MODERNIDADE E EDUCAÇÃO FEMININA: AS CONSTRUÇÕES HISTÓRICAS DE UMA EDUCAÇÃO NEGADA. Michelle Pereira Silva * Geraldo Inácio Filho** UFU Introdução Pensar o ser mulher permite-nos entender não somente a sua história, mas também as diversas relações construídas em torno de sua concepção. Por isso, a importância de olharmos para o significado de modernidade em seu contexto social, com o objetivo de compreender este “novo tempo”, enquanto propagador de um novo ser humano, mas que em sua realidade permite prevalecer a contraditoriedade em seu discurso ao reforçar e reproduzir as imagens já construídas a respeito do ser mulher. A modernidade significa a diferenciação entre crenças, vida religiosa, vida pública e vida privada; reformulando os conceitos de família, política, economia e arte. Ela configurou o projeto de um ser humano novo, para acolher ou fundamentar uma sociedade nova, que fez da racionalização o único princípio de organização da vida, tanto individual como coletiva. Nesta conjuntura moderna, percebemos a luta constante entre o novo e o velho: a luta da razão contra os poderes estabelecidos pela religião, Igreja e a autoridade da tradição, nos quais alicerçavam toda a organização social da Idade Média. Ao voltarmos para a vida moderna, entendemos que a sua ação teve os seguintes pontos como preceitos: a) Reprodução da história humana numa relação dialética entre a busca pela emancipação e a luta conservadora da realidade; b) Transmissão, quantificação, seleção e legitimação do saber; c) Construção de um ser humano racional, moral, individual e automatizado que se adapta à realidade e sua complexidade; d) Formação de um instrumento/peça do sistema industrial de desenvolvimento, como mão-de-obra dependente econômica, política e socialmente (AHLERT, 1999, p. 102). Para atender esses fins, a educação passou a exercer função primorosa, pois ela seria exclusivo instrumento apto para desenvolver o cidadão para esse novo regime. Portanto, a modernidade surge do desejo do desenvolvimento e autodesenvolvimento. E, neste cenário, a cultura modernista no seu âmbito de ampliação, alcança o triunfo na arte e no pensamento, principalmente no século XIX. À medida que a modernidade se alarga, não atinge seu alvo: promover liberdade às pessoas. Este pensamento leva Berman (1986, p.15), a dizer: “o grande desenvolvimento que a modernidade inicia – intelectual, moral, econômico, social – representa um altíssimo custo para o ser humano” pois o movimento social, incitado pelo alargamento econômico, permite que tanto o dinheiro como o poder sejam mediadores das relações humanas, estabelecendo entre si a exploração do outro, tendo como alvo o progresso e o desenvolvimento. Conforme Habermas (1990, p.70): “é o trabalho e não a autoconsciência que é válido como princípio da modernidade”. Esta sociedade moderna firmou-se por meio da utilização e exploração do trabalho humano. Reduz o homem ao prazer, mas principalmente ao trabalho. A modernidade confere, para atingir tais alvos quanto ao desenvolvimento tecnológico e ao progresso, extrema importância ao valor educacional, enquanto produto de uma escola racionalizada. Sobre este aspecto aponta Cambi (1999, p.199): Com a modernidade nasce a pedagogia como ciência: como saber da formação humana que tende a controlar racionalmente as complexas (e inúmeras) variáveis que ativam esse processo. Mas nasce também uma pedagogia social que se reconhece como parte orgânica do processo da sociedade em seu conjunto, na qual ela desempenha uma função insubstituível e cada vez mais central: formar o homem-cidadão e formar o produtor, chegando depois, pouco a pouco, até o dirigente. Deste modo, o projeto pedagógico da modernidade direciona-se para o seu ideal educativo, volta-se para a ação do homem na sociedade como indivíduo autônomo e livre da religiosidade. Mas, mergulha-se em sua ambigüidade, ao procurar conformar o próprio ser humano em seu contexto social, político e econômico. Nesse aspecto, a escola e a família assumem funções importantes, para fazer perpetuar e solidificar tais estruturas. Essa conjuntura permitiu à mulher um novo significado, enquanto mãe e educadora, para a modernidade. Portanto, objetiva-se compreender a construção histórico-social na qual o significado do ser mulher desenvolveu-se, procurando, a partir desse pensamento, entender como as dimensões pedagógicas da modernidade reforçaram ou não o próprio ideário do ser mulher, desenvolvido desde os tempos antigos: boa mãe, abnegada, dócil, pura. Qualidades essas, que excluíram a mulher dos seus direitos enquanto cidadã, enclausurando-a nos pequenos espaços da vida privada, da mesma maneira que partindo da sua função maternal, aufere da modernidade sua principal missão: educar na qualidade de mãe, o novo cidadão moderno. Olhar para esse pressuposto permite-nos compreender o novo significado atribuído à criança e como a história da infância torna-se imprescindível para entendermos as funções que as concepções educacionais de Fénelon, Pestalozzi, Froebel e Comte atribuem para a formação feminina. Focaliza-se então, estudar o ser mulher partindo de duas vertentes opostas: A visão do novo ser humano projetado pela modernidade e a concepção do ser mulher enquanto mediadora dessa formação. 1. Mulher e Infância: A Construção Histórica da Vida Privada. As relações desenvolvidas, como conseqüência dos novos modelos sociais estabelecidos pela modernidade, provocaram modificações, também, na organização familiar. Conforme Ariès, “o sentimento da família era desconhecido da Idade Média e nasceu nos séculos XV, XVI. Até então, a concepção particular que o povo medieval tinha sobre a família, constituía-se: a linhagem” (ARIÈS, 1981 p. 213). A família, neste modelo, não conhecia individualidade entre o cônjuge e os filhos, mas era vista de forma coletiva; as gerações mais velhas exerciam autoridade e tomavam as decisões importantes para a preservação dessa linhagem. Isso permitia que o filho primogênito recebesse todas as “regalias” (herança, nome) como garantia de continuidade e tradição da linhagem. Neste contexto, era comum a família viver em casas grandes, para que abrigassem todos os seus membros e ainda os serviçais das casas. Diferente dessa conjuntura, “a família conjugal moderna seria, portanto, a conseqüência de uma evolução que, no final da Idade Média, teria enfraquecido a linhagem e as tendências à indivisão” (ARIÈS, 1981, p. 211). As famílias voltaram-se para sua individualidade e a figura do homem-marido tornase importante como chefe de família. Contudo, a criança era ocultada neste mundo de “gente grande”, ao misturar-se aos adultos. Não havia uma distinção entre o que era reservado às crianças e o que era reservado aos adultos. Assim, não se diferenciava o adulto da criança em vários aspectos do cotidiano nessa sociedade: suas vestimentas não se distinguiam das dos adultos, pois “assim que deixava os cueros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno de seu corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição” (ARIÈS, 1981, p. 69). Da mesma maneira procediam quanto aos jogos, festas, danças e brincadeiras, ações que mobilizavam toda a coletividade ou grupo social. As atividades sociais não eram específicas para determinada idade, permitindo que as crianças compartilhassem dos mesmos jogos que os adultos, independente se adequado ou não à idade infantil, noção essa que não existia nesse período. A mulher e a infância tornam-se protagonista dessa nova visão de família e sociedade. As mudanças ocorridas na estrutura da família permitiram que tanto a mulher, como a criança, exercesse novos papéis. A família passa a ser vista não por meio do sentimento de linhagem, pois o comando do homem dentro de casa tornara-se maior e a mulher e os filhos se sujeitavam a ele mais estritamente, e passa a ser reconhecida diante dos papéis sociais. Assim, tanto o sentimento da família, como o da infância, estão vinculados e participam das mesmas mudanças oriundas dos novos tempos da modernidade. “Essa cultura centralizava-se nas mulheres e nas crianças, com um interesse renovado pela educação das crianças e uma notável elevação do estatuto mulher” (ARIÈS, 1981, p.25), enquanto educadora do lar. Assim, verificamos que “a privatização da vida familiar fim do século XVII, longe da praça, rua, vida coletiva, casas vigiadas, cômodos separados, independentes, surgiu no espaço privatizado sentimento novo e mais particularmente entre mãe e criança” (ARIÈS, 1981, p. 24-25). Consideramos, deste modo, o vínculo atribuído tanto à mulher como a criança: vistos como pessoas frágeis, que necessitavam de um tutor, nesse caso a figura masculina, conseqüentemente, eram pessoas dependentes, que estavam submissas ao homem, tal fato era muito mais forte quando a criança era uma menina. É indispensável assinalar que, Na Idade Média foi muito intenso o processo de doutrinação das mulheres e a caracterização de seu ser ligado às paixões, ao sentimento em detrimento da razão e à maternidade. Durante este período, a Igreja e seus clérigos, que produziam a maior parte das obras dirigidas às mulheres, buscaram a pacificação das jovens através de modelos, e as mais velhas e anciãs auxiliaram nisto por representarem geralmente a prudência, a virtude e a castidade (ARCE, 2002, p. 78-79). Esse estereótipo criado sobre a mulher (mãe - esposa - dona-de-casa) permaneceu como ponto decisivo na configuração do ser mulher, sem muita alteração pela modernidade, pois a casa ainda é o seu espaço, sendo qualificada como rainha do lar, dedicando-se integralmente à família e aos cuidados domésticos. 2. A Modernidade e a Mulher: A Construção de uma Educação Maternal. A emergência do novo olhar para a instrução da infância faz despertar nos intelectuais modernos a preocupação com a formação feminina. Características essas que percebemos nos discursos de Fenélon, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Comte, que preocupados com a formação da infância ou do novo homem moderno, principalmente ao refutar os antigos “cuidados” direcionados à infância e considerando o seu desenvolvimento, estendem seus olhares para a educação da mulher como primeira educadora dos filhos. Sendo, tal visão, reafirmada por Comte ao desenvolver na mulher a sua missão de Rainha do Lar ou Regeneradora da humanidade. Tais pensadores, ao desenvolver suas idéias em diferentes momentos históricos, procuram atender às expectativas e os desafios dos seus tempos. È nesta conjuntura que perceberemos características peculiares quanto à formação feminina e o modelo de mulher desenvolvido por eles. Fenélon 1, nosso primeiro educador, foi Arcebispo de Cambrai, além de ser preceptor do Duque de Borgonha, ele foi o primeiro diretor de uma colégio para moças, as Nouvelles Catholiques, cujo objetivo era converter jovens protestantes à fé católica, o que proporcionou-lhe importante fundamento para os seus escritos dedicados a instância do Duque de Beauvilliers, para orientar a Duquesa, sua esposa, na educação de suas filhas. Além de alguns meninos, a duquesa teve oito meninas. Portanto, em 1687, compõe um Traité de L’Education des Filles2, em resposta à duquesa de Beauvilliers, que lhe solicita alguns conselhos relativos à criação de suas filhas. Com o Tratado sobre a educação das meninas, Fénelon consagrou o seu trabalho como a primeira obra clássica importante da Pedagogia Francesa (Cf. LARROYO, 1970, p. 442), como também inaugura o primeiro tratado de educação feminina. É sob esse ângulo que nos preocuparemos em abordar o pensamento de Fénelon em atrelamento ao ser mulher nestes primeiros séculos do mundo moderno. Fénelon trata da educação feminina de forma humanista, assim, critica a instrução monástica destinada às mulheres de sua época, pois apontava como uma educação fora da realidade na qual passava a menina ou a mulher. Para ele, a mulher não deve ser educada ignorando o mundo, o qual era condenado pela cultura monástica. Todo o trabalho de Fénelon voltou-se para o desejo e a complexidade de ensinar a criar uma menina. Digo complexidade, porque entendemos que o seu discurso, como de qualquer outro educador, não está isento da realidade que o norteia. No conjunto de sua obra, são nos últimos capítulos3 que o pensamento de Fénelon apresenta-se peculiarmente tradicional e preconceituoso quanto à formação feminina. Como afirmamos anteriormente, embora amplie tal formação, não deixa de olvidar a concepção doméstica e maternal nesta educação. Com efeito, a educação planejada por Fénelon tinha o desígnio na formação religiosa e corresponderia com estes anseios. Como também, evidenciava as características apontadas pela própria tradição sobre o ser mulher, por isso fala do cuidado que é “necessário para preservar as meninas de várias faltas claras com o sexo delas” (FÉNELON, 1994, p.77), como: vaidade dos adornos, as paixões, as lágrimas, o conhecimento limitado e suas conversas longas. Comentando tais deficiências, Fénelon defende uma educação, não tão diferente das apresentadas nos mosteiros, pois o princípio da privação e da repressão são importantes para sua pedagogia: “É necessário também reprimir nelas os cumprimentos muito tenros, os ciúmes pequenos, os elogios excessivos, lisonjas, a prontidão [...], somando a isto, para ele é fundamental” privar de vez em quando as meninas do que elas gostam” (FÉNELON, 1994, p. 78-79). É no exemplo da mãe que a menina deveria aprender a ser precisa nas suas conversas, moderadas e íntegras. Ao ponto dele exclamar da necessidade de contemplação das estátuas gregas como exemplo de beleza feminina: “agradável e majestosa” por apresentar simplicidade e beleza. Portanto a beleza, o corpo feminino, como Eva para a tradição católica, oferece perigo para a ordem social. Trata-se de oferecer à mulher uma educação às suas funções, se é da menina que se faz a mulher, então é necessário que desde a infância as crianças sejam acostumadas a governar algo, como acompanhar a mãe nas compras e no próprio cuidado da casa: “as acostume com a limpeza simples e fácil, lhes mostrem a melhor maneira de fazer as coisas [...]”. É no lar, como preparar uma sopa, ou costurar uma cortina que é definido o próprio papel feminino: “Para este governo doméstico, nada é melhor que acostumar lá desde cedo as meninas” (FÉNELON, 1994, p. 90). Portanto, o ato de saber ler e escrever, como as regras elementares de aritmética, da poesia à música, receberiam uma tríplice função: ser mulher, ser doméstica, ser mãe. Rousseau também apresentou sua preocupação com o ensino da criança, ao mesmo tempo em que se preocupou com a condição humana, a igualdade e as injustiças sofridas pela maioria. Prega-se, desse modo, uma reabilitação do homem, onde a natureza, que significa vida pura não amalgamada pelos vícios e hábitos da cultura, desenvolveria-se livre dos vícios humanos gerados pela vida em sociedade. Pois, para ele, o homem é munido pelo Criador de certa aptidão de perfeição. Essa educação era a única capaz de modelar o homem, proporcionando-lhe na sua formação natural os sentimentos: amor- próprio, amor do próximo, razão e liberdade. Em suma, uma educação que elevasse o indivíduo. Ao escrever Emílio ou da Educação, Rousseau estabelece o seu projeto educacional de forma inovadora. Porém, é no seu quinto capítulo, que é desenvolvido o projeto educativo para a mulher (esposa de Emílio). Embora revolucione as idéias pedagógicas para a infância a partir do século XVIII, ao propôr uma nova concepção de infância ou uma nova prática pedagógica, ao considerar a educação como função política e social, modificando o papel do pedagogo na sua relação com o aluno, Rousseau não deixa de apresentar um projeto pedagógico tradicional para a mulher em contraste com toda a sua concepção já apresentada para a educação de Emílio, um modelo discriminatório, no qual a mulher deve ser “passiva e fraca”, ao contrário do homem, “forte e ativo”, configurando-a como ser sujeito a receber uma educação relativa aos homens. Serem agradáveis a eles e honradas, educá-los jovens, cuidar deles grandes, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida mais agradável e doce; eis os deveres das mulheres em todos os tempos e o que lhes devemos ensinar já na sua infância.(ROUSSEAU, 1995, p. 433). Em sua concepção, a mulher deveria receber a educação que correspondesse com a sua missão: ser apenas filha, esposa e mãe. Para isto, a mulher deveria viver para o lar, pois a exemplo de Sofia deve ter “pouca prática da sociedade”, longe da vida pública e gozar de pouca liberdade. Logo, fechada em casa para cuidar dos filhos e da boa ordem da família. Desta maneira, receberia a mais nobre e única missão, a de educar a criança: “Da boa constituição das mães depende inicialmente a dos filhos; do seio das mulheres depende a primeira educação dos homens; das mulheres dependem ainda os costumes destes, suas paixões, seus gostos, seus prazeres, e até sua felicidade” (ROUSSEAU, 1995, p. 433), o que torna o cuidado doméstico a mais cara ocupação da mulher e tão somente confiada aos cuidados e atenções das mães. Pois, a presença da mulher na escola faz “cultivar nas mulheres as qualidades do homem, e negligenciar as que lhes são peculiares, é pois visivelmente trabalhar contra elas”. Valoriza, então, uma educação feminina desenvolvida no lar e para o lar. È no século XVIII que surge as idéias e inovações do pensamento de Pestalozzi4, ao escrever Cómo enseña Gertrudis a sus hijos (PESTALOZZI, s.d.), que se constitui de várias cartas dirigidas ao amigo Gessner, espressa suas inquietações em relação à educação do povo: “Me dices que es hora ya de que exponga públicamente mis ideas sobre la instrución del pueblo. Quiero ahora hacerlo, explicándote del modo más claro posible, en una serie de cartas, como un día Lavater e Aimmermann en sus Perspectivas de la eternidad” (PESTALOZZI, s.d., p. 19). Esse tema organizou o pensamento de Pestalozzi revolvendo a importância da inclusão do povo na educação, devido às condições nas quais estes se encontravam. Para ele, a causa de todos os males e condições a que o povo vivia estava no analfabetismo, daí a importância que atribui a formação da massa, como a educação da primeira infância. Isso poderia proporcionar ao povo uma vida mais justa. Preocupado com a formação da primeira infância, volta-se para o papel fundamental da mãe: educar seus filhos. Assim, reconhece o despreparo ou a desqualificação da educação feminina e defende, que qualquer mãe, por meio de sua abnegação, experiência de vida, bondade, seu exemplo e amor é capaz de educar seu filho diante dos conselhos propostos por ele: “Cualquier madre podrá darse cuenta, por la experiencia, tanto del buen desarrollo de su hijo-si practica la norma aquí porpuesta-, como de las desdechadas consecuencias que se derivan del precidimiento, contrario.” (PESTALOZZI, 1988, p. 48). Para ele, seguir tais conselhos e virtudes femininas, seriam a maior benefício pela qual uma mãe poderia ser honrada pelos seus filhos, caso contrário, poderia prejudicar o desenvolvimento moral deles. Portanto, para atender seus objetivos, Pestalozzi promulga a sua defesa pela formação feminina, pois a mulher, em sua concepção, deve ser educada, contudo para atender o seu papel enquanto mãe: “Pelo es el carácter femenino, sobre todo, quien debe ser educado prontamente en esta direción a fin de capacitarse para poder desempeñar un papel singular en la educación temprana de los hijos” (PESTALOZZI, 1988, p. 110). Contemporâneo ao pensamento de Pestalozzi, Froebel desenvolve o jardim-deinfância em 1839, o qual influencia não só a escola, mas todo o contexto social, servindo de modelo para as demais instituições da infância. Como também, entusiasma a produção de brinquedos apropriados para a criança (até então, as crianças participavam dos mesmos jogos e brincadeiras dos adultos), como a separação de idades das crianças por classes. “Froebel pretendia não apenas reformar a educação pré-escolar, mas, por meio dela, a estrutura familiar e os cuidados dedicados à infância, envolvendo a relação entre as esferas públicas e privadas” (KUHLMANN JUNIOR, 1999, p. 115). Em sua proposta pedagógica, não só pensou em crianças, mas também nas mães ao conclamar o fim e o objetivo da educação que deve ser dada na família pelos pais, ou seja, iniciada, continuada cada vez mais intensamente o cuidado físico e a formação moral. Nesse período, a educação do homem corresponde inteiramente à mãe, ao pai, à família, e o homem depende dessa família, e com ela por natureza, forma um todo inseparável e indivisível (FROEBEL, 2001, p. 46). Esta união familiar faz desenvolver energias, virtudes e ações importantes na formação da criança. E acrescenta: “Isto o coração da mãe faz espontaneamente, sem necessidade de aprendizagem ou doutrina” (FROEBEL, 2001, p. 51). O que torna a mulher principal professora natural de seus filhos, que por meio de suas atitudes dóceis e naturais, deve estimular a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Finalmente, é no século XIX que presenciamos o pensamento positivista de Auguste Comte, que procurou redigir ou reorganizar uma nova sociedade a partir da construção de novas instituições, que por muito tempo, ficaram subordinadas à teologia. Então, “substituir a ideologia católica da Idade Média, pela ideologia leiga da Idade Positiva” (CARVALHO, 1990. p. 230). Conseqüentemente, na base do seu pensamento estava a família, a pátria e a humanidade. A mulher, na visão de Comte, torna-se um ser superior ao homem enquanto moral e social, ela, juntamente com os operários, é a classe que sustentaria o progresso, pois ao ser dócil e amável, seria sustentadora de uma revolução sem conflitos. Comte elege a mulher, como símbolo do positivismo, aquela que seria a tutora do homem ou do próprio lar, como conseqüências das qualidades de sua própria natureza piedosa, bondosa, abnegada, devotada: “Figurada ou esculturada, nossa deusa terá sempre por símbolo uma mulher de trinta anos tendo seu filho nos braços. A preeminência religiosa do sexo efetivo caracterizará semelhante emblema, em que o sexo ativo deve ficar colocado sob a tutela daquele” (COMTE, 1978, p. 190). No Catecismo Positivista, Comte ressalva essa idéia ao dizer: “O melhor resumo prático de todo o programa moderno breve consistirá neste princípio incontestável: O homem deve sustentar a mulher, a fim de que ela possa preencher convenientemente seu santo destino social” (COMTE, 1978, p. 131). A mulher estaria num plano inferior em relação ao homem, deveria ser protegida e subordinada. 3. Considerações Finais Embora a modernidade procurasse secularizar a visão cristã e a escola fosse o plano de irradiação do progresso. A formação feminina continuou amalgamada pelo ideário religioso imposto sobre ela da mesma maneira que a Idade Média a enclausurou. Pois, enquanto cidadã, a mulher foi excluída da educação e de direitos sociais mais amplos. A sua função nesse “novo mundo” apenas reforçava o próprio ideário criado sobre ela com o intuito de atender o que a burguesia ou a própria religião defendiam. Tal visão possibilitou-nos compreender as contradições educativas impostas sobre a mulher na modernidade. De fato, o alargamento educacional primeiramente foi proporcionado, não diferente do que já acontecia desde os tempos remotos, ao homem. Todo o discurso para a formação de um novo cidadão estava direcionado à infância enquanto o ser menino. Ser menina, ainda era uma realidade inversa, estaria em casa, aprendendo através do exemplo abnegado da mãe, a ser mulher, filha, mãe e esposa. Estudarmos o projeto educacional de Fénelon, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, bem como o pensamento de Comte permite-nos entender que suas palavras ressaltam a diferença nítida entre o que deve ser ensinado à mulher e ao homem, da mesma forma que esta educação ressalta a função da mulher enquanto mulher-mãe-esposa. Portanto, a educação feminina é amalgamada pela “moral experimental”, agir com virtude, pois sabe olhar melhor no coração dos homens. Enquanto o homem é responsável em sistematizar tal moral. Assim, é certo que a profissionalização feminina não aconteceria de outra forma: o modelo de mãe (abnegada, moral, dócil, pura) seria o mesmo modelo que iria perpetuar enquanto professora, ou seja, a pessoa ideal para educar seus filhos/alunos. Pois as mulheres atendiam às condições profissionais exigidas para o magistério primário, que até então era direcionado para homens. O magistério, comparado à maternidade, tinha na figura da sua representação a mulher, pois, era responsável pela educação dos filhos, sendo pessoa mais apropriada para ensinar, ao agir com brandura, amor e compreensão com os seus alunos. Ao contrário dos homens, seres ásperos, rudes, poderiam, eles, tirar o gosto pela escola por parte das crianças. É importante ressaltarmos que a nova concepção de família, o sentimento de infância, tornaram-se uma preocupação dos intelectuais e enfatizaram e introduziram a mulher na educação como importante fator na formação desse “novo homem” moderno. 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Crítica da Modernidade. Tradução Elias Ferreira Edel. 6 ed. Petrópolis: Vozes. 1 (François de Salignac de la Mothe-Fenélon) que viveu entre 1651 e 1715, foi importante mestre educacional na Corte Francesa de Luís XIV, foi preceptor do Duque de Borgonha, neto de Luís XIV, no qual teve grande prestígio e desenvolveu seus escritos dedicados a este Duque, com objetivo de formar a mente política do Príncipe Telêmaco. Sua experiência na educação do Príncipe desenvolve o escrito Les Aventures de Télémaque (1699), dedicado à Educação do Duque de Borgonha, que morreu antes de reinar. Sua característica é de um romance mitológico, visa a sabedoria moral e religiosa. Seu principal objetivo era formar a mente e o julgamento do duque de Borgonha. 2 Esta obra ainda não traduzida para o português tem a seguinte tradução: Tratado sobre a educação das meninas.As Traduções apresentadas neste texto são de minha autoria. 3 Capítulo IX: Advertências sobre várias imperfeições das meninas. Capítulo X: A vaidade da beleza e dos adornos. Capítulo XI: Instrução das mulheres sobre os seus deveres. Capítulo XII: Continuação dos deveres das mulheres e Capítulo XIII: Das empregadas. 4 Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), filho de pastor protestante, nascido em Zurique; não deixou de ser influenciado pelas idéias de Rousseau, pois o Emílio é fonte principal neste período para a educação infantil, e principalmente pelo movimento romântico, que exaltava a imaginação e a formação religiosa, voltada para a renovação da educação do homem.