Contributos para o estudo das zonas industriais da região de Aveiro Fevereiro de 2013 Introdução Este estudo pretende apurar a necessidade de criação de novas zonas industriais na região de Aveiro. Não sendo um estudo exaustivo nem rigoroso, constitui, ainda assim, um levantamento prévio e empírico das infraestruturas industriais existentes que deve servir de base a um trabalho mais aprofundado sobre esta matéria, que urge fazer no quadro atual. Os dados para este trabalho são provenientes da consulta às entidades responsáveis pela gestão dos parques industriais (embora nem todas tenham respondido), de conversas mantidas com alguns trabalhadores de empresas aí instaladas e da visita aos locais para verificação do estado atual e registo de imagens. Foram ainda consultados alguns documentos oficiais. Para este estudo considerou-se por região de Aveiro uma área circunscrita a um raio de 20 Km, medidos em linha reta, a partir da cidade de Aveiro que coincide, grosso modo, com a área geográfica do Baixo Vouga. Evolução das zonas industriais Os parques industriais surgiram a par do desenvolvimento da indústria e da evolução do Poder Local em Portugal. Ainda na década de 70, a Administração Central levou a cabo a instalação de várias infraestruturas industriais por todo o país com o intuito de promover o desenvolvimento das regiões. Este modelo centralizado acabou por se revelar inapropriado e cedeu o lugar à iniciativa local, a cargo das autarquias, acompanhado pelo incremento e generalização dos instrumentos de gestão territorial. Mais tarde, após a adesão de Portugal à UE, os parques industriais sofreram novo impulso no quadro das políticas económicas e industriais de desenvolvimento regional. Atualmente, porém, o contexto socioeconómico é bem diferente. As infraestruturas industriais de grande envergadura tendem a desaparecer em detrimento de unidades de pequenas dimensões mais versáteis e vocacionadas para tecnologias específicas numa conjuntura de economia global. É tempo de reciclagem e de reconversão. Implantação Desde sempre que a implantação de zonas industriais foi condicionada pelos interesses das empresas, por um lado, e pela necessidade das autarquias captarem para o seu concelho a criação de postos de trabalho. Assim, a localização das unidades produtivas resultou, muitas das vezes, das condições oferecidas às empresas para rentabilizar os seus investimentos e reduzir os custos de laboração, criando locais onde aquelas se possam fixar rapidamente, além de outros benefícios. A implementação de um parque industrial acarreta sempre um impacto considerável no território envolvente ao nível económico, social e ambiental. É, portanto, necessário que haja um correto ordenamento territorial o que, infelizmente, nem sempre isto acontece. Não só o planeamento não é feito de modo adequado, avaliando deficientemente as condições presentes e futuras, como também se denota falta de articulação entre os vários concelhos e a ausência de uma visão estratégica de desenvolvimento regional. Acresce o facto de, não raras vezes, os instrumentos de ordenamento territorial serem forçados e desvirtuados a troco de captar uma determinada empresa ou um investimento num dado local. Esta é uma situação que se tem verificado ultimamente no âmbito da aplicação de programas estruturais comunitários e outros afins. Distribuição na região de Aveiro Numa primeira abordagem pode concluir-se que a região estudada é servida por um grande número de zonas ou parques industriais. Praticamente todos os concelhos do distrito de Aveiro têm, pelo menos, um parque industrial e alguns, como Águeda, Oliveira do Bairro, Sever do Vouga ou Vagos, possuem mesmo três ou mais zonas industriais. Estes parques, apesar de por vezes se aglomerarem em núcleos, mormente em torno da capital de concelho, estão disseminados por todo o território. Por ausência de dados, não foi possível quantificar as áreas destas infraestruturas, embora se saiba que ascendem a centenas de hectares. Existem atualmente na área estudada pelo menos 30 zonas industriais, registadas, organizadas por concelhos, com a seguinte distribuição: Águeda (4), Albergaria-a-Velha (1), Anadia (3), Aveiro (4), Estarreja (3), Ílhavo (2), Oliveira do Bairro (5), Mira (1), Sever do Vouga (5) e Vagos (2). Este número parece inequivocamente excessivo e desajustado à região. Se atendermos ao rácio área do concelho/ área industrial ou ainda à relação nº de habitantes do concelho/ população empregue poderemos verificar diversas assimetrias e excesso de oferta. O mesmo raciocínio pode estender-se à gestão de recursos materiais e financeiros, nomeadamente à construção e manutenção de infraestruturas. Neste domínio é fácil encontrar sobreposições e até colisões quando o que devia verificar-se era precisamente a otimização dos recursos existentes. Na imagem aérea (fonte: Google Maps) é possível ter-se uma visão global da implantação das várias zonas industriais estudadas e da sua distribuição no território. Distribuição por concelhos Seguidamente apresenta-se uma caraterização sumária dos vários concelhos analisados, acompanhada da implantação das respetivas zonas industriais. Esta informação é completada com imagens recolhidas no local que se expõem mais à frente noutro capítulo. Para estabelecer um termo de comparação do número de empresas instaladas nas várias zonas industriais, consideraram-se apenas indústrias extrativas, transformadoras e de construção civil. Concelho de Águeda População 47 729 Habitantes (dados de 2011) Área 335,28 Km² Atividade económica Agricultura (produção de milho, fruta, vinho e madeira) e indústria (metalomecânica, materiais de construção, ferragens e bicicletas) (fonte: Wikipédia) Existem, em todo o concelho de Águeda, quatro zonas industriais em atividade, Aguada de Cima, Barrô, Quinta da Alagoa e Travassô, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). Na zona de Aguada de Cima registam-se atualmente 103 instalações industriais; na de Barrô 59, na da Quinta da Alagoa 444 e na de Travassô 40 (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Albergaria-a-Velha População 25 252 Habitantes (dados de 2011) Área 158,83 Km² Atividade económica Agricultura e indústria (produtos metálicos, indústrias básicas de metais não ferrosos, têxteis e madeira) (fonte: Câmara Municipal de Albergaria) A zona industrial de Albergaria-a-Velha distribui-se de acordo com o mapa (fonte: Google Maps). Na zona industrial de Albergaria-a-Velha registam-se atualmente 179 instalações industriais (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Anadia População 29 121 Habitantes (dados de 2011) Área 216,64 Km² Atividade económica Agricultura (milho, arroz, azeite, vinho), indústria (mobiliário, cerâmica), turismo (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Anadia, três zonas industriais, Amoreira da Gândara, Moita e Vilarinho do Bairro, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). Na zona industrial de Amoreira da Gândara registam-se atualmente 16 instalações industriais, na da Moita 16 e na de Vilarinho do Bairro 50 (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Aveiro População 78 450 Habitantes (dados de 2011) Área 199,77 Km² Atividade económica Agricultura (cereais, frutas, legumes e vinho), indústria (pecuária, lacticínios, automóveis, produtos químicos e cerâmica), comércio e turismo (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Aveiro, quatro zonas industriais em atividade, Cacia, Oliveirinha, Quinta do Simão (Esgueira) e Taboeira, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). Na zona de Cacia registam-se atualmente 55 instalações industriais; na de Oliveirinha 46, na da Quinta do Simão e de Taboeira 98 (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Estarreja População 26 997 Habitantes (dados de 2011) Área 108,16 Km² Atividade económica Agricultura (milho, arroz, feijão, batata, trigo e vinho), indústria (pecuária, lacticínios, química) (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Estarreja, três zonas industriais em atividade, Amoníaco (Quimigal), Ecoparque e Murtosa, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). No Ecoparque de Estarreja registam-se atualmente 21 instalações industriais (fonte: Câmara Municipal de Estarreja) e 16 na da Murtosa (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Ílhavo População 26 997 Habitantes (dados de 2011) Área 108,16 Km² Atividade económica Agricultura (milho, arroz, feijão, batata, trigo e vinho), indústria (pecuária, lacticínios, química) (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Ílhavo, duas zonas industriais em atividade, Ervosas e Mota, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). Na zona industrial das Ervosas registam-se atualmente 23 instalações industriais e 62 na zona industrial da Mota (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Mira População 12 465 Habitantes (dados de 2011) Área 123,89 Km² Atividade económica Agricultura (milho, feijão, batata, vinho), pecuária e pesca (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Mira, duas zonas industriais, Seixo e AIBAP, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). A zona industrial da Associação para a Incubadora do Beira Atlântico Parque (AIBAP) encerrou. Na zona industrial do Seixo registam-se 75 instalações industriais (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Oliveira do Bairro População 23 028 Habitantes (dados de 2011) Área 87,28 Km² Atividade económica Agricultura (cereais, arroz, vinho), indústria (metalomecânica, cerâmica, serração e afins) (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Oliveira do Bairro, cinco zonas industriais em atividade, Bustos, Murta, Oiã, Palhaça e Vila Verde, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). Na zona industrial de Bustos registam-se atualmente 23 instalações industriais, 127 na de Oiã, 51 na da Palhaça e 246 nas de Vila Verde e de Murta (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Sever do Vouga População 12 356 Habitantes (dados de 2011) Área 129,85 Km² Atividade económica Agricultura (citrinos, florestais), indústria (metalurgia, serração, pedra, construção civil) (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Sever do Vouga, cinco zonas industriais em atividade, Cedrim, Padrões, Póvoa de Baixo, Pessegueiro do Vouga e Talhadas, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). Na zona industrial de Cedrim registam-se atualmente 18 instalações industriais, 163 na de Padrões e na de Póvoa de Baixo, 22 na de Pessegueiro do Vouga e 22 na de Talhadas (fonte: Diretório de empresas). Concelho de Vagos População 22 851 Habitantes (dados de 2011) Área 165,29 Km² Atividade económica Agricultura (milho, batata), indústria (cerâmica, metalomecânica extrativa, alimentar, química, panificação, construção civil), comércio, turismo (fonte: Concelhos de Portugal) Existem, em todo o concelho de Vagos, duas zonas industriais em atividade, Estrada Florestal e Salgueiro, além de outras mais pequenas dispersas pelo concelho, distribuídas de acordo com o mapa abaixo (fonte: Google Maps). Na zona industrial de Vagos (Estrada Florestal) registam-se atualmente 46 instalações industriais e 22 na de Salgueiro (fonte: Núcleo Empresarial de Vagos). Conclusões Para além da confirmação de que existe oferta excessiva e até desarticulada de espaços industriais no concelho de Aveiro, importa analisar o impacto dessa realidade nas economias locais e na economia nacional, no ordenamento do território e ainda no quadro das políticas nacionais e europeias para estas matérias. Urge, além do mais, repensar esta realidade no quadro da atual conjuntura socioeconómica. Trata-se de uma reflexão absolutamente imperiosa que poderá evitar a repetição de situações idênticas num futuro próximo. Impacto no território Uma zona industrial acarreta sempre um enorme impacto no território envolvente. A pressão que exerce situa-se a vários níveis: localização, dimensão, ambiental, paisagístico, funcional, etc. No caso em apreço, verifica-se que o território da região de Aveiro se encontra profundamente marcado pela ocupação industrial, o que é patente na mancha de implantação composta pelas várias unidades disseminadas pelos diversos parques. Como já foi apontado, os locais destinados a estes parques nem sempre são os mais adequados: se há zonas industriais situadas em terrenos florestais e afins, também se registam casos em que aquelas se implantam à custa de solos agrícolas produtivos e mesmo do próprio tecido urbano! Além do mais, estabelecem múltiplas relações entre si e sobrecarregam as redes de comunicações, nomeadamente a rede viária. A paisagem e o ambiente têm sofrido bastante com esta sobreocupação que tem redundado na deterioração paisagística do património natural e construído. Numa região plana como esta, com poucos acidentes de terreno e um perfil de construções bastante baixo, os grandes pavilhões, os baldios e as longas chaminés fumegantes assumem um peso visual apreciável. Neste momento a qualidade paisagística é a que mais tem decaído devido ao encerramento de fábricas e empresas, o que resulta na desertificação e degradação das zonas industriais e limítrofes. Zona industrial de Albergaria (esquerda) e de Oiã (direita). Zona industrial de Oiã (esquerda) e deTaboeira (direita). Também os efeitos da poluição industrial são já muito severos em alguns locais. A qualidade do ar, do solo e dos recursos hídricos, designadamente em alguns rios e seus afluentes, têm registado níveis de poluição preocupantes e efeitos de que dificilmente poderão recuperar. Há também a registar, ao nível mais vasto do ordenamento global do território, a assimetria entre esta região e o interior, este último sofrendo uma erosão de povoamento, infraestruturas e oferta de emprego a favor do litoral. Este é um impacto bastante negativo. Assim, uma das conclusões imediatas é que, pela sua localização e extensão, os espaços industriais na região de Aveiro têm tido um impacto muito forte no território, muito além daquele que o próprio território consegue absorver. Taxas de ocupação É um facto que, na região estudada, existem parques industriais com ocupação plena, como é o caso da Murtosa ou da zona industrial de Vila Verde, em Oliveira do Bairro, quase toda ela preenchida por empresas do grupo Recer. No entanto, na maioria dos parques desta região as taxas de ocupação são bastante reduzidas e configuram uma tendências que se tem vindo a acentuar nos últimos tempos. Assim, num número considerável de parques visitados verificou-se que havia infraestruturas preparadas e lotes aprontados para venda à espera de ocupação; outros ainda – e não são poucos – em que pavilhões e naves industriais ainda em bom estado de conservação ostentavam anúncios para venda ou aluguer; e também parques com infraestruturas ainda por concluir (arruamentos, vedações, iluminação pública, etc.), ao passo que outras zonas estavam abandonadas, com edifícios devolutos ou mesmo degradados. Nestes últimos casos a deterioração ambiental é alarmante, pois aí verificam-se fenómenos como a infestação por plantas invasoras, lixo e sujidade, animais abandonados, locais de tráfico e consumo de droga, etc., como os exemplos que abaixo se apresentam. Zona industrial de Vila Verde – Lotes concluídos à espera de ocupação. Zona industrial de Oiã (esquerda) e da Mota (direita) – Naves industriais novas para venda ou aluguer. Zona industrial de Vilarinho (esquerda) e de Vila Verde (direita) – Infraestruturas já realizadas. Zona industrial da Mota (esquerda) e de Albergaria (direita) – Plantas invasoras e animais abandonados. Zona industrial da Mota (esquerda) e de Vagos (direita) – Lixo e vazamento de entulho. Zona industrial de Oiã (esquerda) e de Taboeira (direita) – Empresas encerradas e instalações devolutas. Zona industrial de Vagos – Instalações inacabadas. Temos, portanto, uma predominância de taxas de ocupação reduzida que apresenta duas variantes: i) zonas outrora preenchidas que se vem tornando progressivamente abandonadas devido ao encerramento de empresas provocado pela atual conjuntura de crise; ii) parques que nunca chegaram a funcionar ou que apenas obtiveram uma ocupação residual devido a sobredimensionamento ou mau planeamento. No primeiro caso pode apontar-se o exemplo de Águeda, onde existem 4 espaços industriais para além de um parque empresarial que, apesar de receber uma denominação específica, não difere muito dos anteriores. Enquanto estes apresentam no presente momento, de acordo com as informações recolhidas, uma taxa de ocupação de 60%, também o parque empresarial pouco passa dos 50% da sua capacidade total. No entanto, outro parque empresarial está praticamente concluído e prevê-se que possa receber empresas ainda este ano. Este último exemplo conduz-nos ao segundo caso, o dos projetos condenados ao fracasso logo à nascença. Inclui-se aqui, para além deste, o VougaPark em Pessegueiro do Vouga que, apesar de concluído no ano passado, continua ainda devoluto e à espera de receber empresas que tardam em aparecer. Também o parque da Associação para a Incubadora do Beira Atlântico Parque (AIBAP), em Mira, encerrou as suas portas há algum tempo sem que chegasse a funcionar. Podia citar-se ainda o caso da zona industrial de Vilarinho do Bairro, cujo fracasso obrigou a que os seus lotes fossem recentemente postos à venda em hasta pública. A conclusão que se pode retirar neste domínio é que a taxa de ocupação média dos parques industriais existentes é inferior a valores razoáveis, entendendo-se como razoáveis aqueles que permitem rentabilizar o investimento efetuado e justificar a continuação em funcionamento da respetiva infraestrutura – pura lógica empresarial. Investimento Situações como as acima descritas, como se compreende, são altamente lesivas da economia local e nacional. A instalação de uma zona industrial implica enormes investimentos e comporta outros custos indiretos difíceis de contabilizar. De igual modo, o encerramento ou o depauperamento de qualquer uma destas infraestruturas representa um ónus enorme, não só pelo desperdício do investimento que aí foi feito, como também pelas despesas que acarretará a simples reconversão da área de território que ocupam. Se, por um lado, podemos apontar o dedo à conjuntura desfavorável (com a sua quota-parte de mau planeamento e articulação), por outro lado parece não haver qualquer desculpa para o insucesso de vários parques industriais. Com efeito, apesar do recente recrudescimento, os sinais de crise são visíveis há vários anos mas nem por isso temos assistido a práticas de crescimento sustentado e prudente. Neste, como em muitos outros domínios, continuam a ver-se projetos ambiciosos (diríamos: insensatos) que possuem em comum o desajuste da realidade e o consequente sobredimensionamento. Saliente-se que este modus operandi é recorrente, uma vez que já se verificava ainda antes dos sinais da crise se tornarem patentes (e é, de resto, grandemente responsável por ela). Por fim, verifica-se que muitos planos de investimento apenas tiveram em conta a sustentabilidade à data de início de funcionamento do projeto, descurando as despesas de conservação e de exploração futuras. De um modo geral, não existiram planos claros quanto ao modo de financiamento dos futuros custos de manutenção, expirada a fase de arranque. Como primeira conclusão podemos afirmar que os planos de investimento se revelaram, de um modo geral, desadequados ou mal elaborados. Neste ponto verifica-se, sobretudo, a execução de estudos de viabilidade económica incipientes (designadamente uma análise pouco rigorosa e otimista da procura) a par com a incapacidade de atrair e encorajar as empresas e ainda de um faseamento que concentra o crescimento logo na fase inicial sem a necessária sustentabilidade. Releve-se ainda o facto de serem sistematicamente omissos planos de contingência, desmantelamento e reconversão em caso de insucesso. Segunda conclusão: não houve uma correta avaliação dos investimentos já realizados. Os estudos efetuados que se conhecem centraram-se apenas no êxito da implementação dos projetos, sem verificar se estavam a atingir os seus objectivos mais amplos, tais como os de caráter socioeconómico (criação de novos empregos, qualificação tecnológica, produtividade, etc.). A terceira conclusão é que não houve articulação entre os vários investimentos, razão pela qual se observam duplicações e sobreposições de recursos financeiros. Por fim pode concluir-se também que o investimento não foi continuado; este verificou-se quase exclusivamente na fase de construção das infraestruturas e do arranque do projeto. Passada esta etapa inicial, poucas vezes ocorreram guarnecimentos financeiros por parte das entidades promotoras e as despesas de funcionamento dos parques industriais têm sido, regra geral, custeadas pelas empresas aí alojadas. Financiamento Situações como a que acabou de ser descrita devem-se essencialmente à falta de capacidade financeira das entidades promotoras dos projetos de parques, as autarquias na maior parte das vezes, ou então sociedades de modelo público-privado que se financiam em programas de apoio nacionais ou em fundos estruturais europeus que têm, necessariamente, caráter pontual. Na verdade, só no quadro do apoio dos fundos estruturais europeus é que muitos projetos puderam concretizar-se, malgrado as inconsistências apontadas. Lembre-se que o financiamento de projetos deste tipo tem vindo a receber proporções crescentes dos fundos estruturais, atualmente a rondar os 80%, pelo que a comparticipação nacional se tornou residual. Em alguns casos, tanto quanto se conseguiu apurar, não se verificou mesmo qualquer aporte de verbas do Orçamento de Estado. Assim sendo, conclui-se que muitos dos projetos de parques industriais implementados nos últimos anos apenas foram construídos graças aos fundos europeus sem que tenha havido a correspondente comparticipação nacional fruto de um Estado em insolvência galopante. Como seria de esperar, prevaleceu a preocupação com a construção e lançamento das infraestruturas de base em detrimento da criação das condições necessárias ao seu funcionamento e manutenção. Saliente-se que, em diversas auditorias realizadas a projetos financiados pela UE, uma das principais causas de fracasso apontadas é a falta generalizada de financiamento nacional na fase de funcionamento. As outras causas relatadas naquelas auditorias são uma deficiente gestão local e a negligência de princípios equilibrados de sustentabilidade e cofinanciamento. O desejo de realizar investimentos pagos quase integralmente pela UE parece, pois, continuar a prevalecer sobre o bom senso, facto que motivou, aliás, uma recomendação da própria UE no sentido de evitar que haja eventuais sobreposições entre grandes investimentos financiados. Uma segunda conclusão a formular a este respeito é que a nossa economia não tem capacidade para sustentar projetos de grande dimensão sem que haja condições para assegurar a contrapartida nacional ao longo do tempo, ou seja, durante o período de funcionamento dos projetos. Os investimentos onerosos devem, por isso, ser objecto de uma manutenção adequada de modo a poderem produzir resultados duradouros. Novos parques industriais Parece lógico que, antes de se pensar em novos projetos, se procure dar uma solução às zonas industriais existentes que se apresentam com taxas de ocupação muito reduzida e em vias de degradação, como algumas das estudadas. O funcionamento destas infraestruturas afigura-se difícil, senão mesmo ruinoso para a economia local e nacional. Os recursos despendidos na manutenção destes parques estão a ser retirados a outros locais e investimentos, além da área de território que ocupam sem ser aproveitada e que poderia ser usada para outros fins (não nos esqueçamos que, num qualquer projeto, o valor do terreno onde irá ser instalado pode ascender a quase um terço do orçamento, dependendo dos locais). Assim, numa perspetiva de gestão integrada e racional de recursos, que se pode encontrar atualmente em toda a linha da atuação governamental (veja-se o exemplo na Educação e na Saúde), seria recomendável o encerramento de alguns parques, a deslocação de empresas e a partilha de recursos. Os parques encerrados deveriam posteriormente ser reconvertidos a favor das regiões, uma vez que aí realizaram o seu investimento. Às novas unidades industriais que pretendessem instalar-se na região seria dada a opção por um dos parques mais consistentes. Requalificação, reutilização e reconversão parecem ser, de resto, as palavras-chave do momento numa economia global em crise e muito particularmente nas economias mais pequenas e periclitantes, como a nossa. A este respeito encontram-se diversos exemplos de sucesso pelo mundo fora, casos de reciclagem de infraestruturas que são adaptadas a novas funções com custos reduzidos e despesas de funcionamento sustentáveis. Vale a pena referir aqui um caso que se enquadra de forma exemplar neste contexto e que constitui já uma referência mundial: o TECNOPUC - Parque científico e tecnológico da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, no Brasil. O TECNOPUC possui 5,4 hectares e é parte integrante do campus central da PUCRS, com mais de 70 hectares de área total. Situa-se em local privilegiado da capital do Estado do Rio Grande do Sul, que acolhe mais de 30.000 estudantes, 1.600 professores e 4.800 funcionários. Porto Alegre possui uma localização geográfica privilegiada em relação ao MERCOSUL, com população de 1,3 milhão de habitantes e está inserida na região metropolitana de Porto Alegre, que possui cerca de 3 milhões de habitantes. A região tem grande potencial e excelente infraestrutura de ciência e tecnologia. Possui quatro grandes universidades com mais de 130.000 estudantes, que são agentes de formação de profissionais de nível superior e oferecem ampla gama de laboratórios científicos e técnicos, completados por outros laboratórios de órgãos governamentais. Os 5,4 hectares do TECNOPUC foram adquiridos do Exército Brasileiro em 2001 e suas antigas instalações foram reformadas adequando-as às necessidades das modernas operações de pesquisa e desenvolvimento das empresas parceiras da Universidade. (fonte: TECNOPUC) Este parque industrial de nova geração, um exemplo de sucesso, contempla todos os aspetos de que falámos – bom planeamento, reutilização de infraestruturas, investimento sustentado, adequação ao contexto, boa gestão de recursos. Atente-se, sobretudo, na dimensão e escala do parque: ocupa apenas 5,4 hectares, não obstante servir uma metrópole de cerca de 3 milhões de habitantes, num claro contraste com as vastas e numerosas áreas industriais disseminadas pelo território que encontramos no nosso país, como aquelas em apreço neste estudo. Na sequência de tudo o que acima tem sido exposto, pode concluir-se então que, no contexto atual, a construção de novas zonas industriais é desaconselhada, sobretudo se se mantiverem os mesmos pressupostos que conduziram alguns dos casos estudados à situação em que se encontram e que, reforçamos, foram: deficiente planeamento, planos de investimento mal elaborados e ausência de financiamento nacional. Os exemplos apontados, que infelizmente não são casos únicos, devem servir de alerta para a Administração Central e, sobretudo, do Poder Local, de modo a que não se repitam os erros do passado. De resto, as atuais orientações ao nível das políticas comunitárias globais apontam no sentido de um equilibrado desenvolvimento territorial e ambiental, politicas essas sustentadas em nova legislação, nomeadamente aquela que protege os solos agrícolas, muitas vezes desnecessariamente sacrificados para dar lugar a zonas industriais. À luz destas novas orientações, mais consentâneas com a realidade atual, algumas das zonas industriais estudadas não deveriam sequer existir. Não podendo nós pura e simplesmente fazê-las desaparecer, a reorganização e requalificação dos parques industriais existentes parece ser o único caminho possível, a par com a reconversão para outras valências daqueles que não apresentam condições para funcionar. A adaptação das velhas zonas industriais e sua conversão em parques tecnológicos de nova geração não será muito difícil, melhorando a sua qualidade ambiental, conferindo-lhes componentes em matéria de lazer e facilitando o acesso (ou mesmo a criação) a locais de estadia temporária. Novas empresas poderão, então, aí instalar-se. O desenvolvimento industrial continuará a processar-se mas de uma forma mais racional, evitando o enorme dispêndio de recursos implicados na criação de novas infraestruturas. Os novos projetos deverão ter em conta estes princípios. Mais elementos sobre este estudo em http://cidihc.wordpress.com/