eliane cunha
Gestão segurança
No Sonda, seguranças à paisana e câmeras monitoram a loja. Se necessário, conversa amigável e bom-senso entram em cena
Perdas e danos
A abordagem de um cliente por suspeita de
furto é uma faca de dois gumes. Pode tanto
prevenir perdas como culminar numa ação
judicial por danos morais
POR JOANA GON ÇALV E S
A
todo momento ocorrem furtos
nas lojas, bem como abordagens malfeitas, de acordo com
os processos por danos morais que lotam tribunais de Norte a Sul do
País. São abordagens amadoras, atabalhoadas, que, não bastasse isso, enfraquecem
a posição da empresa em eventual demanda judicial, como nos casos a seguir,
que estão entre os exemplos citados pelo
advogado Rodrigo Giordano de Castro,
da Peixoto e Cury Advogados.
Caso 1 – Recém-saída de uma cirurgia
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e carregando um dreno, uma senhora vai
ao supermercado com a família e é abordada por uma funcionária por suspeita
de furto. Levada a uma sala, é humilhada
e, quando da revista, os pontos cirúrgicos que sustentam a sonda abdominal se
rompem. Vai parar no hospital e morre
algum tempo depois por decorrência de
uma infecção. A justiça entende que houve abuso. O supermercado é obrigado a
pagar à família da cliente R$ 280 mil.
CASO 2 – Uma suspeita infundada de
furto fez com que um dos seguranças de
SuperVarejo | Janeiro/Fevereiro 2008
loja perseguisse um consumidor portador
de Síndrome de Down. Este sofreu uma
queda e lesões corporais.
CASO 3 – O segurança entendeu que
deveria “resolver” a questão a qualquer
custo e não hesitou em perseguir um consumidor. “A perseguição extrapolou os limites da loja. Na rua, o cliente provou que
não havia furtado e entrou com pedido de
indenização por conta da confusão.”
Processar varejistas por danos morais
– e ganhar – ficou fácil diante de tantas
abordagens amadoras, intuitivas, de pessoal despreparado. “Criou-se a ‘indústria da indenização’”, resume o diretor
executivo da Rede Sonda, Roberto Longo Pinho Moreno. O consultor jurídico
da APAS, Roberto Borges, exemplifica:
“Ao perceber que está sendo observado, o cliente pega um produto e o coloca dentro do casaco. Depois de algum
tempo, em um momento de distração do
segurança, coloca o produto de volta na
DANO MORAL – Antes da atual
Constituição Federal, os pedidos de indenização por danos morais eram feitos
com base em leis aplicadas por analogia
(como a Lei de Imprensa, que já previa
essa possibilidade). Quem explica é Castro, do escritório Peixoto: a partir de 1988,
o dano moral passou a ser disciplinado
pela Lei Maior do País (inciso X, do artigo
5º), e foi apenas questão de tempo para
outras leis trazerem a previsão de indenização por conta de ofensas à intimidade
das pessoas, como citado no Código Civil
e no Código de Defesa do Consumidor.
Com essa previsão expressa, os casos envolvendo pedido de indenização por dano
moral decorrentes de abordagens indevidas aumentaram à razão de 50%.
“Entende-se por dano moral a ofensa
à honra individual, mas isso é algo muito subjetivo. O que pode ser uma ofensa
para uns pode não ser para outros. Cabe
a interpretação com base em uma série
de elementos”, explica Castro. São casos
passíveis de indenização por dano moral
expor alguém a situações vexatórias perante funcionários, clientes e transeuntes
– mesmo que haja suspeita de furto –, fazer uso de força, dirigir palavras ofensivas,
revistar pertences...
Borges, da APAS, lembra que em muitas regiões do País o disparo acidental de
alarme antifurto por falta de retirada de
etiqueta eletrônica ainda tem sido interpretado pelos juízes como causa de constrangimento ao cliente, sendo, portanto,
motivo de reparação. Segundo Castro,
da Peixoto e Cury, tem havido evolução
da jurisprudência. Quando do início da
implantação de sensores nas portas das
lojas, o simples fato de tocar o alarme já
configurava o dever de indenizar. À medida que o sistema foi se popularizando,
isso deixou de ser fator preponderante e
passou-se a analisar a ofensa da honra nas
formas de abordagem.
Para os espertos de plantão, está aí a
grande chance do dinheiro fácil. Beiram
o absurdo os valores pedidos por quem
se diz vítima de abordagens desastrosas.
Cerca de 70% dos que ingressam com
pedidos de indenização por dano moral
alegam pobreza para ter direito à justiça
gratuita. Do contrário, teriam de desembolsar 1% do valor requerido para ajuizar
a ação. Essa estratégia tem alimentado a
indústria da indenização. “Nessas aventuras jurídicas, o céu é o limite. Já tive casos
de pedidos superiores a R$ 100 mil”, comenta Moreno, do Sonda, torcendo pelo
fim da justiça gratuita.
PREVENÇÃO – Se a abordagem
for mesmo inevitável, o jeito mais eficaz e seguro de o lojista se resguardar
é que ela seja conduzida de forma cortês e sutil. “O direito de ação é garantia
constitucional. É impossível impedir
Prevenção é o
melhor caminho
Para isso, é preciso:
nAvaliar se a abordagem é oportuna.
Isso depende muito do bom-senso
e da consciência de que, se for mal
conduzida ou não fundamentada,
pode prejudicar a empresa numa
futura ação judicial.
nAbordar corretamente. Uma abordagem truculenta e pública certamente
será encaminhada ao Judiciário. Sem
abuso e diante de um fundado receio
de prejuízo patrimonial, não há de se
temer uma lide judicial.
n Considerar a possibilidade de problema na desativação do sensor, ao
soar um alarme antifurto.
nEsperar a passagem da pessoa pelo
caixa, em caso de suspeita de furto.
Abordagens no interior da loja, antes
de ser dada a possibilidade de pagar
pela mercadoria, costumam caracterizar conduta abusiva.
n Jamais imputar ao consumidor
qualquer delito. Abolir frases como
“Você furtou um objeto da loja” ou
“Suspeitamos que você está saindo
sem pagar uma mercadoria”.
nA abordagem deve ser feita por dois
seguranças, para que, no caso de
ação judicial, possam ambos testemunhar, reforçando a prova. Por
outro lado, a presença de muitos
seguranças pode fazer com que o
consumidor se sinta constrangido e
ameaçado.
n Contar com funcionários especializados e treinados. Evitar o envolvimento de pessoas que atuam na
proteção patrimonial informalmente
ou como “bico” para complementar
a renda. Isso prejudica o comprometimento com os procedimentos
da empresa e pode gerar prejuízos
reiterados.
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Fonte: Peixoto e Cury Advogados
prateleira. Ao sair do estabelecimento,
se permite ser revistado, faz um estardalhaço para conseguir o maior número
possível de testemunhas e processa o
supermercado”.
Motivos para furtos vão da necessidade à esperteza, mas pesquisa recente da
Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) comprova que metade dos pequenos furtos no
varejo tem como destino a revenda. Bebidas, lâminas de barbear, cremes para o
corpo e cabelo, protetores solares, enfim,
itens caros, estão entre os mais visados.
Coordenado pelos professores José Bento Amaral Júnior, Juracy Parente e Ciro
Leichsenring, o estudo foi feito com 30
“profissionais” do roubo.
Em uma verdadeira operação formiguinha, os gatunos vão sangrando
os cofres da empresa: pequenos furtos
aqui e ali acabam se revelando não tão
pequenos assim. Nem mesmo a adoção
de equipamentos de segurança nas lojas
reduziu o número de delitos. Por mais que
a tecnologia esteja evoluindo, os larápios
se especializam, se organizam, sofisticam
métodos que driblam câmeras, seguranças, alarmes nas portas etc.
E não são apenas os “profissionais”
que tiram proveito da situação. O Sonda
enfrenta demanda judicial por dano moral de uma cliente que passou, sem pagar,
uma embalagem com 12 caixas de leite
na parte de baixo do carrinho. Convidada a pagar, fez um escândalo. Antes de
acionar a justiça, porém, ela voltou à loja
e pagou pelo item em outro caixa. Seu
erro foi usar o mesmo cartão de crédito
da compra anterior.
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que alguém que se sinta ofendido exija
reparação. Cabe ao empresário buscar o
aumento do controle de qualidade nessa
área”, pondera Castro.
Para Márcia Maria de Sousa, diretora de RH da Rede Passarelli, é sempre
muito constrangedor abordar alguém,
interrogar. “Mesmo justa e segura, a
abordagem não é bem-vista por quem
está por perto, não faz bem à imagem da
loja.” Evitá-la quando o produto do furto
é de baixo valor tem sido comum entre
os supermercados – mesmo com provas
irrefutáveis do delito.
Na Rede Passarelli, ao perceber atitude suspeita, o funcionário se dirige
à pessoa com frases como: “Precisa de
ajuda? Deseja uma cestinha, um carrinho?”. “Sutilmente, fazemos com que o
cliente desista da ação. Se existe mesmo
Pesquisa recente da
Fundação Getúlio Vargas
(FGV-SP) comprova que
metade dos pequenos
furtos no varejo tem
como destino a revenda
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saia justíssima. Um diretor de
uma grande instituição financeira telefonou escandalizado
com o fato de sua esposa ter
sido abordada porque deixara de pagar um pacote de
castanhas de caju. Por coincidência, o fato havia ocorrido
em uma das lojas que acabara
de receber os equipamentos
mais sofisticados.
Câmeras de segurança
haviam acompanhado todo o
trajeto da cliente e registraram em detalhes o momento
em que ela abriu a embalaEquipamentos modernos
gem e passou a consumir o
acompanham trajeto de clientes,
produto. Depois, jogou fora
no Sonda. Abordagem só
a embalagem vazia. “Gravei
acontece com 110% de certeza
em DVD todos os passos,
cada corredor percorrido
a intenção de delito, ele acaba deixando enquanto degustava o produto, e enviei
a loja, pois percebe que está sendo vi- para o marido. Ele não sabia o que digiado”, acredita Márcia.
zer”, relata Moreno.
Os colaboradores das nove lojas estão
Mesmo contando nos dedos os inciem treinamento para que tenham condi- dentes dessa natureza desde que abriu a
ções de reconhecer situações suspeitas, unidade Jardins da Multicoisas, loja esidentificar comportamentos de pessoas pecializada em produtos para o lar, Ropropensas ao roubo e, então, adotar a es- berto Camaforte não quer correr riscos.
tratégia de inibição. “Queremos chegar a Instalou câmeras mais precisas com boa
um nível bastante profissional para evitar cobertura de toda a área de vendas. Como
problemas legais.”
Moreno, do Sonda, também ele percebeu
Rever as políticas de abordagem de redução no número de ocorrências com a
clientes em caso de pequenos furtos na chegada dos equipamentos. “Inibem basloja e intensificar a prevenção são partes tante o furto, além de servirem de provas
importantes do projeto de reestruturação em caso de delito.”
na área de prevenção de perdas, iniciaDe qualquer forma, para se resguardar
do em dezembro de 2007 na rede. “Esta de problemas jurídicos, somente Camaárea é prioritária, não pode ser confun- forte (ou o sócio) faz abordagens. “Mesdida com segurança patrimonial. Exige mo que o funcionário tenha visto o furto,
que se trabalhe com estratégias de pre- se eu não vir ou não puder confirmá-lo
venção e treinamento direcionado”, diz pelo sistema de vigilância, prefiro sair no
Márcia, que afirma já ter tentado manter prejuízo. Mas se a câmera não flagrar e eu
protegidos os itens mais susceptíveis ao tiver 100% de certeza, aí, sim, converso,
roubo, mas as vendas caíram significativa- tento convencer o cliente a pagar ou a
mente. “Compensa deixá-los à disposição, devolver o objeto furtado.”
correr o risco, desde que tenhamos um
BOM-SENSO – Saias justas não falplano estratégico.”
tam; algumas cômicas, outras, nem tanto.
TECNOLOGIA – Além de seguranças Em uma unidade do Sonda, uma senhora
à paisana, a Rede Sonda está instalando obesa colocou entre as pernas uma peça
câmeras mais modernas e precisas para de picanha. Com o calor, a carne comemonitoramento da área de vendas. Ali­ás, çou a descongelar, despertando a atenessa iniciativa já livrou a empresa de uma ção. Um funcionário abordou a cliente,
SuperVarejo | Janeiro/Fevereiro 2008
perguntou-lhe se estava com problemas,
se poderia levá-la a algum lugar, chamar
uma enfermeira... Enfim, a senhora acabou confessando e foi liberada.
“Só abordamos com 110% de certeza”,
exagera Moreno. Quando há problemas,
geralmente cabe ao fiscal de loja alertar
o fiscal de caixa. Nessa hora, muita discrição, uma conversa amigável e uma boa
dose de bom-senso entram em cena, com
frases como: “O senhor não se esqueceu
de pagar algo?”. “Se a pessoa insistir que
não e a mercadoria for de pequeno valor, procuramos agir como se nada tivesse
acontecido. Se percebermos que o cliente
pegou um alimento por necessidade, encerramos o caso ali mesmo. Vivemos em
um país complicado, de grande desigualdade social”, diz o diretor do Sonda. Se
o produto do furto for de valor significativo e a pessoa negar, porém, a polícia é
acionada. “Nunca revistamos; não temos
poder de polícia”.
Evitar arranhar a imagem da loja levou Camaforte, da Multicoisas, a não de-
nunciar um furto envolvendo um jovem
com menos de 18 anos. Ele comprou um
spray de tinta e pôs uma segunda unidade
na mochila. “Chamei o pai, mas ele insistiu que eu estava errado. Encerrei o caso
para evitar mais confusão. É muito difícil
construir uma marca. Queimá-la em um
ato impensado é um pulo.” Moreno, do
Sonda, viveu algo semelhante, mas não
deixou barato. Um adolescente apostou
com o colega que sairia da loja com uma
garrafa de uísque escondida. Foi descoberto e o gerente chamou a polícia. Foi
preso em flagrante.
SALA RESERVADA – Encaminhar
ou não o suspeito para uma sala reservada é ponto polêmico. Borges acredita
que isso pode evitar o constrangimento
em um ambiente de área de vendas, e
facilita o diálogo. “Nem chamo de submeter a revista, mas tentar obter uma
confissão, convencê-lo a pagar, tentar entender o motivo. A prática, no entanto,
exige muita cautela.”
Castro sugere pedir ao consumidor
para que se dirija a um local mais reservado (como o balcão de atendimento). Ali, longe da entrada da loja e dos
olhos de curiosos, cliente e funcionário
podem, juntos, esclarecer o ocorrido com
calma. “Mas é importante que o cliente
não se sinta coagido ou obrigado a isso,
sob pena de se caracterizar delito de cárcere privado.” Para ilustrar, o advogado
lembra-se de um fato inusitado: ao soar
um alarme magnético na entrada da loja,
o consumidor foi convidado a se dirigir
a uma sala afastada. “O cliente era um
juiz, que levava consigo o revólver. O
fato causou constrangimentos e, claro,
problemas para a empresa.”
FonteS desta matéria
Apas – Dep. Jurídico: (11) 3647-5049
Multicoisas: (11) 3082-1919
Peixoto e Cury Advogados: (11) 3218-8455
Rede Passarelli: (18) 3702-8080
Rede Sonda: (11) 2145-6203
[email protected]
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