MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO ANO 4 • N º 6 • OUTUBRO 1996 Tiragem da 1a edição: 42.000 exemplares OUTUBRO 96 1 MUNDO Geografia e Política Internacional edição especial: 20 páginas Caro leitor: A Redação de Mundo tem o prazer de anunciar que esta edição conta com 20 páginas - 4 além das 16 tradicionais -, mas você não pagará nem um centavo a mais. É que você é o principal convidado de nossa festa: comemoramos a passagem à maioridade do encarte Mundo - Texto e Cultura. Mundo - T&C nasceu em 1995, como um encarte de 4 páginas de Mundo Geografia e Política Internacional. A partir desta edição, T&C passa a ter 8 páginas e um novo nome: chama-se, agora, só Texto & Cultura. Na verdade, T&C deixou de ser encarte: passa a ser um boletim autônomo e integralmente dedicado ao universo da cultura, em especial no que se refere à literatura e produção de textos, incluindo técnicas de Redação. E será publicado com a mesma periodicidade de Mundo - GePI (6 edições por ano). Esta edição de T&C - a última encartada em Mundo - GePI - é dedicada ao centenário da morte do compositor brasileiro Carlos Gomes, autor de várias óperas, das quais a mais conhecida é O Guarani. T&C traz, também, o resultado final de seu Concurso Nacional de Redação, incluindo a publicação integral (e comentada) da dissertação vencedora: Matou o pombo-correio, ligou o computador e trancou a oca, de Victor Anatoly Ritow Borba, do Colégio Sigma de Goiânia. Por fim, T&C contempla os vestibulandos com duas páginas de exercícios e toques de redação. Por enquanto, você ganha dois boletins pelo preço de um. E nós é que ficamos felizes por isso. vestibular vestibular Fronteiras da globalização Esta edição de Mundo é especialmente dedicada ao vestibular. Aqui, você encontrará textos sintéticos, ilustrados por nove mapas atualizados, e exercícios especialmente selecionados, sobre os principais temas de geografia e política internacional, todos tendo como eixo comum a questão da globalização, processo que ocupa um lugar central no cenário econômico e geopolítico mundial contemporâneo. ■ Pág. 3: As ‘‘cidades globais’’ São as cidades que, na era da globalização, funcionam como nexos entre países e continentes integrados por fluxos de mercadorias, capitais e informações ■ Pág. 4: Conflitos que desafiam a globalização O que há de semelhante entre o Ulster, a Palestina e a Bósnia? Todas essas regiões têm sido, há algum tempo, focos de tensão geopolítica onde se chocam interesses étnicos, nacionais e religiosos ■ Pág. 5: Hong Kong e Panamá Em 1997, dois baluartes da expansão dos impérios marítimos retornarão aos seus donos originais: Hong Kong e o Canal do Panamá. A colônia britânica passará à soberania da China Popular. O canal oceânico passará à administração panamenha, como etapa para a completa devolução em 1999 Marcos Vianna/AJB ■ Págs. 6 - 7: A tragédia de 50 milhões de refugiados Os movimentos em grande escala de refugiados e de outros emigrantes forçados converteram-se em uma característica do mundo contemporâneo. Poucas vezes houve tantas pessoas em tantas partes do mundo obrigadas a deixar seus países para buscar segurança em outros locais vestibular Ei-lo que surge, de novo, no horizonte, o velho monstro mitológico. Como o Minotauro no labirinto, o vestibular exige que os jovens passem pela prova - o ritual de iniciação que lhes permitirá seguir o curso superior e ingressar na fase adulta da vida (v. Editorial à pág. 3). A todos os candidatos, a Redação deseja a melhor sorte do Mundo!!!! ■ Pág. 8: Mercosul Diferentemente do que divulgou a imprensa brasileira nos últimos meses, Chile e Bolívia não entraram para o Mercosul, mas deram um primeiro passo nessa direção: firmaram tratados de associação. Eles passam a aceitar regras de tarifas comerciais reduzidas no intercâmbio com os quatro integrantes do Tratado de Assunção de 1991 ■ Pág. 9: Pequeno balanço do Plano Real Em dois anos, o plano de estabilização aumentou o consumo popular e encaixou o Brasil na economia mundial, mas desindustrializou o país e ampliou o desemprego ■ Págs. 10 - 11: Diário de Viagem Especial Velejando pelo Caribe: Laís Guaraldo, professora de História da Arte e ilustradora de Mundo, relata com texto e ilustrações as suas impressões de uma viagem que fez em barcos à vela pelo Caribe MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO 2 MUNDO Índice Geral de Mundo - 96 Você encontra, abaixo, o índice geral de tudo o que foi publicado no boletim Mundo - Geografia e Política Internacional em 1996. Na primeira parte do índice, os assuntos são listados segundo o número da edição do boletim em que aparecem. Na segunda parte, o índice é organizado por região geopolítica. Os números em negrito (fora dos parênteses) indicam o número da edição do boletim; dentro dos parênteses, indicam as páginas. Por exemplo: Europa Ocidental 1:(5) 2:(5-10) assinala que o assunto será encontrado em Mundo nº 1, à página 5, e também em Mundo nº 2, às páginas 5 e 10. ■ Número 1 - março 1996 Estado nacional e globalização Internet, cultura e Estado nacional IRA retoma terrorismo na Grã-Bretanha Escalada do narcotráfico na Colômbia Eleições conduzem direita ao poder na Espanha Jayme Brener analisa a política de Arafat na Palestina O Meio e o Homem: Água, recurso escasso Diário de Viagem: Chile ■ Número 2 - abril 1996 Entrevista: FHC e a política externa do Brasil Velhos e novos significados da palavra “comunista” Europeus rediscutem Tratado de Maastricht Crise chinesa no Estreito de Taiwan Hinduísmo radical ameaça democracia indiana Nelson Blecher discute o valor das grifes globais O Meio e o Homem: Os vales do Indo e Ganges Diário de Viagem: Londres ■ Número 3 - maio 1996 Expansionismo contamina eleições em Israel Terror de Estado desvaloriza civilização Nacionalismo aproxima Yeltsin de Zyuganov Conferência da ONU discute cidades Newton Carlos radiografa o Partido Republicano O Meio e o Homem: 10 Anos de Tchernobyl Diário de Viagem: Egito, Palestina, Israel ■ Número 4 - agosto 1996 Sonho imperial ressurge nas eleições russas Transição gera instabilidade no leste europeu Países ricos patrocinam tortura Revolução tecnocientífica e desemprego Antonio Carlos R. Moraes comenta a Agenda 21 O Meio e o Homem: Tempestades e furacões Diário de Viagem: Moscou ■ Número 5 - setembro 1996 EUA: Eleições assinalam fim do ciclo do New Deal Diplomacia latino-americana dos EUA perde o rumo Americanos retomam o Big Stick contra Cuba Yeltsin e a saúde dos governantes O boom chinês e o efeito-estufa J. M. Pasquini Durán explica crise argentina O Meio e o Homem: Vale do Nilo Diário de Viagem: Bolívia ■ O Mapa de Mundo Europa Ocidental - 1:(5) 2:(5-10) Europa Oriental - 4:(9) CEI - 3:(5-11) 4:(6-7-8-10) 5:(3) Estados Unidos - 3:(4) 5:(4-6-7-8) América Latina - 1:(4-8-10) 5:(5-9-10) Brasil - 2:(6-7) Oriente Médio - 1:(9) 3:(6-7-10) Ásia Meridional - 2:(9-11) Oriente e Pacífico - 2:(8) 5:(11) “... quando dei por mim, 'táva aqui...” OUTUBRO 96 A s coisas aconteceram com o boletim Mundo mais ou menos como na música do Chico César. Olhando para trás, notamos com satisfação que percorremos um longo e gratificante caminho. Em quatro anos de trabalho intenso, produzimos 24 edições de Mundo. Participamos de centenas de palestras em escolas Brasil afora, em que reunimos dezenas de milhares de alunos. Mantivemos contatos, conversas e debates com professores, orientadores pedagógicos e diretores. Publicamos Cadernos de Pangea e até um livro de nossa própria editora, o ABC do Mundo Contemporâneo. Nesses quatro anos, o boletim cresceu - em quantidade e qualidade. Em 1993, Mundo 1 saiu com 8 páginas e tiragem de 5 mil exemplares. Em 1996, Mundo 6 sai com 20 páginas e tiragem de 42 mil exemplares. Isso significa o seguinte: começamos nossa grande aventura paradidática rodando 40 mil páginas por edição. Agora, rodamos 840 mil páginas. Crescemos, portanto, 21 vezes! Esse crescimento se reflete geograficamente. Em 1993, nossa área de abrangência limitava-se, praticamente, a São Paulo. Hoje, Mundo atinge os quatro cantos do país: estamos em 15 Estados (do Amapá ao Rio Grande do Sul), 80 cidades, 230 escolas. E não vamos parar por aí. No próximo ano, teremos três boletins: o tradicional Mundo - Geografia e Política Internacional (com 12 páginas, 6 edições por ano), o novo Texto & Cultura (8 páginas, 6 edições por ano), e uma novidade absoluta: um boletim para o Primeiro Grau, cujo nome é Espaços - tempo territórios tecnologias mas já carinhosamente apelidado como ‘‘Mundinho’’ (8 páginas, 4 edições por ano). Para fazer o ‘‘Mundinho’’, mantivemos reuniões de consulta e análise crítica com dezenas de professores das mais conceituadas escolas de Primeiro Grau - aos quais manifestamos aqui, publicamente, nossos mais sinceros agradecimentos. E, além dos três boletins, vamos manter nossa programação de palestras, a publicação de Cadernos de Pangea e a promoção de atividades especiais, como o Concurso Nacional de Redação de T&C, realizado com grande sucesso este ano. É muita coisa, temos consciência disso. Um de nossos sócios, aliás, comentava outro dia que estava surpreso diante de tanta coisa acontecendo com nossa pequena empresa. A surpresa não é gratuita: ela é provocada pelo fato de que ninguém planejou tudo isso. A gente sabia, desde o começo, que havia uma forte demanda, especialmente entre os jovens, por uma informação inteligente, sofisticada e crítica sobre os grandes fenômenos da conjuntura geopolítica e cultural do mundo contemporâneo. A gente sabia, também, que as boas escolas do país estavam - e estão - dispostas a investir na formação de seus alunos. O que a gente não sabia - e nem tinha como avaliar - é que o nosso trabalho seria recebido com tanto entusiasmo e calor humano. Não há recompensa maior do que essa, e nessa afirmação não há demagogia nem retórica barata. Desde o primeiro boletim, nossa ambição maior era reunirmos as nossas experiências como professores, jornalistas e autores no sentido de contribuir, pouco que fosse, para a formação dos jovens - os futuros responsáveis pelos destinos de nossa nação. Acreditamos que os números, dessa vez, são transparentes - isto é, eles revelam, de fato, a qualidade de nossa experiência -, e nos autorizam a dizer que estamos sendo bem-sucedidos. Na verdade, nossas realizações superaram nossas mais atrevidas expectativas. E - nunca é demais repetir - isso se deve somente a você, diretor, coordenador pedagógico, professor, aluno. Vocês são a nossa destinação e o sentido de nosso empreendimento. Agradecemos a todos, e prometemos, de nossa parte, não economizar esforços no sentido de preservar a qualidade daquilo que, modestamente, oferecemos ao vosso juízo. Só nos resta, agora, manifestar a todos os nossos mais sinceros votos de um ótimo 1997! convite Você é nosso convidado. Venha festejar conosco a passagem do século e a entrada do novo milênio. Estamos enviando-lhe este convite com grande antecedência, mas há um motivo para isso: queremos ter a certeza de poder contar com a sua presença. Sabemos que muitas festas estão sendo programadas para comemorar o grande evento e que você terá que fazer uma opção entre inúmeros convites. Mas não se preocupe. Optando pela nossa festa, você não perderá nenhuma outra. É que a nossa será na noite de 31 de dezembro do ano 2000. Isso mesmo: não vamos fazer festa no dia 31 de dezembro de 1999. A nossa será uma festa restrita. Só comparecerão os que aprenderam a contar os séculos. Há, além de tudo, uma grande vantagem na data da nossa festa: as praias, praças e ruas estarão vazias, pois a imensa maioria vai ficar em casa, curtindo ainda a ressaca da festança do ano anterior. Melhor: poderemos escolher livremente o local da comemoração. MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO E Fronteiras da globalização Internacionalização da economia semeia “cidades globais” A Edson P. Rosa Geografia classifica as cidades a partir das relações que elas estabelecem com o espaço nacional. A globalização começa a desafiar os conceitos geográficos tradicionais, selecionando um conjunto de cidades cuja dinâmica sócio-econômica define-se cada vez mais pelas relações com o espaço internacional. São as “cidades globais”, ou “cidades mundiais”, que funcionam como nexos entre países e continentes integrados por fluxos de mercadorias, capitais e informações. No passado, quando o comércio internacional começou a interligar espaços distantes, desenhando a moldura da economia-mundo, algumas cidades desempenharam funções similares. Gênova, no mar Tirreno, e Veneza, no mar Adriático, foram as pioneiras do movimento de expansão comercial da Europa, nos séculos XIV e XV. A primeira controlou as rotas do Mediterrâneo ocidental, que abrangiam os portos do Magreb, de Ceuta e da península ibérica. A segunda dominou as rotas do Mediterrâneo oriental, interligando os portos do mar Egeu, da Ásia Menor e do Egito. Dois séculos mais tarde, Amsterdã, na Holanda, tornou-se a mais importante “cidade mundial”, funcionando como vértice do comércio holandês no Oriente e no Ocidente. A Companhia das Índias Orientais estabeleceu a hegemonia holandesa sobre as rotas do Índico, agindo nos mercados asiáticos a partir da sua base de Batávia, na Indonésia. A menos poderosa Companhia das Índias Ocidentais chegou a controlar o comércio açucareiro do Caribe e, por algum tempo, as áreas de plantations nordestinas na América Portuguesa. Essas “cidades globais” do passado eram cidades-Estado. Elas puderam desenvolver funções internacionais predominantes porque não estavam limitadas pelas fronteiras territoriais dos Estados modernos. Isso as distingue da Lisboa dos séculos XVI e XVII, da Londres dos séculos XVIII e XIX ou da Nova Iorque do século XIX, que funcionaram como nexos do intercâmbio transoceânico, mas cujas relações predominantes estabeleceram-se com o espaço geográfico delimitado pelas fronteiras de Portugal, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Na era da globalização, os Estados não perdem a sua importância, e as fronteiras políticas não se dissolvem. Mesmo assim, a in- Hong Kong: moderna e arcaica tensidade dos fluxos que integram a economia-mundo promove o reaparecimento de cidades cuja dinâmica externa sobrepuja os laços que as conectam ao espaço interno. Entretanto, ao contrário das “cidades globais” do passado, as contemporâneas não são, essencialmente, elos de fluxos materiais, mas de fluxos imateriais. Elas abrigam os principais mercados financeiros do planeta e as sedes das corporações transnacionais. Nova Iorque, Tóquio e Londres são as clássicas “cidades mundiais” da globalização. Wall Street é o endereço do maior mercado financeiro do mundo. Tóquio é o centro das finanças da Ásia e do Pacífico. A City londrina abriga o euromercado de capitais. A posição de Londres encontra-se ameaçada pelas reticências britânicas a adotar o Euro, a moeda única européia prevista pelo Tratado de Maastricht. Caso a Grã-Bretanha fique de fora, o euromercado tenderá a se transferir para Frankfurt, na Alemanha, sede do futuro Banco Central europeu. Cingapura e Hong Kong consolidaram as suas funções internacionais por serem, na prática, cidades-Estado. Nesse sentido, assemelham-se às antigas Gênova, Veneza e Amsterdã. Desempenham papéis cruciais como nexos do intercâmbio de mercadorias. Porém, mais importante ainda, funcionam como sedes macro-regionais das corporações transnacionais que atuam na Bacia do Pacífico. Essa função é disputada por outras cidades que, em diferentes macro-regiões, aspiram à condição de endereços continentais das megaempresas: Seul, Taipé, Bangcoc e Kuala Lumpur, na Ásia, Cidade do México, São Paulo e Buenos Aires, na América Latina, Cidade do Cabo, na África sub-saariana. Cada uma delas é um espelho da riqueza e da miséria da economia-mundo. D I T O R I A L A moda de saltar no abismo com uma corda elástica atada ao tornozelo tem sua origem em um antigo ritual indígena da Nova Zelândia. Jovens em idade de passar à fase adulta tinham que saltar, mas usando uma ‘‘corda’’ que, de fato, era um cipó não-elástico. Conseqüentemente, o impacto da queda era integralmente absorvido pelo corpo do jovem. Se ele sobrevivesse, intacto, seria admitido como novo membro adulto da tribo. Se, ao contrário, deslocasse a perna, ou rompesse os nervos e músculos - evento, aliás, mais provável-, fracassaria. O vestibular é um ritual que, por sua violência e grau de arbitrariedade, não se distingue, substancialmente, da cerimônia de iniciação neozelandesa. Nos dois casos, o jovem tem que se provar preparado para enfrentar condições potencialmente hostis. No caso dos indígenas, condições impostas pela natureza; no caso do vestibular, pela sociedade, em que a regra básica é vencer, derrotar a concorrência, ser o melhor. Mas, ser o melhor em quê, exatamente? Quem foi que disse que um jovem estará melhor preparado do que outro para enfrentar a vida universitária, só porque conseguiu acertar a resposta a um número maior de questões colocadas por uma banca examinadora? Quem define a competência de tal ou qual banca? E quem estabelece a justa adequação das questões formuladas? Os que, por exemplo, leram denúncias divulgadas neste espaço sabem que a prova de Geografia da Fuvest-96 foi medíocre, e que os responsáveis pela sua formulação recusaram-se, autoritariamente, a sequer debater a questão. Aí o jovem candidato que estudou, deu o máximo de si, viveu um ano de tensão e tormento, faz o exame e, eventualmente, não passa. Pressionado pela família, por amigos, professores e parentes, pode se sentir derrotado, humilhado. É a este jovem, principalmente, que este editorial se dirige. Cruel ou não, o vestibular é um ritual obrigatório a todos os que queiram seguir carreira universitária. OK. Então, que seja cumprido. Mas se você não conseguir desta vez, isso apenas significa que você não terá preenchido as expectativas da banca. Isso nada diz sobre sua aptidão para a vida. Se você quer mesmo, tente de novo. Mas lembre-se: a vida é infinitamente maior do que o vestibular. Não se atormente. É mais ou menos isso: use a corda elástica da autoconfiança - não se arrebente com o cipó da censura alheia. E bola para frente, porque - diz o poeta tudo vale a pena se a alma não é pequena. No fim, o que importa, mesmo, é a alma. O vestibular vem muito, muito depois. E X P E D I E N T E MUNDO - Geografia e Política Internacional é uma publicação de Pangea - Edição e Comercialização de Material Didático LTDA. Redação: José Arbex Jr. (Editor Geral), Demétrio Magnoli (Geografia e Política Internacional), Nelson Bacic Olic (Cartografia), Paulo César de Carvalho (Texto & Cultura) Revisão: Paulo César de Carvalho Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779) Diretor Comercial: Arquilau Moreira Romão Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise Endereços: São Paulo: Rua Romeu Ferro, 501. CEP 05591-000 - Fone: (011) 211-9640; Fone-Fax: 870-1658 Ribeirão Preto: Espaço Cultural Tantas Palavras - Rua Floriano Peixoto, 989 CEP 14.025-010 Fone: (016) 634-8320 Fax: (016) 623-1875. Belém: J.M.C. Morais, Trav. S. Pedro 261 Altos - Comércio Belém (PA) CEP 66023-570 Fone: (091) 982-9675 (celular) Colaboradores: Jayme Brener, Newton Carlos, J.B. Natali, Nicolau Sevcenko, Rabino Henry I. Sobel, Carlos A. Idoeta (Anistia Internacional), Roberto Kishinami (Greenpeace), Hassan El Emleh (Federação Palestina do Brasil). Texto & Cultura: Agnaldo J. Gonçalves, Emília Amaral, José de Paula Ramos Jr., Lucília M. S. Romão. A Redação não se responsabiliza pela opinião ou informação veiculadas em matérias assinadas. Assinaturas: Por razões técnicas, só oferecemos assinaturas coletivas para escolas conveniais. Pedidos devem ser encaminhados aos endereços acima. Exemplares individuais podem ser obtidos nos seguintes endereços, em SP: • Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), na Faculdade de Geografia da Universidade de SP (USP). • Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900. • Em Ribeirão Preto: na Sucursal (v. endereço acima) OUTUBRO 96 3 Fronteiras da globalização Etnias e religiões erguem “muros” de ódio Na Irlanda, na Bósnia e na Palestina, a divisão do espaço geográfico virou sinônimo de fronts de guerra reconduziram ao poder o Likud, partido expansionista e avesso ao diálogo com a OLP. O novo rumo político indicado pelas eleições gera enormes incertezas quanto ao futuro do processo de paz na região. Por fim, a Bósnia continua sendo um local de tragédias intermináveis. Essa república da antiga Iugoslávia se constitui num verdadeiro mosaico de povos, onde se destacam os muçulmanos (43% da po- pulação), sérvios (32%) e croatas (17%), grupos que se envolveram numa sangrenta guerra civil que durou de 1992 a 1995. No segundo semestre de 1995, o governo dos Estados Unidos tomou a iniciativa de reunir na cidade de Dayton representantes das etnias em conflito além de autoridades dos governos da Sérvia e da Croácia. O acordo de Dayton definia que a Bósnia se tornaria uma confederação de duas entidades autô- nomas: a Federação Muçulmano-Croata, controlando 51% do território, e a República Sérvia de Srpska, com os 49% restantes (v. o mapa). Embora tentando preservar a Bósnia como um Estado único, os acordos de Dayton podem legitimar os ganhos territoriais obtidos através da limpeza étnica e cristalizar a divisão efetiva do país em zonas etnicamente homogêneas. O REINO UNIDO E A IRLANDA DO SUL A QUESTÃO PALESTINA LÍBANO CO MAR MEDITERRÂNEO NTI Mar do Norte OA TLÂ O que há de semelhante entre o Ulster, a Palestina e a Bósnia? Todas essas regiões têm sido, há algum tempo, focos de tensão geopolítica, onde se chocam interesses étnicos, nacionais e religiosos. No caso do Ulster, também conhecido como Irlanda do Norte, o que chama a atenção é o antagonismo religioso. Lá, a maioria da população é protestante e deseja continuar sendo parte integrante do Reino Unido. Todavia, existe uma minoria católica (cerca de 35% da população) que quer se livrar da tutela de Londres e unir o Ulster à Irlanda do Sul, ou Eire, onde a maioria da população é católica (v. o mapa). A rivalidade entre os dois grupos religiosos é muito antiga e uma parcela dos católicos sustenta o IRA (Exército Republicano Irlandês) que, ao longo de décadas, fez do terrorismo o eixo da sua estratégia política. Os atos praticados pelo IRA e a conseqüente reação britânica (apoiada pelos protestantes), transformaram o Ulster numa das mais importantes e permanentes áreas de tensão na Europa Ocidental. As iniciativas políticas e diplomáticas para solucionar o conflito, esboçadas em setembro de 1994, tiveram até hoje pouco efeito prático. Já na Palestina, região geográfica onde se situa atualmente o Estado de Israel, os confrontos se verificam entre judeus e palestinos, especialmente na Faixa de Gaza e Cisjordânia (v. o mapa). Esses dois territórios, habitados majoritariamente por palestinos, foram conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. De lá para cá, os vários governos israelenses estimularam a implantação de colônias de população judaica nos territórios palestinos, acirrando os ânimos entre as duas comunidades e multiplicando os obstáculos a uma paz negociada. As novas condições internacionais geradas pelo fim da Guerra Fria e pelo desfecho da Guerra do Golfo, em 1991, possibilitaram a assinatura de um histórico acordo entre o governo de Israel e a Organização Para a Libertação da Palestina (OLP), em setembro de 1993. Neste acordo, previa-se a instalação de um regime de autonomia limitada para os palestinos na Faixa de Gaza e na cidade de Jericó, situada na Cisjordânia. Dois anos depois, em setembro de 1995, um novo acordo fixava a meta da extensão gradual da autonomia para outras importantes cidades da Cisjordânia. Contudo, as eleições realizadas em Israel, em maio passado, SÍRIA A BÓSNIA APÓS OS ACORDOS DE DAYTON 1 CROÁCIA ESCÓCIA OC EAN 4 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO 2 IRLANDA DO NORTE SÉRVIA Jerusalém IRLANDA DO SUL INGLATERRA PAÍS DE GALES CROÁCIA JORDÂNIA 3 Sarajevo Londres ISRAEL Reino Unido MONTENEGRO MAR ADRIÁTICO EGITO Federação Muçulmano Croata (51% do território) República Sérvia de Srspka (49% do território) Territórios ocupados por Israel 1 Colinas de Golã 2 Cisjordânia 3 Faixa de Gaza ARÁBIA SAUDITA MUNDO no Vestibular 1) A Irlanda do Norte ou Ulster vem se constituindo num dos focos de tensão permanente na Europa Ocidental. Com base nos seus conhecimentos sobre o assunto, caracterize resumidamente os principais aspectos do conflito que ocorre naquela região européia. 2) No segundo semestre de 1995, foi esboçado um plano de paz para a Bósnia em Dayton (EUA).Quais foram os principais itens definidos pelo acordo de Dayton? 3) Aponte a principal diferença dos acordos de paz firmados em 1993 e 1995 entre a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o governo de Israel. RESPOSTAS 1) O Ulster é parte integrante do Reino Unido, e sua população é constituída por duas comunidades religiosas. A maioria da população é protestante, mas existe uma expressiva minoria católica. A rivalidade entre as duas comunidades é bastante antiga. Os católicos pretendem que o Ulster se separe do Reino Unido e junte-se à Irlanda do Sul, onde a imensa maioria da população é católica, enquanto que os protestantes pretendem continuar unidos à Grã Bretanha. Foi para defender os interesses da minoria católica que foi criado o Exército Republicano Irlandês (IRA). 2) Os acordos de Dayton definiram que a Bósnia seria considerada como um estado único, mas que teria duas entidades territoriais com grande grau de autonomia: a Federação Mulçumano-Croata, com 51% do território, e a República Sérvia de Srspka, ocupando o restante do país. 3) Em setembro de 1993, ficou estabelecido que se estalaria um regime de autonomia limitada para os palestinos na Faixa de Gaza e na cidade de Jericó, situada na Cisjordânia. Em setembro de 1995, um novo acordo estendia a autonomia para outras importantes cidades da Cisjordânia, acordo este não totalmente cumprido pelo governo de Israel (principalmente na cidade de Hebron). OUTUBRO 96 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO Fronteiras da globalização 5 Devolução de Hong Kong e do Canal marca fim de uma era As duas rotas que ligaram o Ocidente ao Oriente retornam aos seus donos - respectivamente, a China continental (comunista) e o Panamá A devolução das duas rotas não tem o mesmo significado. A importância de Hong Kong jamais foi tão grande quanto nesse final de século e a passagem à soberania chinesa cobre a colônia com uma nuvem de incertezas. A importância do Canal do Panamá reduziu-se paulatinamente, e a passagem ao controle panamenho representa pouco mais que uma troca de guarda. Hong Kong é uma cidade-mundial (v. pág. 3). É, acima de tudo, a porta de entrada dos investimentos internacionais na China, que cresce, há meia década, a taxas de quase 10% ao ano. Nem o mundo dos negócios nem a China dos neo-comunistas querem assistir ao declínio da cidaderota. Mas há o imponderável. O tratado de devolução assegura a manutenção das normas econômicas de Hong Kong, mas não das suas liberdades políticas. Pequim não pode conviver com a democracia na Hong Kong incorporada, pois teme o poder de contágio desse vírus. Parte da população de Hong Kong não parece disposta a aceitar o ferrolho dos mandarins vermelhos. O declínio é uma possibilidade real, mesmo HONG KONG: A PÉROLA DO ORIENTE C H I N C A N A L D O PA N A M Á OCEANO ATLÂNTICO A contrariando a vontade dos dois lados. O Canal do Panamá é uma passagem congestionada, com seus atuais 12 mil navios/ano. Os superpetroleiros e megagraneleiros de hoje já circunavegam a América do Sul. Cogita-se de um novo canal, na parte nicaragüense do istmo, ou de um “canal seco” que integre ferrovia, oleoduto e navios. Além do mais, desde a invasão americana de 1989, Washington manda diretamente no governo do Panamá. Quando se tem o todo, para que vai se querer a parte? Colón ECLUSAS DE GATÚN Shenzhen Kow Loon Victória ECLUSAS DE PEDRO MIGUEL ECLUSAS DE MIRAFLORES Balboa Capital Outras cidades MAR DA CHINA Limites de Hong Kong Ferrovia Espaço urbanizado Zona do Canal (soberania do Panamá e administração dos EUA) Panamá OCEANO PACÍFICO Zona econômica especial MUNDO no Vestibular 1) O ano de 1997 será marcado por alguns fatos de relevância política desde há muito anunciados. Dois pontos estratégicos no caminho de importantes rotas comerciais serão devolvidos aos seus “donos originais”: o canal do Panamá e Hong Kong. Com base nos seus conhecimentos sobre o assunto, responda: a) Quais os dois países que vêm dominando estes dois importantes pontos estratégicos do mundo atual? b)Qual a importância estratégica do canal do Panamá para os EUA? c) Qual a importância estratégica de Hong Kong? RESPOSTAS 1a) O canal do Panamá está, desde o início do século XX, sob o domínio dos Estados Unidos, enquanto que Hong Kong tem estado ligado à Grã Bretanha desde a segunda metade do século XIX. 1b) Este canal inter-oceânico cuja construção foi concluída em 1914, serviu desde o início como ligação marítima entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos. Hoje se apresenta também como a principal rota comercial entre os EUA e os mercados da Ásia e Pacífico. Também passam por aí as mercadorias que saem do Japão e Tigres Asiáticos e se destinam ao mercado americano. 1c) Este protetorado britânico que se estende por áreas peninsulares e insulares junto ao litoral sudeste da China Comunista foi cedida pelo governo chinês no século XIX ao Império Britânico, que exploraria região por 99 anos. Inicialmente, Hong Kong funcionou como uma espécie de elo de ligação entre o Extremo Oriente e Ocidente. Hoje, o seu papel mudou um pouco: é a principal porta de entrada de investimentos internacionais que se dirigem à China, país que nos últimos anos vem apresentando as maiores taxas de crescimento econômico do mundo Em 1997, dois baluartes da expansão dos impérios marítimos retornarão aos seus donos originais: Hong Kong e o Canal do Panamá. A colônia britânica no Mar da China Meridional passará à soberania da China Popular. O canal oceânico no istmo centro-americano passará à administração panamenha, como etapa para a completa devolução em 1999. A Hong Kong britânica nasceu da Guerra do Ópio (1839-42). Derrotados, os chineses foram obrigados a ceder a Londres uma ilha na foz do rio Sikiang. Pouco mais tarde, a península de Kowloon foi anexada à ilha e, em 1898, os britânicos obtiveram uma concessão de 99 anos sobre os chamados Novos Territórios, nas cercanias da península, que perfazem 90% da superfície de Hong Kong (v. o mapa). O Canal do Panamá americano nasceu junto com a Política do Big Stick. A recusa do Senado colombiano em ratificar um tratado que permitiria a Washington construir e usufruir da soberania sobre um canal oceânico foi respondida com o estímulo direto à secessão da região ístmica da Colômbia. Em 1904, o país que surgiu da separação - o Panamá - assinou o tratado de “cessão perpétua” da Zona do Canal e as obras foram iniciadas, concluindo-se em 1914. A Colônia da Coroa e o Canal dos ianques cumpriram funções similares, num mundo que atravessava a euforia do comércio internacional - ambos foram rotas de uma fase áurea da globalização. Hong Kong funcionou como ponte entre a China e a Europa, envolvendo o Extremo Oriente nos circuitos econômicos comandados pelo Ocidente. De uns poucos pescadores em 1841, o território pulou para 300 mil habitantes no final do século e 1,6 milhão em 1940. Hoje, abriga quase 6 milhões e ostenta PIB per capita superior ao de países da Europa Ocidental. O Canal do Panamá surgiu como ligação marítima entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos, integrando os fluxos daquele que já tinha se tornado o maior mercado nacional do planeta. Com o tempo, tornou-se a principal rota entre o leste americano e os mercados da Ásia e do Pacífico, para finalmente transformar-se na grande rota das exportações japonesas e dos Tigres Asiáticos para o Ocidente (v. o mapa). OUTUBRO 96 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO Refugiados e exilados já somam 50 milhões no mundo Fronteiras da globalização Os números da tragédia Em 1991, a Acnur tinha sob sua responsabilidade 17 milhões de refugiados; em 1993, 23 milhões; no começo de 1995, 27 milhões. Destes 27 milhões, 14,5 milhões são refugiados que saíram de seu país; 5,4 milhões foram deslocados, mas permaneceram nos limites das fronteiras de seu próprio país; 4 milhões regressaram ao seu país, mas vivem em condição sub-humana e continuam sob responsabilidade da Acnur; os restantes 3,5 milhões foram expulsos de seu país, mas sequer são reconhecidos como refugiados. Outros 23 milhões estão espalhados pelo mundo, mas sem contar com a proteção da Acnur. Nenhum continente escapa ao problema dos deslocamentos populacionais em massa. Atualmente, é possível encontrar populações de refugiados superiores a 10 mil pessoas em 70 países em todo o mundo. No Cáucaso, há pelo menos 1,5 milhões de refugiados como resultado dos conflitos entre países e também de conflitos internos. Na Rússia, desde 1994 há centenas de milhares de refugiados da guerra na Chechênia. No Afeganistão, a longa guerra contra soldados soviéticos (1979/88) fez milhares de refugiados no Paquistão e no Irã. A guerra civil dos últimos 8 anos só fez agravar a já caótica situação regional. No Oriente Médio, existem pelo menos 2,8 milhões de palestinos espalhados por vários Países em torno de Israel, de onde fugiram ou foram expulsos. Mais de 1 milhão de refugiados ruandenses chegaram ao Zaire em 1994. Foi um dos maiores e mais rápidos movimentos de refugiados já vistos. Atualmente, a ONU da proteção e ajuda a 2,2 milhões de pessoas da região No Sri Lanka, antigo Ceilão, o sangrento conflito entre o governo central e a minoria tâmil, causou mais de 100 mil refugiados no próprio País e na Índia. Depois de quase duas décadas de conflitos internos, cerca de 1,6 milhões de pessoas voltaram para Moçambique entre 1992/95 Em setembro, as brasas ainda quentes da Guerra do Golfo de 1991 volMAR GEÓRGIA taram a crepitar. Forças blindadas do diNEGRO tador iraquiano Sadam Hussein penetraARMÊNIA AZERBAIJÃO TURQUIA MAR ram na zona de exclusão aérea do norte CÁSPIO do país, desencadeando retaliações aéreas dos Estados Unidos. O pavio da nova paralelo 36ºN confrontação foi aceso pelas disputas SÍRIA clânicas entre os curdos. Os curdos são MAR IRÃ MEDITER. LÍBANO refugiados especiais, em dois sentidos. São IRAQUE Bagdá refugiados na sua própria terra, e constiISRAEL paralelo 32ºN tuem a mais numerosa minoria nacional JORDÂNIA do mundo. Há cerca de 25 milhões de KUWAIT GO curdos, quase todos repartidos pela TurLF O PÉ quia (12 milhões), o Irã (5,5 milhões), o RS IC Iraque (4 milhões) e a Síria (1 milhão). O QATAR ARÁBIA SAUDITA O Curdistão (v. o mapa) não é um E.A.U. EGITO Estado, mas uma região histórica recortada pelas fronteiras políticas desses EstaÁrea de população curda dos do Oriente Médio. Os primeiros reSUDÃO OMÃ gistros da presença dos curdos na região datam do início do primeiro milênio antes da Era Cristã, na época dos Medas e dos Assírios. A singularidade cultural curda sobreviveu aos milênios graças à segurança proporcionada pela natureza e aos caprichos da geopolítica dos impérios. Praticando o pastoreio transumante nas montanhas da Alta Mesopotâmia, do Anti-Taurus e do Zagros, as tribos curdas puderam se defender dos povos das planícies e dos planaltos. Situadas em uma zona-tampão entre os impérios turco e persa, souberam conservar uma vasta autonomia política real adaptando-se à flutuação das rivalidades vizinhas. “Turcos das montanhas” - é assim que os turcos denominam os curdos, negando-lhes uma identidade e, com isso, legitimando a repressão militar contra as atividades separatistas em território da Turquia. Os curdos são, majoritariamente, muçulmanos sunitas, mas há uma numerosa minoria de muçulmanos xiitas e existem até mesmo curdos judeus. Não há uma única língua curda, mas diferentes dialetos derivados de um tronco comum indo-europeu. Não é a religião ou a língua que confere identidade a esse povo sem Estado, mas a sua história comum e a organização social clânica que o caracteriza. No passado, os curdos defenderam a sua autonomia manipulando as rivalidades inter-imperiais. Mas a consolidação dos Estados do Oriente Médio inverteu as coisas, transformando-os em joguetes dos poderes políticos regionais. Na Guerra Irã-Iraque (1980-88), os aiatolás de Teerã incentivavam o separatismo dos curdos do Iraque, enquanto o ditador de Badgá manipulava os curdos do Irã. Durante a guerra, Sadam Hussein arrasou povoados curdos no norte do Iraque, utilizando armas químicas contra populações civis. Desde o final da década de 80, a Síria financia o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), facção separatista dos curdos da Turquia. Vitoriosos na Guerra do Golfo, os americanos desistiram de eliminar o regime de Sadam Hussein, por falta de alternativas. Washington temia que um vácuo de poder realçasse a posição de potência regional do Irã e conduzisse à fragmentação do Iraque pela separação da região curda do norte, com repercussões desastrosas sobre a integridade territorial da Turquia. O ex-presidente George Bush escolheu a estratégia da “dupla dissuasão”, pela qual Iraque e Irã se anulariam mutuamente. Ao mesmo tempo, estabeleceu zonas de exclusão aérea, no norte e no sul do Iraque, patrulhadas por aviões americanos, britânicos e franceses, a fim de restringir o espaço de manobras militares de Sadam Hussein. A zona de exclusão aérea do norte, que se estende até o paralelo 36, funcionaria como santuário para os curdos iraquianos. A frágil arquitetura americana começou a ruir no santuário curdo. Divididos entre duas lideranças - uma representada pelo Partido Democrático Curdo (KDP) e outra pela União Patriótica do Curdistão (PUK) - os curdos do Iraque deflagraram uma guerra clânica. Retomando o padrão da década passada, cada um dos lados associou-se a um dos poderosos vizinhos: a PUK restabeleceu os laços com o Irã, o KDP jogou-se nos braços de Sadam. Foi esse o pretexto encontrado pelo ditador iraquiano para mover as suas forças pelo interior do santuário curdo, definindo o conflito a favor do KDP e obrigando a PUK a se refugiar no Irã. A ofensiva de Sadam desmontou o arranjo do final da Guerra do Golfo. E os perigos continuam a se multiplicar. A Turquia, que há um ano enviou grandes contingentes blindados para atacar as bases guerrilheiras do PKK instaladas do outro lado da fronteira, no santuário curdo do norte do Iraque, prepara-se para estabelecer uma zona-tampão entre o seu território e o do Iraque. Washington já deu o aval para a iniciativa do aliado, que consistirá na ocupação do extremo norte iraquiano, destinada a varrer de lá os guerrilheiros do PKK. A supressão do colchão curdo protegido do Iraque setentrional aproxima as forças de Sadam das forças turcas e iranianas. A “nação de refugiados” pode se tornar o vetor de um novo conflito regional em grande escala. O MAPA DA DISPERSÃO O LH Na África Ocidental, mais de 1 milhão de pessoas exiladas se encontram na Guiné e Costa do Marfim, por conta dos conflitos ocorridos na Libéria e em Serra Leoa. Guerra entre clãs curdos desmonta arranjo da Guerra do Golfo, recoloca Sadam no jogo de poder e ameaça incendiar a região Do relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), 1995 Na ex-Iugoslávia existem pelo menos 3,7 milhões de refugiados, desde o início das hostilidades que levaram à desintegração do País. Cerca de 2,7 milhões são apenas da Bósnia. No México, existem ainda cerca de 40.000 refugiados dos conflitos que ocorreram na Guatemala. Nação curda catalisa novo conflito no Iraque ME Boutros-Ghali referiu-se, também, às ‘‘mudanças radicais no social e no econômico’’. De fato, o neoliberalismo - ambiente no qual se desenvolve a globalização - implicou, nos países ricos, o desmantelamento do Estado de bem-estar social; nos países pobres, o agravamento da penúria em que vive a maioria da população, agora destituída de um mínimo de assistência antes assegurada pelo Estado. No plano internacional, o neoliberalismo implicou o aprofundamento da subordinação do Sul agrário e importador ao Norte rico e industrializado. Os grandes blocos (com a exceção do Mercosul) impõem suas normas e condições ao funcionamento da economia. Em contrapartida, os fluxos de capitais, através dos sistemas informatizados, tornam o Sul completamente vulnerável às oscilações do jogo especulativo. O resultado geral é o agravamento da pobreza - e, com ela, a intolerância e o antagonismo. A combinação desses elementos produz, não raro, a desintegração do Estado, e a conseqüente multiplicação dos conflitos e desmandos. Os refugiados, enfim, fornecem a radiografia do mundo globalizado. Eles - e não as vitrines brilhantes de Nova York ou as telas reluzentes da Internet - explicitam o zeitgeist, o espírito de nossa época. ER milhares de palestinos condenados a viver em miseráveis acampamentos de refugiados na própria Palestina e mundo afora. É também a marca dos conflitos entre hindus e islâmicos na Índia e Paquistão, ou entre Iraque, Turquia e Síria e a minoria curda espalhada por esses países (v. pág. 7). Antagonismo é o que se observa, por exemplo, no conflito entre Rússia e Chechênia. Iniciado com a invasão da Chechênia pelo Exército russo, em dezembro de 1994, com o objetivo de derrotar o separatismo, a guerra se arrasta sem perspectiva realista de solução. Em quase dois anos, expulsou de sua terra dezenas de milhares de civis cansados do morticínio, atemorizados e / ou com a vida destroçada pela perda de familiares e propriedades. Pobreza é uma das causas centrais dos numerosos conflitos tribais na África, responsáveis por milhões de mortos, feridos e refugiados. Em Ruanda e Burundi, por exemplo, hutus e tutsis disputam o espólio de um Estado em frangalhos. Um quadro semelhante, mas com vernizes ideológicos, repete-se em Angola, Moçambique e outros Estados africanos, a maioria deles entulhados com os mais modernos armamentos, vendidos pelos Estados Unidos, Rússia, países europeus e Brasil. RV MA ‘‘Os refugiados e outras pessoas expulsas de seu território são produto do fracasso quando se trata de resolver os conflitos e suas causas subjacentes: intolerância, antagonismo e pobreza. As mudanças radicais no econômico e no social agravaram, em muitos casos, essa mistura explosiva e deram lugar a um fértil caldo de cultivo para a violência e violação dos direitos humanos. Em alguns casos, a própria estrutura do Estado se desintegrou e isso provocou novos deslocamentos massivos.’’ A descrição de Boutros BoutrosGhali, secretário-geral da ONU, tem o mérito da síntese. Quando muitos acreditam que o fenômeno da globalização significou o fim do Estado nacional, a diluição das fronteiras em um universo razoavelmente harmônico - justamente nesta época é que se agrava a questão dos refugiados. Boutros-Ghali aponta as causas: intolerância, antagonismo, pobreza. Intolerância étnica e religiosa é o que propõe, por exemplo, a plataforma política do atual pemiê de Israel, Benyamin Netaniahu, do Likud. ‘‘Bibi’’ venceu as eleições, em junho, com base na promessa de interromper o processo de devolução dos territórios de Cisjordânia e Gaza aos palestinos. Com isso, aumentou o desalento e a propensão ao radicalismo de centenas de Os movimentos em grande escala de refugiados e de outros emigrantes forçados converteram-se em uma característica que define o mundo contemporâneo. Na história recente, poucas vezes houve tantas pessoas em tantas partes do mundo obrigadas a deixar seus países e comunidades para buscar segurança em outros locais. Nunca antes a questão do deslocamento de populações em massa atingiu tal grau de prioridade na agenda das Nações Unidas e de seus Estados membros. E em nenhuma outra época a situação das pessoas desenraizadas foi mostrada de forma tão plástica a um público tão vasto AP/AJB 6 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO MUNDO REFUGIADO OUTUBRO 96 No “chifre da África” existem mais de 1,6 milhões de refugiados, gerados pelos conflitos entre países e principalmente por conta de conflitos internos, como aqueles que ocorrem no Sudão e Somália. OUTUBRO 96 7 8 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO Fronteiras da globalização Brasil quer a integração comercial de toda a América do Sul Chile e Bolívia assinam tratados de associação, mas não aderem ao Mercosul; Brasil impulsiona estratégia do building-blocks O ano do alargamento do Mercosul - essa poderia ser uma manchete de síntese da evolução do Cone Sul em 1996, se fosse verdade o que a imprensa brasileira noticiou nos últimos meses. Interpretando de forma simplista - e errada - os tratados firmados pelo Chile e Bolívia com o Mercosul, jornais e televisões anunciaram a adesão dos dois ao bloco sub-regional liderado pelo Brasil e a Argentina. Isso não aconteceu, pelo menos por enquanto. Mas foi dado um primeiro passo nessa direção: o Chile e a Bolívia firmaram tratados de associação com o Mercosul, o que significa que, sem aderir ao bloco, eles passam a aceitar regras de tarifas comerciais reduzidas no intercâmbio com os quatro integrantes do Tratado de Assunção de 1991 (veja o Mapa). O passo adiante não aponta para o alargamento do Mercosul por agregações sucessivas, mas para o desenvolvimento de um processo mais complicado, que os diplomatas brasileiros apelidaram de estratégia do building-blocks. O Chile esnobou o Mercosul até há pouco. “Adios, Latinoamerica”, chegou a trombetear uma manchete de El Mercurio, o principal diário de Santiago, resumindo uma política voltada para a Bacia do Pacífico e uma estratégia de integração ao Nafta. As coisas mudaram. A solicitação de adesão à zona de livre comércio liderada pelos Estados Unidos esbarrou no colapso financeiro mexicano de dezembro de 1994. Escaldados, os parlamentares americanos negaram a tramitação rápida da solicitação no Congresso e as negociações continuam a se arrastar. Além disso, a abertura comercial que se espraia pela América Latina repercutiu sobre o intercâmbio externo chileno, puxando-o de volta para o subcontinente (v. o gráfico). A Bolívia solicitou, em julho de 1992, a adesão gradual ao Mercosul. O gradualismo boliviano está orientado para contornar um obstáculo político e diplomático: o país faz parte do Pacto Andino e o Tratado de Assunção não permite a entrada de integrantes de outras zonas de livre comércio. Mas, no terreno da economia e da geografia, a Bolívia está cada vez mais colada ao Mercosul. O acordo recente para fornecimento de gás natural e construção de um gasoduto Brasil-Bolívia vale mais que as filigranas jurídicas que bloque- iam a adesão imediata. E as perspectivas de cooperação de todos os países do Cone Sul tendem a abrir duas saídas oceânicas regulares para a Bolívia, cuja história está marcada pela perda dos portos de Atacama, na Guerra do Pacífico (1879-83). Não é provável que o Chile ingresse plenamente no atual Mercosul. As tarifas comerciais chilenas já são mais baixas, em média, que a Tarifa Externa Comum do Mercosul, e Santiago não quer perder as suas vantagens comerciais no intercâmbio com o Nafta e a Bacia do Pacífico. A Bolívia não pretende deixar o Pacto Andino para entrar no Mercosul, e o Chile, com melhores razões, não pretende desistir do ingresso no Nafta. O horizonte com o qual trabalham os diplomatas brasileiros é o da articulação gradual do Mercosul com os países e blocos comerciais vizinhos, com vistas à formação de uma Associação de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa). Essa é a estratégia do buildingblocks. A sua meta consiste em criar, a partir de um grande bloco comercial na América do Sul, a plataforma ideal para negociar a integração pan-americana com a superpotência do norte. É por isso que o Brasil não tem pressa nas conversações destinadas à formação de uma super zona de livre comércio das três Américas, que foram lançadas pelo ex-presidente dos Estados Unidos, George Bush, em 1990. ASPECTOS ECONÔMICOS DO MERCOSUL Destino das exportações chilenas (US$milhões) NORDESTE AMAZÔNIA 4372 PERU BRASIL 3712 BOLÍVIA 3085 Brasília 2920 B.Horizonte 2409 OCEANO PACÍFICO 1306 877 565 764 PARAGUAI CHACO Assunção ARGENTINA 386 Córdoba União Européia América Latina 1985 1995 Japão Estados Unidos Outros CHILE Rosário PAMPA B.Aires CENTRO-SUL S. Paulo IA ÂM R.de Janeiro Curitiba OT OP P.Alegre ES M URUGUAI Montevidéu Fonte: The Economist, 24.ago.96, pg.34 OCEANO ATLÂNTICO PATAGÔNIA Grandes metrópoles e capitais Cidades importantes Regiões industriais Usina de Itaipu MUNDO no Vestibular 1) Em relação aos blocos econômicos internacionais existentes na atualidade, o Mercosul apresenta algumas peculiaridades em relação aos países que o compõem. Aponte duas dessas peculiaridades. 2) Pode-se afirma que atualmente tanto o Chile como a Bolívia encontram-se totalmente integrados ao Mercosul? Justifique sua resposta. 3) O processo de integração territorial interna dos dois mais importantes países do Mercosul ainda não foi totalmente atingido. Identifique duas importantes regiões (uma de cada país) em que essa integração territorial interna não foi conseguida e dê as principais características naturais de cada uma delas. RES POST AS 1) O Mercosul é o único bloco econômico do hemisfério sul que se encontra consolidado na atualidade. Outra peculiaridade é que ele é composto exclusivamente por países do chamado Terceiro Mundo. 2) Não. Esses dois países já assinaram tratados de associação, mas ainda não aderiram efetivamente ao Mercosul como países membros do bloco. O Chile, em 1996, passou a ter tarifas reduzidas no comércio com os quatro países do Mercosul. A Bolívia vem aderindo gradativamente desde 1992, mas ainda não é também um membro efetivo do bloco. 3) As duas principais regiões de Brasil e Argentina ainda não integradas territorialmente ao Mercosul são a Amazônia e a Patagônia, respectivamente. Ambas apresentam baixíssimas densidades demográficas, mas possuem características naturais bem diferenciadas. Enquanto a Amazônia apresenta-se como o domínio das terras baixas florestadas equatoriais, a Patagônia corresponde a regiões estépicas frias e secas. A falta de integração dessas duas regiões é em grande parte resultado da distância de cada uma delas dos núcleos geoeconômicos do Mercosul, especialmente o Sudeste brasileiro e a região pampeana argentina, onde situase Buenos Aires. OUTUBRO 96 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO O brasileiro adora torcer, escolher entre dois times, entre o mocinho e o bandido. Mas com o Plano Real, não dá para agir como torcida de futebol, escolher ser contra ou a favor. A pintura é mais complexa, e está inacabada. A primeira – e mais importante – conquista do plano foi derrubar a inflação. O bicho-papão, que já chegara a 50% mensais, fechou em 20% para todo o ano de 1995 e deve cair para 15% anuais, até dezembro. Ganhou a parcela mais pobre da população, que não tinha renda para utilizar aplicações bancárias, capazes de protegêla um pouco da inflação. Segundo a mais recente Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD/IBGE), entre 1993 e 1995 o rendimento médio dos brasileiros mais pobres, maiores de dez anos de idade, subiu de R$ 24 para R$ 48 ao mês. É muito pouco? Verdade. Mas é o dobro. Se os 10% mais pobres ficavam em 1993 apenas com 0,7% da renda nacional, hoje absorvem 1,1%. E os 10% mais ricos, que engoliam 49,8% do bolo, terminaram 1995 com 28,2%. O avanço pode parecer pequeno. Mas foi suficiente para ampliar o número de brasileiros em condições de consumir. Em dois anos, a porcentagem de casas com geladeiras cresceu de 71,7% para 74,8%. São quatro milhões a mais. Havia, no ano passado, 15% de domicílios com freezers, contra 12% em 1993. Os preços de muitos eletrodomésticos, entre eles as geladeiras, baixou, devido à oferta maior de marcas. Efeito da globalização, outro sonho dourado do Plano Real. Mas a estabilização econômica teve um papel decisivo no aumento do consumo, que foi ainda mais expressivo em se tratando de alimentos. Não se pode, porém, julgar o plano com espírito de torcida. O governo não conseguiu resolver mazelas antigas do país. A reforma agrária só caminha quando aumenta a pressão dos movimentos por terra. Ou quando ocorre alguma chacina no campo, sempre acompanhada pela gritaria da opinião pública internacional. A impunidade continua reinando absoluta. Nos últimos dez anos, 881 pessoas morreram na luta pela terra no Brasil. Só três casos foram a julgamento e dois assassinos estão cumprindo pena. Em dois anos, o plano de estabilização econômica aumentou o consumo popular e encaixou o Brasil na economia mundial, mas desindustrializou o país e ampliou o desemprego Outro dado que a PNAD aponta é que o aumento do consumo não ocorre no mesmo ritmo da melhoria da infraestrutura fornecida pelo Estado. Entre 1993 e 1995, a porcentagem de lares com água encanada só cresceu de 75% para 76%. O serviço de esgoto foi de 59% para 60% das casas, um aumento quase vegetativo. Quer dizer, nessa fase de enxugamento de gastos públicos (o que não vale para os políticos aliados), o Estado não vem fazendo a sua parte para garantir um novo ciclo de desenvolvimento. Mas o maior custo do Plano Real é o aumento do desemprego. A PNAD aponta um recuo da taxa de desemprego, de 6,8% para 6,1%, em 1995. Mas o número de desempregados deve crescer em 1996 porque, nos últimos 12 meses, a indústria paulista fechou 320 mil postos de trabalho. Para onde vai essa gente toda ? Para o “mercado informal”, quase sempre, trabalhar sem direitos como o 13° salário ou férias remuneradas. A taxa de trabalhadores com carteira assinada caiu de 29% para 28,1% em dois anos. Há quem diga que o quase desaparecimento de setores inteiros da indústria (autopeças, máquinas e brinquedos), revela a incompetência de muitos empresários em enfrentar a concorrência de chineses ou japoneses. Em parte, é certo. Muitos industriais nunca se preocuparam em investir, modernizar suas fábricas, porque os impostos altos sobre as importações evitavam a competição internacional. Hoje, se o Brasil deseja firmar-se na economia mundial, deve permitir o ingresso de produtos estrangeiros, ainda que sob determinadas condições. O problema é que há setores da indústria sendo sufocados pelas taxas altas de juros, que o governo usa para atrair investidores, enxugar a quantidade de dinheiro que circula, aumentar suas reservas em dólares e assim segurar a inflação e a paridade real/dólar. O governo argumenta que, com a estabilidade, as taxas de juros vêm caindo. É certo. Mas se um sujeito for a um banco em busca de um empréstimo para comprar uma máquina, ainda terá que pagar pelo menos 40% de juros anuais. Melhor então importar, já que os fabricantes estrangeiros oferecem financiamentos a 8% ou 10% de juros ao ano. Isso significa condenar setores importantes da indústria a morrer de inanição. Setores que seriam decisivos para que o Brasil, controlada a inflação, arrancasse rumo a uma nova fase de desenvolvi- mento econômico. Nos últimos meses, o governo até que vem adotando medidas de proteção à indústria. Impôs barreiras à importação de certos produtos, como os lápis e brinquedos chineses, que vinham arrebentando os concorrentes nacionais. Tudo com muito cuidado, para evitar represálias da comunidade internacional. Também reduziu impostos para os exportadores. O jogo de interesses em torno do Plano Real foi explicitado no período eleitoral. O governo e os partidos que o sustentam querem que os empresários apóiem seus candidatos e continuem funcionando como torcida de futebol, para dar uma força ao Plano Real. Só que, desde o início deste artigo, a idéia é escapar do raciocínio das torcidas. Fica então a pergunta: passadas as eleições, o governo e seu Plano Real terão ou não um plano consistente de combate ao desemprego? O Estado vai ou não ampliar seus gastos com serviços básicos e assistência social? No lado oposto, serão as oposições capazes de formular um plano econômico alternativo ao Real ? Conseguirão convencer-se de que a população considera o controle da inflação uma conquista importantíssima? Coisa para um novo artigo de balanço, talvez daqui a dois anos. ‘‘Sutil, llegaste a mi como una tentación...’’ O Real foi, em larga medida, inspirado pelo Plano Cavallo de estabilização econômica, deflagrado na Argentina em abril de 1991. Durante cinco anos, o superministro da Economia Domingo Cavallo foi uma espécie de símbolo da estabilidade do peso. Em agosto, porém, a desindustrialização e o desempregro derrubaram a principal figura do governo Menem A manutenção da estabilidade econômica a qualquer custo tornou-se um objetivo estratégico de FHC, que pretende disputar a reeleição nas próximas presidenciais - caso consiga mudar as atuais regras do jogo eleitoral; FHC repete, nesse sentido, a trajetória do presidente argentino Carlos Menem, reeleito em 1995 graças ao aparente sucesso do Plano Cavallo L.Fochetto Jayme Brener Da Equipe de Colaboradores 9 Moderno e arcaico caminham juntos no Plano Real Luiz Antonio/AJB Fronteiras da globalização OUTUBRO 96 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO 10 Diário de Viagem - Especial Laís Guaraldo, 31 anos, ilustradora de Mundo, é palestrista e professora de História da Arte no Colégio Oswald de Andrade, em São Paulo. Velejando pelo Caribe “Foi mais do que uma tropical depression, foi uma tropical storm”. Por toda a parte a notícia corria: a tempestade estava chegando. Ficamos sabendo com dois dias de antecedência e ninguém imagina com que força o vento vai chegar. Sabíamos que normalmente em Bonaire não há risco de furacões, mas os antilhanos sempre esperam as tempestades preparados para o que der e vier. No ano passado, o furacão que passou por San Martin foi de 350 km/h, afundou todas as embarcações e fez voarem aviões e catamarãs. Depressões, tempestades e furacões são ciclones, turbilhões de ar que se distinguem pela velocidade dos ventos (veja Mundo nº 4, pág. 11). Esse ano, outro furacão passou em San Martin, mas era bem mais fraco: só 150 km/h. Quinze dias depois, começou o vento forte em Bonaire, e toda a gente correu para a única baía protegida, procurando um lugar seguro. Com todos os barcos entrando ao mesmo tempo na marina não seria muito fácil colocar um-barco-ao-lado-do-outro, não fosse a eficiência dos funcionários em amortecer o movimento dos veleiros com dois dinghys infláveis, um de cada lado. Enquanto isso, no antigo pier onde estivemos tranqüilamente ancorados, na frente da ilha, o velho oceano, lindo e vivo, dono do pedaço, arrebentava as madeiras e instalações elétricas e hidráulicas. Foi um dia de fúria, mas dia seguinte já estava cristalino novamente. Fomos mergulhar e lá estavam os peixes de corais, sossegados, como se não soubessem de nada ou fingindo não saber o que tinha acontecido. E Bonaire embaixo d’água era um infinito turquesa, como todo o tempo essa cor não sai dos olhos da gente quando estamos no Caribe. Estranha é a escassez de peixes oceânicos. Os peixes coloridos dos corais fazem um desfile de escola de samba, domesticados pela vida fácil de peixe de reserva, e fica faltando uma vida mais prateada, com a exceção das barracudas, que aparecem como capim para olhar nos olhos da gente, com uma expressão que me faz desistir do gosto pela caça submarina. Fui ao Caribe para ajudar meu amigo a levar seu veleiro, que estava em Curaçao, para outro lugar seguro de furacões. De início, nosso plano era ir para a Jamaica, Cuba e México, pois o vento e a corrente ajudariam bastante. Os ventos e a corrente marítima da Guiana se deslocam na direção sudeste-noroeste, facilitando o percurso das Pequenas Antilhas para as Grandes Antilhas e para o istmo centroamericano (veja o Mapa). Velejar no sentido contrário é muito mais difícil e demo- rado. Na época colonial, essa brincadeira da natureza contribuiu para que a Espanha perdesse o domínio dos arquipélagos das Pequenas Antilhas, cuja defesa a partir das bases no istmo era uma tarefa militar complexa. Ingleses, franceses, holandeses e piratas aproveitaramse disso para estabelecer as suas soberanias sobre o arco insular do sudeste caribenho. Mas não pudemos seguir nosso plano original. Com a proximidade do mês de julho, os velejadores mais experientes nos aconselharam a seguir mais ao sul, para Honduras e Guatemala, pois era muito menos provável a ocorrência de furacões. No fim das contas, acabamos tomando rumos diferentes, de forma que eu mudei de veleiro e estava em Bonaire, bastante preocupada com o destino do meu antigo barco, o Luz do Ilustração Laís Guaraldo OUTUBRO 96 MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO OUTUBRO 96 11 O CALEIDOSCÓPIO COLONIAL CARIBENHO (SÉC. XVIII) Is.VIRGENS OCEANO ATLÂNTICO S.CRISTVÃO E NEVIS MAR DO CARIBE ANTILHAS HOLANDESAS Tortuga HAITI PE JAMAICA ANTÍGUA E BARBUDA GUADALUPE DOMINICA AN TI LH AS BAHAMAS QU EN A GOLFO DO MÉXICO I.S.MARTÍN HAITI MARTINICA S. LÚCIA SÃO VICENTE E GRANADINAS BARBADOS BELIZE PEQUENAS ANTILHAS TRINIDAD E TOBAGO GUIANA SURINAME GUIANA FRANCESA OCEANO PACÍFICO América hispânica Colonização francesa Colonização britânica Colonização holandesa Sol. É que essa tempestade tropical que passou por nós foi tomando força e chegou como um furacão na Costa Rica, bem próximo de onde poderia estar meu antigo capitão. Só aqui no Brasil descobri que ele estava na Jamaica, pois uma baleia tinha batido no casco dele, obrigando-o a rumar para Kingston, onde chegou tirando água em baldes. Dos velejadores que conheci, a figura mais estranha foi a de um senhor que viajava sozinho com quatro cachorros, sendo que um deles tinha só três pernas. Penalizava toda a marina aquela figura “cheia de amor” levando os cachorros para passear todas as tardes. Um amigo sueco arregalava seus olhos azuis do alto do seu corpo magro e comentava com solenidade: “four dogs and fifteen legs”. Um outro homem naufragou perto da Martinica e ficou no dinghy esperando um resgate. Foi quando passou um cargueiro japonês indo para o Panamá e o homem gritou para o capitão: “no, gracias, no me gusta el Panamá”. O mar às vezes deixa a cabeça da gente meio fluida. É que na terra tudo é bem diferente (como diz o Aguiar: cheio de bípedes e automóveis). As Antilhas Holandesas (Bonaire, Curaçao e, até pouco tempo atrás, Aruba) são ilhas secas e escarafunchadas, mas com um mar perfeito para o mergulho. Há muito tempo é extraído de Curaçao muito fosfato e calcáreo, remanescentes de corais em decomposição. Os morros ficam com um aspecto carunchado, por sua vez, reclamam à boca pequena dos impostos que pagam para garantir os benefícios sociais dos antilhanos; e os antilhanos não reclamam de nada, acham os holandeses bastante razoáveis e estão sempre sorrindo com seus dentes dourados. Só não recomendo ao viajante desavisado tirar retrato do beco rhastafari, em Curaçao, pois corre o risco de tomar um susto de um rhasta de olhos esbugalhados com voz baixa e seca: “estás loca ?”. Na Venezuela o clima é bastante diferente. A atmosfera de escassez é muito mais presente. A marina é cheia de cercas, para separar os barcos da população, que tem bem mais traços indígenas. A crise econômica é visível e os velejadores aproveitam a desvalorização da moeda para se abastecerem de alimentos. Mas bonito nas viagens é a viagem das palavras. O inglês passa pela boca das pessoas com todos os sotaques do mundo e certas palavras parecem cheias de nacionalidade, permanecem na roda mesmo quando falamos em outra língua, como as horas que o venezuelano respondeu: “son dez para las five”. Às vezes eu olhava para aquela gente que se encontrava na marina no final da tarde para beber alguma coisa junto e me perguntava o que é que eles estavam procurando. Será que todo mundo que escolhe viver num veleiro tem o mar como uma religião ? Velejando, a intensidade do pra- zer rapidamente se transforma em alta tensão, quando alguma coisa dá errado. O mar nos presenteia com golfinhos num dia e ondas enormes com ventos estranhos no momento seguinte. Uma estafa nas noites de turno, a soturna presença de navios, a uma distância abstrata para mim - silenciosa presença de perigo. E um amanhecer perto da costa, árvores e cidades desconhecidas, mistérios de lugares em que a todo momento você decide por eles. O trânsito como condição permanente de vida. Onde essa gente quer chegar ? - eu me perguntava. Daí eu me lembrei de um trecho boni- OCEANO ATLÂNTICO to de um filósofo francês, Gilles Deleuze, que talvez responda à minha pergunta: “Por que se viaja se não é para verificar? Verificar uma coisa qualquer, algo inexprimível, que vem da alma, de um sonho ou pesadelo. Ainda que seja para saber se uma cor improvável, um raio de luz verde ou uma atmosfera púrpura existe mesmo em algum lugar. Ir ao Japão, para verificar como o vento de lá desfralda as bandeiras de Ran de Kurosawa. Sempre o vento, este invisível.” (L’Image temps, Paris, Minuit, 1985). Ilustração Laís Guaraldo MAR DO CARIBE T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C ANO 4 ■ Nº 6 ■ OUTUBRO a Tiragem da 1 edição: 42.000 exemplares 1996 & 1 Roy Lichtenstein TEXTO CULTURA Carlos Gomes, José de Alencar e o mito do Brasil indígena J.M.de Medeiros/Mus.Nac.B.Artes/RJ OUTUBRO 96 Este ano comemora-se o centenário da morte do compositor Carlos Gomes, um dos maiores mitos brasileiros. A imagem de músico preocupado com o Brasil, sobretudo a partir da ópera O Guarani (adaptação do romance homônimo de José de Alencar), corresponde à necessidade de se delinear a identidade nacional tupiniquim. Apesar disso, se fizermos uma viagem além do mito, encontraremos um artista impregnado de elementos estéticos estrangeiros, atendendo, às exigências musicais européias, como atestam várias de suas composições. Carlos Gomes se inscreve, assim, no contexto descrito pelo poeta modernista Oswald de Andrade em 1924, no Manifesto pau-brasil: o intelectual brasileiro vive o dilema de estar entre a “floresta” e a “escola”, ou seja, entre o Brasil pré-colonial e o país colonizado -esta é a base dupla de nossa cultura, sempre presente. O maestro oscilou, então, entre a tradição verde-amarela e a novidade importada, como bem exemplifica a ópera O Guarani. O jornalista João Batista Natali, repórter-especial da Folha de S. Paulo e colaborador do boletim Mundo, traça para nós um perfil desta importante figura. Falando em mito, Carlos Gomes, O Guarani e nacionalismo, impossível não retratar também o escritor romântico José de Alencar, outra referência obrigatória no olimpo dos deuses brasileiros. Como nos mostra o professor de Literatura José Emílio, o processo de formação de nossas letras literárias invariavelmente se forjou na relação entre o “dado local” e as “formas vindas de fora”. Muitos foram os autores que buscaram soluções para dar corpo a uma consciência estética mais próxima da realidade brasileira, na tentativa de formalizar a tal identidade nacional. José de Alencar, por meio da temática indianista, procurou relatar a “verdade da nação” em sua vasta obra, mas principalmente no romance Iracema. Nele vislumbramos com todo o vigor a formação da nação, alegorizada no encontro da índia Iracema, filha dos Tabajaras, com o colonizador português Martim: o fruto desse amor, Moacyr, simboliza o primeiro brasileiro. São heróis míticos do processo de miscigenação que tanto caracteriza o povo brasileiro. Págs. 4 e 5 Parabéns aos vencedores do Concurso de Redação de T&C !!! Victor Anatoly Ritow Borba, do colégio Sigma de Goiânia, é o vencedor do concurso nacional de redação promovido este ano por Mundo - Texto & Cultura, com o trabalho “Matou o pombo-correio, ligou o computador e trancou a oca”. Os demais vencedores foram: Gabriela Muniz Baneti (A informática enquanto), Fabiana Bigaton Tonin (Sobre a tecnologia e o humano), Jefferson Ares (O insubstituível ser humano) e André Maurício Pavan (A comunicação do futuro). Pág. 2 vestibular Carlos Gomes José de Alencar Iracema, a pura e intocada virgem dos lábios de mel, é a própria representação da América, na perspectiva romântica de José de Alencar. Essa percepção foi levada aos palcos europeus por Carlos Gomes, em óperas como O Guarani. No século XIX, a literatura indianista brasileira teve um papel fundamental para formar a idéia de nação, dando continuidade a uma tradição que tem seus primórdios na Carta de Caminha. Em edições anteriores de T&C, na seção Redação no Vestibular, a professora Lucília Romão nos apresentou a modalidade de texto mais cobrada nos vestibulares: a dissertação. Além de contemplar a estrutura deste discurso (introdução, desenvolvimento e conclusão), discorreu sobre o tratamento dado a ele pelas principais bancas examinadoras e comentou os seus critérios de correção. Apresentamos, agora, outras duas modalidades de redação: o texto narrativo e o texto persuasivo com interlocutor definido (“carta argumentativa”). Além disso, uma série de propostas de exercícios dialogando com o tema central do encarte. Mãos na massa e bom exame!!! Págs. 6 e 7 23ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo Pág. 3 OUTUBRO 96 T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C 2 Conheça agora os vencedores do Concurso de Redação de Mundo - T&C 1º lugar Victor Anatoly Ritow Borba, do colégio Sigma de Goiânia, é o vencedor do concurso nacional de redação promovido este ano por Mundo - Texto & Cultura. Seu trabalho, intitulado “Matou o pombo-correio, ligou o computador e trancou a oca ”, publicado em seguida, é comentado por Lucília Maria Souza Romão, professora e editora da página de Redação no Vestibular de T&C. Ao Vitor, os nossos cumprimentos pelo seu belo trabalho. Que esta premiação seja apenas um degrau de uma brilhante carreira como escritor!!! A Redação de Mundo reitera os seus mais profundos e sinceros agradecimentos a todas as escolas que se engajaram no concurso (a lista completa dos participantes foi divulgada à pág. 2 de Mundo nº 5). A grande participação de mestres e alunos, bem como o alto nível das dissertações, são o melhor estímulo para a realização de um concurso semelhante em 1997. Até lá, então! “Matou o pombo-correio, ligou o computador e trancou a oca’’ Quando o imperador Dom Pedro II ouviu pela primeira vez uma voz ao telefone, suas palavras foram de espanto: “ Meu Deus do céu, esta coisa fala!”. Mal sabia o ingênuo Dom Pedro que, não muito tempo depois, haveria coisas falando, ouvindo, escrevendo e até pensando. Que se cuidassem os pombos-correio e as fofoqueiras de janela: o planeta estava dando início à globalização. Durante o século seguinte, os homens foram entrando em todos os cantos da Terra. A informação e a comunicação tinham que chegar ao lugar mais inóspito na menor fração de tempo. “Corram, terráqueos, corram!”- começaram a gritar as máquinas. Televisão, fax, mídia, software, internet, satélite, parabólica, Nasa, alô, alô, câmbio... alô, alô, câmbio...Alguma interferência ? Parece que, na corrida da modernidade, levamos um tropeção: na grande aldeia global, o índio trancou a oca. Teria ele matado o pombo-correio e ligado o computador só para ninguém mais o ver nu? A grande taba já não é mais a mesma. O bicho-homem adora contradições. Enquanto o mundo interliga-se cada vez mais , parece que as pessoas estão se isolando umas das outras. O egoísmo é inerente à humanidade e neste fim de século ele fica mais evidente. Se todos nós começamos a saber mais uns dos outros , por que então tantas guerras, tantos conflitos raciais, tantos paradoxos? Em vez de melhorarmos as relações humanas através das comunicação, achamos o meio mais fácil de esconder nossa fragilidade: trancamos a oca. Com medo de que toda nudez fosse castigada, o nativo ligou o computador e armou sua parabólica. Tentou contato com a imensidão fria do espaço, vazio tão grande quanto o seu. Na globalização mundial, a desglobalização pessoal. Gente transformada em ‘bits’. Beijo pelo celular, abraço pelo fax, sexo digital. Mandamos foguetes, mandamos astronautas; mas, distraídos como sempre, não vimos o bilhete que Drummond fixou no rabo de um cometa: “... só resta ao homem ( estará equipado?) a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo”. Victor Anatoly R.Borba Título: Matou o pombo-correio, ligou o computador e trancou a oca Escola: Colégio Sigma Cidadade: Goiânia (GO) Prêmio: Uma bike de 21 marchas 3º lugar Fabiana Bigaton Tonin Título: Sobre a tecnologia e o humano Escola: Curso e Colégio Anglo Cidade: Piracicaba (SP) Prêmio: Um disc man 5º lugar Comentário: Um texto de tirar o fôlego do leitor: deslumbramento mediante relações intertextuais inteligentes e criativas. Ao mesmo tempo, o bicho miserável do Bandeira, a nudez de Nelson Rodrigues, o lembrete do “Homem e suas viagens” de Carlos Drummond de Andrade demostram repertório de fragmentos poéticos com gancho preciso e certeiro. São referências de autoridade explícita , deixando claro um discurso fruto de leituras e bagagem cultural. Além disso, a referência histórica logo na introdução torna-se ponto convidativo. O telefone de ontem e o computador de hoje são as duas pontas do debate, unidas pela mesma noção de espanto. Há postura definida e crítica adequada ao tema; mais que isso, a linguagem com estilo ágil e original passa a ser atrativo e ter um papel relevante no ritmo do texto. A pontuação das frases, o tom dos parágrafos: riquezas únicas. A coerência interna está clara e visível: fio condutor lógico estabelecido no percurso do texto. Teia coesiva das melhores, com amarração perfeita do pensamento, sem rupturas. Um aluno-autor que conhece as técnicas redacionais e consegue superá-las, indo muito além... Alguém especial na forma de dizer, que conserva um bom acervo de argumentos e transforma o texto todo num momento singular. André Maurício Pavan Título: A comunicação do futuro Escola: Colégio John Kennedy Cidade: Pirassununga (SP) Prêmio: Coleção de Clássicos Scipione 2º lugar Gabriela Muniz Baneti Título: A informática enquanto Escola: Colégio e Curso Sapiens Cidade: São Carlos (SP) Prêmio: Um disc man 4º lugar Jefferson Ares Título: O insubstituível ser humano Escola: Magno Cidade: São Paulo (SP) Prêmio: Coleção de Clássicos Scipione Menção honrosa: • Lígia Flávia Antunes Título: Neurônios de metal? Escola: Colégio Objetivo Cidade: Três Lagos (MS) • Alcione Aparecida Messa Título: WWW@ Super ação Escola: Colégio Mater Dei Cidade: São Paulo (SP) • Adriane Maira Delicio Título: Zero e um Escola: Colégio Luiz de Queiroz Cidade: Piracicaba (SP) • Cícero Strano Moraes Título: Frankenstein Escola: Colégio Santo Estevam Cidade: São Paulo (SP) • Juliana Carvalho Eliezer Título: Destino ignorado Escola: Colégio Mater Dei Cidade: São Paulo (SP) Os contemplados com a menção honrosa fizeram jus a um kit de três fitas k-7 editados pela BBC de Londres e cedidos pelo programa de rádio Certas Palavras (rede CBN-SP), contendo reportagens sobre a transição do socialismo à economia de mercado em 10 países do Leste europeu. T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C T&C, agora com 8 páginas: ajudando a desvendar o Mundo A partir desta edição, T&C deixa de ser um encarte do boletim Mundo - Geografia e Política Internacional, e passa a ser um boletim autônomo e independente, de oito páginas. O novo T&C será publicado seis vezes ao ano, e será integralmente dedicado à crítica da cultura, com ênfase em reflexões sobre o que há de mais contemporâneo nessa esfera. T&C estará também muito atento às exigências dos exames vestibulares, sobretudo no que se refere à Língua Portuguesa. Até aí, o novo boletim será igualzinho ao antigo encarte. A diferença é que teremos mais espaço para desenvolver os temas propostos e para incluir novas questões - por exemplo, criar espaços de interatividade com nossos leitores ou explorar o mundo da gramática como fenômeno vivo da língua. Em outros termos, passando de quatro para oito páginas, desenvolveremos melhor a função “metalingüística” e a “referencial” da linguagem, base de estruturação do boletim. No primeiro caso, trata-se do “código”versando sobre o próprio “código”, ou seja, é o momento em que a língua reflete sobre si mesma: espaço para discutir Gramática, Literatura, Redação e Interpretação de Texto. Pretendemos, assim, fornecer subsídios para professores e alunos enfrentarem questões mais ousadas, que fogem à rotina do que é normalmente ensinado em muitas escolas Brasil afora. São questões, por exemplo, que trabalham as fronteiras entre a norma escrita e a língua falada, a adequação dos vários registros de linguagem aos diversos contextos em que os discursos se processam; são exercícios de intertextualidade, em que se estabelecem diálogos entre textos de autores pertencentes a períodos literários diversos, buscando notas de semelhança e diferença etc. No caso da função “referencial”, também chamada de “informativa”, nosso objetivo é ajudar o leitor a educar os seus sentidos para poder fazer a leitura do mundo que o circunda, dentro de uma perspectiva crítica, lúcida, equilibrada. Aqui estaremos de olhos bem abertos para tudo o que de significativo estiver acontecendo no universo da cultura, sobretudo a brasileira. Claro que o processo de formação de repertório cultural é lento, não ocorre da noite para o dia, e envolve muito mais do que a leitura do boletim. Mas queremos contribuir com a nossa parte para que o homem, mais ilustrado, exercite de fato a sua cidadania. Como diz o escritor e dramaturgo japonês Mishima, “a partir das palavras, eu descobri o mundo”. T&C: ajudando a desvendar o mundo. Bienal mostra “desmaterialização” da arte A 23ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo foi aberta, no dia 5 de outubro, com um título provocador: A desmaterialização da arte no final do milênio. Esse título resume uma problemática amplamente discutida pelos teóricos e críticos: a relação entre a arte e as tecnologias contemporâneas - o mundo digital dos computadores. A discussão não é simples. No começo do século, o crítico alemão Walter Benjamin já mostrava o impacto que a tecnologia tinha sobre a arte. Benjamin apontava o fato de que a possibilidade de reproduzir obras de arte através do cinema, da fotografia e técnicas de impressão em série - como a litogravura - fazia com que a obra perdesse sua singularidade, sua aura de mistério. O momento único de contemplar um quadro num museu poderia, agora, ser infinitamente reproduzido pela técnica. Hoje, a discussão já se coloca em outro nível. Não apenas podemos reproduzir as obras, como podemos interferir nelas, através de técnicas de digitalização. Podemos, por exemplo, scanear a reprodução de um quadro e agir sobre ela na tela do computador. Podemos escrever um ‘‘livro aberto’’, colocando suas páginas na Internet e propondo que os leitores interfiram no enredo. O mesmo pode ser feito com esculturas, peças musicais etc. É claro que, em todos esses casos, estamos tratando da ‘‘arte virtual’’, isto é, transformada em impulsos eletrônicos, desmaterializada. Daí o título do evento. Até o dia 8 de dezembro, a Bienal estara mostrando mais de 500 obras de 75 países. Para descrever a trajetória evolutiva desse processo de ‘‘desmaterialização’’, os organizadores trouxeram para o evento peças precursoras da Arte Moderna (Goya, do século XVIII), obras de seu fundador (Picasso, com o quadro As Senhoritas d’Avignon, de 1907, infelizmente não exibida) e de alguns dos nomes mais significativos do modernismo (Paul Klee, Edvard Munch, Andy Warhol), até chegar aos trabalhos contemporâneos interativos. Por essas razões, vale a pena visitar a Bienal este ano. Não é só o prazer visual e lúdico de jogar com as peças interativas. É também a oportunidade de ver contada uma dimensão importante da história de nosso mundo. E D I T O R I A L Primeiro, a banda carioca de rap-reggae-rock Planet Hemp teve uma série de shows proibidos, sob a alegação de fazer apologia do uso da maconha. Depois, o palhaço nordestino Tiririca teve sua ‘‘música’’ Veja os cabelos dela censurada, sob o pretexto de ser ofensiva à comunidade negra. Mais recentemente, a Prefeitura de SP ordenou que se colocassem tarjas pretas nos seios das “garotas” do cartunista Carlos Zéfiro que apareciam em out-doors de divulgação de um show da cantora Marisa Monte. Há um denominador comum a todos esses casos: a retomada da prática da censura, que aparentava ter desaparecido junto com a ditadura. A alegação é sempre a mesma: a “tesoura” se faz necessária para proteger a sociedade de abusos cometidos em nome da liberdade de expressão, para “ preservar a Ordem Pública”. A história mostra que devemos fazer muitas reservas à prática da censura. No mais das vezes, ela comporta critérios duvidosos e preconceituosos. A Inglaterra vitoriana censurou o escritor Oscar Wilde, condenado por homossexualismo: em que medida a opção sexual pode invalidar a produção artística? E que prejuízos alguém, por ser homossexual, pode causar à Ordem Pública? Pinochet perseguiu o poeta Pablo Neruda por que sua obra era “subversiva’’. Assim, a ditadura cassou o amor à vida, às pessoas, à liberdade, ao mar - temas constantes em Neruda. Na União Soviética stalinista, os escritos de Trotski e de outros autores foram banidos, considerados um perigo contra a ordem instituída. Pensar de modo diferente do oficial é, por acaso, crime? Não é com as diferenças que crescemos e amadurecemos? A censura quer nos dar um mundo compartimentalizado, vedando-nos certas passagens, proibindo-nos determinadas visões. O Estado se coloca na autoritária posição paternalista de quem deve escolher por nós. Mas a liberdade é um aprendizado constante: só podemos aprendê-la (e apreendê-la) exercitando-a. É aí que conhecemos seus limites, fazendo valer a cidadania. Se a Santa Inquisição tivesse alcançado seus objetivos, queimando todos os seus “hereges”, possivelmente ainda creríamos ser a Terra quadrada. É livre quem não sabe que a Terra é redonda? Quem nasceu para Tiririca, sabemos, não morre poeta. Tudo bem. A questão da censura nada tem a ver com o julgamento de valores estéticos, mas sim com a qualidade da relação política entre a sociedade civil e o Estado. Para o dramaturgo Dias Gomes, “os males causados pela ausência da censura são infinitamente menores que os trazidos pela sua vigência”. Certo. A sociedade que não sabe se defender por si só - que precisa de ‘‘pais’’ para determinar o que é o Bem e o Mal - está grávida de novos ditadores. E X P E D I E N T E Texto & Cultura é uma publicação de Pangea - Edição e Comercialização de Material Didático LTDA. Redação: José Arbex Jr. (Editor Geral); Paulo César de Carvalho (Editor);Lucília M. S. Romão (Coordenadora de Redação no Vestibular) Revisão: Paulo César de Carvalho Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779) Diretor Comercial: Arquilau Moreira Romão Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise Endereços: São Paulo: Rua Romeu Ferro, 501. CEP 05591-000 - Fone e Fax: (011) 870-1658 Ribeirão Preto: Espaço Cultural Tantas Palavras - Rua Floriano Peixoto, 989 CEP 14.025-010 Fone: (016) 634-8320 Fax: 623-1875. Belém: J.M.C. Morais, Av. Augusto Montenegro, conj. Morada do Sol, pr. Sol Nascente, apto. 403 - Belém (PA) CEP 66000-050 Fone: (091) 216-8018 Colaboradores: Emília Amaral, Agnaldo J. Gonçalves, José de Paula Ramos Jr., A Redação não se responsabiliza pela opinião ou informação veiculadas em matérias assinadas. Assinaturas: Por razões técnicas, só oferecemos assinaturas coletivas para escolas conveniais. Pedidos devem ser encaminhados aos endereços acima. Exemplares individuais podem ser obtidos nos seguintes endereços, em SP: • Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900. • Em Ribeirão Preto: na Sucursal (v. endereço acima) OUTUBRO 96 3 Centenário da morte de Carlos Gomes ‘‘Os abraços, os beijos, beijões, apertos de mão de deixá-la dolorida, perguntas infinitas, flores, presentes, bailes, ‘soirées’, serenatas, Deus sagrado, não sei quantas coisas ainda... Só faltou que fizessem uma Semana Santa em honra do bem-vindo. O imperador quer, a todo custo, ouvir ‘O Guarani’ no teatro e, por isso, estão já em ensaios. (...) Os artistas não são nem Sass nem Villani. E o corpo de baile? Quatro rãs a pular no lugar de mulheres.’’ O índio e a busca da identidade na arte brasileira José Emílio Major Neto Especial para T&C (Trecho de uma carta em que Carlos Gomes comenta recepção que teve no Rio e primeira montagem brasileira da ópera O Guarani. O músico refere-se a Maria Sass e ao tenor Giuseppe Villani, cantores que haviam interpretado Ceci e Peri no Teatro Scala, de Milão, meses antes da estréia da ópera no Rio. O tom zombeteiro explicita a divisão na alma do artista: sua obra é um hino de amor a um Brasil idealizado, selvagem e nobre; mas sua consciência revolta-se contra hábitos nacionais que julga provincianos e incultos) De orgulho nacional a “Voz do Brasil” João Batista Natali Da Equipe de Colaboradores AJB O processo de formação da literatura brasileira se estrutura numa complexa relação entre o “nacional” e o “estrangeiro”, entre o dado local e as formas importadas, que possuem matrizes sociais, históricas e estéticas diferenciadas da nossa particular realidade. É nesse jogo que o escritor brasileiro busca soluções capazes de materializar uma consciência estética adequada a uma matéria sócio-histórica específica. Um dos momentos mais importantes desta trajetória está presente no Romantismo brasileiro e na temática indianista. O Romantismo é o marco inicial da consolidação da sensibilidade moderna, que em tudo é burguesa e urbana. Marca na Europa o processo geral de ascensão e consolidação burguesa. Todos os seus temas e procedimentos formais são respostas a uma nova ordem social imposta pela revolução industrial e pela revolução francesa. Encontramos, contudo, apreciáveis oscilações nessa sensibilidade, que vão desde a adesão mais gritante aos valores burgueses, até a mais radical e sentimental negação destes valores: de um lado, por exemplo, o romance ingênuo e sentimental, como a Dama das Camélias, de Alexandre Dumas; de outro, o romance de aguda crítica social, como Os Miseráveis, de Victor Hugo. A partir deste quadro histórico e cultural, fica mais aguda a observação do esforço intectual dos escritores e poetas brasileiros românticos, no intuito de fundar uma literatura que expressasse a “verdade” da nação. Talvez hoje nos seja impossível avaliar o que há de esforço criativo e intelectual no projeto literário de um escritor como José de Alencar, ou de um poeta como Gonçalves Dias. O Brasil não conheceu o processo de modernização burguesa, não pelo menos segundo os padrões europeus, que geraram o Romantismo e suas soluções particulares. No início do século XIX, a problemática histórica do país passava diretamente pela formação da nação, quer no campo político, diplomático e institucional, quer no campo do discurso literário. Nesse momento, a literatura desempenhava um papel fundamental, principalmente na formação das elites, e na expressão de seus valores particulares, passando a ser expressão da nação. Dentro deste panorama se encaixa a literatura indianista brasileira, principalmente Alencar e Gonçalves Dias, que alcançaram resultados surpeendentes, como bem ilustram Iracema, O Guarani, Marabá e I. Juca Pirama, e que dão continuidade a uma tradição que tem seus primórdios na Carta de Caminha e ilustres representantes no Arcadismo, com Basílio da Gama e Sta Rita Durão, respectivamente com o Uraguai e O Caramuru. Segundo o professor Antônio Cândido, assim podem ser compreendidas: “Na medida em que toma uma realidade local para integrá-la na tradição clássica do Ocidente, o indianismo inicial dos neoclássicos pode ser interpretado como tendência para dar generalidade ao detalhe concreto. Com efeito, concebido e esteticamente manipulado como se fosse um tipo especial de pastor arcádico, o índio ia integrar-se no padrão do homem polido, ia testemunhar a viabilidade de incluir-se o Brasil na tradição do Ocidente, por meio da superação de suas particularidades. O indianismo dos românticos, ao contrário, denota tendência para particularizar os grandes temas, as grandes atitudes de que se nutria a literatura ocidental, inserindo-as na realidade local, tratando-as como próprias de uma tradição brasileira. Assim, o espírito cavaleiresco é enxertado no bugre, a ética e a cortesia do gentil-homem são trazidas para interpretar o seu comportamento. A distinção pode parecer especiosa, mas o seu fundamento se encontra na atitude claramente diversa de um Basílio da Gama e de um José de Alencar.” Sob este aspecto, a figura de Alencar tem uma dimensão apreciável, e ao analisarmos sua obra percebemos o que há nela de esforço para reciclar, com “verdade”histórica e nacional, formas e procedimentos estéticos europeus. T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C AJB 4 T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C L. Fochetto OUTUBRO 96 Sucessivas gerações de artistas brasileiros tiveram sua obra marcada pela busca de linguagens e formas que poderiam ser consideradas especificamente brasileiras. Foi o caso, por exemplo, do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos (à dir.), que pesquisou na Amazônia e em outras regiões do Brasil sons, instrumentos e motivos folclóricos que seriam incorporados à sua produção musical. Tentativa semelhante foi realizada, no campo da Literatura, pelo modernista Mário de Andrade (centro), cuja criação-maior, o índio Macunaíma, herói sem nenhum caráter, contrastava com a imagem idealizada e romântica de um Peri. Mais recentemente, o maestro Tom Jobim, que se dizia fortemente influenciado por Villa-Lobos e por Mário de Andrade, retomou o diálogo com uma tradição que busca afirmar esteticamente a identidade nacional brasileira, e que nos anos 60 estimulou o surgimento de vários movimentos de vanguarda, como o Cinema Novo (que teve em Glauber Rocha o seu principal expoente) e a Tropicália (dos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil). Um bom exemplo disso é o desdobramento de sua obra romanesca. Alencar escreveu romance urbano, histórico, regionalista e indianista. Estas últimas duas categorias são uma das primeiras elaborações efetivas da inteligência nacional no cenário da literatura internacional. Qual outra literatura moderna tem uma tradição tão vasta de romances regionalistas quanto a brasileira? Tradição esta que vai de Alencar a Guimarães Rosa, passando por Euclides da Cunha e Graciliano Ramos. E o que dizer de romances como Iracema, O Guarani e o Macunaíma de Mário de Andrade? Nos romances indianistas, a habilidade e perícia de Alencar se tornam mais patentes. Uma boa prova disso está no fato de que romances como Iracema e O guarani são lidos ainda hoje com grande prazer e interesse. Como não se “emocionar”com a oscilação entre o lírico e o épico tão bem formalizada pela prosa poética de Iracema? Como não se embrenhar no ritmo narrativo envolvente d’O Guarani? E como não encontrar neles ecos de nossos desejos - mesmo que imaginários - de grandeza nacional? Mesmo tendo em vista toda a literatura modernista que subverteu a ingenuidade destes códigos ufanistas. Em Iracema, mais do que em qualquer outro romance brasileiro, encontramos a alegoria da formação da nação. O enredo, relativamente simples, se resume no encontro de Iracema e Martim. Ela, filha dos Tabajaras; ele, guerreiro português, colonizador e cristão, amigo dos Pitiguaras, por sua vez inimigos dos Tabajaras. Os dois se encontram em meio à exuberância tropical da terra brasileira e se apaixonam - apesar da guerra tribal e das diferenças culturais que os separam. Iracema abandona seu povo e segue Martim. Os dois se unem num ritual indígena e vão viver próximos aos Pitiguaras. Com o passar do tempo, cheia de dúvidas e solidão, Iracema morre, mas deixa para Martim um fruto de seu amor e de sua dor: Moacyr, o primeiro brasileiro. Eis aqui o duro impasse no qual Alencar se encontrava. De um lado, atender as espectativas do público leitor brasileiro, intimamente formado pelo romance europeu. De outro, produzir um romance que tivesse ao menos uma gota de “verdade” nacional. Em Iracema, encontramos todos os ingredientes do romance romântico europeu, ingênuo e sentimental, tão ao gosto da sensibilidade oitocentista: a intriga amorosa, os obstáculos à sua realização , os lances heróicos tipicamente aristocráticos, que a burguesia européia era ávida em imitar. Por outro lado, há neste romance um ritmo, uma linguagem e um movimento geral que inegavelmente somos obrigados a chamar de brasileiros. Iracema, a virgem dos lábios de mel, é telúrica, pura, intocada, anagrama perfeito do continente recém-descoberto ( Iracema/América). Martim é português, colonizador, branco, cristão, puro, tão puro que, ao ver a bela indígena pela primeira vez, - justamente quando ela acabava de sair nua do banho -, pensa na Virgem Maria. Assim, eles são heróis míticos, perfeitos, origem primeira da nação. E da fusão destes dois seres tão elevados e sublimes nasce o primeiro brasileiro e o Brasil, que segundo esta ótica está destinado a ser uma grande nação, o que atende muito bem aos projetos de um nacionalismo ufanista tão ao gosto das elites em momentos de sua afirmação política e histórica. Se este romance não revela nenhuma preocupação etnográfica mais sólida, já que o índio e o europeu aí materializados mais parecem máscaras vazias, Alencar pesquisou arduamente os escritores e a literatura informativa do século XVI, além da língua tupi, o que a quantidade apreciável de notas ao romance comprova. Porém, sob a capa da legitimidade histórica dada pelos relatos do século XVI, o que se esconde e está filtrado é a dissimulação do processo mais amplo da formação da nação, que tem na miscigenação racial e no sincretismo cultural seu esteio fundamental. Nos romances indianistas (com uma boa justificativa histórica), bem como no romance romântico brasileiro em geral, a grande ausência que revela a fragilidade dos discursos oficiais - quer sejam históricos ou literários - é a ausência do elemento negro e suas fundamentais contribuições à formação da nacionalidade. Desta forma, numa perspectiva histórica mais ampla, os impasses ideológicos e simbólicos da nação se revelam, e no ritmo poético e sedutor da prosa de Alencar, se inscreve pelo avesso a estridência da falta. Às vezes um acorde soa melhor pelo vazio que deixa. E é justamente neste vazio que as gerações subseqüentes, como a “modernista”, vão inscrever uma visão talvez um pouco mais legítima da história da nação. Aqui talvez não seja improcedente citar Oswald de Andrade, que como poucos soube desafinar o coro dos contentes: “ BRASIL O Zé Pereira chegou de caravela E perguntou pro guarani da mata virgem _ Sois cristão? _ Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte Teterê tetê Quizá Quizá Quecê! Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu! O negro zonzo saído da fornalha Tomou a palavra e respondeu _ Sim pela graça de Deus Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum! E fizeram o Carnaval.” José Emílio Major Neto é professor de Literatura no curso Anglo de São Paulo Uma comparação meio exagerada para situar o personagem: Antonio Carlos Gomes (1836-1896) foi o mais distante precursor de Ayrton Senna na história brasileira dos mitos e mentalidades. Nenhum deles exercia profissão própria ao cidadão comum de seu tempo. Foram ambos reconhecidos pelo público estrangeiro e, o que é mais importante, involuntariamente funcionaram como uma prova incandescente de que o Brasil, país de tantos e numerosos defeitos, poderia, afinal das contas, produzir algo que se preste para consumo globalizado. A primeira questão que se coloca é a do verdadeiro valor artístico do compositor campineiro. Mito por mito, qualquer um poderia ter exercido o mesmo papel, mesmo sem conhecimentos musicais profundos, mesmo entendendo pouco de orquestração ou sendo um medíocre maestro. Pois Carlos Gomes foi um músico em todos os aspectos excepcional. Possui riqueza melódica em suas cantigas (há 40 delas publicadas), dominava a linguagem complicada da música de cámera (“Burrico de Pau”, sonata para quinteto de cordas), e, o que era fundamental para um compositor do final do século XIX, nos legou nove óperas formalmente muitíssimo bem escritas. Os especialistas acreditam que a melhor, entre elas, seja “Fosca” (1873), e não “O Guarani” (1870), que deu a Carlos Gomes alguma notoriedade póstuma. Nenhuma de suas óperas foi o produto de uma pesquisa em fontes folclóricas ou harmônicas da música brasileira. O “nacionalismo musical” se tornou verdadeiramente uma bandeira só a partir do modernismo. Em razão disso, Carlos Gomes foi com freqüência “acusado” de ter sido um compositor bem mais italiano que nacional, o que em parte procede. Mas nos anos 70 do século XIX, e qualquer boa história da música o menciona, dois únicos modelos orientavam as composicões endereçadas aos teatros líricos: a italiana (na esteira de Verdi) e a alemã (sobretudo Wagner). Inexistia uma ópera mexicana, outra búlgara e outra ainda inglesa. Por que, então, haveria uma brasileira, sobretudo num momento em que a afirmação artística nacional nao havia completado seu processo de fermentação? Em suma, o brasileiro Carlos Gomes foi um grande compositor de música operística italiana, e na Itália suas obras eram executadas no único grande teatro sobre o qual a mídia da época focalizava suas atenções, o Scala, em Milão. Foi em razão do sucesso de “O Guarani” (ou “Il Guarany”) naquela casa que outras óperas européias, de Barcelona a São Petesburgo, a programaram para suas temporadas seguintes. E foi também com “O Guarany” que Carlos Gomes se tornou um homem muito rico. Perdulário, até. Gastou fortunas em mármore e móveis esculpidos para decorar uma “villa” que construiu na região da Lombardia. Nosso “Ayrton Senna” musical precisava, no entanto, de uma cãmara local de ressonância para que seus feitos fossem reconhecidos na Corte (a Corte era a capital do Império, o Rio de Janeiro). O fato de ser um ferrenho monarquista, protegido de d. Pedro II e da princesa Isabel, certamente facilitou as coisas. Foi com uma bolsa do imperador que Carlos Gomes partiu para estudar na Europa, em 1863. Já era, então, um músico na moda. A associação de seu nome à monarquia também o prejudicou, conforme crescia junto a uma parcela das elites certa ebulição republicana. Ser “amigo do rei” após a Proclamação da República se tornou um mau negócio. Seu sonho de se tornar diretor da Imperial Academia de Música (depois Conservatório Nacional) foi por água abaixo. No confronto político, compositores republicanos como Alberto Nepomuceno (1864-1920) acabaram levando a melhor. Três condições estavam reunidas para que Carlos Gomes caísse no esquecimento. A primeira delas estava no fato de o romantismo italiano, já em seus extertores, dar algumas guinadas estéticas (com Puccini, por exemplo) que levaram a música do campineiro, por não acompanhá-las, a não ser mais executada. A segunda está na virada política ocorrida no Brasil com a República. Tudo o que estava ligado à familia Orleans e Bragança passou a cheirar mofo. E a terceira viria, anos depois, com a Semana de Arte Moderna (1922). Por não cultivar as “raízes legitimamente nacionais”, Carlos Gomes foi atacado e caiu no ostracismo. Foi preciso que o Estado Novo (1937-1945) o ressuscitasse como símbolo da autoafirmação cultural, o que ficou demonstrado pela escolha da “protofonia” (introdução orquestral) de “O Guarani” como prefixo de “A Hora do Brasil” (hoje “A Voz do Brasil”). Vejam que todo esse processo deixou de ter muito a ver com o cidadão Antonio Carlos Gomes e sua biografia. Com o maestro arruinado por seus gastos mundanos excessivos, que precisou aceitar o emprego de diretor do Conservatório de Belém, no Pará (então, um fim de mundo...), morrendo três meses depois, de câncer. Nada tem a ver, tampouco, com os anos iniciais de sua carreira no Rio (protegido de Francisco Manuel da Silva, o autor do Hino Nacional Brasileiro), como compositor de duas “Cantata” e como maestro da Ópera Nacional. E nem com sua origem na Vila de São Carlos (hoje Campinas-SP), filho do maestro da banda de música, e também um precoce flautista e violinista, bom pianista e dono de uma quantidade de informações musicais dificilmente concebivel para alguém que morava “naquele mato” distante de São Paulo, bem antes que a elite local se formasse com o dinheiro do café. Existem, portanto, duas linhas históricas que convergem para o mesmo personagem. A primeira, a do músico persistente que abriu as sucessivas portas que lhe apareciam e superou os sucessivos obstáculos que lhe colocavam na carreira. A segunda está na “leitura” que certas circunstâncias políticas e culturais acabaram fazendo dele. Um “Ayrton Senna” bem mais rico culturalmente que o piloto de Fórmula 1, que, um século depois, também se tornou herói nacional. OUTUBRO 96 5 T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C OUTUBRO 96 6 Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Ilustração Laís Guaraldo “Escrevo porque amanhece e as estrelas lá do céu / lembram letras no papel”. O escritor paranaense Paulo Leminski sintetiza a maior característica do discurso poético e narrativo: a metáfora e a transcendência dos objetos-fatos sob o signo da reciclagem criadora. Além das ações, a reedição das figuras. Para narrar, é receita certa entrelaçar personagens num determinado espaço-tempo , detonando fatos e ações mediante causas e objetivos definidos. A essência é o movimento, transformação. Matéria? O acontecimento enquanto objeto máximo. O episódico alarga o gesto e a imaginação. Estrelas brilham! É bem possível manipular elementos de construção para chegar a uma história. As categorias quem?, o quê?, onde?, quando?, por quê?, como? são etapas vitais.A personagem é o fermento colocado na massa narrativa, ela cresce, amplia ou reduz os horizontes, arrebenta-se em bolhas de ar e assa sentimentos no forno dos conflitos. Deve ser imaginada e descrita em função do nome, idade, traços físicos, marcas do comportamento e gênio, linguagem e nível sócio-cultural. O conjunto de sugestões pode aparecer fragmentado com algumas características super-valorizadas em detrimento de outras. Importante mesmo é revirar a personagem, buscando a particularidade, o ângulo peculiar, o traço singularizante e o distintivo mágico. O espaço sinaliza a possibilidade de envolver o leitor, contagiando-o com o clima do local. É o ambiente capaz de comover, despertar e alavancar ações; exemplos dessa força levantam-se nas páginas de Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, dentre outros. Não apenas as marcas externas, dados da paisagem e evidências de época: o movimento do espaço inteiror escorrega espesso por Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. O ‘de dentro’ é externado e as ações ocorrem aí, propiciando uma atmosfera profunda, densa. Às vezes, asfixiante! Enredo é sinônimo de ordem no relato, seqüência lógica de ações, sucessão de fatos com coerência. A articulação narrativa conta com dados fornecidos pela proposta do vestibular: cabe ao aluno escrever uma história usando tais dados. Nesse momento, a adoção do foco narrativo espera atenção e cuidado. O narrador pode ser um personagem atuante ou um observador discreto: o ponto de vista é o recorte criativo a ser explorado. De onde se vê a ação? De que universo interior vem a voz que conta? Qual é o filtro, a ótica que peneira os fatos? O conflito deve conduzir a um desfecho. Desenlace é “o momento de grande destruição trágica, da morte, das revelações de identidade, da solução dos mistérios, da união dos amantes, da descoberta e morte dos vilões etc”, Lucília Maria Sousa Romão Estrelas no papel - explorando a narrativa como diz Afrânio Coutinho na sua Antologia de Literatura. Tal amarração pode ser feita com uma surpresa final, quebrando a previsibilidade do enredo; ou com uma última célula aberta, que sugere algumas possibilidades. Cabe ao leitor escolher o ‘seu final’. Propostas de narração: Proposta 1) A seguir você tem alguns elementos que devem ser levados em consideração para compor um texto narrativo de aproximadamente 45 linhas: ■ O texto 1 deve compor o personagem central, um vizinho da antiga casa em que ocorreu o crime. “ Era também um leitor atento das novidades literárias que lhe mandava pelo correio seu livreiro de Paris, ou das que lhe despachava de Barcelona(...) De qualquer forma, nunca lia pela manhã, e sim depois da sesta durante uma hora, e à noite antes de dormir...” (O amor nos tempos do cólera-Gabriel Garcia Márquez) ■ O texto 2 apresenta o espaço em que ocorreu o trágico assassinato, um dia antes da demolição da casa. “Vão demolir esta casa, / Mas meu quarto vai ficar / Não como forma imperfeita / Neste mundo de aparências: / vai ficar na eternidade / com seus livros, com seus quadros / Intacto, suspenso no ar!” (Manuel Bandeira) Suponha então que você fosse um jornalista contratado para escrever sobre o mistérioso crime. Narre em primeira pessoa todos os acontecimentos e fatos desde o princípio até a conclusão da matéria. Proposta 2) Crie uma história com 40 linhas, dando continuidade ao estado emocional e existencial da personagem. Procure intensificar o espaço e as ações interiores, revirando cenas do passado e mantendo o tom de densidade já iniciado. “Vagueei longo tempo através das ruas, facetadas de branco , pelo puro gosto de me sentir sozinho sem idéias, anulado de silêncio. Uma cidade fantástica se erguia imaginada, numa geometria árida de superfícies lisas, com faixas de sombra e luz estiradas, túneis de arcarias desertas, flechas de torres de chaminés à altura dos astros, ângulos negros de ruas- imóvel espectro de uma civilização perdida...” (Aparição- Virgílio Ferreira) Toques e Técnicas carta argumentativa Trata-se de um texto persuasivo com um particularidade: dialogar com um interlocutor específico, que tem uma posição definida sobre certo tema. O aluno é convidado a concordar com ele ou refutar a perspectiva apresentada. O texto se comporta com recursos e técnicas de argumentação muito próximas da dissertação, contando apenas com uma polarização intensa do contra e a favor. É preciso escolher o ângulo de análise e depois se dirigir a um diretor de jornal, autor de novela, político ou organizador de movimento, tendo os devidos cuidados com a forma. Não se conversa com uma autoridade em tom de botequim. Os pronomes de tratamento são vitais e fazem o papel de estabelecer uma aproximação respeitosa, sem escorregadas na intimidade. É preciso convencê-lo a mudar sua posição, através de um conjunto de dados e provas. Propriedade da norma culta, suficiência de comprovações, postura contundente e racional sem acrobacias emocionais: esses são ingredientes básicos à carta argumentativa. Para os examinadores da Unicamp, que conserva a exclusividade nessa modalidade, “não basta dar ao texto a organização de uma carta, mesmo que a interlocução seja natural e coerentemente mantida; é necessário argumentar” - indica o fascículo O Vestibular da Unicamp (de Francisco Furlan, Maria Luíza Abaurre e Maria Bernadete Abaurre). Resta assinalar os elementos básicos da carta argumentativa: data (muitas vezes sugerida na proposta do vestibular; atenção!), vocativo, texto estruturado em parágrafos com forte argumentação, despedida e iniciais do nome do aluno. Escreva, por exemplo, uma carta dirigida ao carnavalesco Joãosinho Trinta, que assinala o projeto de carnavalizar O Guarani, montando um espetáculo com 750 pessoas. Procure convencê-lo de que o carnaval não tem parentesco com a ópera, contrariando o que ele diz: “Sempre observei que o desfile de uma escola de samba tem a mesma estrutura de uma ópera. No carnaval, o corpo de baile são as passistas, e o coral, as alas. A proposta é a mesma: um espetáculo audiovisual.” (Folha de S.Paulo- 16.jul.96) A carta também pode contemplar um tema objetivo de cunho social e polêmico. O tema agora é a condenação de um dos réus pelo massacre da Candelária . Escreva uma carta dirigida à senadora Benedita da Silva, convencendo-a de que a impunidade não acaba com um simples julgamento, contrariando o que ela disse à Folha de S.Paulo em 01.mai.96: “O resultado, de certa forma, fez justiça. Foi surpreendente. O Brasil dá um salto, não será mais o país da impunidade.” T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C Ilustração Laís Guaraldo Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Coletânea 1) Leia os textos e depois escreva uma dissertação com aproximadamente 30 linhas, tendo como tema o poema Dia de Índio, de José Paulo Paes: O dia dos que têm / os seus dias contados. ■ Texto 1) “Desde a colonização, os índios foram submetidos a todo tipo de violência: usurpação de suas terras, assassinatos, guerras, escravidão, genocídios e outras formas de agressão que provocaram o extermínio da maioria (...) Os guaranis, com cerca de 30 mil índios, apesar de serem uma das maiores populações indígenas do país, começaram a praticar o suicídio. Os casos mais trágicos de suicídio dos guaranis passaram a ser registrados pela imprensa e pelas entidades indígenas com mais intensidade a partir dos anos 90.” (Democracia aos pedaços - direitos humanos no Brasil - Gilberto Dimenstein) ■ Texto 2) “A entrada de mineradoras e garimpeiros em terras indígenas é um dos maiores dramas dos índios. Estima-se que apenas 2% das jazidas minerais do país estejam em terras indígenas, que deveriam ser exploradas em último caso, para funcionarem como reserva futura . No entanto, ignorando esse fato, o governo já concedeu, até 1988, mais de 500 autorizações para a pesquisa de minérios em áreas indígenas, além de outros 2 mil pedidos já terem sido encaminhados. Mais da metade das mineradoras interessadas são estrangeiras; as outras pertencem ao governo ou a empresários brasileiros.” (A questão do índio Fernando Portela e Betty Mindlin) ■ Texto 3) “Mas o índio não tem nenhuma importância para os governos do Brasil. São considerados problema, fonte de atritos com fazendeiros que detêm o poder político, garimpeiros e posseiros que mobilizam apoios na sociedade. São um obstáculo à exploração predatória de madeira, de jazidas e da terra. Não são pessoas. São apenas um número vago, 170 mil, 200 mil, qualquer um serve, ninguém conta. Melhor que acabassem. Ou se ‘integrassem’ logo, virassem alcoólatras, bóias-frias, mendigos, loucos, ladrões, prostitutas.” (Xingu, uma flecha no coração Washington Novaes) Lucília Maria Sousa Romão Mão na massa - propostas de redação ■ Texto 4) “É impossível resumir em poucas páginas o lugar do índio na História do Brasil. Deixou-se de falar da dizimação de inúmeras tribos que representou o rush da borracha no século XX. Um só exemplo foi citado para ilustrar as ameaças que pesam sobre as tribos indígenas sobreviventes na Amazônia e no centro-oeste , em nossos dias, devido à expansão de latifúndios nacionais e estrangeiros que, reiteradamente na nossa história, substituem homens por bois. Falou-se por alto dos empreendimentos multinacionais de mineração, de agroindústria e extrativismo vegetal, e sua infra-estrutura de estradas e hidroelétricas, que desalojam colonos, lançando-os sobre as últimas terras que restam aos índios.” (O índio na História do Brasi l - Berta Ribeiro) ■ Texto 5) “Reportagem desta Folha revelou que os índios brasileiros estão vivendo menos. Entre 93 e 95, a expectativa de vida dos índios caiu 5/6 anos. Não se trata de acaso. A Funai investiu no ano passado R$ 22 por índio / ano, enquanto o SUS ( Sistema Único de Saúde) investe R$ 100. Os povos indígenas que vivem menos são os da Amazônia. A região enfrenta fortes surtos de malária e hepatite, doenças levadas pelos madeireiros que invadem a reserva.” (Editorial da Folha de S.Paulo -10.jun.96) ■ Texto 6) “Secas vidas de cinzas, sem doce nem sal. Vidas duras, de carinhos segadas, de desejos podadas. Sofrido povo de Deus, proibido de si. Enlutados, porque não morrem.” (Maíra - Darcy Ribeiro) Coletânea 2) Estabeleça um paralelo entre os textos e depois escreva uma dissertação sobre: A vocação brasileira de importar modelos e padrões. Fragmento 1) “O Brazil não conhece o Brasil” (Querelas do Brasil - João Bosco) Fragmento 2) “Trata-se enfim de uma penetração cultural, fruto de um planejamento cuidadosamente elaborado pelo governo dos USA (mas essencialmente pacífica, no sentido de não-utilização de força ou material bélico), da qual nem sempre nos damos conta, mas que cerra nossos olhos e ouvidos e nos anestesia a razão e os sentidos para outras formas estrangeiras de arte, literatura, tecnologia , lazer etc. Trata-se de uma invasão que fecha amplos espaços para a criatividade e produção cultural mais ligada à nossa brasilidade(...) Um monopólio que transforma o que é estrangeiro em algo tão habitual, tão aparentemente natural em nosso meio, que às vezes nem mesmo é reconhecido como importado.” (A invasão cultural norte-americana Júlia Falivene Alves) Coletânea 3) Responda a pergunta feita por Rubem Fonseca no livro O selvagem da ópera : “A adstringência de Carlos ao modelo europeu obriga suas óperas, inclusive as que começou e abandonou, até mesmo as que são cantadas em português, A noite do castelo e Joana de Flandres, quase todas, enfim, com exceção de O Guarani (indianismo) e Lo schiavo (abolicionismo), a terem temas alheios ao seu verdadeiro mundo: lendas medievais, devaneios orientais, fábulas estrangeiras com sabor exótico atraente aos europeus. Uma pergunta cuja resposta eu não sei: se Carlos, como Villa-Lobos, por exemplo, tivesse ficado no Brasil até os 36 anos e estudasse as partituras dos grandes mestres, “mas deixando-se guiar principalmente pelo instinto”; se aprendesse com os autores populares de modinhas as criações tipicamente brasileiras, sem esquecer, todavia a admiração por Verdi, como Villa-Lobos aprendeu com os ‘chorões’ sem esquecer Bach (...) se isso tivesse ocorrido, a obra de Carlos Gomes seria mais original, e assim mais prestigiada e permanente?” Coletânea 4) Para escrever sua dissertação com aproximadamente 30 linhas, leve em consideração os fragmentos abaixo, retirando deles subsídios para a discussão sobre o perfil do índio na literatura brasileira. Fragmento 1) “A feição deles é serem pardos maneiras d’avermelhados de bons rostros e bons narizes bem feitos. Andam nus sem senhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar o rosto (...) Eles porém contudo andam muito bem curados e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as mansas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão fremosos que não pode mais ser.” (A Carta - Pero Vaz de Caminha) Fragmento2) ‘‘Assim, durante um curto instante, a fera e o selvagem mediram-se mutuamente , com os olhos nos olhos um do outro; depois o tigre agachou-se, e ia formar o salto (...) O índio, que ao movimento da onça acurvara ligeiramente os joelhos a apertar o forcado, endireitou-se de novo; sem deixar a sua posição (...) Estendeu o braço e fez com a mão um gesto de rei, que rei das florestas ele era, intimando os cavaleiros que continuassem a sua marcha.” (O Guarani - José de Alencar) Fragmento3) “O herói suspirou. Se ouvia o murmurejo da onda, só. Veio um enfaro feliz subindo pelo corpo de Macunaíma, era bom ... A cunhatã mais moça batia o urucungo que a mãe trouxera da África.(...) a filha-da-luz mais velha afastava os mosquitos borrachudos em quantidade, a terceira chinoca com as pontas das tranças fazia estremecer de gosto a barriga do herói (...) No outro dia Macunaíma não achou mais graça na capital da República. Trocou a pedra Vató por um retrato no jornal e voltou pra taba do igarapé Tietê.” (Macunaíma - Mário de Andrade) OUTUBRO 96 7