6 — DOMINGO, 27 de janeiro de 2002
CORREIO
ELIO GASPARI
Morrer virou uma coisa perigosa
E
stava difícil a vida do cidadão. Agora, ficou
difícil a morte. Tornou-se coisa perigosíssima.
Começando pelo caso de Cássia Eller.
Ela internou-se numa clínica, foi vista na rua durante uma crise de nervos e morreu horas depois.
Era artista, homossexual, desabrida e tivera a
coragem de reconhecer que já fora viciada em cocaína. Conclusão: Cássia Eller, como Jimmy Hendrix, Janis Joplin e Elis Regina, morreu porque
drogou-se. Vem o laudo do Instituto Médico Legal
e informa: droga não foi.
Conclusão: se Cássia Eller tivesse sido atropelada e morta ao entrar na casa de saúde, teria feito melhor negócio. Sua vida privada não teria sido
cruelmente invadida.
Indo-se ao caso do prefeito Celso Daniel. Foi assassinado com seis tiros. O bom senso sugeriria
que se esperassem os resultados da investigação
policial. O PT desceu em Santo André denunciando o homicídio como crime político. Afora um panfleto genérico, não havia indício que levasse a essa
afirmação. A idéia de que alguém cometesse um
crime contra o prefeito de Santo André para alvejar
o PT seria parecida com o seqüestro de um diplo-
mata egípcio em 1969, no lugar do embaixador
americano Charles Elbrick.
Passada a fase da imputação sem provas,
vieram as provas sem imputação. Provou-se
que há contradições entre o depoimento do
empresário que o acompanhava e as especificações do carro blindado que dirigia. Num lance adicional, a companhia do empresário foi
associada a inquéritos existentes na Prefeitura
de Santo André.
Os inquéritos, os negócios do empresário e
seja lá o que for existiam quando Celso Daniel
estava vivo. O que aconteceu de novo foi um
homicídio. Novamente: se o prefeito petista tivesse sido atropelado e morto ao sair do restaurante onde jantara, teria feito melhor negócio. Nem o PT teria falado em atropelamento
político nem a administração e a vida de Celso
Daniel teriam sido unilateralmente invadidas.
Desse jeito, as personalidades públicas talvez devam andar com pastilhas de veneno no
bolso. Caso se vejam numa situação de risco,
matam-se. Livram-se de uma devassa cuja dolorosa injustiça está no fato de ser praticada
contra a mais indefesa das vítimas: o morto.
SISSON / ALEX FREITAS / ESPECIAL / CP
Na montagem, Médici
PIRANESI / CP
Deixem o general Médici em paz
É triste ver que uma universidade, a
Uerj, pretenda propor à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro a mudança do nome da praça Emílio Garrastazu Médici,
que fica na sua vizinhança, rebatizando-a
em honra à memória do prefeito Celso Daniel.
Trata-se de um caso de intolerância
demagógica.
O general Emílio Garrastazu Médici
presidiu o Brasil de 1969 a 1974. Durante o seu governo milhares de pessoas foram torturadas e outras 300 foram mortas. Comandou uma ditadura militar e
obteve níveis inéditos de popularidade.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas, se o Laboratório de Políticas Públicas da Uerj não gosta de logradouros
com nome de ditadores, deveria começar
pedindo a mudança do nome da avenida
Presidente Vargas, ditador de 1937 a
1945.
Há ruas e avenidas com os nomes de
pessoas que militaram em organizações
de esquerda que planejaram e/ou praticaram atos terroristas.
A intolerância levou alguns selvagens
a destruir, em São Paulo, o marco que
identificava o lugar onde foi assassinado
Carlos Marighella. Ele, como Médici, Celso Daniel, Pelé e Tomé de Souza, é parte
da história brasileira, com suas alegrias e
tristezas.
Se Médici governou o país proibindo
que Juscelino Kubitschek andasse por
Brasília e que Darcy Ribeiro (bem como
milhares de brasileiros) vivessem em sua
pátria, isso é um problema de sua biografia. Uma universidade não pode pretender
banir a memória de pessoas.
Os professores que estão propondo o
banimento de Médici deviam ir a Montgomery, no Alabama. Lá a avenida Jefferson
Davis faz esquina com a rua Rosa Parks.
Ele foi o presidente da Confederação dos
Estados do Sul durante a Guerra Civil
Americana. Ela foi a negra que, em 1955,
se recusou a sair de um assento de ônibus destinado a brancos, desencadeando
um boicote que acabou com a segregação
racial nos transportes da cidade. Nesse
movimento o mundo aprendeu que existia
um pastor negro chamado Martin Luther
King.
O ministro José Jorge tem pouca voltagem
O governador Anthony Garotinho passou por
ignorante quando mostrou que não sabia a
composição molecular da água (dois átomos de
hidrogênio e um de oxigênio).
Mesmo o maior dos seus adversários há de
reconhecer que uma pessoa pode governar o Rio
de Janeiro sem saber disso.
Bem pior é o caso do ministro de Minas e
Energia, o engenheiro José Jorge.
Em maio de 2001, numa entrevista coletiva
na qual explicava o racionamento de energia, ele
disse o seguinte: “Se eu consumo 600 watts”.
Ninguém consome a mixaria de 600 watts-hora.
Essa é a energia necessária para manter acesa
uma lâmpada comum durante dez horas.
Na terça-feira, durante o apagão, novamente
numa entrevista,
José Jorge disse que
o cabo de Itaipu
conduzia “600 megawatts”. Uma alma
piedosa foi-lhe ao
ouvido e ele corrigiu:
“600 quilovolts”.
Confundiu uma
medida de potência
com outra, de tensão. Um garoto que
não sabe disso dificilmente passa num
vestibular de Engenharia.
Pode-se dizer que o
deputado José Jorge
tem potência para
ser ministro de Minas e Energia, mas
falta-lhe voltagem.
Registro eleitoral
O ministro José Serra, candidato a presidente da
República, informou que é a favor do projeto de lei
que estripa a Consolidação das Leis do Trabalho.
Aprovado na Câmara, ele será votado em março no
Senado.
Nas palavras do candidato:
“Sou a favor da mudança. Não acho que represente violação de nenhum direito social fundamental.
(...) O projeto não é a salvação da questão trabalhista nem a ruína dos direitos.”
Se não é uma coisa nem outra, bem que Serra,
como candidato a presidente, poderia apresentar
uma proposta que fosse ao mesmo tempo a salvação
da questão trabalhista e dos direitos dos trabalhadores.
Curso Madame
Natasha de piano
e português
Madame Natasha tem horror a
música, socorre os seqüestrados do
idioma. Mesmo sem conceder bolsa
de estudo a quem quer que seja,
mostra-se confusa diante de duas
coisas. Primeiro, as manifestações
pela “paz”. Depois, a insistência com
que se pede o fim da “violência”.
Ela é a favor da paz e tem horror
à violência. Por isso, pretende ir a
Cabul levando seu abaixo-assinado
pedindo o fim das lutas de boxe.
Natasha acredita que, quando os
brasileiros defendem a paz e pedem
o fim da violência, o que estão querendo dizer é que se deve combater o
crime, a bandidagem e a delinqüência, praticados por criminosos, bandidos e delinqüentes.
Um policial que vai a uma diligência dizendo “combato a violência” passará por doido. Ele combate
o crime, capturando e encarcerando
bandidos.
Chamando-se as coisas pelo nome, elas não ficam melhores nem
piores, apenas mais claras.
Rose-cola
O PFL achou razoável que a marquetagem colocasse Roseana Sarney
como “a número 1”, reeditando a
melodia, o slogan e os gestos de uma
campanha de venda de uma marca
de cerveja. Direito dele.
Espera-se que não reclame se a
candidata passar a ser chamada de
RoseBrahma.
Rico em
dívida
O governo fechou o ano de 2001
devendo R$ 624,8 bilhões, ou 53%
do PIB. A ekipekonômica de FFHH
conseguiu uma proeza. Enquanto a
renda per capita dos brasileiros
cresceu em torno de 1% ao ano, a dívida per capita aumentou perto de
14% ao ano. Hoje, cada capita de
brasileiro deve R$ 3.675,00.
Quando FFHH foi para o Planalto, a dívida pública estava em 28,5%
do PIB.
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