EDUCAÇÃO HOLÍSTICA E DEMOCRACIA: O ENCONTRO COM A INTEGRALIDADE DO SER ADRIANA CARVALHO DA SILVA1 SIDCLÉIA DA SILVA SANTOS 2 ALEXANDRE SIMAO DE FREITAS 3 RESUMO: Este artigo procura analisar a concepção democrática na perspectiva holística, problematizando-a para o campo educativo. Ele toma como ponto de partida os conceitos de holística e de democracia e tenta produzir uma reflexão sobre essa relação. A educação democrática na abordagem holística está ancorada em uma compreensão multidimensional da subjetividade humana. Nessa perspectiva, o processo formativo é caracterizado por sensibilidade, consistência e reflexão, em que educadores/as e educandos/as apreendem e crescem juntos. Ampliando-se a visão sobre a realidade, portanto, uma mudança de atitude diante da vida, que proporciona liberdade na inclusão das diferenças, através de nova percepção e abrangência de si, do outro e de mundo. Conseqüentemente, o ser percebido através das relações, na medida em que avança na construção de sua autonomia, estará exercendo uma intervenção no processo social. Palavras-chave: Educação holística. Integralidade. Democracia. Introdução “Eu não quero sua democracia que (com dor) silencia seu igual” (Ricardo Mello) O sistema educacional encontra-se atrelado a diferentes fins políticos, sociais, econômicos. Fato que direciona as práticas e os olhares que passam a organizar os processos de formação humanista. Na contemporaneidade, ressaltamos dois direcionamentos que norteiam a educação: por um lado, a educação é apreendida como ferramenta para atender anseios do sistema vigente, ou seja, como instrumento de preparação e qualificação para o mundo do trabalho. Por outro, entendemos que os sistemas de ensino e formação devem contribuir, prioritariamente, para a construção do sujeito individual e sua relação com o coletivo. Não queremos afirmar, com isso, que se trate de posições excludentes, mas de princípios orientadores das ações educacionais, os quais, por sua vez, materializam-se de maneiras distintas em diversas linhas e teorias pedagógicas. 1 Graduanda do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] Graduanda do curso de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 3 Professor Adjunto do Departamento de Administração Escolar e Planejamento Educacional da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 2 2 Paradoxalmente, os horizontes do ideal humanista foram gradativamente sendo exilados, uma vez que as teorias educativas, em sua maioria, se limitam a uma única dimensão do ser humano, a cognitiva, vista como desarticulada das demais. Para a perspectiva holística, a ênfase unidimensional na cognição reverbera uma visão limitada que dificulta o próprio processo de democratização da sociedade e que, portanto, contribui para perpetuar as injustiças e desigualdades sociais, atributos estes contrários à sustentação de um regime democrático. A pergunta que nos propomos responder é: em que medida a perspectiva holística pode contribuir para uma compreensão mais abrangente da democracia e, consequentemente, das finalidades que devem orientar os processos educativos em uma visão democrática? Esse trabalho assume a hipótese, defendida pela abordagem holística, de que a democracia “é um sentimento geral em direção à vida, um sentimento que dá significado a certos princípios diretivos. Esse sentimento levou os homens a acreditar que trabalhando juntos podem construir, progressivamente, uma vida melhor para todos, do mesmo modo que o levou a perceber o enriquecimento na diversidade” (YUS, 2002, p.168), sendo a escola um instrumento vital para consolidar e expandir a democracia. Admitimos que o desenvolvimento de um ambiente democrático, desde o âmbito escolar, pode contribuir para mudanças nos/as educandos/as e educadores/as na forma de sentir, agir e pensar, melhorando a convivência, o respeito entre ambos e a participação na vida comunitária. Nesse sentido, a pesquisa assumiu como objetivo principal analisar como a perspectiva holística concebe a democracia, problematizando suas implicações para o campo educativo. Mais precisamente, a pretensão foi analisar as contribuições da abordagem holística para o desenvolvimento da educação integral e democrática, identificando os aspectos positivos e as limitações dos modelos democráticos e da educação vigentes. O artigo está dividido em cinco partes: inicialmente, evidenciaremos os procedimentos metodológicos; faremos uma discussão teórica sobre a concepção histórica de democracia; posteriormente, sobre a perspectiva holística; em seguida, apresentaremos os resultados da análise das entrevistas e por fim, expressaremos as considerações finais. Democracia dos Antigos e Modernos Conceituar a democracia é um desafio. Por essa razão, optamos por um retorno aos clássicos do pensamento político. Nesse contexto, denomina-se democracia (do grego demos, 3 "povo", e kratos, "autoridade") uma forma de organização política que reconhece aos cidadãos o direito de participar da gestão dos assuntos públicos e sociais da polis. Benjamim Constant, em sua célebre conferência - Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos -, descreve a liberdade dos antigos como participação direta dos sujeitos na elaboração das leis e nas decisões políticas, reunidos em assembléias populares 4. Segundo Bobbio (2000), a diferenciação entre democracia dos antigos e democracia dos modernos é visualizada através de duas características que estão intimamente relacionadas: o uso descritivo e o uso valorativo da palavra. De acordo com este autor, “no seu uso descritivo, por democracia os antigos entendem a democracia direta, os modernos, a democracia representativa” (p.371). O voto é um elemento diferenciador dessas formas, para os antigos, ele era usado não apenas para eleger quem deveria decidir, mas também para decidir diretamente as questões colocadas nas Assembléias. Nas sociedades modernas, ao contrário, são bastante reduzidas as possibilidades de participação direta de todos os cidadãos, dado o número e a complexidade das diversas instituições e dos assuntos públicos em geral. De forma que o exercício direto da democracia só parece ser possível em algumas poucas instituições tradicionais - administração municipal, assembléias populares ou plebiscito na convocação do povo para decidir sobre questões polêmicas, por exemplo. O que leva a crer que na maioria dos países democráticos, é mais comum o exercício da democracia por meio de um sistema indireto. Atualmente, pressupõe-se a democracia como um sistema de governo que pretende garantir direitos e liberdades. Para Touraine (1996), essa é uma posição influenciada pelo liberalismo5, que compreende a democracia como o acesso a bens e serviços. Por essa razão, na democracia moderna, a soberania desloca-se da idéia coletiva de povo para o cidadão tomado individualmente, concentrando-se no poder econômico e político das elites, as quais afirmam deliberar em nome dos interesses do povo. O que não deixa de ser contraditório. Pois se, por um lado, admiti-se que o poder emana do povo, por outro, legitimase uma desconfiança quanto ao poder desse mesmo povo, ao tomarem decisões baseadas em seus próprios interesses (CUNHA, 1995). Esse modo de pensar a democracia tem repercussões para a educação ao enfatizar que “todos têm liberdade para se educar, mas não têm igualdade, as mesmas condições, porque a realidade sócio-econômica das diversas classes 4 O paradigma clássico é a democracia das “cidades-estados” da Grécia. Entende-se por liberalismo, um sistema filosófico e modelo democrático, surgido no século XVIII, cujos valores: de liberdade, igualdade, propriedade e fraternidade, que se interligavam, foram elaboradas para atender os anseios da ascensão da classe burguesa contra a aristocracia. (CUNHA, 1985) 5 4 dentro da sociedade burguesa não lhes permite uma mesma instrução” (Idem, p. 44), tendo em vista que as condições sócio-econômicas podem influenciar o desenvolvimento das competências sociais dos sujeitos. Perspectiva Holística: outro olhar sobre a educação democrática O entendimento da visão holística sobre a democracia pode ser facilitado com a busca do seu significado etimológico. A palavra holismo vem do grego holos e diz respeito ao todo, constituído por partes (CARDOSO, 1995; TAVARES, 2000.). Nessa compreensão da realidade, o todo e as partes se relacionam e interpenetram de forma dialética, assim como as dimensões que formam o ser humano (emocional, cognitiva, espiritual, sexual, política), os acontecimentos da vida. Com embasamento na Declaração de Chicago, elaborada na Conferência Internacional de Educadores Holísticos, surge em 1997 o termo Educação Holística. Esse documento explicita a necessidade de uma educação que leve em conta a conexão, a consideração da personalidade global dos estudantes, contribuindo para o enfrentamento dos desafios da vida. Essa perspectiva aponta que, Na Educação Holística, não há conjunto de técnicas para chegar a uma determinada mudança de comportamento. É o “processo” de despertar a consciência que dará ao aluno a constatação de sua ligação e interdependência com os demais. Uma das marcas da Educação Holística é que seu sucesso não depende, exclusivamente, [Grifo nosso] de elementos materiais, de currículo ou de tecnologia, mas basicamente da pessoa humana. É no processo de transformação interior que reside as dificuldades e o sucesso do processo. (FARIA, s/d., p. 02) A educação holística coloca em primeiro plano o processo de ensino e, em segundo, os conteúdos programáticos. Além disso, estes são trabalhados de forma interdisciplinar e/ou transdisciplinar. Outro aspecto importante é a valorização da ecologia, da arte, da auto-estima dos envolvidos no processo educacional e da espiritualidade. Esta se destaca, nessa abordagem, por não está ligada a dogmas religiosos e por estimular os sentimentos de compaixão, esperança, contemplação dos mistérios da vida, sendo vista como uma energia vital que abrange o intelecto, as emoções e a força física. (TAVARES, 2000.). Entendemos que a área educacional, atualmente, está diante de uma crise preocupante: problemas de aprendizagem dos estudantes, evasão escolar, desinteresse pelas aulas, professores/as desestimulados/as a exercerem a profissão devido a baixos salários, disciplinas trabalhadas de forma desarticulada das demais e descontextualizadas das realidades dos/as 5 estudantes. O problema que se coloca é que negligenciar uma determinada dimensão humana leva negar nossa constituição legítima. Então, para a perspectiva holística, a percepção fragmentada das várias dimensões humanas poderá acarretar perdas para a prática pedagógica, uma vez que os sujeitos não são enxergados em sua totalidade. Os sistemas educativos enfatizam, em grande parte, a dimensão cognitiva dos/as estudantes. As demais dimensões que integram o ser humano são poucas ou não são consideradas. A abordagem holística defende o equilíbrio dessas dimensões para o desenvolvimento integral do indivíduo. Para Clotilde Tavares (2000), a importância da abordagem holística na educação está relacionada com o favorecimento de uma visão global da vida. Essencialmente, a consciência holística propõe o desenvolvimento da autonomia do indivíduo, a compreensão global do mundo e a organização do pensar e do sentir em prol da melhoria de vida. O interesse dos/as educandos/as em aprender, muitas vezes está relacionado à própria relação entre educandos/as e com as demais pessoas envolvidas na atividade educacional. Na perspectiva holística, estas relações devem ser de proximidade, de cooperação, de abertura, de flexibilidade, equilibrando na prática do ensino, o intelecto com o afetivo. Nesse sentido, as relações não podem ser autoritárias e o diálogo com criticidade assume um importante papel para que as questões colocadas em pauta sejam vistas por diversas dimensões e globalmente compreendidas. Com isso, possivelmente, se terá maior identificação e aceitação das decisões e normas oriundas deste tipo de educação, já que os envolvidos no processo educacional têm oportunidade de participar da construção da democracia. Segundo Rafael Yus (2002, p.153-155), O objetivo do currículo holístico é construir comunidades de aprendizado estabelecendo conexões entre os estudantes, e entre eles e a comunidade. Porém educar em comunidade exige adotar uma estrutura de organização que garanta o exercício cotidiano das relações de comunicação próprias de uma comunidade, e que essas relações sejam regidas pelo princípio de igualdade/responsabilidade e não pelo de hierarquia/submissão. Isso significa que educar em comunidade está de acordo com os princípios da educação democrática, em que se ensina a participar, a cooperar, a assumir responsabilidades e a aceitar as decisões da maioria (...) é preparar as pessoas para que sejam capazes de assumir no futuro as idéias e os hábitos democráticos, e a escola é um instrumento para reproduzir, consolidar e otimizar a democracia. A perspectiva holística aborda a escola como uma comunidade de aprendizagem. Nesse contexto, o currículo assume uma relação constante com a vida, o que requer um 6 ambiente apropriado, com apoio, valores, sentidos de responsabilidade e aceitação da aprendizagem, que reforçam a auto-valorização, o trabalho intelectual criativo e o comportamento responsável. Os resultados são projetados para desafiar a intuição, a imaginação, o conhecimento e as destrezas dos envolvidos no processo educacional. Todos participam do processo educacional e a aprendizagem vai além da sala de aula - visa extrair o melhor das possibilidades criativas inerentes de cada ser (Idem, 2002). Diante do exposto, a educação holística parece ultrapassar as barreiras impostas pelos interesses econômicos e políticos da atualidade que determinam, até certo ponto, o direcionamento da função da escola. Possibilita uma nova compreensão de sujeito e de mundo, religando o ser ao encontro com sua própria razão de existir, a partir do autoconhecimento e respeito íntimo. O resgate da idéia de comunidade de aprendizagem é indispensável para a formação dos/as educandos/as, cujo valor pedagógico, Yus (2002) resume em dois aspectos: O primeiro refere-se ao aspecto cognitivo onde evidencia que o indivíduo não aprende somente nas escolas, mas dispõe de muitas outras fontes que a escola tradicional procurou ignorar sistematicamente por se desviarem da lógica das disciplinas acadêmicas. Em substituição ofereceu aprendizagens pouco significativas, desmotivadoras e não-funcionais... O segundo aspecto, do ponto de vista social, aborda o ser humano aprendendo em grupos culturais. Isto nos leva a considerar o princípio holístico de ligação com a humanidade e suas produções, tanto no tempo histórico, como no espaço geográfico. (p. 06) Este pensamento, sobre as comunidades de aprendizagem, também pode ser apreendido a partir da filosofia de Buber sobre educação. Santiago (s/d) afirma que para Buber, a educação constitui-se numa dimensão fundamental na constituição da comunidade. Ele caracteriza a educação como “uma preparação para o sentido de Comunidade, na vida pessoal e com a vida pessoal” (s/d, p. 04). Dessa forma, uma educação, que capacite cada indivíduo a crescer globalmente, não pode ser ditada por uma ideologia ou por um método, mas requer uma relação fluida entre educandos/as e educadores/as. Trata-se de um desenvolvimento completo do ser humano, para além dos condicionamentos. Nessa direção, a vivência de um ambiente participativo, que possibilite o desenvolvimento do ser em suas multidimensões em sala de aula pode contribuir para modificar nos/as educandos/as e educadores/as a visão da realidade de forma mais sensível e crítica, melhorando a convivência, não apenas no ambiente escolar, mas também, na sociedade. 7 Procedimentos metodológicos Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que fez uso, simultaneamente, de análises documentais, em que decorremos um tratamento novo ao material estudado e de entrevistas, onde buscamos identificar e compreender as concepções de democracia, de holística e de educação para possibilitar a relação entre democracia e educação na perspectiva holística. Nos dois casos, a finalidade consistiu em investigar a compreensão dos pesquisadores do campo educacional a respeito da temática problematizada. No primeiro momento, procedemos a uma revisão bibliográfica para mapear os autores, nacionais e internacionais, associados com a temática e, ao mesmo tempo, contribuir para a formulação do roteiro de entrevista a ser utilizado na fase posterior. No segundo momento, realizamos entrevistas com pesquisadores e professores da Universidade Federal de Pernambuco, que estão envolvidos, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, com a perspectiva holística. As entrevistas foram transcritas e organizadas em matrizes analíticas para extrair as categorias mais significativas: educação holística, democracia, modernidade, multidimencionalidade e conhecimento. Com isso, foi possível extrair (sintetizar) e comparar as visões que os sujeitos entrevistados possuem da relação educação e democracia em uma perspectiva holística. A análise foi realizada através de um diálogo entre os sujeitos e o referencial teórico, bem como, com o confronto com as hipóteses iniciais. Realizamos quatro entrevistas, onde cada uma levou em média 60 minutos e foram baseadas nos seguintes pontos: concepção de integralidade, educação holística, educação democrática e democratização dos saberes. A discussão dos dados será apresentada em dois momentos: no primeiro momento discutiremos a relação entre a abordagem holística e os processos sociais; no segundo momento a análise focalizará a visão de integralidade e interdependência e suas implicações para o campo educativo. Por fim, apresentaremos uma discussão crítica acerca da educação democrática na perspectiva holística com intuito de verificar em que medida os objetivos iniciais da pesquisa foram alcançados. 8 A Relação entre a Abordagem Holística e os Processos Sociais A compreensão da relação entre a visão holística e o processo social implica na indagação de como essa perspectiva é concebida. A partir desse entendimento, procuramos analisar os posicionamentos dos sujeitos entrevistados sobre essa temática. A análise das entrevistas desvelou uma visão polarizada da abordagem holística. Esta é abordada ora como um instrumento de luta social ora como uma forma de visão teórica crítica sobre a realidade social. Nesse último caso, para alguns entrevistados o ato de pensar com base na perspectiva holística já seria um tipo de intervenção na realidade. A dimensão política e a dimensão econômica, assim como outras dimensões humanas integram a perspectiva holística. Na medida em que se desenvolvem, possivelmente, possibilitarão uma melhor visão de si, do outro e de mundo, com a construção de uma sensibilidade que ultrapassa os interesses pessoais. Isso se expressa no engajamento solidário entre os sujeitos e, entre eles com o mundo, com a superação do alcançar unicamente os anseios próprios para atingir o benefício do coletivo. Desse modo, é uma atitude de diálogo constante com a vida e com o que é transcendente. Essa afirmação indica que o ser humano não pode ser compreendido de forma isolada, mas na sua relação com a comunidade, que compreende a família, o trabalho, enfim, toda a sua forma de viver (SANTIAGO, s/d, p. 03). Nesse sentido, compreendemos a interligação do pensamento holístico com a percepção crítica dos fenômenos sociais, uma vez que a holística compreende e defende o desenvolvimento multidimensional do ser humano. Esse foi, portanto, um dos focos de nossa problematização nas entrevistas: verificar em que medida os pesquisadores articulam essa forma de compreender a realidade e o ser humano com as questões relativas à sociedade e suas problemáticas, mais precisamente, perceber as possibilidades e limites apontados, pelos pesquisadores, para o desenvolvimento da educação, sob a perspectiva holística, dentro de um contexto social que dificulta esse processo (essa visão multidimensional). As entrevistas evidenciaram dois posicionamentos a esse respeito. Um dos posicionamentos falava da inviabilidade do trabalho com a perspectiva holística no âmbito educacional, dentro da atual conjuntura social, política e econômica. Em outros termos, para um dos entrevistados, haveria uma impossibilidade no desenvolvimento multidimensional do ser humano, devido ao conflito de interesses entre a perspectiva holística e o sistema capitalista. A compreensão é a de que O sistema é maravilhoso, no sentido de que ele permite que você desenvolva algumas idéias sob perspectiva transformadora, incluindo a educação 9 holística [grifo nosso] e lá pras tantas, você está bloqueada de materializar essas idéias. Ele compra a idéia, analisa, estuda e muda o final em benefício próprio. (B. V. Entrevista 02, p. 04). Nesse sentido, a holística se apresenta como uma forma de recurso ideológico do próprio sistema capitalista na perspectiva de manter os processos de dominação e alienação social. Para um dos entrevistados esse problema é agravado na periferia do Brasil, com a “recriação do espaço geográfico”, através da influência das elites na criação de mecanismo que contribui para o maior estímulo às “dimensões mais primitivas” do ser humano. Com isso, instiga a falsa sensação de completude e de felicidade, que pode contribuir para manter e reproduzir a pobreza política dos sujeitos. Reflexão que pode ser identificada na seguinte argumentação, A recriação do espaço geográfico, principalmente, periférico, ou seja, essas elites ocidentais estão criando nas periferias, um meio ambiente extremamente favorável à realização de todos os instintos mais primitivos do ser humano. E os seres humanos estão profundamente felizes com a sexualidade aberta, com a droga, com a ilusão da loteria, com tudo isso que o sistema proporciona de felicidade para as pessoas. No sentido de atender apenas a uma determinada dimensão e nunca as outras. É como se as outras dimensões mais nobres, mais avançadas, mais espiritualizadas, mais filosóficas, mais religiosas não existissem, só existisse a coisa mais brutal e as pessoas estão satisfeitíssimas, nessa realização da sua dimensão brutal, mais primitiva. (B. V. Entrevista 02, p. 05) Vale ressaltar que não se trata, nesse entendimento, de uma forma de desqualificação da abordagem holística. Ao contrário, compreende-se a holística como possibilidade de ser estratégia crítica ao sistema, mesmo que seus argumentos não ultrapassassem o campo teórico. Questiona-se, na verdade, a possibilidade de uma educação promover a completude (integralidade) quando o próprio sentimento de incompletude ainda não se faz presente (FREIRE, 2003). Isso significa que a possibilidade de uma pedagogia crítica só pode se realizar, efetivamente, quando a busca de alcançar a completude se fizer presente, o que dificilmente será alcançado em função das falsas promessas da sociedade capitalista que confunde, intencionalmente, completude com consumo e acúmulo de bens materiais. Daí certa visão melancólica em relação ao pensamento holístico: “Do ponto de vista filosófico e místico seria interessantíssimo a gente poder desenvolver esse projeto, e talvez, possa ser desenvolvido em âmbito muito limitado” (B. V. Entrevista 02, p. 04), ou seja, embora exista o interesse nesse tipo de abordagem, a compreensão que se expressa, revela o caráter limitado de suas possibilidades reais de intervenção e mudança social. Sugestiva é a 10 posição de que a perspectiva holística é interessante para ampliar a discussão religiosa e metafísica (ponto de vista filosófico e místico). Cremos, inclusive, ser possível uma aproximação com o modo em que a crítica marxista aborda o pensamento filosófico enquanto pensamento contemplativo, abstrações, que têm pouca influência no processo de transformação da realidade. Esse pensamento é exemplificado na terceira, na sexta e oitava teses de Marx sobre Feuerbach (In ENGELS, 1888)6. Assim, chegamos a um conflito na entrevista. Por um lado, a abordagem holística é compreendida como uma ferramenta de luta social. Mas, por outro lado, não se pode fazer uso dessa ferramenta a não ser de uma “forma mística e filosófica”, ou seja, de uma forma que não ultrapassa o campo teórico-especulativo. Observamos, aqui, as mesmas implicações derivadas das chamadas teorias crítico-reprodutivistas, as quais compreendem que o sistema educacional assume a função social de reprodução dos ideais dominantes e por isso mesmo, é tida como um forte instrumento que os legitima. Defendem a transformação social, mas esta acaba impossibilitada já que as tentativas de superação estão barradas, quando não, adaptadas para reforçar os interesses dominantes (SAVIANI, 1988). Esse modo de pensar a realidade social parece ter afinidade com o pensamento de alguns entrevistados, quando estes afirmam que é possível desenvolver a educação holística apenas de forma restrita e como efeito de demonstração. O que se reforça na idéia de que a formação, com bases holísticas encontra obstáculos por ser contrária à instrução que se recebe hoje, sendo uma forma de “nadar contra a corrente” por acreditar que a escola desempenha o papel de reprodutora da realidade social. Esse posicionamento é expresso nesse trecho da entrevista: Dentro do sistema capitalista, não pode admitir um ser humano racional, um ser humano integral porque seria fatalmente inimigo do sistema... A escola pode contrariar a realidade da sociedade, a gente pode ter uma escola que vá de contra todas as diretrizes que existe na sociedade? Se a sociedade que agente vive, é uma sociedade profundamente estratificada, se vivemos numa sociedade periférica do sistema, ou seja, mesmo a nossa elite, é uma elite subordinada às elites centrais. Como pensar numa visão holística, que seria horizontal? Pelo amor de Deus, é impossível!...No momento em que você perceber todo o sistema condicionado totalmente, você tem um mínimo senso de justiça, você se ergueria e seria um rebelde contra o sistema. (B. V. Entrevista 02, p. 03 e 05). 6 “3 - A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária”. 6 - “Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais”. 8 - “A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que induzem a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis”. 11 A educação holística, nesse entendimento, ao buscar o equilíbrio das dimensões na formação do ser individual e coletivo e pela conexão entre os acontecimentos da vida, promove a ampliação da compreensão da realidade, não obstante, não se acredita que isso seja possível. O papel que essa educação parece ter é tão somente a denúncia do sistema capitalista. Ora, se afirma que o sistema capitalista não permite o desenvolvimento de idéias que não lhe interessa, e que seria ingenuidade pensar na mudança da sociedade neoliberal, a partir da contribuição da educação holística, pois, “as tendências são terríveis”. Ora, se diz que é preciso levar adiante as idéias holísticas para se lutar pela materialização dessa educação, já que nessa perspectiva, a educação democrática é tida como revolucionária como estratégia de denúncia do sistema e dos desencontros da democracia com a realidade7. Entretanto, esse posicionamento é questionado, por outro entrevistado, quando lembra a associação entre holística e desenvolvimento ético. Nesse caso, a compreensão é que atitudes de comprometimento e liberdade “de alguém que está ligado consigo próprio, que está ligado com o outro e que está ligado com a natureza e com algo mais abrangente dentro de uma dimensão de transcendência” (L. A., Entrevista 04, p. 04), mantém, sim, um vínculo direto com processos de mudança social. Para esses entrevistados, o problema está na própria forma como se compreende a abordagem holística e seus usos sociais. Em outros termos, para esses entrevistados, não se pode pensar em um tipo de aplicação da visão holística ou de qualquer outra teoria, pois essas seriam embasamentos que ajudam na formulação do pensar pedagógico e das práticas educativas. Teorias, paradigmas são chaves de leitura. Por isso mesmo elas já são intervenção social, na medida em que o pensamento e o discurso formam pessoas, formam sujeitos e configuram práticas. É uma intervenção não é uma aplicação desta teoria ou daquela... Quando você formula um pensamento holístico você está fazendo uma intervenção... A abordagem holística me ajuda a pensar que, primeiro as abordagens são narrativas são muitas e que eu preciso ter linguagens para construir essas narrativas e que dêem conta da integralidade dos processos, porque tudo está junto e eu estou preocupado que as coisas sejam inteirezas, busquem responder a natureza de integralidade da vida, dos processos vitais. (P. A. Entrevista 03, p. 03 e 11). Essa posição parece indicar outro modo de pensar a holística como ferramenta de luta e de intervenção social, ou seja, diz que o próprio ato de pensar criticamente embasado nos 7 Surgem, então, os seguintes questionamentos: Como o sujeito pode se erguer quando tudo está condicionado pelo sistema? A Holística seria alheia ao contexto social vigente? Se o pensamento holístico se posiciona em favor do diálogo entre os contrários na busca pela harmonia, como estaria promovendo o conflito, a formação de inimigos? O desenvolvimento da educação holística depende do sistema político que está no poder? 12 princípios holísticos já seria uma forma de intervir. O que se expressa também com a interação com outros sujeitos, quando se constroem narrativas “Sobre quem eu sou? A que vim? Como sou?” (P. A. Entrevista 03, p. 11) não se perdendo de vista que a realidade é dinâmica e que somos seres em constante interação com realidade. Portanto, se reconhece que a formação da identidade dos sujeitos e a sua forma de intervir na realidade está interligada com seus valores, com sua forma de pensar e sentir perante a realidade. É essa consciência da integração do sujeito com algo maior que vem ajudar na compreensão e modificação da realidade e no conhecimento do próprio ser. Posição que é compartilhada pelos pesquisadores da educação holística (CREMA, 1988) quando afirmam que quando sentimos uma conexão com o que há de mais profundo em nós, quando sentimos de forma intensa, a ligação entre o todo, produzimos ações coerentes que irão se refletir na vida cotidiana dos sujeitos, contribuindo para que se valorize, compreenda criticamente as relações no mundo e lute em benefício do seu ser e da coletividade (CARDOSO, 1995. TAVARES, 2000). Assim, a visão educacional holística reflete e contribui para uma atuação política no mundo, carregando os valores defendidos pelo pensar holístico, dentre eles, a cooperação e o pensamento coletivo. A questão, entretanto, é que há uma significativa diferença entre a atitude da militância política que usa da violência na luta contra o poder dominador e aquela, pacifista, que pratica a resistência mediante a não-violência ativa... Resgatar a relação essencial entre a espiritualidade e o pensamento crítico, entre a consciência individual e a consciência social é o grande desafio da teoria holística. (CARDOSO, 1995, p. 52). Há uma inversão analítica. Assim, se “está todo mundo pensando tudo a partir do mercado. Nós queremos exatamente, pensar o Governo, o Estado e o Mercado a partir da sociedade” (P. A. Entrevista 03, p. 09). De forma que a perspectiva holística, por pensar mais no coletivo com a idéia de interdependência, promoveria outro modo de abordar as questões e problemas sociais. Não se busca negar o governo, o mercado ou qualquer linha de intervenção societária, ao contrário, a idéia de interdependência permite dialogar com esses segmentos e buscar contribuições para uma forma mais humanizada de vida. Com essa concepção, é possível identificar como a forma de pensar o mundo, a relação do eu individual com o eu coletivo se materializa a partir de nossas ações concretas na realidade. Essa seria a forma pela qual a abordagem holística contribuiria para um processo de efetiva democratização das relações sociais, já que os valores holísticos seriam também defendidos pelos ideais democráticos. Tanto um como o outro propõem uma compreensão 13 mais abrangente da realidade e sensibilidade, na construção de uma vida melhor, estabelecendo conexões positivas entre todas as dimensões da vida. A holística é uma atitude diante da realidade, uma forma de ver e compreender o mundo, um espaço onde é permitido um intercâmbio dinâmico entre Ciência, Arte, Filosofia e as Tradições Espirituais... O pensamento holístico permeia todos os níveis de atuação do indivíduo. Admite todos os sistemas filosóficos... Respeita o que cada um tem de importante... Não nega nem afirma. Trata-se, tão-somente, de construir pontes, de estabelecer nexos e correlações... Considera que em cada coisa está representado o Todo e que este transcende a simples soma de suas partes. (TAVARES, 2000, p. 62 e 63). Compreendemos que a formação do ser, sendo este o fim da educação holística, não pode depender de qualquer forma de condicionamento. É com essa perspectiva que um dos entrevistados define a educação democrática na perspectiva holística: A educação democrática, se pensar na raiz das coisas, ela pressupõe que se formem cidadãos nessa visão de pessoas que possam se exercer na vida de uma forma autônoma, e isso supõe que sejam pessoas que estejam integradas nessa relação indivíduo do grupo coletivo, a relação teoria- prática, sujeitoobjeto, a relação pensamento-sentimento... Sempre é possível atender ou colocar a abordagem do pensamento das coisas de forma mais ou menos integral, ou seja, buscar conexões. (P. A. Entrevista 03, p. 06 e 07) A holística não nega os condicionamentos econômicos, políticos, sociais e culturais que produzem a dominação e exclusão social, que trazem consideráveis obstáculos para mudanças, o que essa perspectiva não faz é absolutizar, ou seja, esses condicionantes não determinam as ações do sujeito, não tiram sua liberdade completamente. A análise das entrevistas possibilitou que enxergássemos semelhanças e diferenças nos discursos dos entrevistados que estão atreladas à forma de perceber a educação holística em relação aos processos sociais. Os sujeitos parecem ver a perspectiva holística como uma forma de intervenção, seja como “chave de leitura”, seja como prática para a transformação. Essas considerações parecem estar relacionadas com a forma em que concebem a própria idéia de democracia. A fala de alguns entrevistados se afina com a idéia marxista de que “A liberdade política depende, em última análise, da liberdade econômica” (KONDER. p. 39, 1976), de forma que o desenvolvimento dessa educação é vista como improvável, devido aos condicionantes materiais do desenvolvimento humano. Ao contrário de outros entrevistados, que levam a crer que sua compreensão de democracia é pautada em bases holísticas, acredita na possibilidade de intervenção social a partir das contribuições dessa perspectiva. 14 A Visão de Integralidade e Interdependência na Educação Holística Esse tópico irá analisar nos discursos dos entrevistados a concepção de integralidade, na busca de identificar possíveis contribuições para ampliar a compreensão da educação democrática nessa perspectiva. As entrevistas realizadas apontam para a necessidade de buscar a conexão entre o ser e o conhecimento, o ser e as suas dimensões, o ser e as outras pessoas e os fenômenos da vida. Conexão esta, que em grande parte dos segmentos sociais está sendo desconsiderada, inclusive, no âmbito educacional, em que se tem a ênfase sobre a racionalidade instrumental. A educação comumente, teorizada como democrática, parece enxergar o consenso sobre um determinado assunto, advindo do pensamento da maioria como o unicamente, válido. Embora, saibamos que na prática, as decisões decorrem de uma pequena parcela da sociedade detentora do poder. Porém, ao relacionar essa observação com os princípios holísticos, os quais acreditamos se afinar com os democráticos, surge o questionamento se a decisão da maioria significa a decisão mais consciente e justa. Por essa razão, ...a influência da maioria nas decisões pessoais parece muito mais emocional do que lógica; ao mesmo tempo, a regra da maioria como instrumento quantitativo para a tomada de decisões parece absolutamente legítima e democrática, assumindo mesmo as feições de um aparato lógico. Se um livro ou um filme são lidos ou vistos por milhões de pessoas, isso não constitui atestado de qualidade, nem pode fundar um juízo de valor. (MACHADO, Nilson, 2005, pp. 02 e 11). A concepção que comumente se tem da razão e o seu mau uso foi alvo de reflexão e visualizada em algumas das entrevistas, chamando atenção para o fato de que está sendo utilizada com motivações que não são racionais, sobretudo, pela sua desarticulação com as outras dimensões. Essas considerações implicam na questão de que se é possível atingir o consenso no âmbito educacional ao lidar com diferentes sujeitos, que tem diversas concepções sobre a realidade, sem estimular a homogeneização? Por que é que a razão na modernidade está fazendo tanto estrago? Porque ela está sendo utilizada com motivações que não são racionais. Não é a falta de razão, mas, a falta de uma razão mais abrangente, uma razão mais profunda que pode nos ajudar. Então, essa razão mais profunda, mais abrangente, nesse caso, iria incluir o lado emocional, iria incluir o lado físico, as sensações físicas. Quer dizer: aquilo que se faz hoje, digamos, no momento que a gente castiga a razão, critica a razão, vai dizer: não, a gente tem que prevalecer o emocional. Faz alguns exercícios sentimentais, que normalmente é isso que acontece, mexe com as emoções com o corpo, mas 15 não gera por causa disso um comprometimento da pessoa com a própria razão, para mim, nada feito. (R. F. Entrevista, 01, p.03) Nesse momento histórico, o campo educativo é visto para alguns autores como um lugar favorável para a construção da democracia e também, alvo de disputas hegemônicas, onde os anseios dos dominantes são trabalhados. Frigotto (In GENTILLE SILVA, 2002) aponta que: Democrática é a escola que é capaz de construir, a partir do dialeto (lingüístico, gnosiológico, valorativo, estético, cultural, em suma) uma ordem mais avançada e, portanto mais universal... Não consiste na visão de que todas as crianças e jovens devam ter o mesmo atendimento, já que as condições historicamente dadas são de uma brutal desigualdade. Democrática é a sociedade e a escola que instauram um processo de relações cujo horizonte histórico seja a equalização no plano do conjunto de condições necessárias à emancipação humana. (p. 73) Segundo Bobbio (2000), no Estado democrático, as informações precisam ser refletidas e discutidas pela sociedade e não podem chegar atrasadas às classes populares. É preciso ter flexibilidade para voltar atrás nas decisões que foram tomadas, quando se reconhece não serem tão sábias. Entretanto, está enraizada na cultura a herança do colonialismo e da ditadura militar, a idéia de que os direitos conquistados são favores de uma classe privilegiada sobre as massas. Nesse sentido, essa desigualdade de direitos é refletida de forma cristalina na educação escolar. Embora, mais pessoas tenham acesso à escola, o que se vê hoje, é que a qualidade da educação formal parece entrar em declínio. O desconhecimento da realidade em que se vive, seja nacional e mundial, ocorre, mesmo quando se tem maior acesso a informação via internet e outros recursos tecnológicos, pois na maioria das vezes são mascaradas e fragmentadas. O que nos leva a crer que essa ocultação pode ser proposital, em prol da manutenção da ordem vigente. Nas entrevistas realizadas, percebemos, também, uma afinidade referente a esse posicionamento, a partir da compreensão de que na educação se trabalha com a idéia de democratização dos saberes. A fala em seguida sintetiza bem essa idéia: Uma educação holística, ela, já é por si só uma democratização dos saberes. Porque trabalha dentro de uma visão transdiciplinar, aonde o saber, ele não está encaixotado em blocos de especialistas, mas esses saberes, eles vão tendendo a uma abrangência o mais ampla possível, tendo essa perspectiva de propiciar à sociedade uma maior consciência de si e uma maior abrangência das suas redes de relações de forma a ter inclusões cada vez mais abrangentes. (L. A. Entrevista 04, p. 06). 16 As entrevistas também apontam que a democratização dos saberes, é uma realidade evidente, devido às inovações tecnológicas, sobretudo com a internet as informações se tornaram acessíveis à maioria da população, mesmo quando se têm condições financeiras mínimas pode-se encontrar lan-house dentro das favelas. No entanto, o problema que se apresenta é a qualidade dos saberes, a forma em que o estudante vai selecionar e formular o pensamento a respeito, não é apenas o fato de se ter acesso, mas como está sendo realizado. Isso é um processo absolutamente individual. Quer dizer, na visão holística a apropriação de um saber significa que um saber tem que ter a profundeza, com o tempo, numa crença de você mesmo, aquilo que esta gerando toda essa realidade, a natureza própria da realidade, e agir em sintonia com isso tudo, quer dizer, o saber precisa ser incorporado, aprofundado, tornar uma convicção. Então esse conhecimento você não vai democratizar. (R. F. Entrevista 01, p. 07) A educação holística propõe o aprender a aprender, a convicção íntima, a incorporação do conhecimento a partir do autoconhecimento e da compreensão de que existe uma interdependência entre os acontecimentos e os seres, bem como, a busca de alcançar a integralidade. Aprendizado que assume um importante papel para a vida dos/as educandos/as e educadores/as. O estímulo à dimensão intelectual é essencial quando se fala de democratização dos saberes, porém, quando o seu desenvolvimento marginaliza as outras dimensões, igualmente importantes acaba por deixar lacunas na vida da pessoa. É justamente, o que a Educação holística vem destacar, ou seja, que se precisa buscar de forma constante, o equilíbrio das dimensões do ser para ter uma melhor qualidade de vida. Nessa direção, eis o que afirmou um dos entrevistados: Uma visão holística de educação tem por meta a formação, ou seja, propiciar a essa pessoa um processo de humanização mais amplo possível, que possibilite a ela se tornar ou poder desenvolver nessas relações, que ela tenha, nesses ambientes formativos, se desenvolver como um ser ético, que dentro de uma perspectiva mais abrangente a gente poderia dizer, um ser espiritual. Espiritual no sentido aqui mais profundo, ou seja, de alguém que está ligado consigo próprio, que está ligado com o outro e que está ligado com a natureza e com algo mais abrangente, dentro de uma dimensão de transcendência. (L. A. entrevista 4 p.4) O ser humano, conforme esse posicionamento é permeado por diversas dimensões, a saber: cognitiva, espiritual, afetiva, sexual, dentre outras, que se interligam. Dessa maneira, a percepção fragmentada das multidimensões do ser acarreta perdas para a prática pedagógica, 17 já que os sujeitos no atual sistema educacional não são enxergados em sua totalidade. De forma que a busca pelo equilíbrio precisa ser uma constante na vida, para que as somatizações decorrentes desse desequilíbrio possam ser evitadas ou minimizadas. Nessa compreensão, a educação pode ser entendida como a busca por integrar as várias dimensões humanas, de maneira proporcional e gradativa. A possibilidade, o impulso, “a chave” para identificar o que nos é mais autêntico. Esse sentido é exemplificado, pelo fato de não haver realização profunda com apenas algumas dimensões, que são, em sua maioria, priorizadas atualmente. Onde, é perceptível a busca cada vez mais crescente por meios superficiais que a modernidade encontrou para minimizar o sentimento de vazio, de incompletude, gerado pelo pensamento reducionista de ser humano. Sobre esse aspecto, entendemos que o discurso dos entrevistados apresenta alguns elementos em comum. Embora, também seja possível visualizar uma sutil divergência na possibilidade de materialização dos princípios holísticos, principalmente, na possibilidade de superar a fragmentação das dimensões humanas na relação com a sociedade. O alcance da não–fragmentação é percebido em algumas entrevistas, como algo que foge à capacidade da maioria dos seres humanos. A princípio se poderiam obter aproximações, o que no pensamento kantiano corresponderia a uma idéia regulativa. Mais ainda. Nessa compreensão, a experiência de integralidade não se reduz a simples junção das dimensões que integram o ser humano (sexual, cognitiva, emocional, espiritual, política), os acontecimentos (econômica, política, educacional) e os diversos saberes. De forma que as dimensões densas atuam nas mais sutis e vice-versa, embora, uma dimensão possa se sobrepor às outras, de acordo, com o amadurecimento do sujeito. Isso implica na busca pelo desenvolvimento e equilíbrio das dimensões, sendo assim, não parece possível que a integralidade seja aplicada em sua totalidade. Vamos pensar bem naquilo que a gente está falando. No momento que a holística promete em superar a fragmentação, veja bem concretamente aquilo que você mesma não está conseguindo. Você consegue alargar um pouco a sua visão, mas, superar a fragmentação são outros quinhentos... Eu acredito que em última instância é possível, a partir de uma vida espiritual aprofundada ter experiências de não-fragmentação. Eu não tenho. A gente tem que ficar crítico em relação às promessas daquilo que de fato a gente resolve. (R. F. Entrevista 01, p. 04) Essas reflexões contribuiriam para ampliar a visão a respeito da não–fragmentação, ao chamar atenção para a necessidade de que o/a educador/a tenha o conhecimento de suas limitações e das limitações que a realidade lhe apresenta, para assim, apropriar-se de algo desconhecido, que o/a torne um pouco mais livre, menos rígido/a, inclusive para desenvolver 18 um pensamento teórico mais articulado com a prática. No momento em que se desenvolve o autoconhecimento, amplia-se a compreensão sobre o outro. Essa aproximação da prática holística é ilustrada a partir da própria atividade educacional que um dos entrevistados desenvolve, na medida em que não pretende que seus alunos experimentem a união mística, entrem no nirvana, mas que essa visão amplie seus horizontes e sua forma de enxergar a vida. A minha preocupação tanto na experiência como educador e pesquisador, eu busco realizar algumas idéias holísticas, não é? Não tenho nenhuma pretensão que os meus alunos em sala de aula vão entrar no nirvana, a experiência da união mística, não é isso. Mas, alargar os horizontes, nesse sentido estou trabalhando. (R. F. entrevista 1, p.5) Nessa mesma direção, a concepção espiritual para os entrevistados parece representar uma “realidade primordial” para a vida dos seres quando afirmam que: A própria visão holística, também inclui tradições espirituais, tradições milenares, que o próprio ser humano conhece, para fazer determinadas experiências mais profundas, mais determinadas para a própria vida, que, claro, na modernidade tudo isso foi escanteado, como místico, como dogmático, ou não correspondendo com a razão humana. (R. F. Entrevista 01, p. 02) A espiritualidade talvez seja a característica mais significativa da abordagem holística, entendida como conexão, contemplação dos mistérios da vida, sensibilidade, compaixão. O ser humano é o único ser que não apenas é, mas sabe que é. A situação do homem autêntico não pode deixar de ser a da sua situação espiritual. A partir da espiritualidade, o ser encontrase com aquilo que lhe é mais autêntico. Nessa busca, ele volta-se para dentro de si em uma profunda reflexão e autoconhecimento. Provavelmente, isso não significa egocentrismo ou qualquer forma de individualismo, e sim a ligação com a verdadeira natureza, o “eu” que está conectado a uma realidade espiritual mais ampla da qual fazemos parte. A consciência dessa realidade espiritual que compõe o cosmo, onde todos estão conectados, permite ao ser sair de si e ir ao encontro do outro, em comunhão. Na perspectiva holística, essa compreensão não está na crença de superstição, de dogma ou de instituição religiosa. Ela se encontra na profunda identificação da existência com os outros seres e em conseqüência com a totalidade do ser. Essa atitude faz brotar em si, os mais altos valores: compaixão, humildade, altruísmo, paz, justiça e amor. A gente tem que perceber totalidade como uma abrangência cada vez mais intensa, como um aspiral, e não como uma totalidade no sentido de ser possível abarcar o todo, de ser possível de você dar conta do todo, já que 19 uma concepção de integralidade nós temos que conceber duas dimensões de realidade: uma realidade relativa, que é nessa na qual operamos, no mundo dos objetos e dos entes e uma realidade absoluta... de forma que nós possamos ter essa concepção de totalidade, não como trancamento, como fechamento da percepção e da expansão humana, onde que é possível conceber isso, manifestar isso a nível relativo. Então, na nossa sociedade a gente compartimentalizou isso, a escola tem a função de trabalhar a cognição, a psicologia trabalharia o afeto, a religião trabalharia a dimensão espiritual, mas, nesse momento histórico que nós estamos vivendo, a gente percebe claramente que há dificuldade de implementar isso. Essa separação se torna cada vez mais artificial... a concepção de inseparatividade, que todos nós fazemos parte, que somos integrantes de uma imensa teia de relações interdependentes, então, esses pontos ajudam a gente romper com uma visão de homem e de mundo de forma separada, porque essa visão separatista ela é a semente dessa perspectiva do individualismo e do autocentramento que dificulta as relações dessas pessoas, dificultam as comunicações entre as pessoas. (L. A. Entrevista 04, p. 02) As entrevistas nos trazem outra perspectiva, quanto à concepção de totalidade, na qual, pode se diferenciar quando se refere ao divino (na realidade absoluta) ou quando se refere ao divino encarnado (na realidade relativa - mundo). Assim, para alguns entrevistados, o que é possível no campo terreno são aproximações da não-fragmentação, uma abrangência na forma de enxergar a si e ao mundo. Portanto, acreditamos que a forma de perceber a integralidade aponta para a possibilidade de alcançá-la ou não. A realidade, nesse contexto, tem demonstrado ser inviável a fragmentação, devido à violência que está causando à própria natureza, instalando um “imenso vazio entre o humano e o divino, instaurado pela ciência moderna, uma barreira artificial para a realização de nossa natureza mais profunda” (YUS, 2002, p. 115). O que tem implicações no modo como a escola organiza o trabalho pedagógico e formativo. A visão de integralidade reverbera na percepção da viabilidade prática da concepção holística. Dentre outras formas, através do processo de intervenção que é feito a partir de ações integrativas efetivas, que de fato promovem resultados significativos na vida dos sujeitos envolvidos. Por exemplo, algumas experiências com a educação holística, têm demonstrado que o foco deve estar voltado para a pessoa, com o objetivo de desenvolver integralmente o ser, a partir de práticas artísticas, espirituais, educacionais, físicas. Enfim, em um processo contínuo de crescimento pessoal e social, ou seja, com a preocupação em cuidar do ser, desde questões econômicas, políticas, sociais, educacionais, até as questões mais sutis do tipo intuitiva, espiritual, emocional, na busca de equilíbrio, ética, humildade, solidariedade e comunidade. Na busca de superar o mau uso da racionalidade, sobre as demais dimensões que contemplam o ser humano, a citação abaixo pode corroborar esse ponto de vista: 20 A educação holística é um projeto de uma tentativa de propiciar uma maior abrangência, além do aspecto cognitivo, o qual a escola tem feito o seu ponto de ancoragem. Na modernidade a gente vê que nasce esse projeto de escola... Esse processo de racionalização não deu conta de outras dimensões humanas, porque nós tivemos em que pese toda uma cultura aonde nasceu grande parte dos maiores filósofos da humanidade, foi também nesse lugar que se consolidou o Nazismo. Então, isso mostra que nós precisamos continuar encontrando outras formas de abrangência, outras formas de poder educar o humano dentro de uma perspectiva mais ampla, dentro de uma perspectiva que contemple de forma mais abrangente possível as suas múltiplas dimensões... Que é fundamental para a gente pensar formas de convivência, formas de interagir no meio social também de forma mais ampla. (L. A. Entrevista 04, p.03) Nesse processo de humanização, segundo Röhr (2007), em vez de conflitos, propõe-se a inclusão daquilo que se mostra estranho ao indivíduo, para tornar-se mais humano no momento de sua apreensão, porque quando se luta contra algo estranho a si, torna-se inevitavelmente seu refém, impondo-se limite. A compreensão de que a integralidade pode ser alcançada quando adaptada para a capacidade humana, quando vista como uma abrangência da percepção da vida, foi visualizada nessa reflexão: É necessário fazermos essa busca cada vez mais abrangente, de forma que nós possamos ter essa concepção de totalidade, não como trancamento, como fechamento da percepção e da expansão humana, onde que é possível conceber isso, manifestar isso a nível relativo. Então, a concepção de inseparatividade, que todos nós fazemos parte, que somos integrantes de uma imensa teia de relações interdependentes, então, esses pontos ajudam a gente romper com uma visão de homem e de mundo de forma separada. Porque essa visão separatista é a semente dessa perspectiva do individualismo e do autocentramento que dificulta as relações dessas pessoas, dificultam as comunicações entre as pessoas. (L. A. Entrevista 04, p. 02) Idéia semelhante também aparece em autores como Yus (2002), quando afirma que: “...estabelecer relações entre as coisas já supõe um posicionamento crítico ante a fragmentação pessoal e social causada por nossa sociedade moderna.” (p.32 e 33). Nesse sentido, a integralidade pode ser alcançada a partir da capacidade de relacionar/interligar as dimensões – com o entrelaçamento dos pontos que se complementam, mesmo quando contraditórios. Essa compreensão a respeito do alcance da integralidade é vista, nas entrevistas, na afirmação de que “o holismo ao longo do tempo foi ganhando uma rede de abrangência de tal modo que às vezes fica descaracterizado, dá a ilusão dessa totalidade, que gera mais onipotência do que de fato é uma visão de abrangência” (L. A. Entrevista 04, p. 06). 21 O que parece alcançável, de fato, é uma visão de mundo que esteja interligada aos fatos e acontecimentos da vida, consigo e com o outro e a busca pelo equilíbrio e desenvolvimento das múltiplas dimensões humanas. Nesse sentido, observamos que as opiniões dos entrevistados sobre o alcance ou não dessa totalidade estão relacionadas com a forma em que eles a compreendem, se como algo divino, superior, inatingível ou como uma possibilidade de ampliar a compreensão da realidade sujeita ao alcance do “divino encarnado”. A concepção de democracia possível para o “divino encarnado” remota à própria concepção democrática holística, especialmente, no que tange a espiritualidade. Isso porque, o ser humano ao construir relações mais solidárias com o mundo, se compromete com ele, e com isso, encontra-se com o divino. A compreensão mística e dogmática que se tem da holística [grifo nosso] tem, às vezes, essa perspectiva divina, e não um divino encarnado. Então, eu vejo, uma perspectiva que tenha mais essa visão de aspiral que vai unindo os vários aspectos do humano, mas não tira o humano da terra, possibilita ampliações... Então, se eu percebo que esse crescimento em mim, essa inclusão multidimensional, eu também utilizo isso como uma forma de compreensão do mundo, de compreensão de realidade, de compreensão de homem e a forma como eu me ponho como educador no mundo, dentro de uma perspectiva de educador como alguém que educa a dor do existir humano. Então, uma visão abrangente pela perspectiva holística ajuda a mim movimentar de forma mais favorável, para trazer crescimento para mim e também oferecer formas de reflexão, de crescimento para os outros, que estão interagindo comigo. (L. A. Entrevista 04, p. 06) A idéia de interligação entre os seres, entre o mundo e a transcendência implica no engajamento com o mundo, sobretudo, na consideração de que a vida social implica o envolvimento de todo o ser, não apenas de uma parte dele. Essa relação não compreende o ser humano de forma isolada, mas sim, na articulação da sua vida com tudo o que o cerca, o que Buber chama de “comunidade”, na superação do individual para o coletivo. Na formação de uma visão de mundo mais abrangente que contemple as relações entre os seres, na autenticidade do encontro. Nesse caso, o papel da educação democrática seria o de conduzir a formação do caráter dos/as educandos/as para transformação na sua vida em comunidade, nas suas diversas relações, que necessita de abertura e confiança. Uma formação espontânea, que se constrói na inteireza das pessoas envolvidas, sem que haja esquematismos superficiais que trazem em seu interior um tipo especifico de homem que se pretenda alcançar. 22 Todos os problemas que a gente discute da democracia numa visão de Direitos humanos, que é a consideração do outro como sujeito, é o reconhecimento da diversidade e o respeito da diversidade... A abordagem holística me ajuda a pensar que, primeiro as abordagens são narrativas, são muitas e que eu preciso ter linguagens para construir essas narrativas e que dêem conta da integralidade dos processos, porque tudo está junto e eu estou preocupado que as coisas sejam inteirezas, busquem responder a natureza da integralidade da vida, dos processos vitais. (P. A. Entrevista 03, p. 06 e 11) Essas transformações necessitam da vivência da educação democrática na perspectiva holística no cotidiano dos espaços educacionais, visando o desenvolvimento do ser na sua integralidade. Assim, como afirma Santiago (s/d): “A saída para vencer a sobreposição do coletivo, é, propriamente, a volta do indivíduo ao seu próprio eu. Pois, a relação com o absoluto tem como condição o voltar-se para si, assumir a sua individualidade, libertando-se das garras afiadas do coletivo.” (p.13). Percebendo a mudança social a partir da mudança nas próprias pessoas. A compreensão da totalidade como algo fora do alcance da maioria dos seres humanos, minimiza a possibilidade do desenvolvimento da educação democrática com bases holísticas, pois se configura como um ideal, uma busca constante pelo inatingível. Em contrapartida, compreende-se também, a totalidade como algo ao nosso alcance, ou seja, se entendida como uma possibilidade para o “divino encarnado”, a realização dessa educação torna-se mais próxima da viabilidade. Têm-se assim, dois diferentes posicionamentos dos entrevistados, que apontam para a possibilidade ou anulação desse tipo de educação ser colocado em prática. Considerações Finais: Educação Holística e Democracia - “ou ela é holística ou não é democrática”. Ao relacionarmos os posicionamentos dos quatro sujeitos entrevistados na análise dos dados, foi possível identificar afinidades e dessemelhanças que se atrelam intimamente com a forma em que compreendem a perspectiva holística. A idéia de que o ato de pensar com embasamento teórico já seria uma intervenção social apresentada no primeiro tópico parece aproximar mais da realidade a educação democrática na perspectiva holística, ou seja, traz a holística para mais perto de nós (sujeitos comuns) e se articula com a idéia de integralidade diferenciada para o “divino encarnado” discutida no segundo tópico. Esses posicionamentos, que dialogam mais com o pensamento holístico, apontam para a 23 possibilidade da vivência desse tipo de educação no contexto social atual. Em direção semelhante, outro posicionamento presente no segundo tópico da análise nos diz que a integralidade só poderá ser alcançada por alguns poucos seres humanos, de forma que pelas limitações do sujeito comum será uma abrangência, uma permanente busca por algo que foge ao seu alcance, sendo assim, a educação em questão será uma aproximação do que a holística propõe. Em contrapartida, um dos entrevistados apesar de considerar essa educação como a que se alia à constituição do sujeito e, portanto, a ideal, não visualiza sua materialização sem que haja uma reforma estrutural do sistema, partindo do econômico. O que de certa forma, nos distancia da holística, sobretudo quando a coloca num patamar teórico, como algo místico e filosófico. A compreensão da aparente dificuldade de se efetivar a educação democrática na perspectiva holística, não significa sua ineficácia ou inaplicabilidade. Tendo em vista que, essa perspectiva pressupõe uma educação voltada para a pessoa, estando em constante relação consigo e com os outros seres, dentro de uma dimensão de transcendência. Dessa forma, não exclui os desafios, viabiliza a autonomia do ser na união dos contrários, na busca de incluir o que lhe parece mais desconhecido ou diferente. Dentro do processo educativo, a visão holística possibilita enxergar componentes antes negligenciados pela quase totalidade das teorias educacionais, como a intuição, a emoção e a espiritualidade. Além disso, reconhece a importância da coerência entre teoria e prática para a formação do educador/a e educando/a. Assim, os conceitos na modernidade, também fazem parte desse processo, em que se confundem com a prática, ou seja, o conceito sobre democracia que se tem atualmente, não é a democracia vivenciada, desconsiderando sua efetivação. Instalando-se uma incoerência entre o que se pensa e o que se faz. O desafio que a perspectiva holística apresenta é o de instigar sobre a necessidade de transpor as palavras e agir coerentemente, a fim de indagar sobre a efetivação do diálogo entre as contradições existentes. Na compreensão de alguns teóricos, a educação nos moldes democráticos por si só não vai transformar a sociedade, o que leva a crer na necessidade de mudanças estruturais na esfera econômica, política, social e cultural. Porém, se os valores e as possíveis implicações dessa mudança não forem internalizados por cada indivíduo nas relações cotidianas, desde os grupos primários, incluindo-se a família, a escola, possivelmente, mesmo que ocorram mudanças no macro, elas serão superficiais. Portanto, a educação democrática na perspectiva holística difere substancialmente, dos demais modelos democráticos e parece ser mais compatível com a realidade, uma vez que seu pensamento parte da sociedade como um todo, de forma mais humanizada possível, pois 24 ao desenvolver o ser individual, o ser coletivo também será desenvolvido, refletindo, dessa maneira, seu desenvolvimento na sociedade. De modo que, não se restringe ao âmbito escolar, as questões vivenciadas na escola não têm apenas um fundamento interno. Com a compreensão de que os seres integram uma totalidade e que há uma interdependência entre as partes que o compõe, as decisões deveriam estar conectadas com o bem coletivo e que a realidade precisaria ser vista com maior abrangência. Nesse caso, a busca pela coerência entre o que se pensa e o que se pratica é fundamental. Na compreensão de que tudo está interligado, não é possível identificar, ideais de individualismo, de competitividade e a responsabilização unicamente, ao indivíduo pelo insucesso da sua vida. O que remota a idéia de que o sujeito não pode ser pensado de forma isolada, mas nas suas relações. Por isso mesmo, o desenvolvimento da educação democrática na perspectiva holística não pode se desvincular dos fatores que influenciam o crescimento do ser, destacando-se o papel da educação para o desenvolvimento das multidimensões dos seres humanos (educandos/as e educadores/as). Ao trazer essa discussão para a realidade atual das escolas públicas brasileiras, a questão que se coloca é: Como desenvolver uma educação holística dentro de um ambiente escolar em que não oferece condições mínimas, seja pelo espaço físico em situação precária, seja pela quantidade excessiva de estudantes por turma, dentre outros empecilhos? Constatase que o pensamento holístico, não pode ser concebido, apenas como integrante do campo místico e filosófico, mas como embasamento para a prática. Portanto, se compreendido como uma busca constante, não como uma aplicação teórica, poderá ser vivenciado de formas distintas nos espaços educativos, de acordo com a necessidade apresentada em cada realidade. Nesse sentido, a educação democrática na perspectiva holística traz como uma das contribuições a ampliação da visão de educação e do/a educador/a, bem como seu papel, que assume grande relevância, propiciando ao espaço educativo a vivência de valores que possam contribuir para mudanças na forma de pensar, de sentir e de agir no mundo. Reflete também sobre a necessidade do/a educador/a cuidar de si e buscar no cotidiano, o equilíbrio das suas dimensões, a partir da auto-reflexão sobre a sua prática educacional. Aspecto que pode se refletir no trabalho com os conteúdos pedagógicos, na perspectiva transdisciplinar, contribuindo para estimular além do desenvolvimento cognitivo o potencial criador, a contemplação, a intuição e a espiritualidade dos/as educandos/as. Essa educação irá buscar no cotidiano, maior contato com a natureza, o respeito pelas diversidades, o olhar para si e para o outro, o diálogo entre os contrários - uma forma de resolução de conflitos, que procura minimizar o uso da violência, nas suas diversas formas. 25 Indagamos sobre o alcance do consenso diante das contradições existentes e entre os diferentes sujeitos. No momento em que se tem uma educação que valoriza o ser na sua integralidade, estaremos, também, contribuindo para o despertar do interesse pela diversidade, dando-lhe maior significado. Aprendizado que não se restringirá a um determinado momento histórico, mas permanecerá em toda vida. Portanto, chegamos à reflexão de que essencialmente, a educação democrática é holística, assim como foi mencionado em uma das entrevistas: “Ou ela é holística ou não é democrática”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política – A filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. 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