A POSSIBILIDADE DE UMA EDUCAÇÃO NEGATIVA
RODRIGUES, Liliana ([email protected])
Universidade da Madeira
A formalidade do conhecimento substituiu a sua vertente prática e útil e, assim,
neste mundo moderno, desenvolveu-se uma ruptura com os fins últimos da educação.
A racionalização dos sistemas tecnocratas incluiu o conceito de meritocracia como o
único critério possível numa democracia instrumental e instrumentalizada. E a
exigência de desenvolvimento de competências funcionais fizeram com que os
educadores adiassem a emancipação dos seus alunos. As disciplinas são, de facto,
fusões duvidosas de subgrupos e de tradição. Elas influenciam o rumo da mudança
tanto pela contestação como pelo compromisso. Os próprios conflitos entre as
disciplinas pelo status definem o currículo e a sua definição relaciona-se com a
evolução da comunidade disciplinar.
A versão laboratorial foi aceite como a forma científica pura e teve as suas
consequências sobre a definição do que é conhecimento passível de ser ensinado. Isto
significa que o trabalho académico e o esforço da indagação tornaram-se fins em si
mesmos, enquanto que os propósitos utilitários da ciência foram silenciados. É a cisão
clara entre um mundo de abstracção e um mundo experiencial. É também o momento
em que a educação perde os seus fins pedagógicos.
(…) o conhecimento disciplinar da Biologia e das Ciências (…) revelou uma
tendência para abandonar as finalidades utilitárias e práticas, a favor de uma forma
académica e universitária que reflectia definições hegemónicas do conhecimento,
caracterizadas por um status elevado. (GOODSON, I., 2001: 113)
O ensino, particularmente o ensino secundário, traduziu a ciência em
conhecimento descontextualizado e desencarnado do mundo dos homens. A
especialização das diversas disciplinas está subordinada a estruturas do poder na
educação onde grupos dominantes continuam a influenciar a escolarização. A
organização em disciplinas rigidamente definidas implica, da nossa parte, a
compreensão da influência que o poder tem na forma como a sociedade selecciona,
classifica, transmite e avalia o próprio conhecimento. Na nossa opinião, o
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conhecimento curricular não é um “dado” mas, antes, o resultado da luta social
decorrente da distribuição desigual da riqueza e do poder. É útil perspectivar os
currículos enquanto justificações ideológicas das relações de classe. (Idem, op. cit.: 196)
A hierarquia racional funde-se com o social. O capitalismo oferece uma legitimação da
dominação que surge da base social do trabalho. As nossas sociedades estão enfermas
da barbárie que salda os interesses da sumptuosidade banqueira. A inumanidade a que
assistimos é o mal maior da civilização contemporânea. É preciso repeti-lo até que a
evidência nos entre olhos adentro: a nossa única riqueza é a vida, uma vida
continuamente afinada pelo progresso da sensibilidade e da inteligência humana. Ela
é-nos dada sem reservas, sem contrapartidas. Não temos de a sacrificar pelo preço
corrente do infortúnio. O nosso combate já não consiste em como sobreviver numa
sociedade de predadores, mas em como viver por entre seres vivos. (VANEIGEN, R.,
2003: 117)
O homem economizado não desvela nem depreende o clientelismo dos tribunos
que fizeram da infra-estrutura social a coacção dos tempos modernos. Esta visão
apoderou-se, lentamente, de todas as esferas vitais – defesa, sistema escolar, saúde,
família, etc. – e impôs formas de vida em que a dominação perdeu o seu carácter
explorador e opressor para se tornar racional. As relações de poder que dão origem ao
viés criam a violência simbólica através da qual as relações de poder da prática
pedagógica não são reconhecidas como tal. (BERNSTEIN, B., 1982: 242)
É aqui que o currículo se torna, de facto, um instrumento explícito do poder. A
própria inovação, nomeadamente a tecnológica, é também ela uma adaptação às
estratégias de reprodução social. À maior compreensão e destreza tecnológica
corresponde o poder de controlar a informação e daqui resulta o poder de controlar a
vida dos outros. Há um modelo mecanicista, estruturado e burocrático que reflecte a
nossa cultura e que inspirou o modo como aprendemos e ensinamos. Esse modelo
determinou a organização das escolas e o seu poder está codificado na distribuição do
conhecimento.
A aparente diluição do currículo clássico que resulta da introdução de
inovações serve, apenas, para confirmar que as relações de classe inerentes às
diferentes formas curriculares podem assumir uma diversidade de disfarces, mas que a
realidade é tão inalterável como as próprias relações de classe (GOODSON, I., 2001:
211).
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Assim, a divisão social do trabalho e a divisão social do conhecimento
organizam-se em função das mesmas tendências de classe social. Há um assentimento
e reforço mútuos daquilo a que podemos denominar de destino social. As relações
internas integradas no currículo desempenham um papel significativo na definição das
suas relações externas. O currículo é, inequivocamente, uma construção social .(Idem,
op.cit.: 213).
O conhecimento curricular não é neutro. Há interesses sociais incorporados na
forma de conhecimento. O currículo secundário académico e tradicional tem
marginalizado e subordinado outros currículos existentes. A educação para a mente,
portanto, para a racionalização é dirigida a fins e a sua estrutura traz o exercício de
controlar. A obscuridade semântica tolerada pelos alunos confere legitimidade à
definição social daquilo que merece ser transmitido e por isso mesmo, o professor
tradicional pôde abandonar o arminho e a toga, e ele pode mesmo gostar de descer do
seu estrado a fim de misturar-se à multidão, mas não pode abdicar da sua protecção
última, o uso professoral de uma língua professoral. (BOURDIEU, P. e PASSERON, J.
C., 1982:123)
O sistema educativo é um projecto histórico-social e, portanto, político que
mostra o que a sociedade e os interesses nela dominantes esperam dos homens. Esta
asfixia tende a desvanecer-se na consciência das pessoas porque a dominação é
legitimada pela ideia de crescente produtividade que proporciona aos indivíduos uma
vida mais confortável. A sociedade promete ao indivíduo um sentido para a sua
existência, mas isso, de facto, não é cumprido aqui e agora. A insegurança e a injustiça
social, bem como a desvalorização do sentido da vida (inclusive pelas escolas) fez com
que o indivíduo se voltasse para dentro de si na procura pelo sentido que não revela
nenhuma utilidade para o trabalho social. A insatisfação humana assenta não na
imperfeição das coisas mas no próprio homem. Por isso mesmo, a acção educativa é
determinada essencialmente não por aquilo que o homem tem de social, mas naquilo
que ele ainda conserva de pessoal.
A vida sensata não é de modo algum uma racionalidade pura (que seria
ausência do mal). Se assim fosse, estaríamos impedidos de realizar qualquer bem.
Educar para uma vida sensata é reconhecer o valor social do indivíduo e fazê-lo
reconhecer a insensatez da sua vida no plano pessoal. Isto é, no plano da sociedade o
indivíduo está dividido, sente-se dividido e, assim, é essencialmente insatisfeito.
(WEIL, E., 1990:130)
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À educação cabe o reconhecimento interno da não compreensão da realidade,
precisamente pela insatisfação que faz do sujeito objecto de si próprio. Quer dizer, o
indivíduo que se volta para dentro de si e descobre a sociedade como um facto
problemático. Esta mesma sociedade que o protege da violência exterior e dos próprios
homens exige que, no plano social, o homem não seja livre. A prescrição de agir
conforme a lei universal opõe-se ao desejo da liberdade razoável.
São as determinações do que o homem considera exterior que lhe permitem agir
racionalmente e determinar-se razoavelmente: uma liberdade absoluta seria uma
liberdade inútil, cujo próprio conceito é concretamente impensável. (Idem, op.cit.: 136)
A pergunta pelo sentido do mundo é a questão pelo sentido da liberdade e da razão hic
et nunc. E essa resposta quer-se aqui e agora. E talvez seja esta a verdadeira razão do
meu destino. Talvez já tenha chegado ao túmulo de onde posso recuperar o mundo
perdido, o mundo invisível. Mas nunca o saberei porque já não estou aqui. Umas
vezes, parece-me ser este o conteúdo da felicidade tão arduamente pesquisada; outras
vezes, creio que já estou no inferno. (AZÚA, F., 1986: 115). Deixar-se ficar pela pura
reflexão é abandonar a vida. O homem é absoluto no seu projecto e na sua finitude. A
coisificação, o esquecimento e o fechamento do homem enquanto ser humano implica
que a educação liberte as consciências pelo e no mundo. Só assim pode o homem ser no
mundo e assumir a responsabilidade por si e pelo próprio mundo.
(...) porque a sua responsabilidade diz respeito ao seu mundo e ao seu ser no
mundo, e não se pode traduzir em cálculo, pois ela é a realidade do sentido total do
mundo sobre o mundo pelo qual ele transcende o mundo (...) e, transcendendo-a na
finitude, o faz seu [ao sentido] (WEIL, E., 1974 : 386).
A exclusividade da nossa existência não significa apenas responsabilidade por
si e pelos outros. Ela implica responsabilidade sobre a liberdade do projecto humano e
do mundo. Ela é coerência que transgride o que é dado na sua insuficiência, a saber, o
sentido é de todos e de cada um. A razoabilidade nem sempre é assumida
precisamente porque ela não é um dado descritivo. E é aqui que a mutabilidade e o
devir humanos são vistos como construção e configuração.
O que é o homem? (Idem, op.cit.: 10). O homem é um ser dual na sua unicidade e
a sua tarefa é a de transformação do seu próprio ser. Tal metamorfose transporta a
subtracção daquilo que não é razoável, a saber: a pura racionalidade e a pura
animalidade. Os homens são razão, o que não significa que compreendam este
enunciado. Ao educador cabe responder ao recurso do homem que não se compreende
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como razão. Mas isto também não significa que a educação seja o Discurso da Sabedoria.
Educação e Sabedoria não se confundem. O discurso educativo é mais um discurso que
versa sobre a Sabedoria. Não se trata de ser o discurso pelo discurso. Não se resume ao
discurso desrazoável.
O homem é razoável, (...) é a expressão da mais alta, mais humana aspiração
do homem: o homem, quando se declara razoável, não fala de um facto nem pretende
falar de um facto, mas exprime o desejo último, o desejo de ser livre, não da
necessidade (ele não o será jamais e isso não perturbará mais do que a necessidade
incomoda o animal) mas do desejo. É o homem que o homem deve transformar, pela
razão e em vista da razão (...) (Idem, op.cit.: 11).
Para o homem insensato a educação não é o caminho, precisamente porque não
compreende que o caminho se modifica a partir da situação histórica, isto é, do lugar
em que o homem está. Esse é o espaço em que nos tornamos fortes, o que quer dizer
que somos livres. A vida, não raras vezes, assume-se como o desvio à reflexão e à
razão. A miséria e a necessidade tornaram o homem um servo da vida. Não de uma
vida qualquer, mas de uma vida sem sentido. A insatisfação da razão não contenta o
homem que pela reflexão deseja ser educado, isto é, que anseia pelo sentido. É a
própria insatisfação que fundamenta a procura pela educação, pelo momento em que a
perplexidade da existência (o mesmo é dizer, de um mundo desinteressado e
desinteressante) se torna um instante de pesquisa. E é também aqui que se dá a
escolha. A opção pela educação é a escolha livre pela razão que se realiza no mundo da
violência que é empírico.
Esta é uma razão sensata porque se compreende no mundo, neste mundo. E só
ela pode prometer ao homem a felicidade. Mas este processo educativo não tem lugar
no homem que vive na e para a violência. O destino do homem não é a violência,
embora ela seja sempre possível. Por isso mesmo é que uma educação sensata indica
que agir é realizar valores. Os nossos valores. Mas para isso é necessário a saída da
pura reflexão. No entanto, apenas por ela, reflexão, é possível encontrar sensatez na
realidade. Só assim é possível a acção. Uma acção que se realiza de acordo com a lei
concreta que por ser positiva não deverá contradizer os princípios da moral pura. Só
assim é possível constituir a coincidência entre a razão e a vontade empírica.
O homem educado é o homem livre, isto é, a sua acção é acção intrínseca ao
sujeito onde a razão domina a paixão e onde o universal é subordinante ao particular.
Daí que a própria educação seja uma escolha livre e justificada, a posteriori, pela razão.
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Ela, educação, deve orientar para o princípio da vontade razoável: compreensão de que
o homem não é pura racionalidade, nem pura subjectividade. Este é o momento em
que os fins da educação coincidem com os fins da humanidade. Humanidade que nos é
intrínseca e que deseja a liberdade.
Almejar a liberdade é ficar-se no plano da intenção. A beatitude existencial da
intenção torna-se a espera de uma acção paralisada. Isto é, entre aquilo que nos dita a
consciência moral e a acção existe um abismo no que se refere à realização das
intenções. É o Reino dos Fins kantiano que não pertence ao aqui e agora. Seres racionais
estão pois todos submetidos a esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a
si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como
fins em si. Daqui resulta porém uma ligação sistemática de seres racionais por meio de
leis objectivas comuns, isto é um reino que, exactamente porque estas leis têm em vista
a relação de seres uns com os outros como fins e meios, se pode chamar um reino dos
fins (que na verdade é apenas um ideal) (KANT, I., 1992: 76). É a queda no absurdo que
contradiz continuamente a própria consciência.
Mas há sensatez neste mundo. A vida, esta vida, é contradição, é dualidade e
unicidade. Tal como o homem é uno na sua divisão. E apenas a liberdade razoável
pode fazer o particular ascender ao universal. O conteúdo da história por não ser
definitivo jamais será superado, isto é, as nossas vivências e transformações ocorrem
precisamente em nome desse conteúdo. O inserto da vida não está fora da vida. O seu
sentido é uma descoberta individual que está aí.
(...) tendemos para um destino desconhecido, sem prestar atenção ao que
aparece ao longo do caminho; e alcançado esse destino, uma voz trocista diz-nos que o
nosso destino era PRESTAR ATENÇÃO E DESCANSAR em cada uma das minúsculas
revelações que se tinham ido abrindo à nossa passagem; cada uma delas nos
aconselhava, destino, e muito menos um destino feliz. Só assim se luta contra a asfixia
e a angústia do tempo e do dono da cortina: prestando atenção ao que se ENCONTRA
e não ao que se PROCURA. (AZÚA, F., 1986:114)
A educação não pode se colocar fora da vida e do mundo. É seu dever constituir
dentro de si o problema do sentido num mundo que é histórico e, portanto, acidental.
O próprio educador é determinado por essa contingência. Só o homem da reflexão (e
aqui não pretendemos defender o pedantismo pseudo filosófico) pode ser educador
porque agora ele compreende um mundo que exige uma acção razoável através de um
sentido a ser realizado em circunstância. É sujeito que não se verga à pressão e à
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opressão. Mas são pelas conjunturas que alcançamos a universalidade do
entendimento e da liberdade.
A superação da reflexão coincide, não com a negação do dever ser, mas com a
acção sensata. Assim, o educador deve medir as consequências dos seus actos já que as
suas máximas têm implicações no nosso mundo. A liberdade não é para ser pensada
mas vivida. A sua intencionalidade exige que seja real, aqui e agora. A execução do
sentido é o fim da existência humana, ou seja, é a própria felicidade. Cabe aos
educadores serem homens de reflexão/acção.
O homem não espera encontrar um fim na realidade, mas encontrar um fim
sobre a realidade (WEIL, E., 1974: 397). O desejo do sentido lança o homem em busca
da felicidade prometida que é assegurada em e na liberdade. É dever do educador,
pela palavra, intimar à liberdade que deverá ser a expressão de um sistema mais justo e
universal. O currículo escolar é uns dos instrumentos mais óbvios que trava e sacrifica
a vida. Mas quem ama o conhecimento, a liberdade e a vida jamais permitirá que o
silêncio tome conta da sua alma.
(...) talvez penseis, Atenienses, que fui condenado por não ter recorrido àqueles
discursos que vos podia ter persuadido, se eu achasse que me era lícito fazer e dizer
tudo para escapar a uma condenação. Grande engano! Se fui condenado, não foi por
falta de discursos, mas de audácia e impudência, foi por não ter usado aquela
linguagem que gostaríeis de ouvir, por não ter chorado, gemido, feito e dito aquelas
coisas indignas de mim (...). Mas entendi que não devia, por causa do perigo, proceder
de maneira indigna de um homem livre e, por isso, não me arrependo da defesa que
apresentei.
Prefiro morrer depois de semelhante apologia a viver por um preço desses! Nem
no tribunal nem na guerra é lícito a alguém (...) recorrer a todos os meios para escapar
à morte (PLATÃO, 1972: 102).
A insubmissão e a resistência podem, muitas vezes, ser o único modo de
dissídio autónomo, isto é, o meio pelo qual não nos conformamos com uma liberdade
silenciada no conforto da cobardia. Neste sentido, a educação é o conteúdo e a
realização da acção discursiva que age sobre condições que negam a liberdade. Isto
significa que a Educação, em si mesma, não produz liberdade. Ela é acção consciente
sobre o mecanismo cego do trabalho social (CANIVEZ, P., 1989: 19) cuja pobreza e
miséria tornou os homens alienados de si próprios e do mundo.
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Mas foi esta condição que fez com que no indivíduo nascesse o desejo e a
exigência de liberdade. A violência é imanente ao homem precisamente porque ele é
um ser empírico e é aqui que a educação se realiza: por meio das paixões. A educação
tem por fim libertar o homem da violência, não só daquela que lhe é intrínseca como a
violência extrínseca. (...) Assim, a educação é a domesticação do animal no homem (...)
(WEIL, E., 1990: 62). E é também o fazer do aprendiz um educador de si próprio. Tudo
o que é humano traz a marca da educação. Tudo o que o homem realiza envolve a
precedência da educação.
A instrução não se confunde com a educação, da mesma maneira que a moral
não se equivoca com a ética. Mas isto também não significa que a instrução não possua
valia educativa. Para além da utilidade do seu conhecimento e da aprendizagem
especializada, a instrução submete o carácter à universalidade e à objectividade. Aliás,
uma vez aprendido o método qualquer homem pode instruir-se. Por isso mesmo é que
a instrução é o meio pelo qual o progresso atinge os seus fins.
O progresso nunca tem fim porque (...) a ideia de um fim do progresso torna-se
uma contradição nos seus próprios termos. Tanto os povos atrasados como os
avançados terão necessidade (...) sempre de mais e mais instrução pela simples razão
de que uns e outros querem sempre mais e mais frutos do progresso (ARENDT, A. et al,
2000: 60).
O calculismo e a racionalidade das civilizações (e dos próprios interesses
individuais), bem como uma vida melhor (seja isso que o for) fizeram da instrução um
canal que engendra liberdade se esta tiver o Outro como limite. Daí que ela esteja
sempre ao serviço da Educação. Somos cada vez mais instruídos e cada vez mais
infelizes, sem que disso tenhamos consciência. Possuímos cada vez mais e sentimo-nos
cada vez menos. Parecemos cada vez mais e somos cada vez menos.
Então, o que é que nos pode ainda perturbar? (...) Podemos porventura chamar
tédio a isto. (...) Se uma civilização inteira for atingida pelo tédio, esta pode tornar-se
uma coisa efectivamente séria (...). Se, obtido tudo o que razoavelmente se pode
desejar, as pessoas ainda estão insatisfeitas e se todo o mundo partilha do mesmo
sentimento de insatisfação, pode desencadear-se o recurso a coisas menos razoáveis.
Estamos todos de acordo num ponto, a saber: a violência é o único e verdadeiro
passatempo (Idem, op.cit.: 61- 62).
Os missionários do desenvolvimento deram-nos o que prometeram. Porquê
esta insatisfação? Parece que nada nos preenche. Entediado, o homem não encontra
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uma vida que o satisfaça. O tédio pode forjar diversas espécies de violência: contra si,
contra o outro e/ ou violência desinteressada que se espalha cada vez mais. É à
educação que cabe travar a violência e tornar a liberdade razoável, já que não se pode
instruir ninguém no uso da liberdade.
Se queremos construir a nossa vida temos que ser os próprios arquitectos desse
empreendimento. Instrução ou especialização alguma nos pode dizer como será o
resultado de um cometimento destes. A elas apenas cabe o estatuto de instrumento
mediador. A vida prudente mostra que além da instrução e acima dela está a educação.
Uma educação que mostra que cada homem é empreiteiro do seu próprio pensamento
e que pensar deve ter um sentido. A educação que propomos, numa linha weiliana,
não seria afirmativa, mas negativa pois não apresentaria onde está o sentido mas onde
ele nunca pode residir.
Uma educação que obrigaria cada um a admitir a sua perplexidade, o seu tédio,
o seu desespero – não a confessá-lo publicamente a uma autoridade ou a um
especialista, mas a confessar a si mesmo que está à procura de qualquer coisa que não
tem e que deseja mais do que tudo no mundo. Não há uma impossibilidade inerente a
esta tarefa, nem para o educador, nem para o aluno (Idem, op.cit.: 61- 67).
A educação abraça o jugo da virtude do indivíduo. O valor do homem e da
educação que lhe foi oferecida espelha-se nas suas acções e nas atitudes do quotidiano.
A educação deve propor a moral ao indivíduo e é ela que deve conduzir o indivíduo ao
início de uma reflexão moral pessoal sob a autoridade exclusiva da razão. A educação
não é certamente o que há de mais elevado; mas não se vê como seria possível, no
plano da formação do homem, chegar ao cume sem partir da base (WEIL, E. et al, 1990:
66).
O fim da educação é educar o homem violento à razão sensata. A violência é
um dado e ela não deve ser objecto da nossa admiração, nem de provocação. A
violência deve ser transformada e a universalização do indivíduo é o objectivo dessa
transformação. O educador não deve vilipendiar a ideia de que se trata de educar o
homem violento à razão e que não há razão salvo para o indivíduo violento.
O educador sabe que a justificação da educação descobre-se na reflexão e que é
seu compromisso formar homens, que pela decisão livre operam sensatamente no seu
lugar no mundo. Eles sabem o que fazem e porque fazem e, pela sua própria liberdade
obedecem às imposições do universal na conjuntura concreta e histórica. Mas isto não
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pode ser atingido sem a instrução. É pela instrução que se pode dar a oblação de
ocasiões, a estima e o respeito pela universalidade dos direitos, responsabilidades e
valores.
Também é pela instrução que nasce a desvaidade intelectiva. Mas apenas pela
educação pode à humanidade (...) ser revelado algo que ela quase esqueceu, a saber, que
o pensamento é em si uma grande e bela coisa, que o sentimento é nobre quando não é
adulterado pelo sentimentalismo e pelo desejo de posse e que, quando ousamos olhálo, o mundo é belo (ARENDT, A. et al, 2000: 67).
No mundo real, o educador ocupa o seu lugar, porque esse mundo não é pura
impetuosidade nem é pureza inteligível. A violência é inerente ao mundo, mas ela não
é pura, quer dizer, o mundo é violência transfigurada, disciplinada, educada e sensata
num nível ainda raso e o educador é uma possibilidade, isto é, pode ser porque persiste
de facto. E se a educação é um facto histórico, também o educador é pensamento de
uma comunidade e se houver conflito ele não deixa de estar inerente à comunidade e
ao próprio pensamento da colectividade. Aliás, é porque ele faz parte do grupo que
pode estar em pendência com ele.
(...) ele é consciência de si de uma consciência que não se conhece como tal, mas
existe. (...) só quem supera a reflexão formal colhe a necessidade desta superação
(WEIL, E. et al, 1990: 75).
O educador tem presente que a sua função é no e deste mundo e aí dar-se-á o
terminus dos aparentes opostos: mundo/ razão, empírico/ puro. O mundo e a
comunidade serão a negação e a superação do mal. Negação essa que se deve ao
educador. No entanto, no mundo há um legado do mal, mas ele, educador, não será o
Mal. Nasce a compreensão real do mundo como razoável e a Acção tem como condição
conhecer as máscaras de uma que razão se arroga no mundo (ainda que a razão não
tenha consciência de si mesma). Neste território que é o mundo, os homens não são
puros seres que reflectem as suas acções, mas são eles que actualizam a moral viva e a
possibilidade da educação é autêntica e percebida como tal, um mundo que não deve
perecer para que a moral e a educação sejam mantidas na sua pureza, mas deve viver
pela educação para a moral e pela liberdade na razão (Idem, op.cit.: 76).
A positividade da moralidade e da educação está no seu sentido para o mundo e
para o homem que busca a sensatez. O mundo não deve ser visto apenas no que ele
tem de mal, quer dizer, a sua transmutação é o empenho perceptivo no que ele tem de
sensato.
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A obra weiliana é uma reflexão sobre a violência, sobre o homem que deve ser
educado para sujeitar a sua animalidade. A violência é condição necessária para a
criação de um situação de não-violência, isto é, o indivíduo deve descobrir a
humanidade nele, deve tornar-se homem e elevar-se ao universal.
A própria violência é por Weil considerada sensata quando reage à profanação
daquilo que no homem é humano. Por isso mesmo, há em nós o dever moral de
procurar uma felicidade razoável e, desse modo, certar a violência. É preciso encontrar
um sentido para a vida, nesta vida, nesta comunidade, nesta ocasião histórica em que
existimos e cuja moral deve ser objecto do nosso julgamento e da nossa compreensão. É
preciso que sejamos homens (sujeitos) e deixemos de ser indivíduos (objectos). O
homem tornou-se escravo de um sistema que lhe cegou a alma de tal forma que está
impossibilitado de identificar um sentido para a existência.
O indivíduo que, renunciando a qualquer outro sagrado, consagra-se
inteiramente ao trabalho social, obterá, em igualdade de condições, uma porção maior
de vantagens sociais, do que se reservar para outros fins (históricos) uma parte de suas
forças. (...) dizer que a sociedade define-se pelo conceito de eficácia na luta com a
natureza exterior é o mesmo que dizer que o indivíduo tem sucesso na medida em que
se qualifica como um bom combatente e assim estabelece o seu direito a uma parte
relativamente grande do produto social. (...) A sociedade particular – só em princípio
existe a sociedade mundial - conta com o elemento histórico e recalca-o no indivíduo.
A rigor ela promete, embora isso não seja evidente, um sentido para a vida humana,
mas ela não pretende absolutamente oferecê-lo hic et nunc.(Idem, op.cit.: 122).
A sociedade contemporânea fez do homem um ser insatisfeito, precisamente
por ser indivíduo empírico, atestado de desejos, sem um sentido que dirija a sua vida,
quer dizer, indivíduo vazio, desrazoável. A violência está nas coisas, nas nossas vidas,
na quotidianeidade. Ignorarmos a violência é ignorarmos a nós próprios. É preciso
olhá-la de frente e combatê-la. Nós somos responsáveis pela subtracção da violência
em nós, mas essa responsabilidade é sempre livre, é uma opção, ou antes, a opção pela
violência é também uma escolha e ninguém é obrigado a querer ser moral.
(...) A escolha é possível num sentido, mas não é possível não escolher. Posso
sempre escolher, mas devo saber que se eu não escolher, escolho ainda (...) (SARTRE,
J.P., 1981:254).
A opção pela educação e pelo dever daquele que é razoável não pode ser uma
escolha para amanhã. A verdadeira educação é aquela que age aqui e agora, na moral
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concreta de uma determinada comunidade, no tempo de um indivíduo histórico. É a
morigeração do mundo e do indivíduo hic et nunc. A educação é para ser realizada no
mundano mundo dos homens e a escolha pela razão sensata alcança, por parte do
sujeito da reflexão o todo do qual faz parte e ocupa um lugar.
Quando dizemos que o homem se escolhe a si, queremos dizer que cada um de
nós se escolhe a si próprio; mas com isso queremos também dizer que, ao escolher-se a
si próprio, ele escolhe todos os homens (...) (Idem, op.cit.: 219). Todo o projecto, por
mais individual que seja, tem um valor universal (...). Há universalidade de todo o
projecto no sentido de que todo o projecto é compreensível para todo o homem. (...)
Podemos dizer que há uma universalidade do homem (...) (Idem, op.cit.: 252).
A educação é uma via que conduz à razão, isto é, daquele que decidiu pela
razão. Ninguém é obrigado a escolher e a deixar-se conduzir pela razão, tal como
ninguém tem forçosamente de optar pela violência. A educação não só é o exercício da
liberdade, como é aquela que forma o indivíduo quanto ao uso sensato dessa mesma
liberdade. Educar é dissertar com o homem. É a discussão que liberta o homem da sua
particularidade, que o conduz a si mesmo, à virtude e ao Bem; ele não pode ser ele
próprio sem ser virtuoso (WEIL, E., 1974: 135).
Ao reconhecer a virtude o homem reage e persegue a vida recta porque esta e o
saber (o reconhecer) são semelhantes entre si. A educação é constituída como uma
dificuldade da moral. É a educação de um ser moral/ imoral, que é moral porquanto é
imoral. Diante da moral e por conseguinte, diante da educação, estas encontram um ser
que é são porque pode ser pérfido, isto é, um ser que não é naturalmente bom, nem mau,
ele é amoral (não é nem moral, nem imoral). É uma responsabilidade do homem a
educação daquele e de todos os que obedeçam à lei universal.
O educador sabe que o Bem está enraizado no Mal e que este apenas pode ser
transformado, o que é o mesmo que dizer que não é possível a total erradicação do Mal
no mundo. A violência que a educação pretende combater não é a violência da
natureza exterior, nem aquela violência que sofremos dos nossos semelhantes, mas a
violência que o homem, enquanto ser razoável, comporta em si mesmo enquanto ser
empírico. A libertação do sofrimento do homem sobre si mesmo é a transformação das
suas paixões por condição delas próprias.
Quando se trata de educar para a virtude, a educação deve propor uma moral ao
indivíduo, uma acção razoável, uma atitude correcta, um sentido moral concreto e
histórico. A educação que visa a virtude é a mais nobre e a mais elevada, porque
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pretende formar homens com poder de decisão e de acção razoável no seu lugar no
mundo. O discurso educativo é também um modo de agir, já que por ele se educa. O
discurso não só influi nos outros como forma o seu próprio obreiro. A contínua
modificação da realidade histórica deve-se ao contraste das individualidades empíricas
que concorrem para uma mais franca concomitância e auxílio entre os homens. A
educação supervisiona estas alterações porque elas dizem respeito a todos e a cada um.
Por isso, consagrar-se à educação é participar no universal real e efectivo da sociedade.
A educação é assim o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para
assumir a responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria
inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens. A educação é
também o lugar em que se decide se se amam suficientemente as nossas crianças para
não as expulsar do nosso mundo entregues a si próprias, para não lhes retirar a
possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer coisa que não tínhamos
previsto, para, ao invés, antecipadamente as preparar para a tarefa de renovação de
um mundo comum. (ARENDT, A. et al, 2000: 52-53).
Por estar inserido numa moral viva, o educador deverá esperar pelo
assentimento dos outros para realizar o Discurso e a Acção. Mas, não há garantia que o
mundo seja decoroso a esse seu esforço. Pode ser eximido por ser tanto improfícuo e
inútil, como perigoso. A educação para a liberdade implica a confiança daqueles que
de algum modo já optaram pela razão, ainda que esta esteja edificada nos seus
espíritos de forma frágil e confusa. Assim, há uma pré-educação que se expõe na
vontade razoável da razão. O mundo já entreviu a razão, a liberdade e a educação. Pela
educação o homem prepara-se para dar conteúdo à liberdade. Ser livre é ser feliz, mas
é também responsabilidade. Aqueles que se arredam às responsabilidades da liberdade
não poderão jamais ser felizes nem continuar livres. A educação que visa a virtude tem
como correlato a felicidade do indivíduo razoável, finito e condicionado. A felicidade é,
portanto, um dever. A felicidade é um dever, ela não é nem dado, nem é um dado (...) O
homem nascerá sempre violento e ele não pensará a ideia de felicidade sem o auxílio
da filosofia; ele não a pensará sobretudo se a satisfação completa o deixa insatisfeito
e o torna absurdo aos seus próprios olhos (WEIL, E., 1974 : 204).
A razoabilidade implica colocar-se entre este mundo e os fins a que nos
propomos. Daí que a educação seja sempre uma opção livre e pela razão. O consenso e
a coerência universais entre os seres razoáveis são precisamente a moralização dos
indivíduos. No entanto, o problema (...) é o de desenvolver um discurso que seja
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coerente sem ser fechado e que prometa tornar a realidade coerente, definida pela
condição no que diz respeito à situação, pela revolta no que toca ao indivíduo (Idem,
op.cit.: 396).
O mundo não exige, nem pede homens que discorrem, mas homens que actuam.
Não se pretende depreciar a reflexão filosófica, mas sim atribuir à Filosofia o lugar que
lhe é devido. Esse lugar não é de ser chefe de governo, ou Rei-Filósofo de Platão
(PLATÃO, 1990: 273), mas o de ser educador pela discussão e pelo diálogo. O homem é
essencialmente um ser insatisfeito. Essa insatisfação é fruto de uma estrutura de
trabalho que circunscreveu os indivíduos livres a coisas. O que se propõe é uma busca
e um lugar onde a felicidade e a liberdade não sejam meras ideias regulativas, mas que
sejam liberdade e felicidade autênticas neste mundo. O homem é no mundo, ele é finito,
o que não o impede de agir, de ininterruptamente se eleger e se reanimar. O homem
age porque não é feliz e pelos seus actos procura dar sentido à vida, a esta vida.
A felicidade é o fim a atingir pela vida moral e activa, aqui e agora. Ela está aí e
não basta desejá-la, é preciso procurá-la, ver isso que temos diante dos olhos. A
felicidade não está fora do mundo, mas os olhos são cegos. Deve-se é procurar com o
coração (SAINT-EXUPÉRY, A., 1987: 82). Há muitas feições para a felicidade. E na
ausência de sentido perde-se a vida. A vida não cabe num raciocínio fortificado pela
exactidão teorética ou verificação empírica. A própria racionalidade implica
afectividade. E da mesma maneira que a emoção pode obscurecer a consciência
também a pode animar. Os homens são subjugados de múltiplas formas: sociedade,
cultura, deuses, ideias e paixões. Arrastados pelas nossas criações a emancipação
transfigurou-se em angústia que oprime. A educação deve dialogar crítica e
racionalmente com as ideias, sem eliminar a paixão e o mito que pelo imaginário criam
e dão sentido. O que se pretende é que a liberdade desobrigue o homem e que ele por
ela não se consuma.
(...) É que a felicidade, ao contrário do prazer imediato, supõe uma gestão
racional de recursos e percursos (...).
(...) quando se fala de gestão racional (...) já não se está a pensar na razão fria,
porque a razão mais razoável – sabemo-lo hoje – é a razão emocional.
Dosear a razão e a emoção na proporção certa não é, porém, tarefa fácil (...).
(...) quem encara a felicidade como um dever dificilmente escapa a uma
contradição: porque sofre enquanto luta pelo bem-estar (...) e sofre ainda mais sempre
que não consegue atingir o seu objectivo. (RIBEIRO, A., 2003: 7).
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Mas efectivamente desejamos e perseguimos a felicidade. E ela depende da
nossa potencialidade de catálise, descoberta e decisão. Pela escolha (e toda a escolha
comporta o aleatório) decidimos livremente ainda que ela comporte o risco e a
incerteza. Neste sentido a liberdade em simultâneo impede e permite que sejamos
livres. Somos manipulados, dirigidos e impelidos e livres. O homem está condenado a
esta dupla vivência porque enquanto incompleto e inacabado vive da esperança e do
desespero.
Nada há que transcenda e demarque a liberdade humana, a não ser o acordo
sobre esses limites. A razão não é um seguro que nos permite um sono tranquilo, mas é
o que nos mantém (ou deveria manter) em estado de vigília. A evolução da Educação
só pode ser alcançada quando a liberdade se tornar a essência do ensino: educar para a
acção razoável e universal do género humano (educação política) e sobre si mesmo
(educação moral). O discurso da supervisão pedagógica afiança a revolução quando a
alienação humana é substituída pela consciência da situação inumana de violência.
Neste sentido, ele (discurso da supervisão pedagógica) é o apossar-se da teoria sobre a
realidade.
A acção da educação é negativa porque ela é a negação do que os indivíduos
vivem como retractação deles mesmos e do que são para eles mesmos, isto é, seres
essencialmente insaciados. Mas o mundo deverá ser um espaço de liberdade concreta
onde cada um possa fruir da sua existência. A finalidade da educação é conduzir o
indivíduo a pensar, e especialmente, a compreender as imposições a ele feitas e, se for o
caso, porque é que tal importuno, que de facto se exige dele, não é exigível.
Precisamente por isto, na educação observa-se o dever de insubordinação inactiva
quando o que se exige dela é intolerável. A acção educativa deve tornar inaplicável
uma doutrina estupra, discricionária e totalitária. E de muitas formas se veste o
despotismo. A própria sociedade não é o lugar da razão aberta e da autoconsciência do
espírito. A escravatura contemporânea assenta na impossibilidade de reconhecer um
sentido para a própria existência. É a escolha da violência onde o mundo
desumanizado se mancha pela incoerência.
A razão não pode presumir a sua própria satisfação porque ela não se realizou
(agiu) sobre e para os homens. A educação, no aqui e no agora, é o único meio que
pode conduzir, aquele que por ela optou, à razão sensata. Neste sentido, a educação
para a liberdade é já o exercício da liberdade. Este exercício procura a felicidade já que
nenhum ser livre, pressupomos nós, deseja a infelicidade. O pensamento só tem
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sentido se servir para formar o espírito. Mas descobrir a razão não significa que se
encontrou tudo o que a razão vai encontrar. A razão só tem expressão no diálogo e na
discussão. O discurso educativo não é o destino da liberdade e a recusa da razão é
outra possibilidade no interior da liberdade. O receio da liberdade é o medo do risco,
da incerteza e da responsabilidade. Existirão sempre os dissidentes autónomos que
ousam insubmissão e resistências. Mas também sabemos que o refúgio da liberdade
pessoal, regra geral, implica a exclusão da liberdade social.
A liberdade puramente egocêntrica, que ignora as regras e as imposições
sociais, bem como os imperativos morais, torna-se criminosa. As liberdades que
transgridem a lei acabam na prisão.
(...) A liberdade acarreta com ela transgressão. A liberdade sem freio
encaminha-se para o crime, a liberdade em rebelião arrisca a morte. (...)
(...) Determinados indivíduos revelam então as suas capacidades de imaginar e
conceber e, transgredindo as normas, manifestam-se como inventores, teóricos,
pensadores, criadores. Esta liberdade ainda é rara... (MORIN, E., 2003: 268)
Educar-se é tornar-se homem. E se a liberdade, valor e nobreza humanas são
bens sacrossantos, a aversão e o protesto são igualmente dignos de acato. A dissidência
e a contraposição são formas de violência. Mas esta é uma violência sensata que se
insurge contra a violação da humanidade no homem. E é aqui que é preciso perguntar
se estamos em circunstância de querermos vir a ser pessoas, prescindindo de ser
entidades individuais.
É pela educação que aprendemos a nossa humanidade. A tarefa daquele que
educa e que se educa é precisamente inverter esta situação paradoxal já que tudo o que
sabemos detém um carácter insular. A insuficiência do ponto de vista natural poderá
ter como ponto de partida a ideia de incerteza. A incerteza não é uma ruptura que
implique a ideia de renunciar a si mesmo. O que se pretende é o rompimento com
aquilo que anula a descoberta. O educador tem o dever de fazer sentir no outro essa
falta para poder orientar e auxiliar no preenchimento desse vazio que parte de dentro
do ser, daquele que sente essa falta como necessariamente sua. Mas isto implica que
haja responsabilização por parte do educador. Por mais forte que seja a sua tendência
para se orientar para a luz, aquilo que é vivo necessita de segurança da obscuridade
para alcançar a maturidade (ARENDT, H. et al, 2000: 39).
Educar é o exercício da liberdade que forma o homem para o uso sensato dessa
mesma liberdade. E quem não está em condições de assumir a sua liberdade tem
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necessidade de um mestre (Idem, op.cit.: 69). O grande objectivo da educação é (deveria
ser?) fazer do homem um educador de si próprio e de todos os que necessitem de
educação. Encontrar a humanidade pela educação significa o encontro com a liberdade.
Com a totalidade complexa que é o homem. Com a possibilidade de um mundo
construído de forma consciente e sensata. É já altura de não mais dilacerar o ser
humano entre uma razão crua e uma experiência destituída de si mesma.
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Outras fontes:
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publicado)
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