O romance Pelos olhos de Maisie, publicado em 1897, é uma das mais importantes obras de Henry James. O livro foi escrito na melhor fase da carreira do autor, quando James já desfrutava de grande sucesso e reconhecimento, graças a novelas como “Daisy Miller” (1878) e romances como Retrato de uma senhora (1881). Publicado depois de o autor ter se aventurado pela escrita teatral, este romance tem muitas passagens que lembram cenas, e o chamado “método cênico” de James seria aprimorado ainda mais em seus textos posteriores, como The ambassadors (1903) e a novela “A fera na selva” (1903). O livro conta a história da menina Maisie a partir do momento da separação de seus pais, Beale e Ida Farange, quando ela tinha apenas seis anos. A disputa judicial pela filha resultou em uma decisão inusitada. A guarda foi inicialmente concedida ao pai. Porém, como este devia dinheiro à mãe, a vida da menina foi dividida, e ficou acertado que cada um deles ficaria alternadamente com Maisie durante seis meses. A ação se passa em Londres, mas os personagens viajam (ou dizem viajar) com frequência - a Florença, Bruxelas, Boulogne, Paris, à América, à África do Sul - e os ambientes em que a ação acontece também mudam incessantemente, já que a personagem principal vive à mercê da vontade dos adultos. Estes, que deveriam cuidar dela, a transformam num joguete de suas relações afetivas tumultuadas e inconstantes. A perspectiva da narrativa, porém, é sempre a da protagonista, expectadora fiel das ações e dos segredos dos demais personagens. Com o segundo casamento de seu pai e de sua mãe, Maisie passa a ter quatro pais e dois lares. O que poderia se tornar um estado de segurança e conforto revela-se ainda mais instável que a situação inicial. A ironia e a descrição fria das atitudes inconsequentes das personagens adultas revelam relações sociais pautadas pelas aparências, pelo interesse e por um narcisismo às raias do doentio. A partir desse microcosmo familiar em ruínas, 1 o retrato feito pelo autor da sociedade inglesa de final do século XIX é implacável. Nesta história, ao contar minuciosamente os fatos por meio de uma perspectiva dupla, a da protagonista e a do narrador - que está sempre com ela e além dela -, Henry James sobrepõe camadas interpretativas e narrativas que desafiam o leitor. A um só tempo fascinados e exasperados, procuramos, pelos olhos de Maisie, decifrar as ironias, a malícia, as perversidades e os subentendidos dessa sociedade em ebulição. 1. No começo do romance, Maisie está com seis anos de idade. O narrador observa que a menina está na idade em que vive um presente absoluto e “todas as histórias são verdadeiras e todos os conceitos são histórias”. Apesar de perceber o que ocorre à sua volta, Maisie adota como comportamento a dissimulação. Com quem, segundo o narrador, ela aprendeu esse modo de se comportar? Qual é a ideia que seus pais e os amigos de seus pais fazem desse comportamento da menina? Os pais formulam a hipótese, a qual por fim aceitam, de que Maisie é estúpida, isto é, intelectualmente limitada. Os amigos dos pais, por outro lado, achavam que “ou por ser muito esperta ou por ser muito burra”, Maisie parecia não compreender nada. No entanto, ela logo percebe o papel que lhe foi reservado na vida de seus pais separados, e uma de suas primeiras conclusões a respeito de sua situação é bastante pertinente: ela conclui que atuava como um “polo de ódios” e “mensageira de insultos” entre os pais. À medida que ia crescendo, começou a ser chamada de “pateta” e “burrinha”, e os pais lhe diziam que estava ficando cada vez mais “obtusa”. Maisie, porém, “divertia-se mais do que nunca”. Foi com a srta. Overmore, sua primeira governanta, que lhe incutiu a “semente” da dissimulação, por meio de um olhar, revirando os olhos. (capítulos 1 e 2) 2 2. A srta. Overmore, de início, é a governanta contratada por Ida Farange, a mãe de Maisie. No entanto, assim que se passam os seis primeiros meses da guarda da menina e ela vai passar os meses seguintes com o pai, o que faz a srta. Overmore? Por quê? Três dias depois da partida da menina da casa da mãe, a governanta decide ir à casa do pai de Maisie, pois segundo ela não conseguiria ficar sem Maisie. Com isso, a srta. Overmore rompe a promessa feita à sra. Farange de que nunca poria os pés na casa de Beale. Apesar de já ter contratado uma horista para ficar com Maisie, o pai da menina aceita abrigar a srta. Overmore. Anteriormente, a sra. Overmore e o sr. Beale, pai da menina, haviam se encontrado em um parque, na companhia de Maisie, quando ele lhe pedira que lhe ajudasse a “salvar” a filha. A ousadia de deixar a casa da sra. Farange e ir abrigar-se na casa do pai da menina se devia à convicção da srta. Overmore de que, se Maisie “demonstrasse uma predileção muito acentuada” pela governanta, a sociedade apoiaria sua decisão de ficar com ele. Isto já anuncia o novo arranjo que alguns capítulos adiante irá se desenhar: o casamento de Beale Farange com a governanta, srta. Overmore, que passará a ser chamada de sra. Beale. (capítulo 3) 3. A primeira impressão de Maisie a respeito da nova governanta contratada pela mãe, a sra. Wix, não é boa. Porém, em pouco tempo a menina muda de ideia. Qual é o fato pregresso da vida da sra. Wix que toca a emoção da menina? O relato sobre a morte de Clara Matilda, a filha da sra. Wix, atropelada por um fiacre. Ao ouvir essa história, contada pela própria governanta, Maisie percebeu que ela era uma “mulher de coração partido”. A velha senhora parece, a princípio, uma pessoa zangada, quase cruel, mas aos poucos Maisie percebe que todos a viam como uma figura cômica, quase patética. Junto 3 à sra. Wix, apesar de sua feiura e pobreza, a menina experimentava uma segurança que nenhuma outra pessoa lhe proporcionava. (capítulo 4) 4. O que Maisie paulatinamente percebe sobre a relação entre o pai e a sra. Overmore? Por que, apesar de o pai de Maisie acreditar que a melhor solução seria colocar a menina na escola, essa decisão está impedida? Maisie nota uma mudança de comportamento na governanta, que passa a receber mais atribuições do que seria de esperar dela, em geral relacionadas ao sr. Farange. Além disso, a menina se surpreende como a governanta ousa discordar com tanta ênfase de seu pai. Como a srta. Overmore acumula funções na casa e não consegue dar a atenção necessária aos estudos de Maisie, o sr. Farange cogita colocá-la na escola, mas isso permitiria à mãe de Maisie “pegá-los”, pois com isso dariam a entender que a srta. Overmore não estava cumprindo suas obrigações para com a menina, por conta do seu envolvimento com o sr. Farange. A presença de Maisie em casa garante as aparências dessa relação que até ali não pode ser admitida. Como diz a própria srta. Overmore, é graças a Maisie que a situação deles “é perfeitamente respeitável”. (capítulo 6) 5. Ao retornar da viagem a Bhrington, onde o pai de Maisie permaneceria por mais alguns dias, a srta. Overmore encontra em casa, para sua surpresa, a sra. Wix em conversação com a menina. O que vem comunicar a governanta da sra. Farange? Qual é a notícia que ela traz e qual é a novidade que leva consigo, tão inesperada quanto a primeira? A sra. Wix vem comunicar o casamento da sra. Farange com sir Claude, de quem traz uma fotografia. Por sua vez, a srta. Overmore comunica que ela e Beale 4 Farange não apenas haviam decidido se casar como já o tinham feito. Aliás, é por isso que, diz ela à menina, a “objeção” a respeito da ida de Maisie à escola “foi suspensa”. (capítulo7) 6. O que Maisie percebe a respeito de sua posição nessa nova ordem familiar, a partir da notícia dos novos casamentos de seus pais? Ela percebe que a relação entre eles continuaria a ser um jogo, mas cujo conflito agora não se daria mais para saber quem ficaria com ela, mas para saber quem não ficaria com ela. 7. Qual foi a sensação de Maisie ao encontrar-se pessoalmente com sir Claude pela primeira vez? Ela entendeu qual era a intenção dele com aquela visita? Ao encontrar sir Claude, o segundo marido de sua mãe, na casa de seu pai, em companhia da sra. Beale, Maisie sentiu uma felicidade transbordante. Teve a impressão de estar diante da presença mais radiante que jamais conhecera e a sensação de que sua presença compensava o estado de abandono e tédio que sentia. Maisie entendeu que ele viera lhe buscar, pois “era a vez de mamãe” ficar com ela, como a própria menina justifica à sra. Beale sua decisão de ir de fato embora com o padrasto. (capítulo 8) 8. Ao retornar à casa da mãe com o padrasto pela primeira vez, Maisie é surpreendida por um comportamento incomum da sra. Farange. Como a mãe da menina se comporta? Qual a justificativa da sra. Wix para isso? Como o narrador coloca a questão e como Maisie reage? A sra. Farange passou três dias sem ver a filha, recusando-se a recebê-la. O narrador é hábil ao colocar 5 em cena apenas sir Claude, a menina e a sra. Wix. A elas, o padrasto de Maisie diz que a esposa não sabia que ele próprio fora buscá-la na casa do pai, mas dá a entender que ela descobriu o fato e ficou com ciúme porque “a pretexto de ver sua filha, ele travara conhecimento com a horrorosa criatura que lá se instalara”, isto é, a sra. Beale. A explicação da sra. Wix é de que a sra. Farange estava apaixonada. De novo, o narrador assinala com ironia que “a sua posição era periclitante”, isto é, na condição de criada a sra. Wix expressava as coisas com “tamanha acuidade que era desnecessário esclarecer a situação”. Maisie por sua vez recorreu de novo “à pacífica arte da estupidez” ao fingir-se de burra quando, finalmente, sua mãe a despachou depois de uma série de perguntas em que “a menina exibiu uma vacuidade muito acima do que permitiria sua tenra idade”. (capítulo 9) 9. Quais são as especulações de Maisie e da sra. Wix, expressas pelo narrador, para tentar entender a súbita viagem de sir Claude a Paris quando ele é acusado pela sra. Farange de ter “roubado” a menina dela? A que Maisie compara então suas relações familiares? A viagem é descrita como uma represália de sir Claude à atitude da sra. Farange de transferir para ele a responsabilidade pela filha. Além disso, Maisie e a sra. Wix conjecturam sobre a possível reação de sir Claude às visitas do milionário sr. Perriam, que vinha frequentando a casa na ausência do padrasto. Com isso, a sra. Wix passa a se preocupar em como “salvar” sir Claude e aprumá-lo na vida pública, talvez por meio da política. A proximidade de Maisie com a sra. Wix e com o padrasto faz a menina refletir sobre o “jogo das cadeiras” que havia se tornado a sua vida familiar. A sra. Wix estava do lado dela. Sir Claude também. Mas a mãe estava do lado do sr. Perriam. A sra. Beale estava do 6 lado de Maisie, e o pai da menina do lado da sra. Beale. Mas quanto ao pai ela não tinha certeza se estava do lado dela, e ela própria, Maisie, não estava do lado de ninguém. Ficava então a se perguntar se naquele jogo não haveria logo “uma grande correria” e “uma troca de lugares”. (capítulo 11) 10. Nos capítulos 13 e 14, sir Claude decide fazer um passeio pela cidade com Maisie, como de hábito na relação entre os dois. Ao sair de casa, porém, diz o narrador que ele subitamente mudou de ideia a respeito do destino. Eles rumam para um lugar, junto ao Regent’s Park, ao qual Maisie nunca havia ido. Que lugar é este? Que decisão Maisie terá de tomar ali, sugestionada por sir Claude? Qual a consequência disso para a relação entre sir Claude e a sra. Beale? É a nova casa do pai de Maisie, que a menina ainda não conhecia. Ali, encontram a sra. Beale, e Maisie é pressionada por sir Claude a ficar com a madrasta, para se tornar uma ponte entre o padrasto e a madrasta, os quais, a menina logo irá descobrir, vêm se encontrando com regularidade. É nesse encontro que ela descobre que, assim como a mãe e sir Claude têm um acordo tácito pelo qual eles ficam “quites”, isto é, um deixa o outro fazer o que quiser, também o pai e a madrasta vivem da mesma maneira. 11. Quando Maisie e sir Claude vão a um passeio ao Hyde Park e depois a Kensington Gardens, encontramse inesperadamente com um casal. O encontro é constrangedor para ambas as partes, mas sir Claude parece divertir-se e consegue antecipar a reação da mulher em questão. Quem são as pessoas que eles encontram? Qual é o palpite de sir Claude, que virá a se confirmar, a respeito da reação dela? Como Maisie se sente? 7 Eles encontram-se com a mãe de Maisie, acompanhada por um homem que lhe faz a corte. Sir Claude acredita que aquele com sua esposa é o conde. E acredita que, ao ver ele e a filha, a sra. Farange vai partir para cima dos dois, inquirindo a ele sobre por que razão ele está com a filha dela no parque, dando a entender que eram eles que estavam fazendo algo de errado. É exatamente o que acontece. Com o acesso de fúria da mãe e com a discussão que se segue entre ela e o padrasto, Maisie se sente ignorada, como jamais havia sido. (capítulo 16) 12. Uma cena muito parecida à que se refere à pergunta anterior acontece, desta vez com Maisie em companhia da sra. Beale, em uma feira de atrações em Earl’s Court. Quem elas esperavam encontrar ali? Com quem acabam se deparando? As duas esperavam encontrar sir Claude, mas acabam por avistar o sr. Beale, acompanhado de uma mulher que a sra. Beale acredita ser a sra. Cuddon, mas na verdade é a condessa. O pai de Maisie, ao vê-las, surpreende-se e rapidamente coloca a filha em um fiacre, rumando para a mansão da condessa, onde esta vai encontrá-los algum tempo depois. 13. Após o episódio em que Maisie encontra seu pai inesperadamente e eles vão parar na casa da condessa, o que o sr. Beale comunica à filha? Como Maisie interpreta a proposta que o pai lhe faz? Beale Farange diz a Maisie que está de partida para a América, onde irá permanecer alguns meses, tratando dos negócios da condessa. Convida Maisie a vir com ele, pois a outra opção, segundo ele, seria permanecer com a mãe, que segundo Beale nunca mais iria manifestar nenhum interesse por ela. Segundo o pai da menina, para a sra. Farange Maisie é como “uma empregada que ela demitiu por ter se portado mal”. A princípio a 8 menina reage com desânimo, mas depois diz que iria com o pai aonde ele quisesse e faria o que ele quisesse. Como ele recebe esta resposta como uma manifestação de recusa educada e reafirma que Maisie não está disposta a ir mesmo com ele, a menina fica pensando se o pai não estaria, com isso, tentando inverter as posições, constrangê-la a admitir que o que ela queria mesmo era ficar. Ela entende aquela conversa como uma despedida, o “adeus definitivo” de seu pai e que ele a levara até ali e a tratara com atenção e carinho para que naquela ocasião “fizesse um boa figura”. Ela percebe que a pretensão do pai era que ela o deixasse partir “com todas as honras, com toda a aparência de virtude e sacrifício”. (capítulo 19) 14. O pai de Maisie lhe diz com todas as letras o que a menina representa para o padrasto, sir Claude, e a madrasta, a sra. Beale. O que lhe diz exatamente o sr. Farange? Diz que ela é um “excelente pretexto” para os dois continuarem a se encontrar e que quando ele, sr. Farange, for embora para a América, eles ficarão livres. Como não precisarão mais de Maisie, vão colocá-la no “olho da rua”. (capítulo 19) 15. Na conversa em que a mãe de Maisie lhe diz que está de partida para a África do Sul, qual é a observação da menina que ela pretende confirmar? Como a sra. Farange articula então as suas ideias? Qual a justificativa da viagem? Segundo o narrador, a sra. Farange articula sua fala e suas ideias de maneira desconexa, em uma encenação que mereceria “uma plateia”. Ida Farange tenta confirmar a observação de Maisie, feita a sir Claude, de que ela era “boa”. A cena indica que, apesar de ter ouvido da própria filha, que ela era uma boa pessoa, 9 a sra. Farange sentiu necessidade de corroborar essa opinião, como se tivesse ficado em dúvida sobre a autenticidade da afirmação. Ida diz a Maisie que vai à África do Sul porque está muito doente e acredita que lhe fará bem o clima de lá. (capítulo 21) 16. Tendo em vista que o título original do livro é O que Maisie sabia (What Maisie Knew), indique uma possibilidade de interpretação do livro a partir de ambos os títulos, em inglês e em português. Resposta livre e pessoal. Sugestão de resposta: ambos os títulos apontam para a maneira como a narrativa é construída. Apesar de o narrador evidenciar ao longo do livro saber mais do que a menina a respeito dos personagens, dos acontecimentos e do mundo, é sempre pelos olhos de Maisie que os eventos da ação narrativa são descritos. O título em português aponta, portanto, para o procedimento desse foco narrativo concentrado na perspectiva de Maisie, mas que é, a todo momento, enriquecida pelas insinuações do narrador por meio do discurso indireto livre, em que os pensamentos e as falas deste e da protagonista se aproximam e às vezes até se combinam. O título original permanece enigmático até a última linha do romance, pois, por conta do comportamento dissimulado de Maisie, o leitor nunca sabe ao certo o que Maisie realmente sabia da história de seus pais, seus padrastos e suas governantas. O verbo saber também guarda certa ambiguidade, pois diz respeito tanto à consciência dos segredos em torno dos quais a história se desenrola como ao conhecimento de mundo da protagonista. 10 Leituras recomendadas Retrato de uma senhora. Henry James. Trad. de Gilda Stuart. Companhia das Letras, 2007. Os espólios de Poynton. Henry James. Trad. de Onédia Célia Pereira de Queiróz. Companhia das Letras, 2008. A volta do parafuso. Henry James. Trad. de Marcos Maffei. Hedra, 2010. A fera na selva. Henry James. Trad. de José Geraldo Couto. Cosac e Naify, 2007. A arte do romance. Henry James. Marcelo Pen (org.). Editora Globo, 2003. 11