MODERNIDADE E EDUCAÇÃO FEMININA: AS CONSTRUÇÕES HISTÓRICAS
DE UMA EDUCAÇÃO NEGADA.
Michelle Pereira Silva *
Geraldo Inácio Filho**
UFU
Introdução
Pensar o ser mulher permite-nos entender não somente a sua história, mas também
as diversas relações construídas em torno de sua concepção. Por isso, a importância de
olharmos para o significado de modernidade em seu contexto social, com o objetivo de
compreender este “novo tempo”, enquanto propagador de um novo ser humano, mas que
em sua realidade permite prevalecer a contraditoriedade em seu discurso ao reforçar e
reproduzir as imagens já construídas a respeito do ser mulher.
A modernidade significa a diferenciação entre crenças, vida religiosa, vida pública
e vida privada; reformulando os conceitos de família, política, economia e arte. Ela
configurou o projeto de um ser humano novo, para acolher ou fundamentar uma sociedade
nova, que fez da racionalização o único princípio de organização da vida, tanto individual
como coletiva. Nesta conjuntura moderna, percebemos a luta constante entre o novo e o
velho: a luta da razão contra os poderes estabelecidos pela religião, Igreja e a autoridade da
tradição, nos quais alicerçavam toda a organização social da Idade Média.
Ao voltarmos para a vida moderna, entendemos que a sua ação teve os seguintes
pontos como preceitos:
a) Reprodução da história humana numa relação dialética entre a busca pela
emancipação e a luta conservadora da realidade;
b) Transmissão, quantificação, seleção e legitimação do saber;
c) Construção de um ser humano racional, moral, individual e automatizado
que se adapta à realidade e sua complexidade;
d) Formação de um instrumento/peça do sistema industrial de
desenvolvimento, como mão-de-obra dependente econômica, política e
socialmente (AHLERT, 1999, p. 102).
Para atender esses fins, a educação passou a exercer função primorosa, pois ela
seria exclusivo instrumento apto para desenvolver o cidadão para esse novo regime.
Portanto, a modernidade surge do desejo do desenvolvimento e autodesenvolvimento. E,
neste cenário, a cultura modernista no seu âmbito de ampliação, alcança o triunfo na arte e
no pensamento, principalmente no século XIX.
À medida que a modernidade se alarga, não atinge seu alvo: promover liberdade às
pessoas. Este pensamento leva Berman (1986, p.15), a dizer: “o grande desenvolvimento
que a modernidade inicia – intelectual, moral, econômico, social – representa um altíssimo
custo para o ser humano” pois o movimento social, incitado pelo alargamento econômico,
permite que tanto o dinheiro como o poder sejam mediadores das relações humanas,
estabelecendo entre si a exploração do outro, tendo como alvo o progresso e o
desenvolvimento. Conforme Habermas (1990, p.70): “é o trabalho e não a autoconsciência
que é válido como princípio da modernidade”. Esta sociedade moderna firmou-se por
meio da utilização e exploração do trabalho humano. Reduz o homem ao prazer, mas
principalmente ao trabalho.
A modernidade confere, para atingir tais alvos quanto ao desenvolvimento
tecnológico e ao progresso, extrema importância ao valor educacional, enquanto produto
de uma escola racionalizada. Sobre este aspecto aponta Cambi (1999, p.199):
Com a modernidade nasce a pedagogia como ciência: como saber da formação
humana que tende a controlar racionalmente as complexas (e inúmeras)
variáveis que ativam esse processo. Mas nasce também uma pedagogia social
que se reconhece como parte orgânica do processo da sociedade em seu
conjunto, na qual ela desempenha uma função insubstituível e cada vez mais
central: formar o homem-cidadão e formar o produtor, chegando depois,
pouco a pouco, até o dirigente.
Deste modo, o projeto pedagógico da modernidade direciona-se para o seu ideal
educativo, volta-se para a ação do homem na sociedade como indivíduo autônomo e livre
da religiosidade. Mas, mergulha-se em sua ambigüidade, ao procurar conformar o próprio
ser humano em seu contexto social, político e econômico. Nesse aspecto, a escola e a
família assumem funções importantes, para fazer perpetuar e solidificar tais estruturas.
Essa conjuntura permitiu à mulher um novo significado, enquanto mãe e educadora, para a
modernidade.
Portanto, objetiva-se compreender a construção histórico-social na qual o
significado do ser mulher desenvolveu-se, procurando, a partir desse pensamento, entender
como as dimensões pedagógicas da modernidade reforçaram ou não o próprio ideário do
ser mulher, desenvolvido desde os tempos antigos: boa mãe, abnegada, dócil, pura.
Qualidades essas, que excluíram a mulher dos seus direitos enquanto cidadã,
enclausurando-a nos pequenos espaços da vida privada, da mesma maneira que partindo da
sua função maternal, aufere da modernidade sua principal missão: educar na qualidade de
mãe, o novo cidadão moderno. Olhar para esse pressuposto permite-nos compreender o
novo significado atribuído à criança e como a história da infância torna-se imprescindível
para entendermos as funções que as concepções educacionais de Fénelon, Pestalozzi,
Froebel e Comte atribuem para a formação feminina. Focaliza-se então, estudar o ser
mulher partindo de duas vertentes opostas: A visão do novo ser humano projetado pela
modernidade e a concepção do ser mulher enquanto mediadora dessa formação.
1. Mulher e Infância: A Construção Histórica da Vida Privada.
As relações desenvolvidas, como conseqüência dos novos modelos sociais
estabelecidos pela modernidade, provocaram modificações, também, na organização
familiar. Conforme Ariès, “o sentimento da família era desconhecido da Idade Média e
nasceu nos séculos XV, XVI. Até então, a concepção particular que o povo medieval tinha
sobre a família, constituía-se: a linhagem” (ARIÈS, 1981 p. 213). A família, neste modelo,
não conhecia individualidade entre o cônjuge e os filhos, mas era vista de forma coletiva;
as gerações mais velhas exerciam autoridade e tomavam as decisões importantes para a
preservação dessa linhagem. Isso permitia que o filho primogênito recebesse todas as
“regalias” (herança, nome) como garantia de continuidade e tradição da linhagem.
Neste contexto, era comum a família viver em casas grandes, para que abrigassem
todos os seus membros e ainda os serviçais das casas. Diferente dessa conjuntura, “a
família conjugal moderna seria, portanto, a conseqüência de uma evolução que, no final da
Idade Média, teria enfraquecido a linhagem e as tendências à indivisão” (ARIÈS, 1981, p.
211). As famílias voltaram-se para sua individualidade e a figura do homem-marido tornase importante como chefe de família.
Contudo, a criança era ocultada neste mundo de “gente grande”, ao misturar-se aos
adultos. Não havia uma distinção entre o que era reservado às crianças e o que era
reservado aos adultos. Assim, não se diferenciava o adulto da criança em vários aspectos
do cotidiano nessa sociedade: suas vestimentas não se distinguiam das dos adultos, pois
“assim que deixava os cueros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno de seu
corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição” (ARIÈS, 1981,
p. 69). Da mesma maneira procediam quanto aos jogos, festas, danças e brincadeiras, ações
que mobilizavam toda a coletividade ou grupo social. As atividades sociais não eram
específicas para determinada idade, permitindo que as crianças compartilhassem dos
mesmos jogos que os adultos, independente se adequado ou não à idade infantil, noção
essa que não existia nesse período.
A mulher e a infância tornam-se protagonista dessa nova visão de família e
sociedade. As mudanças ocorridas na estrutura da família permitiram que tanto a mulher,
como a criança, exercesse novos papéis. A família passa a ser vista não por meio do
sentimento de linhagem, pois o comando do homem dentro de casa tornara-se maior e a
mulher e os filhos se sujeitavam a ele mais estritamente, e passa a ser reconhecida diante
dos papéis sociais. Assim, tanto o sentimento da família, como o da infância, estão
vinculados e participam das mesmas mudanças oriundas dos novos tempos da
modernidade. “Essa cultura centralizava-se nas mulheres e nas crianças, com um interesse
renovado pela educação das crianças e uma notável elevação do estatuto mulher” (ARIÈS,
1981, p.25), enquanto educadora do lar. Assim, verificamos que “a privatização da vida
familiar fim do século XVII, longe da praça, rua, vida coletiva, casas vigiadas, cômodos
separados, independentes, surgiu no espaço privatizado sentimento novo e mais
particularmente entre mãe e criança” (ARIÈS, 1981, p. 24-25). Consideramos, deste modo,
o vínculo atribuído tanto à mulher como a criança: vistos como pessoas frágeis, que
necessitavam de um tutor, nesse caso a figura masculina, conseqüentemente, eram pessoas
dependentes, que estavam submissas ao homem, tal fato era muito mais forte quando a
criança era uma menina. É indispensável assinalar que,
Na Idade Média foi muito intenso o processo de doutrinação das mulheres e a
caracterização de seu ser ligado às paixões, ao sentimento em detrimento da
razão e à maternidade. Durante este período, a Igreja e seus clérigos, que
produziam a maior parte das obras dirigidas às mulheres, buscaram a
pacificação das jovens através de modelos, e as mais velhas e anciãs
auxiliaram nisto por representarem geralmente a prudência, a virtude e a
castidade (ARCE, 2002, p. 78-79).
Esse estereótipo criado sobre a mulher (mãe - esposa - dona-de-casa) permaneceu
como ponto decisivo na configuração do ser mulher, sem muita alteração pela
modernidade, pois a casa ainda é o seu espaço, sendo qualificada como rainha do lar,
dedicando-se integralmente à família e aos cuidados domésticos.
2. A Modernidade e a Mulher: A Construção de uma Educação Maternal.
A emergência do novo olhar para a instrução da infância faz despertar nos
intelectuais modernos a preocupação com a formação feminina. Características essas que
percebemos nos discursos de Fenélon, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Comte, que
preocupados com a formação da infância ou do novo homem moderno, principalmente ao
refutar os antigos “cuidados” direcionados à infância e considerando o seu
desenvolvimento, estendem seus olhares para a educação da mulher como primeira
educadora dos filhos. Sendo, tal visão, reafirmada por Comte ao desenvolver na mulher a
sua missão de Rainha do Lar ou Regeneradora da humanidade. Tais pensadores, ao
desenvolver suas idéias em diferentes momentos históricos, procuram atender às
expectativas e os desafios dos seus tempos. È nesta conjuntura que perceberemos
características peculiares quanto à formação feminina e o modelo de mulher desenvolvido
por eles.
Fenélon 1, nosso primeiro educador, foi Arcebispo de Cambrai, além de ser
preceptor do Duque de Borgonha, ele foi o primeiro diretor de uma colégio para moças, as
Nouvelles Catholiques, cujo objetivo era converter jovens protestantes à fé católica, o que
proporcionou-lhe importante fundamento para os seus escritos dedicados a instância do
Duque de Beauvilliers, para orientar a Duquesa, sua esposa, na educação de suas filhas.
Além de alguns meninos, a duquesa teve oito meninas. Portanto, em 1687, compõe um
Traité de L’Education des Filles2, em resposta à duquesa de Beauvilliers, que lhe solicita
alguns conselhos relativos à criação de suas filhas. Com o Tratado sobre a educação das
meninas, Fénelon consagrou o seu trabalho como a primeira obra clássica importante da
Pedagogia Francesa (Cf. LARROYO, 1970, p. 442), como também inaugura o primeiro
tratado de educação feminina. É sob esse ângulo que nos preocuparemos em abordar o
pensamento de Fénelon em atrelamento ao ser mulher nestes primeiros séculos do mundo
moderno.
Fénelon trata da educação feminina de forma humanista, assim, critica a instrução
monástica destinada às mulheres de sua época, pois apontava como uma educação fora da
realidade na qual passava a menina ou a mulher. Para ele, a mulher não deve ser educada
ignorando o mundo, o qual era condenado pela cultura monástica. Todo o trabalho de
Fénelon voltou-se para o desejo e a complexidade de ensinar a criar uma menina. Digo
complexidade, porque entendemos que o seu discurso, como de qualquer outro educador,
não está isento da realidade que o norteia. No conjunto de sua obra, são nos últimos
capítulos3 que o pensamento de Fénelon apresenta-se peculiarmente tradicional e
preconceituoso quanto à formação feminina. Como afirmamos anteriormente, embora
amplie tal formação, não deixa de olvidar a concepção doméstica e maternal nesta
educação.
Com efeito, a educação planejada por Fénelon tinha o desígnio na formação
religiosa e corresponderia com estes anseios. Como também, evidenciava as características
apontadas pela própria tradição sobre o ser mulher, por isso fala do cuidado que é
“necessário para
preservar as meninas de várias faltas
claras com o sexo delas”
(FÉNELON, 1994, p.77), como: vaidade dos adornos, as paixões, as lágrimas, o
conhecimento limitado e suas conversas longas. Comentando tais deficiências, Fénelon
defende uma educação, não tão diferente das apresentadas nos mosteiros, pois o princípio
da privação e da repressão são importantes para sua pedagogia: “É necessário também
reprimir nelas os cumprimentos muito tenros, os ciúmes pequenos, os elogios excessivos,
lisonjas, a prontidão [...], somando a isto, para ele é fundamental” privar de vez em quando
as meninas do que elas gostam” (FÉNELON, 1994, p. 78-79). É no exemplo da mãe que a
menina deveria aprender a ser precisa nas suas conversas, moderadas e íntegras. Ao ponto
dele exclamar da necessidade de contemplação das estátuas gregas como exemplo de
beleza feminina: “agradável e majestosa” por apresentar simplicidade e beleza. Portanto a
beleza, o corpo feminino, como Eva para a tradição católica, oferece perigo para a ordem
social.
Trata-se de oferecer à mulher uma educação às suas funções, se é da menina que se
faz a mulher, então é necessário que desde a infância as crianças sejam acostumadas a
governar algo, como acompanhar a mãe nas compras e no próprio cuidado da casa: “as
acostume com a limpeza simples e fácil, lhes mostrem a melhor maneira de fazer as coisas
[...]”. É no lar, como preparar uma sopa, ou costurar uma cortina que é definido o próprio
papel feminino: “Para este governo doméstico, nada é melhor que acostumar lá desde cedo
as meninas” (FÉNELON, 1994, p. 90). Portanto, o ato de saber ler e escrever, como as
regras elementares de aritmética, da poesia à música, receberiam uma tríplice função: ser
mulher, ser doméstica, ser mãe.
Rousseau também apresentou sua preocupação com o ensino da criança, ao mesmo
tempo em que se preocupou com a condição humana, a igualdade e as injustiças sofridas
pela maioria. Prega-se, desse modo, uma reabilitação do homem, onde a natureza, que
significa vida pura não amalgamada pelos vícios e hábitos da cultura, desenvolveria-se
livre dos vícios humanos gerados pela vida em sociedade. Pois, para ele, o homem é
munido pelo Criador de certa aptidão de perfeição. Essa educação era a única capaz de
modelar o homem, proporcionando-lhe na sua formação natural os sentimentos: amor-
próprio, amor do próximo, razão e liberdade. Em suma, uma educação que elevasse o
indivíduo.
Ao escrever Emílio ou da Educação,
Rousseau estabelece o seu projeto
educacional de forma inovadora. Porém, é no seu quinto capítulo, que é desenvolvido o
projeto educativo para a mulher (esposa de Emílio). Embora revolucione as idéias
pedagógicas para a infância a partir do século XVIII, ao propôr uma nova concepção de
infância ou uma nova prática pedagógica, ao considerar a educação como função política e
social, modificando o papel do pedagogo na sua relação com o aluno, Rousseau não deixa
de apresentar um projeto pedagógico tradicional para a mulher em contraste com toda a sua
concepção já apresentada para a educação de Emílio, um modelo discriminatório, no qual a
mulher deve ser “passiva e fraca”, ao contrário do homem, “forte e ativo”, configurando-a
como ser sujeito a
receber uma educação relativa aos homens. Serem agradáveis a eles e
honradas, educá-los jovens, cuidar deles grandes, aconselhá-los, consolá-los,
tornar-lhes a vida mais agradável e doce; eis os deveres das mulheres em todos
os tempos e o que lhes devemos ensinar já na sua infância.(ROUSSEAU, 1995,
p. 433).
Em sua concepção, a mulher deveria receber a educação que correspondesse com a
sua missão: ser apenas filha, esposa e mãe. Para isto, a mulher deveria viver para o lar, pois
a exemplo de Sofia deve ter “pouca prática da sociedade”, longe da vida pública e gozar de
pouca liberdade. Logo, fechada em casa para cuidar dos filhos e da boa ordem da família.
Desta maneira, receberia a mais nobre e única missão, a de educar a criança: “Da boa
constituição das mães depende inicialmente a dos filhos; do seio das mulheres depende a
primeira educação dos homens; das mulheres dependem ainda os costumes destes, suas
paixões, seus gostos, seus prazeres, e até sua felicidade” (ROUSSEAU, 1995, p. 433), o
que torna o cuidado doméstico a mais cara ocupação da mulher e tão somente confiada aos
cuidados e atenções das mães. Pois, a presença da mulher na escola faz “cultivar nas
mulheres as qualidades do homem, e negligenciar as que lhes são peculiares, é pois
visivelmente trabalhar contra elas”. Valoriza, então, uma educação feminina desenvolvida
no lar e para o lar.
È no século XVIII que surge as idéias e inovações do pensamento de Pestalozzi4, ao
escrever Cómo enseña Gertrudis a sus hijos (PESTALOZZI, s.d.), que se constitui de
várias cartas dirigidas ao amigo Gessner,
espressa suas inquietações em relação à
educação do povo: “Me dices que es hora ya de que exponga públicamente mis ideas
sobre la instrución del pueblo. Quiero ahora hacerlo, explicándote del modo más claro
posible, en una serie de cartas, como un día Lavater e Aimmermann en sus Perspectivas de
la eternidad” (PESTALOZZI, s.d.,
p. 19). Esse tema organizou o pensamento de
Pestalozzi revolvendo a importância da inclusão do povo na educação, devido às condições
nas quais estes se encontravam.
Para ele, a causa de todos os males e condições a que o povo vivia estava no
analfabetismo, daí a importância que atribui a formação da massa, como a educação da
primeira infância. Isso poderia proporcionar ao povo uma vida mais justa.
Preocupado com a formação da primeira infância, volta-se para o papel
fundamental da mãe: educar seus filhos. Assim, reconhece o despreparo ou a
desqualificação da educação feminina e defende, que qualquer mãe, por meio de sua
abnegação, experiência de vida, bondade, seu exemplo e amor é capaz de educar seu filho
diante dos conselhos propostos por ele: “Cualquier madre podrá darse cuenta, por la
experiencia, tanto del buen desarrollo de su hijo-si practica la norma aquí porpuesta-, como
de las
desdechadas consecuencias que se derivan del precidimiento, contrario.”
(PESTALOZZI, 1988, p. 48). Para ele, seguir tais conselhos e virtudes femininas, seriam a
maior benefício pela qual uma mãe poderia ser honrada pelos seus filhos, caso contrário,
poderia prejudicar o desenvolvimento moral deles.
Portanto, para atender seus objetivos, Pestalozzi promulga a sua defesa pela
formação feminina, pois a mulher, em sua concepção, deve ser educada, contudo para
atender o seu papel enquanto mãe: “Pelo es el carácter femenino, sobre todo, quien debe
ser educado prontamente en esta direción a fin de capacitarse para poder desempeñar un
papel singular en la educación temprana de los hijos” (PESTALOZZI, 1988, p. 110).
Contemporâneo ao pensamento de Pestalozzi, Froebel desenvolve o jardim-deinfância em 1839, o qual influencia não só a escola, mas todo o contexto social, servindo
de modelo para as demais instituições da infância. Como também, entusiasma a produção
de brinquedos apropriados para a criança (até então, as crianças participavam dos mesmos
jogos e brincadeiras dos adultos), como a separação de idades das crianças por classes.
“Froebel pretendia não apenas reformar a educação pré-escolar, mas, por meio dela, a
estrutura familiar e os cuidados dedicados à infância, envolvendo a relação entre as esferas
públicas e privadas” (KUHLMANN JUNIOR, 1999, p. 115).
Em sua proposta pedagógica, não só pensou em crianças, mas também nas mães ao
conclamar o fim e o objetivo da educação que deve ser dada na família pelos pais, ou seja,
iniciada, continuada cada vez mais intensamente o cuidado físico e a formação
moral. Nesse período, a educação do homem corresponde inteiramente à mãe,
ao pai, à família, e o homem depende dessa família, e com ela por natureza,
forma um todo inseparável e indivisível (FROEBEL, 2001, p. 46).
Esta união familiar faz desenvolver energias, virtudes e ações importantes na
formação da criança. E acrescenta: “Isto o coração da mãe faz espontaneamente, sem
necessidade de aprendizagem ou doutrina” (FROEBEL, 2001, p. 51). O que torna a mulher
principal professora natural de seus filhos, que por meio de suas atitudes dóceis e naturais,
deve estimular a aprendizagem e o desenvolvimento infantil.
Finalmente, é no século XIX que presenciamos o pensamento positivista de
Auguste Comte, que procurou redigir ou reorganizar uma nova sociedade a partir da
construção de novas instituições, que por muito tempo, ficaram subordinadas à teologia.
Então, “substituir a ideologia católica da Idade Média, pela ideologia leiga da Idade
Positiva” (CARVALHO, 1990. p. 230). Conseqüentemente, na base do seu pensamento
estava a família, a pátria e a humanidade.
A mulher, na visão de Comte, torna-se um ser superior ao homem enquanto moral e
social, ela, juntamente com os operários, é a classe que sustentaria o progresso, pois ao ser
dócil e amável, seria sustentadora de uma revolução sem conflitos. Comte elege a mulher,
como símbolo do positivismo, aquela que seria a tutora do homem ou do próprio lar, como
conseqüências das qualidades de sua própria natureza piedosa, bondosa, abnegada,
devotada: “Figurada ou esculturada, nossa deusa terá sempre por símbolo uma mulher de
trinta anos tendo seu filho nos braços. A preeminência religiosa do sexo efetivo
caracterizará semelhante emblema, em que o sexo ativo deve ficar colocado sob a tutela
daquele” (COMTE, 1978, p. 190). No Catecismo Positivista, Comte ressalva essa idéia ao
dizer: “O melhor resumo prático de todo o programa moderno breve consistirá neste
princípio incontestável: O homem deve sustentar a mulher, a fim de que ela possa
preencher convenientemente seu santo destino social” (COMTE, 1978, p. 131). A mulher
estaria num plano inferior em relação ao homem, deveria ser protegida e subordinada.
3. Considerações Finais
Embora a modernidade procurasse secularizar a visão cristã e a escola fosse o plano
de irradiação do progresso. A formação feminina continuou amalgamada pelo ideário
religioso imposto sobre ela da mesma maneira que a Idade Média a enclausurou. Pois,
enquanto cidadã, a mulher foi excluída da educação e de direitos sociais mais amplos. A
sua função nesse “novo mundo” apenas reforçava o próprio ideário criado sobre ela com o
intuito de atender o que a burguesia ou a própria religião defendiam.
Tal visão possibilitou-nos compreender as contradições educativas impostas sobre a
mulher na modernidade. De fato, o alargamento educacional primeiramente foi
proporcionado, não diferente do que já acontecia desde os tempos remotos, ao homem.
Todo o discurso para a formação de um novo cidadão estava direcionado à infância
enquanto o ser menino. Ser menina, ainda era uma realidade inversa, estaria em casa,
aprendendo através do exemplo abnegado da mãe, a ser mulher, filha, mãe e esposa.
Estudarmos o projeto educacional de Fénelon, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, bem
como o pensamento de Comte permite-nos entender que suas palavras ressaltam a
diferença nítida entre o que deve ser ensinado à mulher e ao homem, da mesma forma que
esta educação ressalta a função da mulher enquanto mulher-mãe-esposa. Portanto, a
educação feminina é amalgamada pela “moral experimental”, agir com virtude, pois sabe
olhar melhor no coração dos homens. Enquanto o homem é responsável em sistematizar tal
moral.
Assim, é certo que a profissionalização feminina não aconteceria de outra forma: o
modelo de mãe (abnegada, moral, dócil, pura) seria o mesmo modelo que iria perpetuar
enquanto professora, ou seja, a pessoa ideal para educar seus filhos/alunos. Pois as
mulheres atendiam às condições profissionais exigidas para o magistério primário, que até
então era direcionado para homens. O magistério, comparado à maternidade, tinha na
figura da sua representação a mulher, pois, era responsável pela educação dos filhos, sendo
pessoa mais apropriada para ensinar, ao agir com brandura, amor e compreensão com os
seus alunos. Ao contrário dos homens, seres ásperos, rudes, poderiam, eles, tirar o gosto
pela escola por parte das crianças. É importante ressaltarmos que a nova concepção de
família, o sentimento de infância, tornaram-se uma preocupação dos intelectuais e
enfatizaram e introduziram a mulher na educação como importante fator na formação desse
“novo homem” moderno.
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Traduções José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Abril Cultura.
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Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988.
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_________ (s.d) Cómo enseña Gertrudis a sus hijos. Trad. Lorenzo Luzuriaga. S.l.
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Petrópolis: Vozes.
TOURAINE, A. (1994). Crítica da Modernidade. Tradução Elias Ferreira Edel. 6 ed.
Petrópolis: Vozes.
1
(François de Salignac de la Mothe-Fenélon) que viveu entre 1651 e 1715, foi importante mestre educacional
na Corte Francesa de Luís XIV, foi preceptor do Duque de Borgonha, neto de Luís XIV, no qual teve grande
prestígio e desenvolveu seus escritos dedicados a este Duque, com objetivo de formar a mente política do
Príncipe Telêmaco. Sua experiência na educação do Príncipe desenvolve o escrito Les Aventures de
Télémaque (1699), dedicado à Educação do Duque de Borgonha, que morreu antes de reinar. Sua
característica é de um romance mitológico, visa a sabedoria moral e religiosa. Seu principal objetivo era
formar a mente e o julgamento do duque de Borgonha.
2
Esta obra ainda não traduzida para o português tem a seguinte tradução: Tratado sobre a educação das
meninas.As Traduções apresentadas neste texto são de minha autoria.
3
Capítulo IX: Advertências sobre várias imperfeições das meninas. Capítulo X: A vaidade da beleza e dos
adornos. Capítulo XI: Instrução das mulheres sobre os seus deveres. Capítulo XII: Continuação dos deveres
das mulheres e Capítulo XIII: Das empregadas.
4
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), filho de pastor protestante, nascido em Zurique; não deixou de ser
influenciado pelas idéias de Rousseau, pois o Emílio é fonte principal neste período para a educação infantil,
e principalmente pelo movimento romântico, que exaltava a imaginação e a formação religiosa, voltada para
a renovação da educação do homem.
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