eliane cunha Gestão segurança No Sonda, seguranças à paisana e câmeras monitoram a loja. Se necessário, conversa amigável e bom-senso entram em cena Perdas e danos A abordagem de um cliente por suspeita de furto é uma faca de dois gumes. Pode tanto prevenir perdas como culminar numa ação judicial por danos morais POR JOANA GON ÇALV E S A todo momento ocorrem furtos nas lojas, bem como abordagens malfeitas, de acordo com os processos por danos morais que lotam tribunais de Norte a Sul do País. São abordagens amadoras, atabalhoadas, que, não bastasse isso, enfraquecem a posição da empresa em eventual demanda judicial, como nos casos a seguir, que estão entre os exemplos citados pelo advogado Rodrigo Giordano de Castro, da Peixoto e Cury Advogados. Caso 1 – Recém-saída de uma cirurgia 30 e carregando um dreno, uma senhora vai ao supermercado com a família e é abordada por uma funcionária por suspeita de furto. Levada a uma sala, é humilhada e, quando da revista, os pontos cirúrgicos que sustentam a sonda abdominal se rompem. Vai parar no hospital e morre algum tempo depois por decorrência de uma infecção. A justiça entende que houve abuso. O supermercado é obrigado a pagar à família da cliente R$ 280 mil. CASO 2 – Uma suspeita infundada de furto fez com que um dos seguranças de SuperVarejo | Janeiro/Fevereiro 2008 loja perseguisse um consumidor portador de Síndrome de Down. Este sofreu uma queda e lesões corporais. CASO 3 – O segurança entendeu que deveria “resolver” a questão a qualquer custo e não hesitou em perseguir um consumidor. “A perseguição extrapolou os limites da loja. Na rua, o cliente provou que não havia furtado e entrou com pedido de indenização por conta da confusão.” Processar varejistas por danos morais – e ganhar – ficou fácil diante de tantas abordagens amadoras, intuitivas, de pessoal despreparado. “Criou-se a ‘indústria da indenização’”, resume o diretor executivo da Rede Sonda, Roberto Longo Pinho Moreno. O consultor jurídico da APAS, Roberto Borges, exemplifica: “Ao perceber que está sendo observado, o cliente pega um produto e o coloca dentro do casaco. Depois de algum tempo, em um momento de distração do segurança, coloca o produto de volta na DANO MORAL – Antes da atual Constituição Federal, os pedidos de indenização por danos morais eram feitos com base em leis aplicadas por analogia (como a Lei de Imprensa, que já previa essa possibilidade). Quem explica é Castro, do escritório Peixoto: a partir de 1988, o dano moral passou a ser disciplinado pela Lei Maior do País (inciso X, do artigo 5º), e foi apenas questão de tempo para outras leis trazerem a previsão de indenização por conta de ofensas à intimidade das pessoas, como citado no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Com essa previsão expressa, os casos envolvendo pedido de indenização por dano moral decorrentes de abordagens indevidas aumentaram à razão de 50%. “Entende-se por dano moral a ofensa à honra individual, mas isso é algo muito subjetivo. O que pode ser uma ofensa para uns pode não ser para outros. Cabe a interpretação com base em uma série de elementos”, explica Castro. São casos passíveis de indenização por dano moral expor alguém a situações vexatórias perante funcionários, clientes e transeuntes – mesmo que haja suspeita de furto –, fazer uso de força, dirigir palavras ofensivas, revistar pertences... Borges, da APAS, lembra que em muitas regiões do País o disparo acidental de alarme antifurto por falta de retirada de etiqueta eletrônica ainda tem sido interpretado pelos juízes como causa de constrangimento ao cliente, sendo, portanto, motivo de reparação. Segundo Castro, da Peixoto e Cury, tem havido evolução da jurisprudência. Quando do início da implantação de sensores nas portas das lojas, o simples fato de tocar o alarme já configurava o dever de indenizar. À medida que o sistema foi se popularizando, isso deixou de ser fator preponderante e passou-se a analisar a ofensa da honra nas formas de abordagem. Para os espertos de plantão, está aí a grande chance do dinheiro fácil. Beiram o absurdo os valores pedidos por quem se diz vítima de abordagens desastrosas. Cerca de 70% dos que ingressam com pedidos de indenização por dano moral alegam pobreza para ter direito à justiça gratuita. Do contrário, teriam de desembolsar 1% do valor requerido para ajuizar a ação. Essa estratégia tem alimentado a indústria da indenização. “Nessas aventuras jurídicas, o céu é o limite. Já tive casos de pedidos superiores a R$ 100 mil”, comenta Moreno, do Sonda, torcendo pelo fim da justiça gratuita. PREVENÇÃO – Se a abordagem for mesmo inevitável, o jeito mais eficaz e seguro de o lojista se resguardar é que ela seja conduzida de forma cortês e sutil. “O direito de ação é garantia constitucional. É impossível impedir Prevenção é o melhor caminho Para isso, é preciso: nAvaliar se a abordagem é oportuna. Isso depende muito do bom-senso e da consciência de que, se for mal conduzida ou não fundamentada, pode prejudicar a empresa numa futura ação judicial. nAbordar corretamente. Uma abordagem truculenta e pública certamente será encaminhada ao Judiciário. Sem abuso e diante de um fundado receio de prejuízo patrimonial, não há de se temer uma lide judicial. n Considerar a possibilidade de problema na desativação do sensor, ao soar um alarme antifurto. nEsperar a passagem da pessoa pelo caixa, em caso de suspeita de furto. Abordagens no interior da loja, antes de ser dada a possibilidade de pagar pela mercadoria, costumam caracterizar conduta abusiva. n Jamais imputar ao consumidor qualquer delito. Abolir frases como “Você furtou um objeto da loja” ou “Suspeitamos que você está saindo sem pagar uma mercadoria”. nA abordagem deve ser feita por dois seguranças, para que, no caso de ação judicial, possam ambos testemunhar, reforçando a prova. Por outro lado, a presença de muitos seguranças pode fazer com que o consumidor se sinta constrangido e ameaçado. n Contar com funcionários especializados e treinados. Evitar o envolvimento de pessoas que atuam na proteção patrimonial informalmente ou como “bico” para complementar a renda. Isso prejudica o comprometimento com os procedimentos da empresa e pode gerar prejuízos reiterados. Janeiro/Fevereiro 2008 | SuperVarejo 31 Fonte: Peixoto e Cury Advogados prateleira. Ao sair do estabelecimento, se permite ser revistado, faz um estardalhaço para conseguir o maior número possível de testemunhas e processa o supermercado”. Motivos para furtos vão da necessidade à esperteza, mas pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) comprova que metade dos pequenos furtos no varejo tem como destino a revenda. Bebidas, lâminas de barbear, cremes para o corpo e cabelo, protetores solares, enfim, itens caros, estão entre os mais visados. Coordenado pelos professores José Bento Amaral Júnior, Juracy Parente e Ciro Leichsenring, o estudo foi feito com 30 “profissionais” do roubo. Em uma verdadeira operação formiguinha, os gatunos vão sangrando os cofres da empresa: pequenos furtos aqui e ali acabam se revelando não tão pequenos assim. Nem mesmo a adoção de equipamentos de segurança nas lojas reduziu o número de delitos. Por mais que a tecnologia esteja evoluindo, os larápios se especializam, se organizam, sofisticam métodos que driblam câmeras, seguranças, alarmes nas portas etc. E não são apenas os “profissionais” que tiram proveito da situação. O Sonda enfrenta demanda judicial por dano moral de uma cliente que passou, sem pagar, uma embalagem com 12 caixas de leite na parte de baixo do carrinho. Convidada a pagar, fez um escândalo. Antes de acionar a justiça, porém, ela voltou à loja e pagou pelo item em outro caixa. Seu erro foi usar o mesmo cartão de crédito da compra anterior. eliane cunha Gestão segurança que alguém que se sinta ofendido exija reparação. Cabe ao empresário buscar o aumento do controle de qualidade nessa área”, pondera Castro. Para Márcia Maria de Sousa, diretora de RH da Rede Passarelli, é sempre muito constrangedor abordar alguém, interrogar. “Mesmo justa e segura, a abordagem não é bem-vista por quem está por perto, não faz bem à imagem da loja.” Evitá-la quando o produto do furto é de baixo valor tem sido comum entre os supermercados – mesmo com provas irrefutáveis do delito. Na Rede Passarelli, ao perceber atitude suspeita, o funcionário se dirige à pessoa com frases como: “Precisa de ajuda? Deseja uma cestinha, um carrinho?”. “Sutilmente, fazemos com que o cliente desista da ação. Se existe mesmo Pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) comprova que metade dos pequenos furtos no varejo tem como destino a revenda 32 saia justíssima. Um diretor de uma grande instituição financeira telefonou escandalizado com o fato de sua esposa ter sido abordada porque deixara de pagar um pacote de castanhas de caju. Por coincidência, o fato havia ocorrido em uma das lojas que acabara de receber os equipamentos mais sofisticados. Câmeras de segurança haviam acompanhado todo o trajeto da cliente e registraram em detalhes o momento em que ela abriu a embalaEquipamentos modernos gem e passou a consumir o acompanham trajeto de clientes, produto. Depois, jogou fora no Sonda. Abordagem só a embalagem vazia. “Gravei acontece com 110% de certeza em DVD todos os passos, cada corredor percorrido a intenção de delito, ele acaba deixando enquanto degustava o produto, e enviei a loja, pois percebe que está sendo vi- para o marido. Ele não sabia o que digiado”, acredita Márcia. zer”, relata Moreno. Os colaboradores das nove lojas estão Mesmo contando nos dedos os inciem treinamento para que tenham condi- dentes dessa natureza desde que abriu a ções de reconhecer situações suspeitas, unidade Jardins da Multicoisas, loja esidentificar comportamentos de pessoas pecializada em produtos para o lar, Ropropensas ao roubo e, então, adotar a es- berto Camaforte não quer correr riscos. tratégia de inibição. “Queremos chegar a Instalou câmeras mais precisas com boa um nível bastante profissional para evitar cobertura de toda a área de vendas. Como problemas legais.” Moreno, do Sonda, também ele percebeu Rever as políticas de abordagem de redução no número de ocorrências com a clientes em caso de pequenos furtos na chegada dos equipamentos. “Inibem basloja e intensificar a prevenção são partes tante o furto, além de servirem de provas importantes do projeto de reestruturação em caso de delito.” na área de prevenção de perdas, iniciaDe qualquer forma, para se resguardar do em dezembro de 2007 na rede. “Esta de problemas jurídicos, somente Camaárea é prioritária, não pode ser confun- forte (ou o sócio) faz abordagens. “Mesdida com segurança patrimonial. Exige mo que o funcionário tenha visto o furto, que se trabalhe com estratégias de pre- se eu não vir ou não puder confirmá-lo venção e treinamento direcionado”, diz pelo sistema de vigilância, prefiro sair no Márcia, que afirma já ter tentado manter prejuízo. Mas se a câmera não flagrar e eu protegidos os itens mais susceptíveis ao tiver 100% de certeza, aí, sim, converso, roubo, mas as vendas caíram significativa- tento convencer o cliente a pagar ou a mente. “Compensa deixá-los à disposição, devolver o objeto furtado.” correr o risco, desde que tenhamos um BOM-SENSO – Saias justas não falplano estratégico.” tam; algumas cômicas, outras, nem tanto. TECNOLOGIA – Além de seguranças Em uma unidade do Sonda, uma senhora à paisana, a Rede Sonda está instalando obesa colocou entre as pernas uma peça câmeras mais modernas e precisas para de picanha. Com o calor, a carne comemonitoramento da área de vendas. Aliás, çou a descongelar, despertando a atenessa iniciativa já livrou a empresa de uma ção. Um funcionário abordou a cliente, SuperVarejo | Janeiro/Fevereiro 2008 perguntou-lhe se estava com problemas, se poderia levá-la a algum lugar, chamar uma enfermeira... Enfim, a senhora acabou confessando e foi liberada. “Só abordamos com 110% de certeza”, exagera Moreno. Quando há problemas, geralmente cabe ao fiscal de loja alertar o fiscal de caixa. Nessa hora, muita discrição, uma conversa amigável e uma boa dose de bom-senso entram em cena, com frases como: “O senhor não se esqueceu de pagar algo?”. “Se a pessoa insistir que não e a mercadoria for de pequeno valor, procuramos agir como se nada tivesse acontecido. Se percebermos que o cliente pegou um alimento por necessidade, encerramos o caso ali mesmo. Vivemos em um país complicado, de grande desigualdade social”, diz o diretor do Sonda. Se o produto do furto for de valor significativo e a pessoa negar, porém, a polícia é acionada. “Nunca revistamos; não temos poder de polícia”. Evitar arranhar a imagem da loja levou Camaforte, da Multicoisas, a não de- nunciar um furto envolvendo um jovem com menos de 18 anos. Ele comprou um spray de tinta e pôs uma segunda unidade na mochila. “Chamei o pai, mas ele insistiu que eu estava errado. Encerrei o caso para evitar mais confusão. É muito difícil construir uma marca. Queimá-la em um ato impensado é um pulo.” Moreno, do Sonda, viveu algo semelhante, mas não deixou barato. Um adolescente apostou com o colega que sairia da loja com uma garrafa de uísque escondida. Foi descoberto e o gerente chamou a polícia. Foi preso em flagrante. SALA RESERVADA – Encaminhar ou não o suspeito para uma sala reservada é ponto polêmico. Borges acredita que isso pode evitar o constrangimento em um ambiente de área de vendas, e facilita o diálogo. “Nem chamo de submeter a revista, mas tentar obter uma confissão, convencê-lo a pagar, tentar entender o motivo. A prática, no entanto, exige muita cautela.” Castro sugere pedir ao consumidor para que se dirija a um local mais reservado (como o balcão de atendimento). Ali, longe da entrada da loja e dos olhos de curiosos, cliente e funcionário podem, juntos, esclarecer o ocorrido com calma. “Mas é importante que o cliente não se sinta coagido ou obrigado a isso, sob pena de se caracterizar delito de cárcere privado.” Para ilustrar, o advogado lembra-se de um fato inusitado: ao soar um alarme magnético na entrada da loja, o consumidor foi convidado a se dirigir a uma sala afastada. “O cliente era um juiz, que levava consigo o revólver. O fato causou constrangimentos e, claro, problemas para a empresa.” FonteS desta matéria Apas – Dep. Jurídico: (11) 3647-5049 Multicoisas: (11) 3082-1919 Peixoto e Cury Advogados: (11) 3218-8455 Rede Passarelli: (18) 3702-8080 Rede Sonda: (11) 2145-6203 [email protected] Janeiro/Fevereiro 2008 | SuperVarejo 33