais que caracterizam fenômenos
sociais. Os modelos explicativos alinhados nos pólos entre agência e estrutura
apresentam falhas por negligenciarem o fato de que indivíduos e grupos encontram-se
relacionados, sendo a sociedade formada justamente nas dependências articuladas
nessas relações - as figurações sociais. Por isso, a abordagem figuracional condiz com
uma leitura mais abrangente dos processos sociais enfatizando nas transformações em
torno das interdependências entre os indivíduos, que por vezes dão “origem a algo que
nenhum daqueles que estavam envolvidos intencionou ou promoveu” (ELIAS, 1994,
p.19).
Saindo de representações da sociedade excessivamente voluntaristas ou
normativas, a tarefa da investigação sociológica consiste no diagnóstico e explicação
de “tendências de longo prazo e não planejadas, mas ao mesmo tempo estruturadas e
orientadas” (ELIAS, 2006, p.187). A sociedade não é resultado de acordos deliberados
e nem uma estrutura superior: ela é formada pelas interdependências entre indivíduos
referenciadas em equilíbrios e concorrências de forças entre os interdependentes. Por
esse viés, o poder e a dominação - ao invés de serem coisificados como posses ou
atributos - adquirem o caráter de relações que são distribuídas em diferentes
proporções nas figurações sociais. A discrepância entre a forma como o poder é
distribuído e concentrado depende da forma como indivíduos e grupos se encontram
interdependentes (LOYAL, QUILLEY, 2004, p.7).
É na dimensão do poder que se estabelecem tensões entre dois conceitos que são
próximos à partir da ênfase dada ao caráter relacional: campo5 em Bourdieu e
5
“Sistema de relações objetivas entre posições ocupadas por agentes que se encontram em disputa de
poder dentro de microcosmos sociais dotados de propriedades específicas ( BOURDIEU, 2009, p. 67).
Estas propriedades são dadas pelos bens e capitais que estão em disputa no campo e que são
incorporados para referenciar as práticas sociais.
6
figuração em Elias. Em defesa do primeiro, Dechaux (1995) destaca que ao insistir em
visualizar equilíbrios e oscilações de forças entre indivíduos interdependentes, o
conceito de figuração acaba por naturalizar o “poder”: tudo se desenrola como se os
protagonistas tivessem um desejo de poder natural independente de um consentimento
das regras do jogo concorrencial - a competição é imanente a sociedade (DECHAUX,
1995, p.303). O conceito de campo auxilia na percepção de como as relações de poder
não são naturais, mas são constituídas como uma “ordem das coisas”, assumindo
várias formas de acordo com o jogo de disputas dentro de cada sistema de relações
objetivas estabelecido entre os agentes sociais. Entretanto, pela sua gênese
estruturalista, o conceito de campo apresenta dificuldades para analisar processos a
longo prazo, que envolvem mudanças de posições e um “histórico” no envolvimento e
contato entre os grupos sociais
1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DE PRODUTORES
RURAIS
Nesta abordagem figuracional de relações de poder está direcionada para
compreender transformações nas interdependências dos indivíduos e grupos
envolvidos na ascensão da caprinocultura leiteira no Cariri Paraibano, e que relações
de poder específicas estão sendo dinamizadas nessa figuração. Para isso, nosso
referencial dentro de uma dimensão espaço-temporal são as trajetórias de formação e
dinâmicas institucionais das associações e cooperativas de caprinocultores.
Sob o signo do associativismo rural estão apoiadas tanto enquadramentos
específicos como definições coletivas para problemas, difusão de inovações
agropecuárias; reivindicações e tomada de decisões através de um projeto de
organização e de mudanças sociais (NEVES, 2005, p.1). No caso específico das
cooperativas há padrões de mobilização para a produção e a comercialização coletiva
de produtos, buscando superar problemas da venda individual (CERDAN; SAUTIER,
2003). A racionalidade que referencia as dinâmicas institucionais dessas formas de
organização são intrínsecas aos projetos de intervenção, sendo pautada nas relações
entre políticas públicas e seus grupos-alvo no meio rural. A entidade associativa abre
possibilidades de interconexão entre lógicas e universos sociais distintos. Tendo em
7
vista este “ponto de encontro”, Sabourin (2003) aponta que as associações podem
auxiliar na construção de referências comuns entre produtores rurais e agentes ligados
as políticas públicas, com fins de difusão das inovações técnicas, a partir de um diálogo
com a reciprocidade estabelecida pelas proximidades locais (SABOURIN, 2003, p.
177). Contudo, estas alianças e mediações com projetos de ação pública por vezes
abrem vias de reprodução de relações e práticas de poder por parte grupos e elites
locais que acabam sendo um entrave as mudanças de um quadro de desigualdade de
um grupo visado por políticas públicas. O estudo de Burstyn (1985) sobre o perímetro
irrigado do DNOCS em Sumé mostra como dentro de cooperativas ligadas à
intervenção modernizadora houve uma adaptação de caracteres políticos do
clientelismo e paternalismo. Através da distribuição dos loteamentos do perímetro havia
um rígido sistema de controle voltado para os colonos que ia desde a organização
econômica - intermediando transferências bancárias e comercialização de produtos até o “comportamento moral” (consumo de bebidas, por exemplo), fornecendo
privilégios aos que cumpriam as regras, o que mostrava como a administração local do
DNOCS estava “acima de uma hierarquia formal, desempenhando um papel ao mesmo
tempo autoritário e paternalista” (BURSTYN, 1985, p.90). Portanto, ao mesmo tempo
em que podem ser pontos para elaboração de decisões coletivas, abertura para difusão
de inovações para as atividades produtivas, o aparato associativo também pode estar
envolvido com formas de subordinação e reprodução de poder.
Antes de passar para o exame de como grupos dominantes na “política” local dos
municípios do Cariri Paraibano se apropriam das associações de caprinocultores, cabe
uma visão geral do processo que consolidou a produção de leite de cabra como uma
das principais atividades nesta região da Paraíba.
2. ASSOCIATIVISMO E CAPRINOCULTURA LEITEIRA NO CARIRI PARAIBANO
No Cariri Paraibano o advento das associações municipais de caprinocultores está
diretamente ligado a uma articulação de projetos direcionados para a criação de
caprinos que teve início, de forma consistente e padronizada, a partir do Pacto Novo
Cariri no final dos anos 1990. Neste período inicial, foi estabelecido um acordo informal
entre a sociedade civil, prefeituras municipais e instituições privadas, que buscava
8
ativar “potencialidades locais” da região, sendo que a caprinocultura foi selecionada
como uma atividade central para efetivar um projeto de desenvolvimento:
O PACTO NOVO CARIRI, compromisso informal entre a sociedade civil,
a livre iniciativa e as entidades públicas, visando desenvolver o Cariri
Paraibano através da gestão compartilhada dos projetos e atividades, onde a caprinocultura e a ovinocultura foram consideradas entre as
principais prioridades - identificou os problemas e estimulou a
organização dos produtores em associações municipais. Estas
associações constituem, sem dúvida, instrumento fundamental para dar
maior eficácia social às ações previstas no Programa. (SEBRAE, 2003,
p.8)
Perante este apoio institucional, podemos compreender a forte adesão de
agricultores familiares à caprinocultura leiteira no Cariri na última década. A partir de
dados cedidos pela agência do BNB da cidade de Sumé verificamos que 47, 94% no
total de crédito acessado via PRONAF (B) entre 2000-2009, foi direcionado para o
financiamento de pecuária caprina, sendo que 30,67% apenas para a caprinocultura
leiteira, sendo a atividade produtiva mais visada em crédito específico para agricultura
familiar.
TABELA 1: INVESTIMENTO DO PRONAF NO PERÍODO DE 2000-2009
ATIVIDADE
CAPRINOCULTURA
Caprinocultura de corte
VALOR( R$)
24.465.747, 92
8.805.047,56
15.652.490,81
Caprinocultura de leite
BOVINOCULTURA
14.088.284,19
4.561.322,17
Bovinocultura de corte
90.479,76
Bovinocultura (cria, recria, engorda)
9.436.482,26
Bovinocultura de leite
OVINOCULTURA
2.677.803,81
OUTRAS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS*
3.317.543,65
ATIVIDADES NÃO AGROPECUÁRIAS**
4.504.254,32
TOTAL
51.033.114,35
Fonte: Elaborado a partir de dados cedidos pelo BNB de Sumé-PB
% DO TOTAL*
47.94
17,25
30,67
27.61
8,94
0,18
18,49
5,25
6,50
8,83
100
* Nessa categoria estão inclusas atividades ligadas à avicultura (corte e postura), suinocultura e
piscicultura
** Nessa categoria estão inclusas atividades relativas a variados tipos de comércio e serviços
como vestuário, mercearias, restaurantes, varejo, dentre outras
A defesa do associativismo passa por um investimento argumentativo para
legitimar uma forma de organização que leve os pequenos produtores à “superação de
9
suas debilidades peculiares e também para dispor de poder político para levar suas
reivindicações” (SEBRAE, 2003, p.7).
Produções acadêmicas ligadas ao SEBRAE também fazem uma defesa das
possibilidades do associativismo no “despertar” de um empreendedorismo e práticas de
participação política:
A vivência dos resultados do Pacto Novo Cariri, parecem indicar a
construção, ainda que de forma incipiente, de uma nova cultura e
valores que vêm contribuindo para o estabelecimento de relações
de confiança, de crença na potencialidade das iniciativas e
comportamentos cooperativos.(COSTA;FERREIRA, 2010)
Este investimento argumentativo para legitimar o associativismo tem sido reforçado
a partir da obrigação de que o produtor esteja associado para se cadastrar em
programas governamentais como do Programa do Leite da Paraíba e nas usinas6 de
beneficiamento do leite, que em geral são administradas por uma associação municipal
de caprinocultores. A estratégia do programa consiste na compra de uma parte da
produção leiteira dos agricultores familiares desde que estejam ligados à alguma
associação ou cooperativa e cadastrados no PRONAF através de uma DAP
(Declaração de Aptidão do Produtor). Esta DAP serve como meio de controle da usina
de beneficiamento para a quantidade de leite, dentro de um sistema de cotas que
regula a compra do produto a um limite de 17 litros de leite por dia por produtor
cadastrado. O valor desta cota é referenciado de acordo com o preço de mercado do
litro do leite de cabra (R$1,30) junto a um cálculo que toma por base os R$ 8000,00
anuais que o PRONAF destina ao agricultor familiar cadastrado. Dividindo primeiro
essa quantia do PRONAF pelo número de dias do ano e em seguida pelo preço do leite
chega-se por aproximação ao resultado que referencia a cota diária do leite em 17
litros. Sabendo que a produção leiteira é captada pelos programas governamentais por
um valor mais alto (R$ 1, 82), a usina ganha 0,52 centavos por litro de leite, que é
referenciado para o pagamento dos funcionários e manutenção das instalações. . O
pagamento dos produtores é feito diretamente em conta bancária sendo gerenciado
pelo governo do Estado e pela Fundação de Ação Comunitária – FAC (DUQUE, 2007).
6
Existem atualmente 8 usinas em todo Cariri Paraibano. Sendo implantadas em 2003 e 2004, o recurso
para essas usinas veio de parcerias presentes no Pacto Novo Cariri com o projeto COOPERAR, Banco
Mundial e a FAO.
10
Todo este processo que consolida o associativismo como via de entrada para uma
articulação institucional de políticas públicas e programas de estímulo à caprinocultura
leiteira coincide com a criação de associações e cooperativas de produtores/criadores
em vários municípios do Cariri Paraibano, também com o aumento do número de
sócios em relação ao ano de fundação (Ver quadros 01 e 02).
QUADRO 1. ANO DE FUNDAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS.
ASSOCIAÇÕES/COOPERATIVAS
ANO DE FUNDAÇÃO
CAPRIBOM- Cooperativa dos Produtores Rurais de Monteiro
2007*
Ltda.
ACCS - Associação dos Criadores de Caprinos de Sumé
1997
Laticínio Vila Caroá - São Sebastião do Umbuzeiro
1997
Associação dos Criadores de Caprinos e Ovinos de Prata
2001
CAA- Condomínio Agroindustrial de Amparo
1998
ACCOZA - Associação dos criadores de caprinos e ovinos de
1998
Zabelê
Elaborada de acordo com a consulta do CNPJ e com informações obtidas em
entrevistas com os presidentes e gestores
*Associação fundada em 2001, e tornou-se cooperativa em 2007
QUADRO 2. NÚMERO DE SÓCIOS PRODUTORES DE LEITE DE CABRA NAS
ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS
Nº DESÓCIOS Nº DESÓCIOS
ASSOCIAÇÕES/COOPERATIVAS
(FUNDAÇÃO)
ATUAL
CAPRIBOM- Cooperativa dos Produtores Rurais
18
160
de Monteiro Ltda.
Laticínio Vila Caroá- São Sebastião do Umbuzeiro
15
50
CAA- Condomínio Agroindustrial de Amparo
16
100
Compreendendo como o estímulo ao associativismo está intrinsecamente
conectado à articulação institucional pró caprinocultura leiteira no Cariri podemos
passar para uma análise mais detalhada de situações de conflito que fizeram parte da
formação das associações municipais usinas em Monteiro, Sumé e São Sebastião do
Umbuzeiro. Destacamos uma participação efetiva de indivíduos e grupos que
ascenderam politicamente tendo seu nome ligado de alguma forma a produção de leite
de cabra.
3. ASSOCIAÇÕES MUNICIPAIS DE CAPRINOCULTORES E RELAÇÕES COM
DISPUTAS POLÍTICAS NO CARIRI PARAIBANO
11
3.1 - A CAPRIBOM EM MONTEIRO.
A fundação da CAPRIBOM, coincide com a ascensão da caprinocultura leiteira em
Monteiro e com a carreira política de Carlos Batinga, ex-deputado federal e que foi
prefeito da cidade em 02 mandatos consecutivos: de 1996 a 2000 e 2001 a 2004. Não
sendo descendente de nenhuma família “tradicional”, a força política do nome de
Batinga por vezes é referenciada sob o desenvolvimento da pecuária caprina no
município e de suas ligações com o SEBRAE-PB. Durante seu primeiro mandato houve
um alinhamento político com o governo de José Maranhão (que governou o Estado
entre 1994-2002) junto à pequenos programas de distribuição de leite e, em seguida,
pela marcante participação da prefeitura de Monteiro nas parcerias firmadas com o
Pacto Novo Cariri. Em 2005, após sair da prefeitura de Monteiro, Carlos Batinga
assume a superintendência estadual do SEBRAE.
A “marca” simbólica de gestor inovador e empreendedor da caprinocultura
construída em torno da figura política de Batinga pode ser visualizada a partir dos
debates travados em noticiários virtuais7 da cidade de Monteiro sobre a repercussão da
desistência da candidatura de Carlos Batinga para a prefeitura nas eleições municipais
de 2012. Abaixo é reproduzido um dos comentários dos leitores:
Monteiro muito tem a agradecer a Carlos Batinga e muito a lamentar
com sua desistência. Os grandes homens públicos se notabilizam por
estarem sempre à frente dos demais nas ideias, nos projetos
estruturadores e nas ações inovadoras. Monteiro e o Cariri devem a
Carlos Batinga, que soube dinamizar a economia da região com cursos
de empreendedorismo, incentivos à caprinocultura, à apicultura, ao
artesanato, à agricultura familiar, aos arranjos produtivos locais etc.
Monteiro deve a Carlos Batinga a elevação da autoestima do seu povo,
que vinha de administrações claudicantes, incompetentes e amadoras
O ideário de que o desenvolvimento e a caprinocultura são resultado de um
espírito visionário ou da “vontade política” individual de Carlos Batinga também é
reproduzida e fortemente legitimado pelo gestor da CAPRIBOM quando este discorre
sobre a origem da cooperativa atribuindo este feito a um acordo político, no fim dos
7
Fonte: www.vitrinedocariri.com.br . O titulo da notícia é “Juraci Conrado e Paulo Sérgio disputam
votos de oposicionista para substituir Carlos Batinga” (20/05/2012)
12
anos 1990, firmado entre o então prefeito – Carlos Batinga e governador – José
Maranhão:
(...) o governador era Zé Maranhão (...) teve aqui na nossa cidade, o
prefeito da época que era Carlos Batinga, e queria que comercializasse,
comprasse essa produção a nível de Estado, que queria mais espaço
(...) e o governador disse você quer que o estado compre quantos litros?
E Batinga respondeu: 200, então o governador disse eu vou dobrar, vou
comprar 400 litros (...) e Carlos Batinga disse: mas 400 não é uma
política pública a nível de Estado que era muito pequena, ai se criou um
programa pra comprar 2000 litros de leite de cabra por dia, mesmo que
não existisse a produção na época, mas existia o mercado garantido.
Então se desenhou dessa forma o projeto, agora aqui o negócio é desse
jeito.
A CAPRIBOM foi fundada em 2001 - enquanto associação de produtores rurais de
Monteiro - em um momento em que o governo Estadual e a prefeitura municipal de
Monteiro tinham ações localizadas em torno da caprinocultura leiteira como a compra
de uma pequena parte da produção leiteira que era distribuída nas secretárias de
agricultura. Com o advento da usina em 2003 e do PAA/Leite , a CAPRIBOM passa a
dar ênfase a produção de leite de cabra e, em 2007, torna-se cooperativa. Atualmente
a cooperativa também processa leite de origem bovina, mas é dada a prioridade a
produção de origem caprina, dado que se explica pela capacidade instalada maior para
este tipo de leite e as garantias dadas pelo fato do governo ser o principal comprador.
Contudo, a produção diária do leite de cabra ainda é limitada devido ao fator das cotas
que regulam a produtividade máxima dos agricultores familiares.
Quadro 3. Produção leiteira e capacidade de processamento da usina da CAPRIBOM em
Monteiro
Tipo de produção
Leite de cabra
Leite de vaca
Capacidade instalada (litros/dia)
13000
10000
Produção diária
2000
8000
Elaborada de acordo com informações obtidas em entrevistas com o presidente e gestor da Cooperativa
A consolidação da CAPRIBOM e a sua ligação com uma figura política local, que
se reproduz discursivamente, na crença de ser o “principal responsável” pelo
desenvolvimento da caprinocultura leiteira no Cariri Ocidental tem colocado a
cooperativa em sucessivos conflitos com outros setores ligados ao setor agropecuário
do município de Monteiro. Localizada na Fazenda Morro Fechado, a CAPRIBOM divide
o espaço da propriedade com outras instituições envolvidas com a criação de caprinos
13
como o Centro de Desenvolvimento da Ovinocaprinocultura (CENDOV), que é ligado à
secretária de agricultura da atual prefeita de Monteiro, que faz parte de um grupo
político rival aos partidários de Carlos Batinga. Por isso, apesar da proximidade física,
há um antagonismo de ordem política entre os gestores da CAPRIBOM e o CENDOV
ligado a própria trajetória da caprinocultura e as disputas políticas no âmbito local e
estadual. A dimensão deste conflito pode ser exemplificada em um evento recente, no
qual a CAPRIBOM não foi chamada para participar da 1ª Expofeira da Agricultura
Familiar e 10ª Exposição de Animais do Semiárido Nordestino que tinha o CENDOV
como principal organizador e que foi realizada em maio de 2011 na própria Fazenda
Morro Fechado.
3.2 A AGUBEL E A ACCS DE SUMÉ
Diferente das outras usinas, a de Sumé não é gerida diretamente pela Associação
dos Criadores de Caprinos de Sumé (ACCS), sendo administrada pela Associação
Gestora da Usina de Beneficiamento de Lácteos (AGUBEL) iniciou suas atividades em
2004. Trata-se de uma associação formada apenas por gestores que trabalham na
própria usina como coloca o antigo presidente da ACCS:
(...) ela por enquanto é uma associação de gestores. A gente aqui
é um pouco diferente das usinas. (...) essas outras usinas
pertencem as associações, então as associações dos criadores
gerenciam. Nós não, aqui nós temos a associação dos criadores
e temos a associação dos gestores, né? Então são separados
(…)
A sede da AGUBEL é localizada na Fazenda Agreste, propriedade particular do
deputado estadual Francisco de Assis Quintans. Em 2003, quando era secretário
estadual de agricultura e pesca, o Sr. Quintas cede - em acordo de comodato - parte da
área de sua propriedade, além de um auxílio financeiro para que a usina seja instalada.
A ACCCS se liga politicamente ao nome do Deputado Quintans, através do antigo
presidente que participou de todo o processo de implementação da usina. Este hoje
trabalha como zootecnista da EMATER, que funciona também como um escritório onde
os ADRS atendem os produtores quando não estão na zona rural. A EMATER é
também a instituição responsável por emitir a DAP, ou seja, o cadastro para que o
agricultor familiar esteja apto a se inserir no Programa do Leite.
14
Tendo em vista essa separação da administração da usina por parte de uma
associação específica, a ACCS tem ações mais direcionadas à produção e compra de
ração para um melhor aproveitamento da produção leiteira. Tal direcionamento da
associação tem gerado conflitos relacionados a um projeto recente junto ao Banco do
Brasil para difusão de cabras com aptidão leiteira e que acabou ocasionando em um
endividamento da associação e dos produtores associados. O atual presidente reclama
que recebeu da gestão anterior uma série de dívidas e uma grande inadimplência no
pagamento da taxa mensal dos associados:
Ai não tão cumprindo nem isso (...) ai não tão precisando das
coisas de uma associação, né? E a associação sem contribuição
não sobrevive (...) sobrevive através disso (...) já botei pé no
bucho disse que ia expulsar, um bocado já chegou, mas ainda
tem que tá no pé, outros estão devendo até ração que a
associação comprou, eles compraram à associação e não
pagaram, mas um bocado deles já tão pagando, pelo menos os
que tão devendo mais começaram a pagar as contas ai diminuiu.
Aí os que já pagou o que devia a associação já tem um saldo no
caixa, porque o desmantelo era grande (...)
Na localidade de Terra Vermelha, área de antigos loteamentos do DNOCS
próxima ao açude de Sumé, produtores reclamam da forma como foram estimulados a
aderir aos financiamentos do projeto e a adquirir cabras leiteiras para sua propriedade.
Segundo um dos produtores, o problema foi que os animais não se adaptaram bem e
não houve um acompanhamento técnico, sendo que os produtores acabaram não
conseguindo dar garantias de pagamento dos incentivos de crédito junto ao banco:
não teve acompanhamento técnico do pessoal que financiaram
(...) o acompanhamento nem nada (...) contar como era que tava
a situação do produtor (...) contar como os animais tinham se
adaptado e todo esse negócio (...) negociar com o banco que
seria o certo, né? Pra botar as coisas em dia (...) todo mundo
soltou essa cabra na mão dos produtores, né? e o pessoal teve
de se virar (...) a maior parte não tinha conhecimento pra lhe dar
com esses animais (...) e o resultado foi péssimo (...) de péssima
qualidade
Perante os problemas internos da associação de criadores e das ligações diretas
da implementação da usina é que a figura do Deputado Quintans, (que tem em Sumé
um local forte para obtenção de votos) tem sido vista como a de um “conciliador” de
tensões. Sob sua influência política há uma série de entrelaçamentos de pessoas e
15
instituições ligadas a quadros institucionais envolvidos na caprinocultura leiteira em
Sumé, o que indica um acesso por parte de um grupo político deste município à várias
formas de controle, que vão desde o cadastro de produtores no PAA, controle da
produção do leite e a indicação de pessoas de confiança para os cargos da usina e
membros da AGUBEL.
3.3 O LATICÍNIO VILA CAROÁ EM SÃO SEBASTIÃO DO UMBUZEIRO.
A associação de São Sebastião do Umbuzeiro foi fundada em 1997 e é
constituída por uma junção de associações comunitárias rurais8 do município lideradas
pela comunidade Capitão-Mor. A usina tem a atividade leiteira atrelada à associação de
um município vizinho, São João do Tigre. O Laticínio Vila Caroá está localizado, no
terreno onde antes funcionava uma antiga creche estadual que foi desativada, sendo a
ocupação do terreno resultado de uma parceria entre a prefeitura municipal e o
governo estadual.
Desde a sua fundação em 1997 até os dias atuais a associação teve apenas dois
presidentes. O primeiro presidente é irmão do atual prefeito Chico Neves que faz parte
de uma família de longa trajetória política na região. O grupo político representado pela
família Neves é reconhecido por “patrocinar” a implantação dos programas de
caprinocultura leiteira durante as gestões que estiveram à frente da prefeitura através
do estímulo à criação de uma usina local para captação do leite de cabra, fazendo com
que os produtores locais não mais fossem a Zabelê ou Monteiro para escoar a
produção.
Esta inserção da família Neves através de instituições ligadas a produção de leite
de cabra em São Sebastião do Umbuzeiro, constitui uma extensão de uma influência
política de longa data da família Neves que é constituída desde a fundação da
freguesia que posteriormente deu origem ao município. A partir da pesquisa de
Rietvield (1999) sobre a história da paróquia sediada no município é possível traçar a
trajetória dos Neves, desde o grupo fundador de São Sebastião do Umbuzeiro centrado na figura do capitão Mariano José das Neves9 e sua esposa Maria da
8
São as seguintes: associação dos Produtores Rurais das Comunidades de Capitão Mor , Salgado,
Solânea, União, Boa Sorte, Poço Entupido e dois Riachos
9
A partir da recuperação de documentos históricos relacionados à fundação da paróquia, é feita uma
descrição de como o capitão Mariano José das Neves obteve terras onde hoje é São Sebastião do
16
Conceição Neves - passando ao longo dos anos pela ocupação de posições em
agrupamentos e situações que definem uma distribuição de poder local. Tomamos
como exemplo, a diretoria da “União Catholica”; que funcionou entre 1921 até 1977, em
que podemos notar que os Neves estiveram a frente da diretoria durante quatro dos
seis mandatos, além das ocupações dos cargos de secretários e tesoureiros :
Quadro 4: Diretorias da “União Catholica” em São Sebastião do Umbuzeiro
(1921-1977)
Anos
Presidente
1921-1937 José Bezerra Villa
Nova
1937-1944 Joaquim
Ferreira
Neves
1944-1949 Vicente
Rodrigues
Neves
1950-1967 José Vicente Neves
Secretário
Estanislau Ventura
Tesoureiro
Estanislau Ventura
José Bezerra Lafayette
Joaquim
Agra
1967-1970 Abelardo Costa
Bartolomeu de Freitas
1970-1977 Metódio Pereira Neves
Abelardo Costa
Ferreira
Miguel Clemente Neves
Abelardo Costa
Manoel
Bezerra
Neves
Manoel
Bezerra
Neves
Nilo Bezerra Neves
Fonte: (RIETVELD, 1999, p. 173)
Vale enfatizar que a “União Catholica” não era apenas um grupo de orações, mas
também funcionava como uma espécie de associação civil para a administração do
patrimônio da igreja constituído por algumas propriedades na zona rural, terrenos e
pequenos rebanhos de bois e cabras. Os recursos vindos da movimentação destes
bens eram utilizados para eventos da igreja e na construção e manutenção da escola
paroquial. Esta ocupação de posições por parte da família Neves também pode ser
visualizada a partir das presidências e organização da famosa festa do padroeiro São
Sebastião, realizada no mês de Janeiro, além de cargos nas prefeituras desde que o
município se emancipou politicamente em 1959.
Todo este tecido constituído historicamente por relações familiares exibe a forte
presença política do grupo que faz parte o primeiro presidente e fundador da
associação municipal de caprinocultores de São Sebastião do Umbuzeiro.
Este
pertencimento fez com que atividades do Laticínio Vila Caroá fossem envolvidas em
Umbuzeiro e após sobreviver a uma epidemia de cólera no fim dos anos de 1850, passa a ser devoto de
São Sebastião, e cede parte da área de sua fazenda para construir uma capela que viria a ser a igreja do
município (RIETVELD, 1999, p.89).
17
conflitos junto a um grupo político rival dos Neves - representado pela à família
Fernandes- que assumiu a prefeitura na segunda metade da década de 2000. Esse
conflito pode ser exemplificado na situação descrita pelo atual presidente Sr. Erivaldo
quando houve uma tentativa de instalar uma máquina para a transformação da vagem
de algaroba em ração que serve como suporte forrageiro para a criação pecuária:
porque o antigo Presidente ele teve um pequeno problema aqui
(...) ele gostava muito de fazer as coisas, mas como era ligado a
prefeitura e a prefeita na época permitia que o marido decidisse
tudo (...) e o marido da prefeita era muito seguro não deixava o
Presidente da associação fazer as coisas. Então ele foi instalando
os equipamentos nessa área, quando ele foi tentar instalar pra
funcionar mesmo o marido da prefeita não deixou. Porque esse
maquinário que processa a algaroba ele esquenta a vagem, ela
seca e depois moe, ela já fica apropriada pro animal comer e não
ter nenhum problema, ai tá aqui esse forno parado, sem utilidade
(...)
Atualmente, a administração da usina é alinhada com o grupo do atual prefeito
Chico Neves, o Laticinio Vila do Caroá recentemente foi beneficiado com um centro de
apoio à alimentação animal e comercialização obtido com recursos Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA). 10
4. INTERDEPENDÊNCIAS E RELAÇÕES DE PODER REFERENCIADOS PELA
PRODUÇÃO DE LEITE DE CABRA NO CARIRI PARAIBANO
Como foi visto no recorte dos processos e conflitos relacionados à origem de
associações e cooperativas de caprinocultores no Cariri Paraibano temos um conjunto
articulado de peças formado por ações, interesses e posicionamentos de gestores das
entidades associativas, produtores rurais, técnicos-extensionistas, políticos locais e
agentes das instituições envolvidas em políticas públicas. Há um encontro de posições,
interesses e relações sociais sob pessoas que estão engajadas em estimular ao
associativismo e fazem parte de instituições como SEBRAE ou EMATER mas que
também possuem laços de proximidade seja com um político influente ou com uma
família. Os quadros institucionais de estimulo à caprinocultura leiteira são perpassados
em uma série de processos e interdependências que envolvem a produção de imagens
simbólicas, conflito e poder. Estas conexões ajudam a compreender por quais fatores
10
Fonte: http://www.portaltransparencia.gov.br/convenios
18
se dão decisões, reinvindicações e conflitos que perpassam as associações e
cooperativas de caprinocultores.
Nota-se que sob o associativismo e o estímulo à produção de leite de cabra no
Cariri Paraibano há uma simbiose entre dois processos que possuem relações
contraditórias entre si. A mesma lógica associativista que é defendida como meio de
avanço de espaços de participação e gestão democrática (COSTA; FERREIRA, 2010,
p.43) também é uma via propícia para cooptação de forças políticas que limitam as
possibilidades de autonomia e maior participação política.
Por parte do discurso acadêmico ligado ao SEBRAE há um certo reconhecimento
da apropriação das disputas da “política” local dos mecanismos dos projetos de
desenvolvimento, mas que é justificado com o argumento de que são pressões
políticas externas por parte de prefeituras que se recusam a participar dos projetos e
pactos ou pela “sobrevivência” de práticas arcaicas:
Nos municípios em que o prefeito “boicotou” o Pacto[Novo Cariri],
não aconteceram, sequer, as reuniões iniciais de esclarecimentos
aos cidadãos (...) Nessas cidades, as velhas mentalidades e
disputas políticas, restritas aos feudos familiares, atravancam as
iniciativas de qualquer mudança (COSTA; FERREIRA, 2010,
p.46)
A nossa abordagem direciona a um caminho diferente de tais afirmações. A análise
dos casos de conflitos ligados às associações de caprinocultores de Monteiro, Sumé e
São Sebastião do Umbuzeiro nos permite afirmar que é justamente em lógicas que são
endógenas às instituições e programas de incentivo a produção de leite de cabra que
há uma reprodução de práticas de subordinação política que, apesar das similitudes
com práticas paternalistas dos “tempos” do coronelismo, não constituem resquícios de
atraso ou obstáculo à mudanças, e sim, engenhosas articulações políticas que
condicionam transformações dinamizadas pelos projetos de desenvolvimento, às vezes
fornecendo o próprio sustentáculo institucional para a ação pública.
A apropriação de quadros e mecanismos de políticas públicas não é algo recente na
região Nordeste. Burstyn e Chacon (2011) destacam que desde os projetos da
SUDENE e DNOCS passando para o atual momento de políticas de transferências de
renda e crédito a ocorrência de uma relação atávica entre proteção social e
19
clientelismos que ora parece desaparecer mas que se renova sob novos moldes e
readaptações.
A conexão entre elites políticas locais e políticas públicas para a caprinocultura
leiteira no Cariri Paraibano se dá em um período de retomada de certas agendas de
desenvolvimento e políticas públicas, a partir de paradigmas transportador pelo Pacto
Novo Cariri que dão ênfase a termos como governança, espaços de participação
coletiva além de uma articulação sob um consenso em torno da categoria de
agricultura familiar como um dos principais segmentos-alvo de políticas públicas
(NEVES, 2002). Entretanto, apesar dos avanços e transformações significativas, esses
novos mecanismos de intervenção continuam não sendo ameaças às formas de
dominação, subordinação e “trocas” de favores que influenciam as relações de poder
nos municípios.
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